Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4224/21.9T8MTS.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: COMPRA E VENDA COMERCIAL
NULIDADE DO CONTRATO
OBJETO NEGOCIAL
VIOLAÇÃO DE LEI
NORMA IMPERATIVA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - A autenticação “CE” não é devida aos “EPI” em causa (máscaras), os quais estão submetidos ao regime legal previsto no DL 14-E/2020, ou seja, podendo ser importados da China têm que estar conformes aos requisitos impostos pela Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde/ASAE.

II - Na falta dessa conformidade a sua comercialização é ilícita, e consequentemente o negócio firmado entre as partes, está ferido de nulidade.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (2ª SECÇÃO)

I - Presença de Luxo – Unipessoal, Lda., pessoa coletiva nº .......42, com sede na Rua ..., ..., ..., instaurou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra Odisseia Possível - Unipessoal, Lda., pessoa coletiva nº .......53, com sede na Praça ... ....

Pedindo: 1 - a resolução de um contrato de compra e venda de máscaras de protecção individual que com esta celebrou, invocando a falta de qualidades essenciais das mesmas; ou a declaração de nulidade do contrato e, em ambas as situações, a condenação da ré a restituir-lhe o valor pago, de €40.704,00, contra a devolução das máscaras;

2 - a condenação da ré a pagar-lhe quantia nunca inferior a €2.500,00 por danos de natureza não patrimonial; tudo acrescido de juros mora vencidos e vincendos a contar da citação da presente ação até integral pagamento.

Alegando, resumidamente que pretendendo adquirir 120.000 máscaras de proteção individual descartáveis, modelo KN95 FFP2, devidamente certificadas, para revenda a terceiros, tendo em conta a pandemia que se encontrava instalada; acordou a compra, tendo sido gerada uma factura, datada de 29-01-2021, no valor de €40.704,00, com IVA incluído; paga a factura, foram-lhe entregues as máscaras; porém, recebidas estas, constatou que elas apenas continham a designação genérica “CE”, o que não afiançava a respetiva certificação para efeitos de proteção individual dos respetivos utilizadores, certificação ou declaração de conformidade que eram absolutamente essenciais para que as pudesse comercializar.

A R. apresentou contestação, alegando, em resumo que a Autora sabia e aceitou comprar à Ré precisamente aquele tipo de máscaras médicas ou cirúrgicas “KN95” com a norma da China GB 2626-2006 e com a certificação “CE”, máscaras que possuíam e possuem permissão para serem comercializadas em Portugal pelas autoridades portuguesas competentes; concluindo pela improcedência da acção.

O processo foi saneado e preparado para julgamento, no termo do qual foi proferida sentença que declarou a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido que contra si vinha deduzido.

Desta sentença apelou a A. tendo a Relação proferido o seguinte acórdãoparte decisória:

“(…)

DECISÃO

- Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder provimento ao presente recurso de apelação, em razão do que revogam a decisão recorrida, que substituem por outra que, julgando a acção parcialmente procedente, declara nulo o contrato celebrado entre autora e ré, relativo à venda de 120.000 máscaras de proteção individual descartáveis, modelo KN95, pelo preço de € 40.704,00 (quarenta mil setecentos e quatro euros), condenando a ré a restituir à autora esse valor já recebido, contra a entrega das referidas máscaras, que a autora lhe deverá efectuar. A tal valor acrescerão juros de mora, vencidos e vincendos, a contar à taxa anual de 4%, desde a data da citação até integral pagamento.

- No mais, confirmam a decisão recorrida, julgando a acção improcedente e absolvendo a ré do restante que contra si vinha pedido.

(…)”

II - Desta decisão/acórdão veio a R. recorrer de revista para o Supremo Tribunal de Justiça/STJ, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

1. Por decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto – 2ª Secção, respeitante ao processo 4224/21.9T8MTS.P1, foi concedido provimento ao recurso de apelação intentado pela ora Autora com vista à revogação da decisão obtida em 1ª instância, julgando a acção parcialmente procedente e, como consequência, declarando nulo o contrato celebrado entre a autora e ré, condenando a ré a restituir à autora esse valor já recebido, contra a entrega das referidas máscaras, que a autora lhe deveria efetuar.

2. Tal conclusão advém da convicção formada pelos exmos. Juízes desembargadores acerca da existência de nulidade do negócio controvertido, por entenderem que este consubstanciava em si um objecto contrário à lei uma vez que a marcação “CE” aposta nas referidas marcas levava a que estas incumprissem com as normas quer nacionais quer comunitárias, o que as tornaria insusceptíveis de comercialização.

3. Tal decisão não pode, porém, deixar de se escrutinar uma vez que, conforme firmado em sede de 1ª instância, as referidas máscaras cumpriam integralmente os requisitos quer nacionais quer internacionais permitindo a sua total comercialização no espaço da União Europeia.

4. Ficou devidamente provado em sede de primeira instância que a ora Autora pretendia adquirir máscaras de proteção individual descartáveis, modelo KN95 FFP2, devidamente certificadas e que, para tanto, celebrou coma Ré um contrato de compra e venda para a compra de120.000,00 (cento e vinte mil) unidades de máscaras “KN95-FFP2”.

