Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE BANCÁRIA INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA DEVER DE INFORMAÇÃO NEXO DE CAUSALIDADE ÓNUS DA PROVA INDEMNIZAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS APLICAÇÃO FINANCEIRA ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRESUNÇÃO JUDICIAL LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA | ||
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Data do Acordão: | 05/15/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - O AUJ 8/2022 não fixou/estabeleceu que, para haver nexo causal, tem forçosamente de constar do elenco dos factos provados um facto que diga, literal e explicitamente, que o cliente, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva, não teria subscrito as obrigações: o que o AUJ 8/2022 fixa/estabelece é que “incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir”, não vedando que um tribunal, a partir de todos os elementos factuais que hajam sido reunidos, possa considerar tal prova como feita. II - Quando as instâncias, a partir de todo o acervo factual, dizem/concluem que “é forçoso concluir que se o A. soubesse da natureza, caraterísticas e riscos associados às obrigações SLN 2006, maxime de perda do capital investido, não as teria subscrito”, não estão a firmar um facto desconhecido a partir de factos conhecidos, ou seja, não estão a fazer uso de presunções judiciais, mas sim e apenas a aplicar o direito aos factos. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I - Relatório AA (entretanto falecido) e BB (por si e como habilitada da parte falecida), com os sinais dos autos, intentaram a ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., também identificados nos autos pedindo: a) Deve declarar-se a inexistência e/ou a ineficácia da ordem de subscrição de cinco obrigações com a designação de SLN2006 emitidas pela Galilei, SGPS, S.A. cada uma com o valor nominal de 50.000,00 € (cinquenta mil euros) no montante nominal de 250.000,00 €, subscrição esta realizada em 8 de Maio de 2006 pela Ré em nome do 1º Autor AA e sua falecida mulher CC, de quem a 2ª Autora BB, conjuntamente com seu pai (1º Autor) são os únicos e legítimos herdeiros, já devidamente habilitados por escritura junta aos autos como documento nº 2, através da sua conta bancária nº 5699750.10.001, com o NIB ......................10 e o IBAN PT50 .... .... ... .... ...10, de que eram e são titulares no Banco Bic Português, S.A./EUROBIC; b) Deve condenar-se o Réu a reconhecer a inexistência da ordem de subscrição de cinco obrigações com a designação de SLN2006, emitidas pela Galilei, SGPS, S.A., cada uma com o valor nominal de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), no montante nominal total de 250.000,00 €, subscrição esta realizada em 8 de Maio de 2006 pelo Réu em nome do 1º Autor AA e de sua falecida mulher CC, de que a 2ª Autora BB, conjuntamente com seu pai (1º Autor), são os únicos e legítimos herdeiros; c) Deve condenar-se o Réu a pagar aos Autores o montante de 250.000,00 € (duzentos e cinquenta mil euros) acrescido dos juros de mora vencidos, calculados à taxa de juro civil (4%) desde 9 de Maio de 2006 até à presente data (10 de Fevereiro de 2022), no montante de 157.698,63 € e bem assim os juros vincendos até integral e efetivo pagamento; d) Deve condenar-se o Réu a pagar a cada um dos Autores o valor de: ao 1º Autor 20.000,00 € e à 2ª Autora o valor de 10.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, calculados à taxa de juro civil, desde a citação até integral e efetivo pagamento. Caso assim se não entenda, e) Deve declarar-se a nulidade a ordem de subscrição das cinco obrigações com a designação SLN2006, emitidas pela Galilei, SGPS, S.A. cada uma com o valor nominal de 50.000,00 €, no montante total de 250.000,00 € (duzentos e cinquenta mil euros) subscrição essa realizada em 8 de Maio de 2006 pela Ré em nome do 1º Autor AA e de sua falecida mulher CC, de quem a 2ª Autora BB, conjuntamente com o seu pai (o 1º Autor) são os únicos e legítimos herdeiros, já devidamente habilitados pela escritura de habilitação junta aos Autos como documento nº 2, através da sua conta bancária nº ...01, com o NIB .............. ........10 e o IBAN PT50. .... .... .... .... 0, de que eram e são titulares no Banco Bic Português S.A./EUROBIC, devendo o Réu ser condenado a reconhecer essa medida. f) Deve condenar-se o Réu a restituir aos Autores o montante de 250.000,00 € (duzentos e cinquenta mil euros), acrescido de juros de mora vencidos calculados à taxa do juro civil (4%) desde 9 de Maio de 2006, até à presente data (10 de Fevereiro de 2022), no montante de 157.698,63 € e bem assim os juros vincendos até integral e efetivo pagamento. g) Deve condenar-se o Réu a pagar a cada um dos Autores o valor de: ao 1º Autor 20.000,00 € (vinte mil euros) e à 2ª Autora o valor de 10.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, calculados à taxa de juro civil, desde a citação até integral e efetivo pagamento. Caso, ainda assim, se não entenda h) Deve condenar-se o Réu a pagar as Autores o valor de 250.000,00 € que, ainda hoje continua a constar dos extratos globais do Banco Réu como carteira de títulos nesse montante (conforme doc. nºs 7 a 17), por danos patrimoniais, acrescido de juros de ora vencidos, calculados à taxa de juro civil, desde 9 de Maio de 2006 até à presente data (10 de Fevereiro de 2022), no montante de 157.698,63 € e bem assim os juros vincendos até integral e efetivo pagamento. i) Condenar-se o Réu a pagar a cada um dos Autores o valor de: ao 1º Autor 20.000,00 € (vinte mil euros) e à 2ª Autora o valor de 10.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, calculados à taxa de juro civil, desde a citação até integral e efetivo pagamento. j) Deve o Réu ser condenado, na procedência do pedido principal ou de algum dos pedidos subsidiários, no pagamento das custas devidas, inclusive nas custas de parte. Para tanto, muito em síntese, alegaram que não deram ordem de subscrição das obrigações SLN 2006, tendo o seu gestor feito a aplicação de montantes que tinham depositados sem o seu consentimento; que o ato de subscrição é nulo por violar normas de natureza imperativa; e que o então banco BPN, na pessoa do gerente de conta, violou os deveres de intermediário financeiro, causando-lhe prejuízos patrimoniais e não patrimoniais. O R. contestou, alegando/invocando, também muito em síntese, que a ordem de subscrição existiu e que os clientes sempre tiveram conhecimento da mesma, recebendo os extratos de onde constam as obrigações e as remunerações das mesmas, sem nunca reclamarem ou questionarem a sua proveniência; que o gestor de conta informou do produto que subscreviam, não sendo o produto subscrito um produto de risco acrescido quando comparado com outros e à luz do que se sabia no momento; e invocando a prescrição do direito à indemnização, por, mesmo que se verifiquem os restantes pressupostos do direito a indemnização, não ter agido com dolo ou culpa grave e já ter decorrido o prazo previsto para a prescrição. Os AA. responderam, referindo que a violação dos deveres por parte do BPN foi muito grave, pelo que o direito indemnizatório não se encontra prescrito. Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador – que considerou a instância totalmente regular, estado em que se mantém, e que relegou para final a exceção da prescrição – e foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, “condenou o R. no pagamento à A (em nome próprio e habilitada como sucessora do primitivo autor) da quantia de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até à data de efetivo pagamento, deduzida da quantia que os AA hajam recebido a título de remuneração das obrigações SLN 2006 desde a sua subscrição até Maio de 2015, a liquidar em execução de sentença”; “condenando ainda o R a pagar a quantia de €3.000,00 (três mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento”; e “absolvendo o R. do restante pedido”. Inconformado com tal decisão, interpôs o Banco R. recurso de apelação, o qual, por Acórdão da Relação de Lisboa de 25/01/2025 foi julgado improcedente, e, em consequência, confirmada a sentença recorrida. Ainda inconformado, interpõe o Banco R. o presente recurso de revista, com fundamento em o acórdão recorrido desrespeitar jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que o absolva de todo do pedido. Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: “(…) 1º. O Recurso interposto é de revista excecional, a admitir nos termos do disposto nos artigos 671.º, n.º 3, 1.ª Parte; 672.º, n.º 1, al. c) e 629.º, n.º 2, al. c), todos do CPC 2º. A situação em apreço refere-se, em concreto, à responsabilidade civil do Recorrente, enquanto instituição financeira, e que, de forma indisputada, atuou enquanto intermediário financeiro na colocação das Obrigações SLN. 3º. Não se antevia a quantidade de decisões que vêm violando o sentido daquele AUJ, nomeadamente, e recentemente com mais acuidade, tem-se assistido a um fenómeno quase de densificação do entendimento vertido o n.