Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13515/04.2TDLSB-C.S
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: ACUSAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
NULIDADE
RECURSO DE REVISÃO
Data do Acordão: 01/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - INQUÉRITO / NOTIFICAÇÃO DA ACUSAÇÃO - JULGAMENTO / ACTOS PRELIMINARES - RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS.
Doutrina:
- Eduardo Correia, Separata da RDES, 6/381.
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, III, p. 388.
- Luís Osório, “Código de Processo Penal”, Anotado, comentário ao art.º 673 .º, 1934 , 416.
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2007, anotação ao art.º 449.º, nota 12, p. 1212.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 312.º, 449.º, N.º1, AL. D), E N.º2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 18.º, 26.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 21-12-2011, PROC. N.º 978/99.5TBPTM-A.S1 - 3.ª SECÇÃO E DE 18-04-2012, PROC. N.º 1177/06.7GISNT-A.S1 - 3.ª SECÇÃO.
-DE 21-03-2012, IN PROC. N.º 1197/07.4GBAMT-A.S1 - 3.ª SECÇÃO, COM TRADUÇÃO NOS DE 09-11-2011, PROC. N.º 61/07.4PJSNT.L1.S1 - 3.ª SECÇÃO, 21-03-2012, PROC. N.º 561/06.0PBMTS-A.S1 - 3.ª SECÇÃO, 08-3.2012 , PROC. N.º 30/10.4TBACN-A.S1 - 5.ª SECÇÃO,15-03-2012, PROC. N.º 439/07.0PUPRT-A.S1 - 5.ª SECÇÃO E DE 29-03-2012 ,PROC. N.º 1896/02.7PAVNG-A.P1-B.S1 - 5.ª SECÇÃO.
Sumário :

I - Os fundamentos do recurso extraordinário de revisão de sentença são os taxativamente enumerados no art. 449.º, n.º 1, do CPP.
II - Para efeitos da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, os factos ou meios de prova devem ser novos para quem os apresenta, têm de ser ignorados por ele ao tempo do julgamento, não bastando que sejam desconhecidos no processo.
III -Os factos ou meios probatórios novos devem, ainda, sustentar uma carga valorativa, antes ignorada, capaz de pôr a descoberto a grave injustiça de que o recorrente foi vítima, a ser aferida à luz de uma constatação sem esforço.
IV -Os factos a que alude a al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP são os factos probandos, constitutivos do crime e dos seus elementos essenciais, de que, uma vez comprovados, resulta a responsabilidade ou irresponsabilidade do arguido. Os meios de prova novos são os vocacionados para a prova do crime ou para a inexistência dos seus elementos.
V - Como a falta de notificação da acusação não integra o conceito de facto e como não preenche o pressuposto essencial da novidade (o arguido forçosamente devia-se ter apercebido da alegada omissão), deve ser negada a revisão, por não estar integrado nenhum dos fundamentos deste recurso, taxativamente, previstos no art. 449.º do CPP.


Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

AA, preso em cumprimento de pena, interpôs recurso extraordinário de revisão, com os fundamentos seguintes:

O Acórdão do Tribunal da Relação , a fls1099, 5° volume do processo, decidiu mandar repetir as citações porquanto a acusação foi remetida com notificação por via postal simples com prova depósito ( enveredou-se por esta solução por dificuldades da notificação do A/R), em 2/05/2008 fls 648 foi para a morada de acusação na Rua ...Mafra .

O TIR tinha sido prestado com a morada Avenida ...Amadora fls. 228, 1 º Volume, o que em si constitui uma violação à lei aceite prontamente pelo douto acórdão a fls 1099, volume 5, do Tribunal da Relação.

No recurso interposto pelo arguido de fls .1099, volume 5 dos autos, esteve em causa a divergência entre a morada do TIR e se deveriam ser remetidas todas as notificações e a morada onde efectivamente foram .

O Tribunal da Relação decidiu "Anular todo o processado posterior ao despacho que designa o dia para julgamento e sua repetição “ .

Deveria incluir na repetição dos actos a notificação da acusação e não o fez.

A acusação foi remetida com notificação por via postal simples com prova de depósito (enveredou-se por esta solução por dificuldades da notificação da A/R) em 2/05/2008, fls 648 dos autos, 3° Volume, foi para a morada de acusação Rua ...Mafra.

Porém o também para esse efeito o TIR tinha sido prestado com a morada Avenida ...Amadora fls. 228, 1 Volume.

Permanece ainda à presente data o vício no que se refere falta da acusação que urge reparar, e que não é suprível.

Esta falta de notificação infringiu a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 6.°, n.º 3 - direito a um processo equitativo) e à Constituição (artigos 32.° - garantias de processo criminal - e 219.°, n.º 2 - autonomia do Ministério Público e das garantias de defesa e dos contraditórios princípios básicos da Constituição da Republica Portuguesa).