5. Recebidas as máscaras por parte da Autora, e constando existir nas mesmas a designação genérica “CE”, foram pedidos, e devidamente prestados, esclarecimentos sobre a documentação de certificação conforme junto aos autos.

6. A Ré possuía, integralmente, a documentação de certificação e declaração de conformidade das máscaras objecto de venda para que esta se pudesse efetuar livremente no espaço comunitário segundo a legislação vigente à data.

7. Não obstante, e face aos receios da Autora, prontificou-se junto do seu fornecedor para que se procedesse à troca por outras máscaras, também elas devidamente certificadas e com declaração de conformidade, mas sem a aposição daquela designação, o que foi integralmente recusado.

8. Da análise da prova carreada para os autos em sede de julgamento, ficaram ainda assentes as pretensões da Autora, não ficando qualquer dúvida ao digníssimo tribunal que a Autora adquiriu o tipo de máscaras que pretendia, obtendo da ré comprovação da certificação e declaração de conformidade das máscaras que havia comprado.

9. Daqui resulta o cabal esclarecimento de ambas as partes relativamente ao produto que acabava de ser transaccionado, tendo a Autora total conhecimento da existência de certificação e declaração de conformidade, como lhe seria exigido para comercialização das referidas máscaras.

10. Resultou ainda, da análise às próprias máscaras realizada na audiência de julgamento, a confirmação de que, para além da aposição nas máscaras da sigla CE existia também aposta nas máscaras as referências à lei vigente, pelas diferentes siglas (KN95 e FFP2).

11. Tal ocorria por se tratar de uma máscara de proteção (EPI) com o mesmo sistema de filtragem e eficácia verificado por ensaios certificados e atestada a sua conformidade pelas respetivas autoridades competentes.

12. Resultou, por isso, quer da análise testemunhal quer da análise documental, a confirmação integral perante o tribunal que as máscaras estavam devidamente certificadas pelo fabricante chinês, em respeito pela norma chinesa, tendo remetido os competentes documentos de certificação, relatório de ensaios e declaração de conformidade à autora em momento devidamente oportuno com vista ao afastamento dos seus receios.

13. De facto, para serem legais no seu país, as máscaras KN95 chinesas devem imperativamente cumprir a norma chinesa GB 2626-2006, sendo o seu cumprimento validado por um laboratório oficial da lista de institutos acreditados para o feito pelo Governo chinês (CNAS: Serviço Nacional de Acreditação da China).

14. Estando perante uma situação de comercialização em espaço europeu, é exigida ainda a existência de certificados e declarações de conformidade previstos no Regulamento (UE) 2016/425 e norma EN149:2001+A1:2009, dado que as máscaras de proteção KN95 se equiparam, neste sentido e por serem equipamentos de proteção individual (EPI), às europeias FFP, reguladas no espaço europeu pelo Regulamento (UE) 2016/425 e EN 149:2001+A1:2009.

15. Operou, em nosso entender de forma incorreta, o digníssimo entendimento dos juízes desembargadores de que a Recomendação (UE) 2020/403 da Comissão, de 13 de março de 2020, sobre os procedimentos de avaliação da conformidade e de fiscalização do mercado, não produzia em si qualquer efeito, devendo ter-se antes e apenas em consideração o preceituado no DL 14-E/2020 de 13/04.

16. Não pode, porém, perder-se de vista a situação de total exceção que se vivera à data, e que serviu de fundamento à elaboração da respetiva Recomendação.

17. De facto, naquele momento, foram aceites como válidas, excepcionalmente, as normas internacionais equivalentes às normas harmonizadas, nomeadamente a norma da China: GB 2626-2006 para as máscaras KN100, KP100, KN95, KP952.

18. Sendo certo que o DL 14-E/2020 de 13/04 estabeleceu o regime, excecional e temporário, para importação dos EPIs, permitindo que sejam importados desde que devidamente acompanhados de certificados ou outros documentos que comprovem a conformidade com as regras estabelecidas pelos regulamentos comunitários, sendo o seu fabrico permitido desde que o fabricante disponibilize documentos comprovativos da sua conformidade.

19. Cumpre-nos, por isso, seguir integralmente o entendimento feito no tribunal a quo, relativamente a esta matéria e o qual citamos integralmente no seguinte –“Ou seja, se a referida recomendação referia que as máscaras que cumprem com os requisitos de certas normas estrangeiras podem ser utilizadas excecionalmente, atendendo ao período de escassez de máscaras que existia no mercado e considerando que o desempenho da filtração do material filtrante é muito semelhante entre as máscaras FFP2 (norma europeia EN 149), as máscaras N95 (norma americana NIOSH 42C-FR84) e as máscaras KN95 (norma chinesa GB2626-2006), a legislação portuguesa apenas exigiu que os EPI importados sejam acompanhados de certificados ou outros documentos que comprovem a conformidade com as regras de saúde, de segurança e desempenho estabelecidas por outros Estados, equivalentes às exigidas pelos regulamentos comunitários, conforme lista elaborada pelo INFARMED.”

20. Requisito que se encontrava integralmente cumprido pela Ré na altura da comercialização das referidas máscaras, tendo demonstrado a existência da documentação de certificação e declaração e conformidade e verificação dos testes que acompanham as máscaras.