º 4 do mesmo – e de que a presente decisão é exemplo acabado. 4º. Entende o Recorrente que, aplicando os termos do AUJ n.º 8/2022, para que se verifique o concreto pressuposto da responsabilidade civil – nexo de causalidade – tem, necessariamente, de existir a alegação de um facto, e a subsequente prova desse facto, que indique que a prestação de informação devida levaria o cliente – no caso, os AA. – a não tomar a decisão de investir. E esse facto não existe!!! 5º. É que o Tribunal da Relação decide como decide sem que da matéria de facto dada como provada – até porque esse facto não foi, sequer, alegado! – resulte qualquer facto provado onde se afirme que a prestação de informação devida levaria o cliente – no caso, os AA. – a não tomar a decisão de investir. 6º. A presunção judicial, como qualquer outro meio de prova, serve exatamente para isso!!! Ou seja, para, através do seu recurso, provar um determinado facto que, necessariamente, será levado à matéria de facto. 7º. A Sentença de 1.ª instância poderia ter lançado mão deste recurso à prova judicial para o fazer, e não o fez! 8º. Em suma, o acórdão recorrido viola ostensivamente aqueles que são os ditames do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, de 3 de novembro (nomeadamente o segmento n.º 4 do seu sumário) devendo o presente recurso ser admitido. 9º. Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1 do CPC, constitui atribuição exclusiva das partes delimitar os termos ou objeto do litígio através da enunciação dos fundamentos da ação (ou seja, a causa de pedir) e da dedução das respetivas pretensões (o pedido). 10º. Sempre estará o Tribunal, de 1.ª instância (ou qualquer tribunal superior para o efeito), adstrito aos factos essenciais alegados pelas partes. É que da facticidade dada como provada, resultou para a 1.ª instância, e corroborada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a responsabilidade civil do Banco R. enquanto intermediário financeiro, na colocação das Obrigações SLN. 11º. Não obstante, para responsabilidade do Banco R. lhe fosse assacada nesses termos, era necessária a alegação e prova dos requisitos gerais dessa mesma responsabilidade civil, como sejam o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre a ilicitude e o dano. Por isso que, a prova por presunção judicial, a resultar em algum facto, sempre teria de ser relativo a um facto instrumental ao pedido e à causa de pedir, e nunca relativamente a um facto essencial. 12º. E assim, a falta de alegação de que “a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir” - um facto essencial relativo ao nexo de causalidade (nas palavras uniformizadoras do STJ), que é um quid necessário da responsabilidade civil, não poderia ser suprimido e/ou ultrapassado com o emprego, no campo da aplicação do Direito, de uma presunção judicial! 13º. Destarte, deveria o Tribunal da Relação ter respeitado os factos essenciais dados como provados e aplicar o direito em função dos mesmos, não podendo inferir um facto essencial em matéria de direito, para condenar o banco como o fez. 14º. Por via da válvula de escape residual de reapreciação da matéria de facto prevista no artigo 674.º, n.º 3, 2.ª parte, amparada no artigo 682.º, n.º 2, 2.ª parte, sempre do CPC, a revista possa servir legitimamente para controlar o uso da construção de presunções judiciais utilizadas pelas instâncias, tendo em vista verificar a violação de norma legal (nomeadamente os artigos 349.º e 351.º, ambos do Código Civil.), a sua coerência lógica e a fundamentação probatória de base quanto ao facto conhecido. 15º. As presunções judiciais, consistindo em ilações que o julgador tira de um facto conhecido para, depois, firmar um facto desconhecido (artigo 349.º do CC), situam-se no plano da matéria de facto. 16º. A estrutura lógica das presunções é própria da chamada indução reconstrutiva, através da qual se permite comprovar a realidade de um facto (facto presumido) a partir da prova da existência de um outro facto (facto-base, instrumental ou indiciário), funcionando as regras da experiência e da probabilidade como seu fundamento lógico. 17º. A possível intervenção do STJ no campo das presunções judiciais situa-se precisamente ao nível da perscrutação de vícios na formação desse juízo indutivo. Se a presunção não for legalmente admitida (artigo 351.º do CC), se partir de factos não provados (artigo 349.º do CC) ou se padecer de evidente ilogicidade, o STJ pode invalidar o uso da presunção. 18º. Se aqueles limites não tiverem sido respeitados, como no presente caso, estaremos perante um caso de violação da lei e, então, porque se trata já de uma questão de direito, caberá ao Supremo intervir, controlando e decidindo em ordem a fazer respeitar a conteúdo fáctico que foi dado como provado. 19º. Toda a presunção consiste em obter a prova de um determinado facto (facto presumido) partindo de um outro ou outros factos básicos (indícios)que se provam através de qualquer meio probatório e que estão estreitamente ligados com o facto presumido, de maneira tal que se pode afirmar que, provado o facto ou factos básicos, também resulta provado o facto consequência ou facto presumido. 20º. Contudo, na prova por presunção legal ou judicial não só há de resultar provado(s) o(s) facto(s) básico(s), mas há de determinar-se ainda a existência ou conexão racional entre esse(s) facto(s) e o facto consequência (o presumido!). 21º. Apresentando uma estrutura em que os factos básicos estão conexionados através de um juízo de probabilidade, que por sua vez se apoia na experiência, de maneira tal que a prova de um envolve a prova de outro. 22º. Não houve qualquer facto básico do qual fosse inferido um facto consequência que se traduzisse, em concreto, no nexo de causalidade entre a atuação ilícita do banco R. e o dono ocorrido aos AA. 23º. Em suma, cotejando o teor da alegação dos AA. com o facto que a Relação entendeu como provado (apenas na aplicação de Direito!) com base em aparente presunção judicial, sempre se concluirá que o Tribunal da Relação exorbitou a facticidade alegada na petição inicial, nos termos do disposto nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil, existindo, assim violação da lei substantiva (e processual) aplicável ao presente caso. 24º. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o ato de subscrição. 25º. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque. 26º. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse! 27º. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade. 28º. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei! 29º. Se em abstrato, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato. 30º. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da atividade de intermediação financeira, de receção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à receção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. é este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, suscetível de o caracterizar. 31º. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes. 32º. A única prestação principal neste contrato será a de receção e transmissão de ordens do cliente. 33º. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca ao abrigo da proclamada presunção de causalidade. 34º. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato! 35º. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira. 36º. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no ato de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento. 37º. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato? 38º. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador! 39º. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efetivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspetiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito. 40º. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem! 41º. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito – uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)! 42º. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações, ou de qualquer característica do produto, e que é essa causa do seu dano! 43º. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. 44º. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano. 45º. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão. 46º. E nada disto foi feito! 47º. Dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão. 48º. Aceitar esta alegação seria o mesmo que dizer que este subscritor, que se define como cliente de depósito a prazo, nunca o subscreveria se soubesse que os mesmos não eram garantidos a 100%. 49º. Dir-se-ia, a ser assim, que o nexo só se verificaria se resultasse provado que, se soubessem de todas as características dos produtos em causa, o subscritor teria guardado os seus valores em casa, debaixo do colchão!!! 50º. Acresce que, foi esta matéria foi recentemente alvo de Acórdão para Uniformização de Jurisprudência, no âmbito do processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A que uniformizou esta questão no seguinte sentido: “1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7º, nº1, 312º, nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei nº 357-A/2007 de 31 de Outubro, e 342º, nº1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano. 2. Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco)”, sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7º , nº1 do CVM. 3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir. 51º. Ora, manifestamente, não consta da matéria de facto dada como provada que os AA., se lhes tivesse sido fornecida toda a informação sobre o produto, não teriam realizado o investimento. 52º. Até porque tal facto não foi sequer alegado! E, portanto, Quod non est in actis non est in mundo! 53º. Não se poderá assim ter por verificado, no seguimento da jurisprudência agora uniformizada, o requisito do nexo de causalidade e, como tal, não poderá o banco Recorrente ser responsabilizado pelo dano que se produziu em virtude do incumprimento da SLN. 54º. O Tribunal da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 7.º, 290.º, n.º 1, al. a), 304.º-A, 312.º a 314.º-D, 323.º a 323.º-D do CdVM; 4.º, 12.º, 17.º e 17.º do DL 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE; e 342.º, 349.º, 351.º, 364.º, 483.º e ss., 563.º, 628.º e 798.º e ss do CC. (…)” A A. respondeu, sustentando, em síntese, que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos. Concluiu a sua contra alegação nos seguintes termos: 1.ª Está provado nos autos, que o réu Banco BIC Português, S.A. Sociedade Anónima/Eurobic, por si e pelo seu colaborador/funcionário DD violaram o dever de informação para com os clientes/autores, agora autora, devidamente habilitada. 2ª Pois que a informação prestada previamente à subscrição das obrigações SLN2006 não foi completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e necessariamente lícita, tendo sido, por isso, violado o disposto no artº 7º nº 1 do Código dos Valões Mobiliários. 3ª Tivessem as informações devidas, sido prestadas sem a violação da norma legal referida, e logo com as características referidas na conclusão anterior, e os autores AA e sua mulher CC não teriam investido/subscrito nas referidas obrigações. 4ª O nexo da causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 5ª A matéria de facto comprova que, se o investidor (autor primitivo) que representava a sua mulher, tivesse percebido (ou sequer intuído) que poderia estar a dar ordem de compra de um produto financeiro de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não a autorizaria. 6ª As condições das informações prestadas pelo réu Banco BIC Português, S.A. Sociedade Anónima/Eurobic e seu colaborador DD erroneamente pressupostas pelas ditas informações, foram conditio sine qua non para firmar o contrato. 7ª Encontra-se demonstrada a existência do nexo de causalidade entre o facto e o dano, face a toda a prova produzida na Audiência de Discussão e Julgamento, que fora levada, superiormente, ao douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ora em apreciação. 8ª Com este acórdão, formou-se já a designada dupla conforme com duas sentenças que julgam procedente o pedido formulado na petição inicial, ainda que parcialmente, sentença e acórdão pelo qual a autora continua a pugnar. 9ª O valor total do dano ou indemnização a pagar pelo réu Banco BIC Português, S.A. Sociedade Anónima/Eurobic à autora é o que consta no acórdão recorrido, ou seja: - 250.000,00 € que os autores primitivos outorgaram para subscrever as obrigações, - acrescida de juros de mora desde o momento em que o réu foi interpelado, calculados à taxa legal - deduzidos dos valores que os autores primitivos receberam por “pagamento cupão” desde Novembro 2006 a Abril 2015. - danos não patrimoniais de 3.000,00 €, fixados na sentença e acórdão da 1ª instância e Tribunal da Relação de Lisboa, que formam a “dupla conforme”, igualmente acrescida dos juros à taxa legal até efectivo pagamento. 10ª Deverá o réu Banco BIC Português, S.A. Sociedade Anónima/Eurobic pagar a totalidade das custas, incluindo as de parte, apuradas nas instâncias. 11ª Não se encontram violadas nem foi feita errada aplicação e interpretação, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, das normas constantes da conclusão 54ª das alegações de recurso do Banco BIC Português, S.A. Sociedade Anónima/Eurobic,com o sentido alegado na referida conclusão, antes pelo contrário: a violação legal, claramente existente, foi sobremaneira, a do artº 7º nº 1 do Código dos Valores Mobiliários (características que deveria ter tido a informação, que todavia não foi prestada) e 563º do Código Civil, que, essas sim, constituem fundamento para que se dignem Vossas Excelências julgar pelo não provimento do recurso de apelação interposto pelo réu. (…)” Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II – Fundamentação de Facto II – A – Factos provados As instâncias deram como provados os seguintes factos: a) A Autora BB é filha do 1º Autor AA e conjuntamente com ele, herdeira, com exclusão de outrem, de sua mãe CC, da qual o 1º Autor era viúvo. b) O 1º Autor AA tinha, à data da propositura da acção, 89 anos, encontrando-se reformado, não exercendo qualquer profissão, tendo falecido a ........2023. c) A Autora tem 65 anos, era professora do ensino básico e secundário e aguarda que lhe seja deferida a sua pensão de reforma. Actualmente é doméstica. d) Não obstante o facto de os Autores serem pessoas de condição social média, a verdade é que ambos são totalmente iletrados no que toca a produtos e condições financeiras, designadamente a aplicações financeiras comercializadas pela generalidade dos Bancos. e) O Réu, Banco BIC – Português, S.A, é uma sociedade que tem por objecto o exercício das actividades permitidas por lei aos bancos ou seja, mais concretamente: “Exercício da actividade bancária, incluindo todas as operações acessórias conexas ou similares compatíveis com essa actividade e permitidas por lei” f) O Banco BIC Português, S.A.- sociedade anónima, com sede social sita na Rua Mouzinho da Silveira, nº 11/19, concelho de Lisboa, pessoa colectiva nº507.886.510, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa com este mesmo número, com o capital social de € 30.000.000,00 € fundiu-se (fusão por incorporação) com o BPN – Banco Português de Negócios, S.A., sociedade anónima, com sede social sita na Avenida António Augusto de Aguiar, nº 132, concelho de Lisboa, pessoa colectiva nº 503.159.093, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, com o capital social de € 410.429.800,00 (trezentos e oitenta milhões de euros) e, em virtude da fusão entre as sociedades participantes, o BPN – Banco Português de Negócios, S.A. adoptou a denominação social “Banco BIC Português, S.A. e que atenta aquela fusão, foi efectuada a transferência global do património da sociedade incorporada Banco BIC Português, S.A para a sociedade incorporante BPN – Banco Português de Negócios, S.A. com a consequente extinção da primeira, a sociedade incorporante Banco Português de Negócios, S.A., tendo o R a denominação actual de Banco BIC Português, S.A./EUROBIC g) Os Autores eram e são titulares da conta nº ............01 com o NIB ......................10 e o IBAN PT.....................10, no BPN – Banco Português de Negócios, S.A. (actual Réu) desde praticamente, a criação do BPN, sendo os clientes nº .....50. h) O 1º Autor pai foi persuadido a abrir conta por DD, à data trabalhador por conta do Réu no balcão deste na Avenida ... em ..., que o informou que o banco estava a atribuir taxas de juro bastante elevadas e, por isso, para que abrisse conta naquela instituição bancária. i) No dia 8 de Maio de 2006 o Réu, na pessoa do seu trabalhador DD, em nome do 1º Autor e sua falecida mulher CC, procedeu à subscrição de cinco obrigações de 50.000,00€ cada, subordinadas, SLN 2006, no montante total de 250.000,00€ com as seguintes características e condições: - PRAZO: 10 ANOS - 1º CUPÃO: TANB 4,5% - 9 CUPÕES SEGUINTES: EURIBOR 6M + 1,15% - RESTANTES CUPÕES: EURIBOR 6M + 1,50% j) A data da subscrição foi de 8 de Maio de 2006 e o Autor e sua falecida mulher, não assinaram qualquer pedido de subscrição, tendo todavia, o Banco BPN, procedido à assinatura da “comunicação de Cliente” que consta de fls.86, através do referido DD, no local próprio reservado ao Banco. k) Aquando da subscrição das obrigações SLN – 2006, os Autores ficaram com um pequeno saldo na conta à ordem. l) O 1º Autor e sua falecida mulher, no momento da subscrição, não assinaram quaisquer documentos referentes à aquisição daquelas obrigações. m) Sucede que no dia 26 de Outubro de 2010 já com o BPN nacionalizado o DD solicitou a presença do 1º Autor (não da mulher), no BPN – Banco Português de Negócios, S.A e uma vez aí solicitou-lhe que, para regularizar o dossier das obrigações assinasse, como subscritor das ditas obrigações um documento (Boletim de Subscrição) que embora tivesse a mesma data da subscrição inicial, ou seja 8 de Maio de 2006, foi assinado em 26 de Outubro de 2010. n) O 1º Autor – que era quem sempre administrou e tratou de todas as questões financeiras da família – tinha alicerçada, uma sólida e já com alguns