21. A norma chinesa em vigor, GB 2626-2006, que vigorava para as máscaras do tipo KN95 foi integralmente cumprida tendo as máscaras a juízo passado pela sua certificação em laboratório devidamente creditado e devendo por isso, passar tal certificação, ensaios e declaração de conformidade a valer em Portugal e tal documentação foi enviada, oportunamente, à autora.

22. Não subsistem por isso dúvidas sobre a conformidade entre o contratualizado e o prestado, a autora adquiriu o tipo de máscaras que pretendia, obtendo da ré comprovação da certificação e declaração de conformidade das máscaras que havia comprado.

23. Não obstante ao vertido, considerou o exmo. Tribunal que o negócio operado podia consubstanciar um negócio nulo uma vez que o objeto seria, no seu entender, contrário à lei em linha com o preceituado no artigo 280.º/1 do Código Civil.

24. Subsistem, porém, dúvidas relativamente ao alegado como fundamento para sustentar a nulidade do negócio em causa e que ora devem ser erradicadas.

25. Sendo que o próprio digníssimo Tribunal atesta como certo que “a pandemia que sobreveio a tais datas determinou medidas de exceção, tendentes a proporcionar à população em geral, para além dos profissionais de saúde, a disponibilidade de tal tipo de equipamentos”, demonstrando entender que se tratava de um período de total excepção e que, por isso, se justificava a existência da Recomendação (UE) 2020/403 da Comissão, de 13 de março de 2020, como forma de incentivar “os Estados a facilitar a introdução, no mercado, de EPI, a fim de que os mesmos pudessem ser rapidamente disponibilizados a quem deles necessitava”, não pode, em sentido diverso, descurar a sua importância no enquadramento jurídico que vigorava à data em regime excecional.

26. Importante, por isso, é aferir da verdadeira conformidade do produto a trato, no momento da sua comercialização.

27. Assim, para serem legais no seu país, as máscaras KN95 devem cumprir a norma chinesa que as regula, GB 2626-2006, norma essa validada por um laboratório oficial da lista de institutos acreditados CNAS: Serviço Nacional de Acreditação da China.

28. Para ser importada e comercializada em território europeu, deve estar de acordo com os certificados e declarações de conformidade previstos no Regulamento (UE) 2016/425 bem como da norma EN149:2001+A1:2009, normas que regulam os EPI fabricados em território europeu, os FFP.

29. De facto, naquele momento, foram aceites como válidas, excepcionalmente, as normas internacionais equivalentes às normas harmonizadas, nomeadamente a norma da China: GB 2626-2006 para as máscaras KN100, KP100, KN95, KP952.

30. Conforme resulta claro do ponto 7. Relativo aos Procedimentos de Fiscalização de mercado – “7. Sempre que as autoridades de fiscalização do mercado verifiquem que os EPI ou dispositivos médicos asseguram um nível adequado de saúde e segurança, em conformidade com os requisitos essenciais estabelecidos no Regulamento (UE) 2016/425, ou com os requisitos da Diretiva 93/42/CEE ou do Regulamento (UE) 2017/745, mesmo que os procedimentos de avaliação da conformidade, incluindo a aposição da marcação CE, não tenham sido inteiramente concluídos de acordo com as regras harmonizadas, podem autorizar a disponibilização desses produtos no mercado da União, por um período limitado e enquanto os procedimentos necessários estiverem em curso.”

31. Sabendo que DL 14-E/2020 de 13/04 estabeleceu o regime, excepcional e temporário, para importação dos EPIs, permitindo que sejam importados desde que devidamente acompanhados de certificados ou outros documentos que comprovem a conformidade com as regras estabelecidas pelos regulamentos comunitários, sendo o seu fabrico permitido desde que o fabricante disponibilize documentos comprovativos da sua conformidade.

32. Outra não pode ser a conclusão que não a feita em primeiro juízo “Ou seja, se a referida recomendação referia que as máscaras que cumprem com os requisitos de certas normas estrangeiras podem ser utilizadas excepcionalmente, atendendo ao período de escassez de máscaras que existia no mercado e considerando que o desempenho da filtração do material filtrante é muito semelhante entre as máscaras FFP2 (norma europeia EN 149), as máscaras N95 (norma americana NIOSH 42C-FR84) e as máscaras KN95 (norma chinesa GB2626-2006), a legislação portuguesa apenas exigiu que os EPI importados sejam acompanhados de certificados ou outros documentos que comprovem a conformidade com as regras de saúde, de segurança e desempenho estabelecidas por outros Estados, equivalentes às exigidas pelos regulamentos comunitários, conforme lista elaborada pelo INFARMED.”

33. Tampouco pode proceder o argumento de que a aposição da marca CE lhe retira a sua validade e certificação e obsta a que este produto esteja em conformidade com as normas europeias já que, por força da conformidade do produto com a norma chinesa GB 2626-2006, que vigorava para as máscaras do tipo KN95, a ilegalidade do produto já se encontrava devidamente afastada.

34. A aposição da marca CE, bem como da designação “Made in China” que pode observar-se nos documentos juntos aos autos, comum no negócio internacional em produtos importados da China, não pode opor-se à real validade e certificação do produto, feito por laboratórios próprios e devidamente documentada e creditada.

35. Não é por isso verdade que o produto a trato não esteja em conformidade com as normas europeias, como vimos até então, inexistindo por isso qualquer motivo que gere a nulidade do negócio nestes termos.