anos, relação de confiança com o DD. o) O 1º Autor não sabia do que se tratava “obrigações SLN 2006”, nem tinha instrução nem formação que lhe permitisse compreender o tipo e alcance das aplicações financeiras que foram realizadas, tendo ficado com a convicção de que o seu dinheiro estava, como sempre estivera, em Depósito a Prazo, sendo o reembolso do capital aplicado e o pagamento de juros assegurado pelo banco. p) Embora aquele trabalhador do Réu (DD) conhecesse e soubesse bem, o desconhecimento do 1º Autor e sua falecida mulher de tudo quanto dissesse respeito a aplicações financeiras que excedesse os meros Depósitos à Ordem e Depósitos a Prazo, em momento algum os alertou para a existência de eventuais riscos – por menores que fossem – que pudessem estar associadas àquele produto ou à subscrição das 5 obrigações de 50.000,00 € cada da SLN 2006 e do risco que elas tinham. q) O Réu, ao contrário, na pessoa do trabalhador DD, assegurou ao 1º Autor que representava também a mulher, que tinha investido na aquisição dum produto com garantia do montante de capital investido e com uma rentabilidade, em termos de juros, muito superior à de um Depósito a Prazo tradicional, que normalmente era de 6 meses ou de um ano. r) Sobre a possibilidade de movimentar os 250.000,00€ a qualquer momento, DD transmitiu, sempre, que colocaria os 250.000,00€ na conta à Ordem do 1º Autor e sua mulher, logo que tal fosse solicitado, assegurando-lhe, assim, a total liquidez do capital depositado. s) O 1º Autor e sua falecida mulher, confiaram sempre na sua palavra quando o mesmo lhes garantia que o Réu havia aplicado as suas poupanças num produto credível, seguro e rentável. t) O 1º Autor e sua falecida mulher aceitaram sempre os conselhos do seu gestor de conta (o referido DD) pelo facto de confiarem incondicionalmente na sua palavra e no que pensavam ser uma boa competência técnica e profissionalismo. u) A partir de determinada altura, entre 2008 e 2010, face às notícias que diariamente eram veiculadas pela comunicação social, dando conta da nacionalização do BPN, o 1º Autor tentou saber o que se ia passar com as suas poupanças junto do Réu e fê-lo sempre junto do seu gerente de conta/cliente, o referido DD. v) Nessa data o Réu, através do dito DD comunicou ao 1º Autor, que as obrigações SLN 2006 se venciam em 2016 e que teria de aguardar pela maturidade dessas obrigações “SLN – 2006” para reembolsar o seu dinheiro. w) Até essa data, o 1º Autor e ainda sua mulher, acreditavam que poderiam obter a disponibilização dos 250.000,00 € a qualquer momento. x) Entretanto, na sequência da “subscrição” das obrigações SLN2006, foram creditadas na conta bancária Depósitos à Ordem, do Autor e sua falecida mulher, a título de juros, as seguintes quantias: data valor bruto irs total a creditar - 08-05-2008, 7.267,36€ 1.453,47€ 5.813,89 € - 10-11-2008, 7.788,75€ 1.557,75€ 6.231,00 € - 08-05-2009, 7.210,97€ 1.442,19€ 5.768,78 € - 10-11-2009, 3.448,19€ 689,64€ 2.758,55 € - 10-05-2010, 2.717,36€ 543,07€ 2.173,89 € - 09-11-2010, 2.704,33€ 581,43€ 2.122,90 € - 09-05-2011, 3.046,83€ 655,07€ 2.391,76 € - 08-11-2011, 4.083,19€ 877,89€ 3.205,30 € - 08-05-2012, 4.045,71€ 1.011,43€ 3.034,28 € - 08-11-2012, 3.175,28€ 841,45€ 2.333,83 € - 08-05-2013, 2.350,49€ 658,14€ 1.692,35 € - 08-11-2013, 2.302,56€ 644,72€ 1.657,84 € - 08-05-2014, 2.312,78€ 647,58€ 1.665,20 € - 10-11-2014, 2.503,25€ 700,91€ 1.802,34 € - 08-05-2015, 2.090,82€ 585,43€ 1.505,39 € Tudo no montante total liquido (após dedução do IRS) de 44.157,30 €. y) O 1º Autor e sua mulher, então ainda viva, acederam a esperar até 9 de Maio de 2016, porque quer o DD quer outros trabalhadores do Réu, lhes garantiram que então haveria reembolso da totalidade do capital depositado e a continuação do pagamento dos juros pela Ré, tal como vinha sucedendo até então. z) No entanto o 1º Autor e sua falecida mulher continuaram a não ser esclarecidos pelo Réu sobre o tipo e as características do produto financeiro subscrito pelo gestor do cliente, DD, e bem assim, também não sabiam dos riscos inerentes ao mesmo. aa) A partir de 08 de Maio de 2015 e até hoje o Réu deixou de proceder ao pagamento de quaisquer juros aos Autores, agora também à 2ª Autora. bb) Datada de 3 Setembro de 2015, o 1º Autor recebeu uma comunicação proveniente da Galilei, SGPS, S.A. dando nota do seguinte: “Assunto: Processo Especial de Revitalização (PER) da Galilei, SGPS, S.A. – Processo nº 22922/15.4T8LSB, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Central de Lisboa – 1ª Secção do Comércio – J4 Exmos Senhores A Galilei, SGPS, S.A. apresentou um processo especial de revitalização (PER) ao abrigo do artigo 17º-A e seguintes do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, o qual corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Central de Lisboa – 1ª Secção do Comércio J4, sob o processo nº 22922/15.4T8LSB. A Galilei, SGPS, S.A. encontra-se convicta de que através deste procedimento especial de revitalização é exequível a aprovação de um plano de recuperação com vista à sua viabilidade económica e ao ressarcimento dos seus credores. Neste contexto, vimos convidar V. Exªs., nos termos e para os efeitos do nº 1 do artigo 17ºD do CIRE, a participar nas negociações a que demos início, atinentes à revitalização da Galilei, SGPS, S.A. solicitando que, caso seja do vosso interesse, nos manifestem a vossa intenção de participar nessas negociações através de carta registada a remeter para a sede da empresa. Mais informamos que toda a documentação referida no nº 1 do artigo 24º do CIRE se encontra disponível para consulta na secretaria do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Central de Lisboa – Secção do Comércio J4. Com os melhores cumprimentos, Pela Administração cc) O 1º Autor reclamou o seu crédito no âmbito do processo nº 22922/15.478LSB – Processo Especial de Revitalização (CIRE) da Devedora GALILEI, SGPS, S.A. dd) Depois, em finais de Outubro de 2016, mais concretamente no dia 21 de Outubro de 2016, o 1º Autor recebeu nova carta, datada de 7 de Outubro de 2016, subordinada ao Assunto: Crédito – apresentação da reclamação de créditos. “Exmos Senhores Na qualidade de Administrador Judicial, nomeado no processo supra referenciado, venho pelo presente meio expor e solicitar o seguinte: Não obstante e o v/crédito ter sido relacionado/reconhecido no âmbito do Processo Especial de Revitalização, que correu termos na Comarca de Lisboa – Lisboa – Inst. Central – 1ª Sec. Comércio – J4, sob o nº 22922/15.4T8LSB, e para que o v/crédito possa ser reconhecido no âmbito do presente processo de insolvência, terá o mesmo que ser reclamado, sendo que até à presente data, não o foi. Tal deve-se ao facto de a Lista Provisória de Credores no âmbito do referido PER não ter sido convertida em definitiva, porquanto não se aplica o disposto nos termos do artº 17º G, nº 7 do CIRE. Nessa medida, caso assim o entendam, deverão V. Exªs. apresentar, no prazo cinco dias a contar da receção da N/missiva, a competente reclamação de créditos, acompanhada de todos os documentos comprovativos do mesmo, remetendo a mesma por email para ..., ou por correio, para os escritórios do signatário, sitos na Rua ..., Apartado ..., ... ou Rua ... ... ..., dando cumprimento ao artº 128, nº 2 do CIRE, sob pena de, não o fazendo, o v/crédito não ser reconhecido. Sem outro assunto de momento, sou, atentamente, O Administrador Judicial EE, Dr. NIF: .......60 ee) O 1º Autor que não percebeu o sentido e alcance da comunicação supra citada, que contrariava tudo quanto o DD sempre lhe havia transmitido e garantido, dirigiu-se, uma vez mais, ao balcão da Ré na Avenida ... em ... e solicitou, no balcão, esclarecimentos sobre o conteúdo da carta e acerca da situação do seu dinheiro (250.000,00 €). ff) Nesse momento, o Réu também transmitiu ao 1º Autor que a sociedade emitente das obrigações tinha requerido um processo especial de revitalização e, por isso, teria de reclamar o seu crédito ou o pagamento das suas obrigações em Tribunal. gg) Em 25 de Outubro de 2016, o 1º Autor reclamou o seu crédito no âmbito do proc. PIRE 23.449/15.078LSB-01 da Insolvência da GALILEI SGPS, S.A. – NIF 504.265.369 e remeteu a reclamação para o Dr. EE, Administrador Judicial Provisório, por correio registado com aviso de recepção, tendo a mesma sido recebida em 26 de Outubro de 2016, conforme consta dos documentos juntos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. hh) Apenas pela carta datada de 7 de Outubro de 2016 junta supra em 45º e em sede de “Assunto: Crédito – apresentação da reclamação de créditos” é que a Ré mencionou que se tratava da insolvência da Galilei, SGPS, S.A. – NIF 504.265.369, tendo sido esta sociedade (GALILEI, SGPS, S.A.) quem tinha emitido o produto subscrito ou seja as 5 obrigações SLN2006 e não o Banco Português de Negócios (BPN) como até então tinha sido transmitido e feito crer por ele, Réu, ao 1º Autor. ii) O Réu nunca havia comunicado ao 1º Autor nem a sua falecida mulher, nem à agora 2ª Autora (a esta nem teria, então, que comunicar) a identidade da emitente, nem quaisquer transformações sociais do BPN que hoje se conhecem ter havido, estando estes convictos que o Sr. DD tinha feito, como sempre fizera uma aplicação num produto em tudo similar Depósito a Prazo junto do BPN – Banco Português de Negócios, S.A., de 250.000,00 €. jj) O 1º Autor e sua falecida mulher e agora também a 2ª Autora desconheciam que o Réu havia aplicado o seu dinheiro na compra de obrigações emitidas pela sociedade Galilei SGPS, ou por esta entidade, quando girava sob a denominação social SLN –Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. kk) Com a referência ao processo de revitalização que tinha sido dado a conhecer ao 1º Autor no balcão de ... do então BPN, o Réu criou ao Autor e, uma vez mais, a sua falecida mulher, a expectativa de que com a aprovação desse plano de revitalização iriam obter o ressarcimento do seu crédito ou dos 250.000,00 €. ll) O 1º Autor e sua falecida mulher voltaram a reclamar o seu crédito, desta feita e como já foi referido, no âmbito do proc. 23449/15.0T8LSB. mm) O 1º Autor nunca pediu junto do balcão do então BPN ou posteriormente do BIC Banco BIC Português, S.A. a ficha técnica sobre o produto em causa – obrigações SLN- 2006 – nem o Réu nunca lhe entregou ou deu a conhecer tal produto, designadamente as características do produto financeiro, vantagens, riscos etc.. nem DD esclareceu, nem informou os Autores do risco ou eventual risco que o investimento feito por si, corria. nn) O Réu sabia que, nas obrigações representativas de dívida subordinada (como é o caso), o titular da obrigação, havendo insolvência do emitente, apenas se pode pagar sobre o património do emitente depois de satisfeitos todos os credores comuns. oo) O Réu sabia também que a data estabelecida para o reembolso do capital investido – do valor das obrigações ou 250.000,00 € - era em 9 de Maio de 2016 e que não era possível o reembolso antecipado por iniciativa dos Autores. (1º Autor e sua mulher). pp) Não obstante o DD como gestor de cliente e gerente do Réu, convenceu os Autores que poderiam obter o reembolso da totalidade do capital aplicado (250.000,00 €) a qualquer momento e por sua própria iniciativa, o que sempre lhes foi negado. qq) No dia 10 de Março de 2019, faleceu a mulher do 1º Autor. rr) O Autor foi sócio de uma empresa de construção e as quantias que depositou no Banco R eram as poupanças de uma vida, destinadas à sua velhice e à da sua mulher; ss) O Autor sentiu-se “roubado”, triste, angustiado, preocupado e enganado. Foi provado ainda que: - no mês seguinte à da operação, recebeu por correio, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, bem como os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros. - como também recebeu, e desde então, os vários extractos periódicos onde lhe apareciam essas obrigações como integrando as suas carteiras de títulos de forma separada dos simples depósitos a prazo. - Onde se constata que o produto em causa surge separado dos depósitos, num título denominado “CARTEIRA DE TÍTULOS” e com um sub-título “OBRIGAÇÕES”. - foram-lhes sendo creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, o que originava igualmente o competente registo no seu extracto e até a emissão de avisos de lançamento que lhes eram enviados para a sua morada. * II – B - Factos não provados As instâncias deram como não provado que: - O 1º Autor e a falecida mulher – enquanto titulares da supra identificada conta bancária – não deram autorização ao Réu, na pessoa do seu trabalhador DD ou qualquer outro trabalhador, para que procedessem em seu nome à, subscrição das obrigações (5 obrigações x 50.000,00€), designadas por SLN 2006 no valor de 250.000,00 €. - O Réu retirou o dinheiro da supra mencionada conta bancária, dum Depósito a Prazo dos Autores, na ausência dos titulares dessa conta que nada assinaram, e sem o seu conhecimento e autorização e aplicou-a onde e como entendeu. - O Autor e sua falecida mulher sempre acreditaram que o seu dinheiro era aplicado em depósitos a prazo do BPN – Banco Português de Negócios, S.A. - O Réu, através do seu trabalhador DD subscreveu, em nome do 1º Autor e sua falecida mulher, as 5 obrigações de 50.000,00€ cada, à revelia destes e obviamente sem a devida autorização. - Com efeito, o 1º Autor e sua falecida mulher, aqui e agora também representada pela 2ª Autora, não deram ordem ou instruções (sejam escritas ou verbais) ao Réu, na pessoa do aludido DD ou qualquer outro trabalhador, para que subscrevesse(m) em seu nome as acções referidas SLN-2006, no montante de 250.000,00 €. - O Réu nunca recebeu quaisquer ordens de subscrição dos referidos bens mobiliários por parte do 1º Autor e da falecida mulher. Antes, forjou um documento quatro anos depois do documento inicial e “conseguiu” obter a assinatura do 1º Autor, sem qualquer esclarecimento da razão de ser de tal documento e do objectivo que pretendia com ele. - Antes pelo contrário, o DD enganou o 1º Autor e a então mulher dele, dizendo apenas que era para completar/regularizar o dossier das obrigações em causa. - O trabalhador do Réu, DD, não informou o 1º Autor (a sua mulher nunca foi ao Banco, nem conhecia o DD) da subscrição das obrigações SLN 2006. - Mais tarde, muito mais tarde, ao receber documentos que não entendia muito bem, o 1º Autor deslocou-se ao Banco e questionou o DD sobe a operação realizada, tendo este transmitido que tal operação era um Depósito a Prazo do BPN –Banco Português de Negócios como uma sustentabilidade muito superior à dos Depósitos a Prazo habituais. O DD voltou a enganar o 1º Autor. - Perante o espanto, revolta e indignação do 1º Autor, o Réu na pessoa do DD convenceu-o e nele a sua mulher CC, a aguardar pelo decurso do prazo de reembolso das obrigações SLN2006. - O Réu e o DD sabiam que as obrigações SLN2006 eram um produto financeiro de elevado risco face à possibilidade de não cumprimento da obrigação de restituição dos valores obrigacionistas investidos. - No momento da subscrição o subscritor foi informado que as obrigações em causa eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. –, que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A. a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal. - Foi ainda informado de que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso. - O Réu cumpriu então com todos os seus deveres de informação, designadamente informando a subscritora sobre todos os elementos que constavam da nota informativa do produto e da nota interna sobre o mesmo. * III – Fundamentação de Direito A sentença proferida nos autos julgou improcedente o pedido principal e o primeiro pedido subsidiário – considerou que “a declaração de subscrição existe, pelo que o primeiro pedido terá de improceder” e considerou ainda que o “pedido de declaração de nulidade também improcederá” – tendo sido com fundamento no instituto da responsabilidade civil, invocado como fundamento para o segundo pedido subsidiário, que a sentença concedeu parcial procedência à pretensão dos AA.. Assim, tendo apenas o Banco R. apelado, teve a apelação como objeto tão só a apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil conducentes à responsabilização do Banco R. pelo pagamento da indemnização peticionada pelos AA. (e também a questão da prescrição de tal direito indemnizatório). E, agora, confirmada que foi pelo acórdão recorrido a sentença da 1.ª instância, a revista do Banco R. foca-se apenas, dentre os vários pressupostos da responsabilidade civil, sobre o nexo causal e os danos. É pois despiciendo – face ao estrito objeto da presente revista e ao que, em consequência disso, está já consolidado nos autos – explanar detalhadamente o percurso jurídico que conduz à responsabilização/condenação do Banco R.: estamos perante uma questão de indemnização civil por danos causados pela violação do dever de informação, no âmbito duma relação bancária e mais específica e concretamente dum contrato de intermediação financeira, questão já colocada/decidida em inúmeros processos entrados nos tribunais (em que estava identicamente em causa a subscrição de obrigações subordinadas SLN 2006 e em que eram autores os clientes do então Banco BPN, entretanto incorporado no aqui Banco BIC) e sobre a qual este STJ já se debruçou/pronunciou inúmeras vezes (tendo a seu propósito já uniformizado jurisprudência, no AUJ 8/2002, de 06-12-2021, AUJ cujo desrespeito é invocado pelo Banco R.), estando o raciocínio/percurso jurídico sobre tal questão suficientemente sedimentado. Está assim consolidado, quer nos autos, quer na jurisprudência que neste STJ se formou sobre as obrigações subordinadas SLN 2006, que o BPN tinha, no que aqui releva, o dever de informar os pais da A. sobre os elementos necessários à compreensão do produto obrigacionista sugerido e subscrito; tanto em função do dever de informar decorrente da boa-fé plasmada, em termos gerais, no art. 227.º do C. Civil, como em função dos específicos deveres de informação consagrados no CVM, como resulta e no que aqui interessa dos arts. 7.º, 304.º, 312.