36. E, a existir confusão entre as duas siglas, sempre a Ré se comprometeu a fazer a alteração do produto por outro, igual e também ele devidamente creditado, mas sem a sigla do comércio internacional, conforme se apura da prova junto aos autos.

37. Resultado por isso, da factualidade vertida, que o negócio não constitui objecto contrário à lei uma vez que as máscaras comercializadas se encontravam devidamente certificadas e com declaração de conformidade nos termos da norma chinesa GB 2626-2006 bem como do DL 14-E/2020 de 13/04, tendo o Ré prestado à autora os devidos documentos que lhe serviam de fundamento, estando as máscaras aptas a ser introduzidas no mercado e comercializadas nos termos e com as características apresentadas, não existindo qualquer obstáculo à sua venda.

Termos em que e nos demais de Direito, sempre com o mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente Recurso.

Respondeu a recorrida A. formulando as seguintes CONCLUSÕES:

- Entende-se que o negócio jurídico é nulo, uma vez que as máscaras vendidas à Autora/Recorrente pela Ré/Recorrida violam várias normas, sendo por isso legalmente impossível vender máscaras ilegais, nomeadamente pelas seguintes razões:

1 - Impossibilidade de uma máscara de proteção individual ser portadora/portadora da norma chinesa GB 2626/2006 (máscaras KN95) em simultâneo com a sigla “CE”, operado pela norma EN 149:2001+A1:2009, o que apresentando tal particularidade, resulta que as mesmas máscaras são fraudulentas e utilizadas para ludibriar as autoridades públicas;

2 - Impossibilidade de uma máscara de proteção individual ser portadora/portadora da norma chinesa GB 2626/2006 (máscaras KN95) em simultâneo com a norma europeia EN 149:2001+A1:2009 (máscaras FFP1, FFP 2 e FFP3), o que apresentando tal particularidade, resulta que as mesmas máscaras são fraudulentas e utilizadas para ludibriar as autoridades públicas;

3 - Violação do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 14-E/2020, na medida em que não foram entregues a declaração UE de conformidade, logo as máscaras eram insuscetíveis de comercialização por impossibilidade legal;

4 - Violação do disposto no Regulamento (UE) 2016/425, do Parlamento Europeu, de 4 de março, nomeadamente os seus artigos 8.º, n.º 2, 10.º, n.º 2, 11.º, n.º 2 e 15.º, o que determina também a ilegalidade das máscaras e, por conseguinte, a nulidade do negócio;

5 - Violação do disposto nos artigos 16.º e 17.º da Recomendação (UE) 2020/403 da Comissão, de 13 de março de 2020, consubstanciando que o negócio jurídico realizado teve um objeto proibido;

6 - Violação do artigo 5.º do Regulamento (UE) 2016/425, uma vez que as máscaras ao não serem detentoras de “test report”, sendo uma tal conduta punida nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 118/2019, de 21 de agosto (“test report” junto pela Recorrente é por referência a umas máscaras FFP2, cfr. ref.ª citius .......83, de 28-09-2022), logo as máscaras não cumpriam esta obrigação legal;

7 - Violação do artigo 2.º, n.º 1 e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 118/2019, punido nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, alínea a) do mesmo diploma legal, porquanto o “test report” não se encontra com tradução para a língua portuguesa, nomeadamente no que tange às respetivas instruções, informações de segurança e documentação (pelas razões invocadas no ponto anterior, tornando as máscaras ilegais).

- Razão pela qual, não existe absolutamente a mínima dúvida de que as máscaras vendidas pela Ré/Recorrente à Autora/Recorrida “constituíam um objeto contrário à lei, na medida em que, destinadas a introdução no mercado de consumo, apresentavam características que impediam a sua venda e disposição ao público consumidor”, pelo que a venda era proibida “por falta de cumprimento dos requisitos legais de venda de tal tipo de equipamentos de proteção individual”, e o negócio é nulo (nos termos do disposto no artigo 280.º do Código Civil), conforme muito bem decidiu o Venerando Tribunal da Relação do Porto, devendo o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, por não provado, para todos os devidos e legais efeitos.

Nestes termos e nos demais do Direito, entende muito modestamente a Recorrida que o recurso interposto deve ser julgado totalmente improcedente e, consequentemente, deverá ser mantido o Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto,

III - DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA

Alega a recorrida/A. que o presente recurso, não obedece a todos os “requisitos formais” previstos na lei: “no seu requerimento de interposição de recurso não identifica o Tribunal Superior para o qual interpõe o seu recurso (que em abstrato até pode ser o Tribunal Constitucional); - no seu requerimento de interposição de recurso não identifica a espécie de recurso, nem os seus efeitos; - na sua motivação de recurso, nem sequer identifica/delimita o objeto do recurso (artigos 635.º, 639.º e 640.º, do CPC), tão pouco os fundamentos do mesmo (conforme imposto pelo artigo 674.º, n.º 1)”.

Em consequência, entende que o mesmo recurso não deve ser admitido.

Há que convir não ter a recorrida indicado expressamente qual o Tribunal para onde pretendia recorrer, mas como é dito, pela Relação, no despacho de admissão do recurso, este é necessariamente de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, com efeito meramente devolutivo.

Também foi cumprido o ónus de alegação com as necessárias conclusões.

Não há, portanto, motivo para rejeição do recurso à luz do artº 641º nº 2 a) e b) do CPC, antes foi devidamente admitido pela mesma Relação.

APRECIANDO E DECIDINDO

Thema decidendum

- Em função das conclusões do recurso, temos que:

A recorrente R. pugna pela revogação do acórdão recorrido, que declarou nulo o contrato estabelecido entre as sociedades em litígio nestes autos, defendendo aquela que o Equipamento de Protecção individual/EPI (máscaras) em questão, podia ser comercializada.

A) DOS FACTOS

Provados:

1) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de comércio por grosso e a retalho de produtos de cabeleireiro, estética, cosmética, spas e prestação de serviços de cabeleireiro, estética e cosmética; importação e exportação de produtos e equipamentos relacionados com as atividades anteriores.

2) A Ré é uma sociedade que se dedica, entre outros, à comercialização de material de proteção pessoal e artigos descartáveis, utilizando, para tanto, a designação comercial de “Odyssey Medica”.

3) A Autora pretendia adquirir máscaras de proteção individual descartáveis, modelo KN95 FFP2, devidamente certificadas, por forma a vender a terceiros, tendo em conta a pandemia que se encontra instalada.

4) Face à proximidade das sedes sociais/armazéns da Autora e da Ré que se situavam um em frente ao outro,

5) Após um pedido de orçamento solicitado pela Autora à Ré, a Ré celebrou com a Autora, em 29.01.2021, um contrato de compra e venda para a compra de 120.000,00 (cento e vinte mil) unidades de máscaras “KN95-FFP2”, pelo preço de € 40.704,00,

6) Tendo a Ré disponibilizado, após o pagamento efectuado pela Autora nesse mesmo dia, também no mesmo dia a entrega das mesmas máscaras,

7) Que foram levantadas máscaras nas instalações da Ré no dia 01.02.2021.

8) À data do recebimento das máscaras por parte da Autora, havia sido renovado o Estado de Emergência por situação de calamidade em todo o território nacional.

9) Recebidas as máscaras por parte da Autora, a mesma constatou que as referidas máscaras continham a designação genérica “CE”.

9º-A) As máscaras foram entregues em caixas contendo pacotes plastificados com 5 máscaras cada; cada pacote plastificado apresentava a identificação da norma europeia "EN149:2001+A1:2009" seguida da norma chinesa "GB2626/2006" e a identificação "KN95", com os dizeres em inglês de que não é um produto médico; nas máscaras visíveis pelo plástico transparente que as continha, do lado do plástico transparente onde não existem quaisquer dizeres, encontra-se gravado na própria mascara o modelo "KN95" e, ainda, os dizeres "GB2626/2006" e a norma europeia supra referida” (aditado pela Relação).

10) Aliado a tal facto, surgiram várias notícias nos meios de comunicação social (nomeadamente televisivos) que estariam a ser comercializadas máscaras com a designação genérica “CE”, sem para tanto estarem devida e legalmente certificadas.

11) A certificação ou declaração de conformidade eram absolutamente essenciais para que a Autora pudesse proceder à comercialização das mesmas.

12) A Autora solicitou esclarecimentos à Ré sobre a oposição da designação genérica “CE” e sobre a documentação de certificação e declaração de conformidade das máscaras, objeto de venda, documentação que lhe foi enviada pela Ré por email de 3.03.2021, e por WhatsApp para o sócio-gerente da Autora,

13) Tendo ainda a Ré procurado perceber junto da ASAE as implicações da oposição daquela designação CE, não obtendo resposta pese a sua insistência,

14) E junto do seu fornecedor que se prontificou a trocar as máscaras por outras igualmente certificadas e com declaração de conformidade, mas sem a oposição daquela designação.

15) Porém, a Autora respondeu à Ré que os clientes já não pretendiam as encomendas pela demora e falta de confiança e referiu pretender proceder à devolução das máscaras recebidas, dentro do período de 14 dias para o efeito nos termos das condições de devolução constantes do site, designadamente porque a mercadoria encontrava-se no estado em que havia sido recebida, devidamente acondicionada na embalagem de origem.

16) A Ré respondeu recusando aceitar a referida devolução.

17) Em consequência, e por intermédio do seu mandatário, a Autora interpelou formalmente a Ré para, no prazo de dias, comunicarem a forma como pretendiam efetivar o procedimento de devolução da mercadoria com a consequente devolução pela Ré do preço pago, alegando precisamente que as máscaras não apresentavam “a necessária e imprescindível evidência de certificação ou declaração de conformidade”, que mereceu resposta do mandatário da Ré em sentido negativo à referida devolução.

Factos não provados

a) A Autora tendo em conta a pretensão referida em 3) dos fatos provados pesquisou e encontrou o website da Ré disponibilizado pelo seu endereço electrónico com vista a tentar realizar a aquisição pretendida

b) A Ré realizou encomenda via website ou por email.

c) O facto de as máscaras conterem a referida designação genérica, não afiançava à Autora nem assegurava a respetiva certificação, para efeitos de proteção individual dos respetivos utilizadores.