º do Código dos Valores Mobiliários, ou seja, tinha o BPN, enquanto intermediário financeiro, que prestar aos pais da A. “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” (art. 312.º do CVM), nomeadamente as informações respeitantes aos “riscos especiais envolvidos pela operação a realizar” (art. 312.º/1/a) do CVM), devendo a extensão e a profundidade da informação ser inversamente proporcional aos conhecimentos e experiência do cliente (art. 312.º/2 do CVM), para além de, como traço comum a toda a realidade dos valores mobiliários regulados pelo CVM, ter o BPN, como resulta do art. 7º/1 do CVM, de fornecer informação “completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita” e que agir de acordo com os princípios orientadores da atividade de intermediação financeira enunciados no art. 304º do CVM, ou seja, tinha “de orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado” (304.º/1) e de “observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência” (304.º/2). Tendo isto presente, considerou o acórdão recorrido que, “ (…) atendendo à factualidade provada, não se nos oferece dúvidas de que o banco réu, na pessoa do gestor de conta do A., incumpriu os deveres de informação a que estava vinculado, sabendo o referido gestor que os seus clientes (A. e mulher) desconheciam as características específicas do produto financeiro que subscreveram (embora não tivessem assinado o boletim de subscrição na data do contrato em 2006, veio o A. a fazê-lo em 2010, após solicitação do gestor de conta), estando convictos de que se tratava de uma aplicação semelhante a um depósito a prazo, com rentabilidade assegurada e com capital garantido pelo banco. Competia ao banco (na pessoa do gestor de conta) informar o A. do instrumento financeiro em questão – obrigações subordinadas – e risco inerente ao mesmo (v.g. em caso de insolvência da entidade emitente o credor das obrigações apenas se pode pagar depois dos credores comuns), muito diverso de um depósito a prazo, cujo reembolso o banco não garantia, até porque a entidade emitente das obrigações não era o banco, mas uma outra entidade (SLN). (…) Flui de todo o circunstancialismo provado que, sendo o A., enquanto investidor, um cliente de perfil conservador e com fraco nível de instrução em matéria financeira, estava o banco especialmente obrigado ao cumprimento dos deveres de informação impostos pelo citado art. 312º do CVM. Por conseguinte, do acervo factual apurado extraímos que a informação respeitante ao valor mobiliário prestada pelo funcionário bancário do intermediário financeiro não foi completa, verdadeira, clara e objetiva, nem foram prestadas todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada pelo cliente, previamente à subscrição das “obrigações SLN 2006”. Donde, temos de concluir, na linha da sentença criticada, que ao atuar da forma descrita, o ora réu violou os deveres de informação a que estava adstrito, o que acarreta a ilicitude da conduta, sendo certo que se presume a culpa do réu, nos termos do art. 314º/2 do CVM e art 799º do Código Civil, presunção que o réu não logrou ilidir. (…)” Isto dito – que, repete-se, não faz parte da divergência recursiva e do objeto da revista – passou o acórdão recorrido a “analisar os demais pressupostos da responsabilidade civil, a saber, a questão dos danos e do nexo de causalidade”, sendo exatamente aqui (mais no nexo causal, embora, pela estreita ligação entre estes dois requisitos, acabem quase sempre os dois requisitos por ser colocados em causa quando um deles é discutido) que se situa a divergência recursiva e o objeto da presente revista. E uma vez que a revista é interposta com fundamento em o acórdão recorrido desrespeitar jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, mais exatamente no já referido AUJ 8/2022, de 06-12-2021, há que, para apreciar se ocorre ou não tal desrespeito, começar por atentar no que foi expendido no acórdão aqui recorrido (confrontando-o depois quer com o que foi decidido no AUJ 8/2022 quer com o que está invocado na alegação recursiva do Banco R.). Vejamos. O acórdão recorrido, após transcrever, a fls. 54, os 4 pontos do segmento uniformizador do AUJ 8/2022 observou o seguinte (sendo os sublinhados nossos): “(…) Importa aqui averiguar se foi em consequência da violação do dever de informação que o autor sofreu o dano invocado e cuja reparação pretende. Sobre esta questão, tem sido reiteradamente entendido que só haverá nexo de causalidade desde que se possa afirmar que caso o intermediário financeiro tivesse cumprido cabalmente a sua obrigação de informação, o cliente lesado não subscreveria o produto financeiro (vide os supra mencionados arestos do Supremo Tribunal de Justiça), entendimento que veio a ser afirmado no sobredito AUJ nº 8/2022. (…) A sentença sob recurso pronunciou-se sobre a questão do nexo de causalidade nos seguintes termos: “Quanto à indemnização peticionada, há, por fim, no que concerne ao nexo de causalidade, dizer que, sendo certo que a falta de reembolso do capital ocorreu por força da insolvência da emitente, a SLN, não podemos deixar de também considerar que se o Banco não tivesse violado os deveres de informação, se não tivesse assegurado ao A que podia ter o seu dinheiro de volta quando quisesse tal como acontecia num depósito a prazo, o A nunca acederia em subscrever as obrigações. Ou seja, à luz do art. 563º do CC, o A não teria perdido as suas poupanças se o R tivesse cumprido os seus deveres de informação de forma clara, objetiva e leal como estava obrigado.” (…) Não nos merece censura o assim decidido, perfilhando-se o entendimento da 1ª instância que, partindo da factualidade apurada, apreciada à luz do art. 563º do Código Civil, conduz à conclusão de que o A. não teria investido as suas poupanças no produto financeiro que lhe foi proposto, se o intermediário financeiro tivesse cumprido cabalmente a sua obrigação de informação, prestando informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos. (…)” Tal conclusão extrai-se seguramente do acervo factual provado, daí resultando, como vimos, que o A. (e sua cônjuge), investidor não qualificado e sem qualquer conhecimento e experiência em aplicações financeiras, subscreveu “obrigações SNL” supondo que se tratava de um produto seguro, semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo banco, ignorando os riscos inerentes às obrigações (subordinadas) em apreço, não tendo o banco réu (na pessoa do gestor de conta) prestado as informações necessárias para uma decisão esclarecida por parte do A., que não foi alertado para os riscos desse produto financeiro. De tal circunstancialismo é forçoso concluir que se o A. soubesse das natureza, caraterísticas e riscos associados às obrigações SLN 2006, maxime de perda do capital investido (no caso, €250.000, as economias de uma vida) não as teria subscrito. Por outras palavras, na posse da informação verdadeira e objectiva que não lhe foi prestada, o A. não teria investido nas referidas obrigações. Quer dizer, a violação dos deveres de informação pelo banco R. foi causa necessária (conditio sine quo non) e adequada à produção do dano (perda do capital investido), nos termos da doutrina da causalidade adequada ínsita no art. 563º do Código Civil. (…)” Sendo a propósito de tais ponderações – principalmente, do que sublinhámos na transcrição acabada de efetuar – que surge e ocorre a divergência do Banco R.. Diz o Banco R., como consta das suas conclusões acima transcritas, que para se verificar o nexo de causalidade “tem, necessariamente, de existir a alegação de um facto, e a subsequente prova desse facto, que indique que a prestação de informação devida levaria o cliente – no caso, os AA. – a não tomar a decisão de investir. E esse facto não existe.” E nesta linha de raciocínio, partindo sempre da mesma ideia base (de faltarem factos para a decisão proferida pelo acórdão recorrido e para dar como verificado o nexo causal), acrescenta: - o Tribunal da Relação decidiu como decidiu sem estar provado um facto “onde se afirme que a prestação de informação devida levaria o cliente – no caso, os AA. – a não tomar a decisão de investir”; - tal facto “é um facto essencial relativo ao nexo de causalidade (nas palavras uniformizadoras do STJ), é um quid necessário da responsabilidade civil, não podendo ser suprimido e/ou ultrapassado com o emprego, no campo da aplicação do Direito, de uma presunção judicial”; - deveria o Tribunal da Relação ter respeitado os factos essenciais dados como provados e aplicar o direito em função dos mesmos, não podendo inferir um facto essencial em matéria de direito, para condenar o banco como o fez. - por via da válvula de escape residual de reapreciação da matéria de facto prevista no artigo 674.º, n.º 3, 2.ª parte, amparada no artigo 682.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC, a revista pode servir legitimamente para controlar o uso da construção de presunções judiciais utilizadas pelas instâncias, tendo em vista verificar a violação de norma legal (nomeadamente os artigos 349.º e 351.