B) DO DIREITO

A recorrente/R. contesta ser o contrato de compra e venda sub judicio nulo, entendendo, em síntese, que “as máscaras KN95 (norma chinesa GB2626-2006), a legislação portuguesa apenas exigiu que os EPI importados sejam acompanhados de certificados ou outros documentos que comprovem a conformidade com as regras de saúde, de segurança e desempenho estabelecidas por outros Estados, equivalentes às exigidas pelos regulamentos comunitários, conforme lista elaborada pelo INFARMED.”

Outro foi o entendimento expresso no acórdão recorrido (extracto, que consideramos central, da fundamentação de direito):

“-…-

Do regime citado, resulta uma dicotomia entre os EPI passíveis de introdução no mercado:

- aqueles a que haveria de ser aposta a marcação CE, por terem obedecido aos procedimentos de avaliação de conformidade com os requisitos de saúde, segurança e desempenho legalmente exigidos, dos quais resulta a aposição da marcação CE e a emissão de declaração UE de conformidade;

- aqueles que poderiam ser importados e comercializados sem a marcação CE, devendo estar acompanhados de certificados ou outros documentos comprovativos da conformidade com as regras de saúde, de segurança e desempenho estabelecidas por outros Estados, equivalentes às exigidas pelos regulamentos comunitários, conforme lista elaborada pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), relativamente aos EPI.

Entre os primeiros, dotados de marcação CE, estariam as máscaras designadas por FFP2, sujeitas à aplicação do Regulamento (UE) 2016/425, de 9 de março de 2016 (Regulamento EPI), marcação aquela a ser seguida do número do organismo notificado que interveio na fase da avaliação da conformidade (corresponde a quatro dígitos) identificação do fabricante, identificação da norma harmonizada aplicável (EN 149: 2001+A1: 2009), a classe apropriada (FFP1/FFP/FFP3) NR (não reutilizável - uma única jornada) ou R (reutilizável).

Entre os segundos, sem marcação CE, estariam as máscaras designadas por KN95, a que haveria de ser associada a norma de certificação aplicável, no caso, a norma chinesa GB2626/2006.

O que não pode verificar-se é a aposição da marcação CE associada à indicação da norma de conformidade europeia (EN 149: 2001+A1: 2009) num produto que foi importado da China, com a marcação KN95 e a indicação da norma GB2626/2006. Se é certo ser a certificação chinesa habilitante para a comercialização daquele EPI, nem por isso esse produto veio a ser sujeito a uma avaliação de conformidade por organismo notificado, em termos aptos à certificação do cumprimento da norma harmonizada (EN 149: 2001+A1: 2009).

Por isso, a marcação CE, anexa à marcação com a indicação de conformidade com a norma europeia EN 149: 2001+A1: 2009 consubstancia um facto falso, anunciando para as máscaras uma característica que não tinham.

Aliás, isso resulta claro dos autos, designadamente do facto descrito sob o item 14 dos factos provados, segundo o qual a resolução proposta pelo fornecedor das máscaras à própria ré não passava pela demonstração de uma tal certificação perante a norma europeia, operada por um organismo acreditado, mas pela remoção da marcação CE.

Em consonância com o que vem de referir-se, é possível verificar, na página de internet da ASAE, sob o endereço https://www.asae.gov.pt/newsletter2/asaenews-n-121-dezembro-2020/mascaras-de-protecao-tipos-de-mascaras.aspx uma explicitação deste mesmo regime. Note-se que essa informação não consubstancia qualquer meio de prova que, para ser considerado, sempre teria de estar sujeito a discussão e contraditório; nem, tão pouco, consubstancia qualquer disposição de conteúdo normativo. Assim, as informações ali contidas, para o que aqui importa, não são mais que um auxílio à interpretação do regime legal descrito, e só nessa dimensão são atendidas.

Certo é que, em concordância com o que acima se afirmou, também nesse documento se aponta como exemplo de um produto que não cumpre as normas de marcação uma máscara de protecção individual que ostente, em simultâneo, a marcação KN95, a norma GB2626/2006 e a marcação CE.

O mesmo se diga quando, além da marcação KN95 e da identificação da norma de certificação chinesa, se lhe associam ainda a marcação da norma europeia EN 149: 2001+A1: 2009 e a marcação CE, como acontecia com as máscaras em questão.”

-…-”

Quid juris?

Há que saber se as máscaras em causa, podem ser comercializadas no nosso País. O mesmo é dizer, se cumprem os requisitos legalmente impostos para o efeito.

Estamos na presença dos denominados “EPI”, Equipamentos de Protecção Individual (máscaras), sujeitos ao Regulamento (EU) 2016/425 de 9-3-2016, executado através do DL 118/2019, de 21-8, tendo em vista a harmonização técnica e maior exigência dentro do espaço comunitário, elevando-se o nível de protecção e segurança dos consumidores, bem como a necessidade de assegurar que os Equipamentos de Protecção Individual/EPI provenientes de países terceiros, cumpram os requisitos exigidos aos fabricantes e produtores dos países da Comunidade Europeia.

A Recomendação (EU) 2020/403 da Comissão Europeia, de 13-3, veio recomendar aos países membros, medidas excepcionais conformes ao combate da pandemia que assolou o mundo e o nosso País em particular

O DL 14-E/2020, de 13-3-2020 veio dar execução a esse desiderato.

O que acabámos de referir está explicado pelo Legislador, no Preâmbulo do citado DL 14-E/2020:

“Na sequência da qualificação, pela Organização Mundial de Saúde, da emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19 como uma pandemia internacional, o Presidente da República declarou, no passado dia 18 de março, o estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública, através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março.

No dia 2 de abril de 2020, o Presidente da República renovou a declaração de estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública, através do Decreto do Presidente da República n.º 17-A/2020, de 2 de abril. Com a aprovação do Decreto n.º 2-B/2020, de 2 de abril, o Governo veio regulamentar a prorrogação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República.

A propagação rápida do novo coronavírus e da pandemia de COVID-19 determinou uma procura exponencial de dispositivos médicos e de equipamentos de proteção individual, tais como máscaras, luvas, fatos de proteção integral e equipamentos de proteção ocular, que, por sua vez, conduziu à escassez da quantidade de produtos necessários no contexto atual. A conceção, o fabrico, a importação, a colocação no mercado e a utilização daquele tipo de produtos no espaço europeu estão sujeitos a procedimentos de avaliação de conformidade, cuja verificação possibilita e determina a aposição da marcação «CE» nos produtos em causa, nos termos das regras comunitárias em vigor. Esta avaliação é, por sua vez, acompanhada também de procedimentos de fiscalização de conformidade por parte das entidades competentes.

Sucede que, face ao aumento exponencial da procura verificado na presente conjuntura e à necessidade de disponibilização célere destes produtos à população, como forma de prevenir o contágio e garantir a saúde e a segurança, tem-se assistido a uma escassez de oferta certificada, já que os fabricantes habituais não conseguiram, ainda, expandir a sua capacidade produtiva a fim de suprir as necessidades atuais do mercado.

Simultaneamente, assiste-se a uma mobilização do tecido empresarial nacional, bem como da sociedade civil, para colaborar no esforço conjunto de combate à pandemia, seja reconvertendo as linhas de produção para o fabrico de equipamentos de proteção individual e dispositivos médicos essenciais seja dinamizando iniciativas de angariação e doação destes produtos.

O problema descrito assume uma escala global, sentindo-se com particular acuidade no espaço europeu, dado o nível de propagação do vírus, o que levou as instituições europeias a recomendar uma agilização, simplificação ou mesmo derrogação daqueles procedimentos de avaliação de conformidade, em casos excecionais e desde que garantidos os requisitos mínimos de saúde e segurança.

Neste sentido, foi adotada a Recomendação (UE) 2020/403 da Comissão, de 13 de março de 2020, sobre os procedimentos de avaliação da conformidade e de fiscalização do mercado face à ameaça da COVID-19, convidando todos os operadores económicos ao longo da cadeia de abastecimento, bem como os organismos notificados e as autoridades de fiscalização do mercado, a aplicar todas as medidas ao seu dispor para apoiar os esforços destinados a garantir o fornecimento de equipamentos de proteção individual e de dispositivos médicos em todo o mercado da União Europeia, dando resposta ao aumento constante da procura. Essas medidas não devem, no entanto, ter um efeito negativo no nível global de saúde e segurança, assegurando que todos os equipamentos de proteção individual ou dispositivos médicos colocados no mercado da União Europeia continuam a proporcionar um nível adequado de proteção da saúde e segurança dos utilizadores.

A fim de adequar e adaptar os procedimentos nacionais de avaliação e fiscalização de conformidade dos dispositivos e equipamentos àquela Recomendação, e sendo expectável que a procura por estes produtos se mantenha elevada, não apenas na vigência do atual estado de emergência, mas também no período subsequente de retoma paulatina da normalidade económica e social, o Governo considera importante aprovar um ato normativo, dando segurança jurídica e apoio legal à atuação das entidades competentes para os processos de avaliação e fiscalização de conformidade daqueles produtos.”

O artº 3º nº 1 e 2 desse diploma legal, quanto à “importação de dispositivos médicos e equipamentos de proteção individual sem marcação CE”, estabelece o seguinte:

1 - Os DM e EPI necessários à prevenção do contágio do SARS-CoV-2, sem aposição de marcação CE, podem ser importados desde que sejam acompanhados de certificados ou outros documentos que comprovem a conformidade com as regras de saúde, de segurança e desempenho estabelecidas por outros Estados, equivalentes às exigidas pelos regulamentos comunitários, conforme lista elaborada pelo INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P. (INFARMED, I. P.), relativamente aos DM, e pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), relativamente aos EPI.

2 - Os DM e EPI necessários à prevenção do contágio do SARS-CoV-2 não abrangidos pelo número anterior devem apresentar documentação necessária à sua verificação, e apenas podem ser importados mediante prévia decisão favorável do INFARMED ou da ASAE, consoante o caso, a emitir, a pedido do importador, no prazo de quatro dias úteis, podendo este prazo ser prorrogado, uma vez, por igual período, caso se revele necessário consultar outras entidades.

3 - A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) disponibiliza ao INFARMED, I. P., e à ASAE, com uma periodicidade quinzenal, uma lista contendo informações relativas à quantidade dos produtos importados e à sua tipologia, por referência às declarações de importação submetidas em cada período.