º, ambos do Código Civil.), a sua coerência lógica e a fundamentação probatória de base quanto ao facto conhecido. - a Relação entendeu como provado (apenas na aplicação de Direito!) com base em aparente presunção judicial, pelo que sempre se concluirá que o Tribunal da Relação exorbitou a facticidade alegada na petição inicial, nos termos do disposto nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil, existindo, assim violação da lei substantiva (e processual) aplicável ao presente caso. - do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o ato de subscrição. - o juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador! - no âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem! - não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações, ou de qualquer característica do produto, e que é essa causa do seu dano! - num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou; num segundo momento, é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano; num terceiro momento, é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão; e nada disto foi feito! - dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão. - manifestamente, não consta da matéria de facto dada como provada que os AA., se lhes tivesse sido fornecida toda a informação sobre o produto, não teriam realizado o investimento, até porque tal facto não foi sequer alegado! E, portanto, Quod non est in actis non est in mundo! - não se poderá assim ter por verificado, no seguimento da jurisprudência agora uniformizada, o requisito do nexo de causalidade e, como tal, não poderá o banco Recorrente ser responsabilizado pelo dano que se produziu em virtude do incumprimento da SLN.” Sendo isto invocado, o que dizer? Desde logo, que o AUJ 8/2022, pondo termo à controvérsia que se chegou a suscitar neste STJ, não dá lugar a quaisquer dúvidas sobre ser ao investidor (que vem pedir a indemnização) que cabe o ónus da prova do nexo causal, porém, pese embora o que foi feito constar dos seus segmentos uniformizadores 3 e 4, continua a haver lugar a inextrincáveis dificuldades sobre a aplicação – em cada concreto processo, em função do que no mesmo está provado e não provado – de tais segmentos uniformizadores 3 e 4, mais exatamente, em função do que está provado e não provado num concreto processo, continua a poder ser problemático dizer se está assente que o A./investidor, caso lhe tivesse sido dada a prestação da informação devida, não teria tomado a decisão de subscrever as famigeradas obrigações SLN 2006. O Banco R., na sua conclusão 3.ª, censurando o que vem sendo decidido em termos de aplicação dos referidos segmentos uniformizadores 3 e 4, diz que “não se antevia a quantidade de decisões que vêm violando o sentido daquele AUJ, nomeadamente, e recentemente com mais acuidade, tem-se assistido a um fenómeno quase de densificação do entendimento vertido o n.º 4 do mesmo e de que a presente decisão é exemplo acabado”, porém, do que se trata – sem prejuízo de poder haver casos em que o sentido do AUJ possa não ter sido respeitado – é da aplicação do entendimento do AUJ ser em função do que está provado e não provado em cada concreto processo, ou seja, em função do concreto casuísmo. O que não significa, naturalmente, que qualquer concreta aplicação/apreciação que se faça com base e a partir de tais segmentos 3 e 4 esteja certa, porém – é onde se pretende chegar – não é isto que aqui, face aos termos em que se encontra interposta a revista, está exatamente em causa. Não há qualquer dúvida – e nem o Banco R. sustenta o contrário – que o acórdão recorrido seguiu o entendimento firmado pelo AUJ de o ónus da prova do nexo causal pertencer ao investidor/A. (alias, tal é referido no ponto III do sumário do acórdão recorrido). E também não há qualquer dúvida que o Banco R. alicerça o desrespeito pelo entendimento firmado no AUJ em, face à factualidade provada e não provada, se haver indevidamente considerado como assente, na fundamentação jurídica, que ficou provado que, se tivesse sido prestada a informação devida aos pais da A., estes não teriam tomado a decisão de subscrever as obrigações SLN 2006. Mas, estando-se perante uma situação em que há “dupla conforme”, tal questão – ter o acórdão recorrido aplicado mal o direito aos factos (ter indevidamente considerado, na fundamentação de direito, que está provado que, se tivesse sido dada a prestação da informação devida ao A./investidor, este não teria tomado a decisão de subscrever as famigeradas obrigações SLN 2006) – teria, para poder ser conhecida numa revista, de ser deduzida de modo diferente. Mais detalhadamente: Encontra-se uniformizado pelo 3..º segmento do AUJ 8/2022, de 06/12/2022, que “o nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir”; e pelo 4.º segmento uniformizador do mesmo AUJ, que, “para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir; tendo em tal AUJ 8/2022 sido feitas, a propósito do nexo causal, as seguintes considerações e raciocínios jurídicos: (…) no caso vertente, haveriam de estar provados factos que permitissem estabelecer uma cadeia factual, que incluísse o ato ilícito que o desencadeou (isto é, a falta de informação sobre o produto subscrito) e que, naturalística e juridicamente, conduzisse ao dano (artigo 563.º do Código Civil), sendo que era sobre os Autores que recaía o ónus dessa prova (…) Com efeito, dispõe o artigo 563.° do Código Civil que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Conforme é orientação do STJ tem-se entendido que a causalidade tem uma vertente de facto e outra de direito: na sua vertente naturalística (de facto) averigua-se se o processo sequencial foi ou não facto desencadeador ou gerador do dano (…), sendo que, nessa perspetiva, o juízo de causalidade se insere no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 682.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil; só depois de assente esse nexo naturalístico (relação causa-efeito) pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil (cf. Ac. STJ, de 13/03/2008 (processo nº 08A369) e Ac. STJ, de 11/01/2011 (processo n.º 2226/07-7TJVNF.P1.S1). Dito de outro modo: “para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada atuação (ação ou omissão) provocou o dano (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de julho de 2010, processo n.º 1399/06.0TVPRT.P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da ação ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a ação (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstrato, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed., Coimbra, 2000, p. 900)” (cf. Ac. STJ, de 24/4/2013, processo nº 3379/05.4TBVCT.G1.S1). Ou seja: o juízo de adequação normativa ínsito no artigo 563.º do Código Civil pressupõe a causalidade fáctica. Daí que antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se a causa foi “conditio sine qua non” do referido dano. Não o tendo sido, falece logo a relação causal (Ac. STJ, de 22/10/2009, processo nº 409/09.4YFLSB). Atentemos nos factos provados e não provados. No que respeita ao nexo de causalidade, os Autores alegaram: - “… o que motivou a autorização, por parte do A. marido, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias (artigo 6.º da petição inicial); - se o A. marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria” (artigo 8.º da petição inicial); - pelo que os AA. desconheciam e nem podiam conhecer, que tinham adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo, pois caso soubessem que se tratava de um produto de risco, não o teriam adquirido (artigo 17.º da petição inicial). Todavia, os Autores não lograram provar qualquer destes factos; alguns foram expressamente dados como não provados (cf. alíneas a), e) e g) dos factos não provados). Assim, não se verifica que qualquer facto dado como provado tenha operado, no plano meramente factual, como conditio sine qua non do dano, maxime, que as deficiências da informação do BPN tenham funcionado como condição desencadeadora do prejuízo do não reembolso do capital. Para que tais deficiências pudessem funcionar como condição do dito prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva (como a que atrás se caracterizou), o Autor não teria subscrito as obrigações. Falece, assim, a relação de causalidade adequada entre a ilicitude por violação dos deveres de informação e o dano de não reembolso do capital (…)”. Ou seja – é onde se pretende chegar – o AUJ 8/2022 não fixou/estabeleceu que, para haver nexo causal, tem forçosamente de constar do elenco dos factos provados um facto que diga, literal e explicitamente, que o cliente, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva, não teria subscrito as obrigações: o que o AUJ 8/2022 fixa/estabelece é que “incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir”, não vedando que um tribunal, a partir de todos os elementos factuais que hajam sido reunidos, possa considerar tal prova como feita. É claro, já o referimos, uma tal consideração não é “livre” e insindicável, porém, para se invocar que um tribunal erra em tal consideração, não basta invocar que o mesmo está a desrespeitar segmentos uniformizadores do AUJ 8/2022. Um tal erro, a existir, é evidentemente fundamento de revista (cfr. art. 674.