E, no que se reporta à “colocação e disponibilização no mercado de dispositivos médicos e equipamentos de proteção individual”, dispõe o seu artº 5º nº 1:

1 - Os DM e EPI importados ou fabricados nos termos do disposto nos artigos anteriores, desde que cumpridos os demais requisitos de colocação de produtos no mercado, bem como as máscaras para uso social, podem ser disponibilizados:

a) Às unidades do sistema de saúde e outras entidades que disponham de adequada supervisão sanitária;

b) Para venda em farmácias e locais de venda autorizados.

O Estado, em nome da saúde pública e da concorrência leal, mesmo considerando a urgência da situação pandémica vivida na altura, não prescindia da necessária fiscalização dos “EPI” importados, in casu, pela ASAE.

Provou-se que:

“9) Recebidas as máscaras por parte da Autora, a mesma constatou que as referidas máscaras continham a designação genérica “CE”.

9º-A) As máscaras foram entregues em caixas contendo pacotes plastificados com 5 máscaras cada; cada pacote plastificado apresentava a identificação da norma europeia "EN149:2001+A1:2009" seguida da norma chinesa "GB2626/2006" e a identificação "KN95", com os dizeres em inglês de que não é um produto médico; nas máscaras visíveis pelo plástico transparente que as continha, do lado do plástico transparente onde não existem quaisquer dizeres, encontra-se gravado na própria máscara o modelo "KN95" e, ainda, os dizeres "GB2626/2006" e a norma europeia supra referida”.

Ora, como bem foi analisado no acórdão recorrido, a autenticação “CE” não é devida aos Equipamentos de Proteccão Individual/EPI em discussão, os quais estão submetidos ao regime legal previsto no acima enunciado artº 3º, ou seja, podendo ser importados, no caso da China, têm que estar acompanhados dos certificados e documentos que permitam obter um parecer positivo da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde/ASAE, assegurando assim - a par da agilização que o momento pandémico impunha -“que todos os equipamentos de protecção individual ou dispositivos médicos colocados no mercado da União E.uropeia continuam a proporcionar um nível adequado de proteção da saúde e segurança dos utilizadores” - cfr. Preâmbulo supra e ainda o artº 4º, do mesmo DL 14-E/2020.

Não pode, pois, a marca “CE” ser associada a norma de conformidade europeia “EN 149:2001+A1”, relativamente a um produto (EPI) fabricado na China, de marcação KN95 com a indicação da norma GB2626/2006.

Logo, as máscaras em causa não podiam ser comercializadas no nosso território, mesmo com a mera eliminação da aposição do símbolo “CE”.

Quais as consequências jurídicas a retirar?

O acórdão recorrido que estamos a sindicar concluiu da seguinte maneira:

“Inevitável é, pois, concluir que as máscaras em questão constituíam um objecto contrário à lei, na medida em que, destinadas a introdução no mercado de consumo, apresentavam características que impediam a sua venda e disposição ao público consumidor. A condição em que se apresentavam tornava a sua venda proibida, por falta de cumprimento dos requisitos legais de venda de tal tipo de equipamentos de protecção individual.

Daí a sua subsunção ao conceito de objecto contrário à lei, previsto no nº 1 do art. 280º do C. Civil. Por consequência, o negócio celebrado entre as partes tem de ter-se por nulo, nos termos desse art. 280º, nº 1 do C. Civil.

Esta conclusão prejudica o interesse de apreciação expressa sobre as demais causas de nulidade do negócio autonomamente arguidas pela apelante, sem prejuízo de o relevante em relação às mesmas estar incluído no anteriormente expendido.

Os efeitos dessa nulidade estão previstos no art. 289º do C. Civil; cada uma das partes deve restituir tudo o que tiver sido prestado, operando a anulação do negócio retroactivamente.”

- Que dizer?

O contrato firmado, entre as partes, foi devidamente caracterizado como de compra e venda, mais precisamente, relativo a compras e vendas comerciais – artº 463º do Código Comercial.

Como contrato bilateral que também é impõe prestações recíprocas.

A R. tinha a obrigação de prestar as coisas acordadas (EPI/máscaras) e a A. de pagar o seu preço.

Um dos requisitos do objecto das obrigações é a sua licitude, ser legalmente possível.

Nos termos do artº 280º nº 1 do CC, “é nulo o negócio cujo objecto seja física ou legalmente impossível ou contrário à lei ou indeterminável”, nulidade essa que pode ser invocável a todo o tempo por qualquer interessado e ser oficiosamente declarada pelo Tribunal – artº 286º CC.

Sendo o negócio nulo, deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado pelos contratantes – artº289º do CC.

- Tudo visto, não deve o recurso ser atendido.

Sumário:

- A autenticação “CE” não é devida aos “EPI” em causa (máscaras), os quais estão submetidos ao regime legal previsto no DL 14-E/2020, ou seja, podendo ser importados da China têm que estar conformes aos requisitos impostos pela Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde/ASAE.

- Na falta dessa conformidade a sua comercialização é ilícita, e consequentemente o negócio firmado entre as partes, está ferido de nulidade.

DECISÃO

- Assim e pelos fundamentos expostos, improcede a revista.

Custas pela recorrente R.

Lisboa, 4-4-2024

Afonso Henrique (relator)

Isabel Salgado

Maria da Graça Trigo (votei o acórdão por entender que, independentemente do mais, não era legalmente permitido comercializar aquele tipo de máscaras de protecção por, erroneamente, conter a indicação «CE»)