º/1/a) e b) do CPC), mas ocorrendo, como é o caso, o obstáculo da “dupla conforme”, tem o erro que ser suscitado a título de revista excecional (devidamente deduzida). E embora o R./recorrente diga, logo na conclusão 1.ª da sua alegação recursiva, que “o recurso interposto é de revista excecional, a admitir nos termos do disposto nos artigos 671.º, n.º 3, 1.ª Parte; 672.º, n.º 1, al. c) e 629.º, n.º 2, al. c), todos do CPC”, o certo é que rigorosamente nada alinha ou indica tendo em vista dar cumprimento ao disposto no art. 672.º/2 do CPC. O R./recorrente (gizando a revista e alegação recursiva a partir do fundamento de admissibilidade de recurso constante do art. 629.º/2/c) do CPC) parte do entendimento de que o AUJ 8/2022 fixa/estabelece que, para haver nexo causal, tem forçosamente de constar do elenco dos factos provados um facto que diga, literal e expressamente, que o cliente, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva, não teria subscrito as obrigações e sem mais, a partir de tal entendimento, o R./recorrente passa a censurar o que foi feito no acórdão recorrido. Não é invocado sequer, apreciando um e outro, que os núcleos factuais em confronto (do AUJ e do acórdão recorrido) são idênticos e que, por isso, as respostas não podem ser diversas (no AUJ e no acórdão recorrido). O R./recorrente, verdadeiramente, não perspetiva, como devia, a questão da oposição entre acórdãos (AUJ e o acórdão recorrido), antes se limitando a invocar que o acórdão recorrido desrespeita os segmentos uniformizadores 3 e 4 do AUJ 8/2022 (antes se limitando a invocar que desrespeita a “lei” decorrente de tais segmentos uniformizadores). Mas, não se verificando, como referimos, o desrespeito que o R/recorrente invoca, o caminho para as questões suscitadas poderem ser apreciadas, em sede de revista, tinha de ser a revista excecional com fundamento em contradição jurisprudencial (produzindo a R./recorrente as indicações constantes do art. 672.º/2/c) do CPC)1. Como acima se admitiu, continua a poder haver lugar a dificuldades sobre a aplicação – em cada concreto processo, em função do que no mesmo está provado e não provado – dos segmentos uniformizadores 3 e 4 do AUJ 08/2022, pelo que teria o R./recorrente de invocar a contradição com um acórdão (que seria o acórdão-fundamento) em que, sendo os núcleos factuais idênticos, se havia concluído pela não verificação do requisito do nexo causal2. Mais, entendendo o R./recorrente, como é o caso, que se chegou ao facto (considerado provado pelas instâncias de que os pais da A., se devidamente informados, não teriam subscrito as obrigações) por presunção judicial e que o uso desta era inadmissível, teria o R./recorrente de invocar a contradição com um acórdão (que seria o acórdão-fundamento) em que se houvesse decidido que proceder como a Relação fez é extrair uma presunção judicial e, além disso, que a Relação não pode extrair factos por presunção judicial. E do mesmo modo, tendo a presunção judicial (admitindo-se que foi tirada uma presunção judicial) sido tirada identicamente pelas 1.ª e 2.ª instâncias, também a alegada ilogicidade da mesma, por ocorrer sobre a mesma uma “dupla conforme”, não prescindiria, para poder ser escrutinada pelo Supremo (com fundamento em violação de lei, designadamente, do art. 349.º do C. Civil), da invocação de contradição jurisprudencial. Em todo o caso, sobre o que o R./recorrente diz tratar-se de uma presunção judicial, cumpre referir o seguinte (até por ser controverso se o nexo causal constitui matéria de direito ou de facto, podendo certamente dizer-se que tem vertentes de facto e de direito): Quando as instâncias, a partir de todo o acervo factual, dizem/concluem que “é forçoso concluir que se o A. soubesse da natureza, caraterísticas e riscos associados às obrigações SLN 2006, maxime de perda do capital investido, não as teria subscrito”, não estão a firmar um facto desconhecido a partir de factos conhecidos, ou seja, não estão a fazer uso de presunções judiciais, mas sim e apenas a aplicar o direito aos factos. O que, sendo assim, não suscita nenhuma questão de uso correto/incorreto de presunções judiciais por parte da Relação. Como é sabido, na fixação dos factos, o Supremo tem uma intervenção residual, apenas se podendo limitar a averiguar da observância das regras de direito probatório material (cfr. 674.º/3 e 682.º/2 do CPC) e a determinar a ampliação da matéria de facto (cfr. 682.º/3 do CPC), o que significa que fogem ao controlo do Supremo as provas sujeitas à livre apreciação do julgador, como é o caso da prova por presunção judicial. Sendo esta a regra – e sem colocar em causa que não cabe ao Supremo sindicar a decisão de facto da Relação baseada em provas sujeitas à livre apreciação do julgado – vem sendo entendido que o Supremo pode verificar se o iter percorrido pela Relação respeitou as regras legais do procedimento probatório, nomeadamente, no que concerne às presunções judiciais, isto é, que o Supremo pode verificar se tal meio de prova era admissível, se o seu raciocínio não padece de ilogismo manifesto e se o uso da presunção judicial parte dum facto base conhecido. Possibilidade esta baseada na primeira das duas referidas intervenções residuais – averiguação da observância das regras de direito material – ou seja, pode o Supremo sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação na estrita media em que, segundo o art. 351.º do C. Civil, “as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal” e em que, segundo o art. 349.º do C. Civil, “presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.” Acaba, porém, por se tratar, como resulta do que vem de se referir, duma via de controlo muito estreita e reduzida, em que, acentua-se, face ao preceituado nos referidos arts. 674.º/3 e 682.º/2 do CPC, está vedado ao Supremo, como tribunal de revista, indagar e sindicar erros intrínsecos na formação da convicção do julgador; em que, insiste-se, o Supremo não se mete na reapreciação dos meios de prova sujeitos à livre apreciação; e em que, no fundo e em síntese, o Supremo se limita tão só a verificar se o resultado final ao nível da decisão da matéria de facto foi prejudicado por errada aplicação das regras de direito probatório material. Em síntese, embora o Supremo enuncie repetidamente, em tese, a possibilidade de “cassar” ilações que revelem manifesta ilogicidade, conclui, invariavelmente, descendo ao caso concreto sob análise, que não se verifica qualquer manifesta ilogicidade. Seria também, caso estivéssemos perante uma presunção judicial, o caso vertente. O Supremo, no controlo que faz do uso das presunções judiciais por parte da Relação, limitar-se-ia a seguir o percurso externado na motivação de facto produzida na Relação e a verificar/sindicar se, a partir e com base em factos provados e/ou factos instrumentais, foram aplicadas/usadas ilações (com apelo às regras da experiência), extraídas dos mesmos, manifestamente ilógicas, aplicação essa, manifestamente ilógica, que conduziu a que fosse dado como provado um facto relevante; ou seja, o Supremo não se pronunciaria sobre a perfeição e impecabilidade da aplicação/uso das ilações, não controlaria/verificaria/apreciaria se a concreta ilação é a mais lógica e/ou totalmente irrepreensível, limitando-se apenas a “cassar”/censurar as ilações com “manifesta ilogicidade” (únicas que, no fundo, não têm suporte no art. 349.º/1 do C. Civil). Seria pois desajustado, caso estivéssemos perante o uso de uma presunção judicial, invocar que é manifestamente ilógico ter-se concluído, a partir de todo o acervo factual fixado (de todas as violações dos deveres de informação), que os pais da A. não teriam investido se lhes tivesse sido dada a informação devida sobre as caraterísticas das obrigações SLN 2006 (ou seja, caso estivéssemos perante o uso de uma presunção judicial, o seu uso pela Relação não mereceria, no caso, a censura da ilogicidade). Enfim, em síntese, o acórdão recorrido não afronta um qualquer segmento uniformizador do AUJ 8/2022 e o R./recorrente não enuncia, sequer em termos de alegação, uma qualquer contradição entre o acórdão recorrido e um qualquer acórdão que haja invocado como acórdão-fundamento (não tendo por isso traçado os aspetos de identidade, designadamente factual, com o acórdão recorrido e invocado o resultado diverso a que um e outros chegaram). É quanto basta para julgar improcedente a revista. * IV - Decisão Nos termos expostos, nega-se a revista. Custas pelo R./recorrente. Lisboa, 15/05/2025 António Barateiro Martins (relator) Ferreira Lopes Fátima Gomes ________
1. Ou a indicação/invocação de os núcleos factuais em confronto no AUJ e no acórdão recorrido serem idênticos, não podendo, por isso, ser diversas as respostas num e noutro. 2. Sendo em número de várias dezenas os acórdãos da Relação e do STJ que se pronunciaram sobre pedidos de indemnização por subscrição de obrigações SLN 2006, não seria difícil ao Banco R. identificar um acórdão-fundamento (tanto mais que o Banco R., sendo R. em todos os pedidos, conhece todos esses acórdãos). |