Mas também funda a arguição de um vício de inconstitucionalidade da interpretação das normas de processo penal em que se funda a decisão, por violação daquele artigo 219.°, n.º 2.

A da falta de notificação da acusação constitui um erro judiciário notório e é um facto novo pois nunca foi tratado e relevado e apreciado nos autos para a boa decisão da causa.

Esta preterição grave processual só foi agora percepcionada pelo recorrente.

Tratar-se-á igualmente num erro judiciário "pois pode enquadrar-se num "erro de perspectiva" e/ou uma "falsa percepção dos fatos" que, em muitos casos, tem consequências graves para a vítima.

Não se trata de reapreciação de factos já analisados, pelo que se enquadra no recurso agora intentado.

Assim deve ser declarada a nulidade de todo o processado a partir da acusação e" com a repetição de todos os actos posteriores com todas as consequências legais , nulidade que é invocável a todo o tempo

Nestes termos e demais de Direito devem ser mandados repetir todos os actos praticados posteriores à acusação por estarem feridos de nulidade processual.

Deve o arguido/condenado ser restituído à liberdade de imediato por ser a situação em que se encontrava ao tempo da acusação.

A Exm.ª Procuradora Geral – Adjunta, em douto parecer opôs-se, judiciosamente, à pretensão do recorrente e na mesma linha de entendimento , como a Unicre , se manifestou o M.º Juiz, na informação prestada ao abrigo do art.º 454.º, do CPP, a seguir indicada:

No caso em apreço, foi proferido acórdão transitado em julgado, que condenou a arguido pela prática, prática como autor material e em concurso real, dos seguintes crimes e respectivas penas:

1. Cinco crimes de furto simples, p. e pelo art° 2030 na 1 do Cód. Penal nas penas de (10) DEZ MESES DE PRISÃO POR CADA UM;

2. Cinco crimes de violação de correspondência, p. e p. pelo art° 1940 n° 1 do Cód. Penal, nas PENAS DE (4) QUATRO MESES DE PRISÃO POR CADA UM;

3. Cinco crimes de falsificação de documento, na forma continuada, p. P. Pelos artigos 30° nº 2, 79°, 2560 nº 1 al. C) e nº 3 do Cód, Penal, nas PENAS DE 15 (QUINZE) MESES DE PRISÃO POR CADA UM;

4. Cinco crimes de burla qualificada, na forma continuada, p. P. Pelos artigos 30º n° 2, 79°, 2170 nº 1 e 2180 n° 2 al. A) do Cód, Penal, na PENA DE 2 (DOIS) ANOS e 3 (TRÊS) MESES DE PRISÃO POR CADA UM;

Efectuando o cúmulo jurídico das penas parcelares referidas foi condenado na PENA ÚNICA DE 6 (SEIS) ANOS DE PRISÃO.

Pretende agora o arguido (pela 2a vez em recurso extraordinário de revisão de sentença) colocar em crise essa mesma decisão, desta feita com fundamento em "erro judiciário notório", na sua perspectiva facto novo nunca tratado e relevado e só agora por si percepcionado, a saber, a falta de notificação da acusação, com a declaração, consequente, da nulidade de todo o processado posterior à acusação e a sua imediata restituição à liberdade.

Aquilo que se pretende colocar em crise não é a condenação sofrida pelo arguido, mas sim a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça de fls. 1066 a 1094 (5.° volume), decisão essa que não colocou termo ao processo, tendo sim decidido «anular todo o processado posterior ao despacho de designação de dia para julgamento, com repetição do processado subsequente e julgamento».

Colhidos os legais vistos cumpre decidir.

O objectivo do recurso é o de, por omissão da Relação, no inexistente Ac. da Relação de fls . 1099, visto que é da autoria do STJ, este deveria ter declarada a falta de notificação da acusação, com todas as consequências legais, pois a falta de notificação da acusação constitui um erro judiciário notório, é um facto novo, pois nunca foi tratado , relevado e apreciado nos autos para a boa decisão da causa.

Esta preterição grave processual só foi agora percepcionada pelo recorrente, alega.

Os fundamentos do recurso extraordinário de revisão são os taxativamente enumerados no art.º 449.º , do CPP e, deles , sem esforço , se observa que se não englobam, os invocados pelo recorrente no citado , erroneamente, Ac. da Relação, porque a ausência de notificação da acusação não integra a categoria de facto relevante nos termos e para os efeitos do art.º 449.º n.º 2 , do CPP .

Dispõe o preceito que à sentença, enquanto razão de revisão, equipara-se o despacho pondo termo ao processo e que segundo a jurisprudência pacífica e constante deste STJ é a decisão que põe fim ao processo, a decisão final, ou seja, a sentença, a qual em regra conhece da relação substantiva ou mérito da causa, bem como a decisão que, proferida antes da sentença, tem como consequência o arquivamento ou o encerramento do processo- Cfr. Ac. de 21-12-2011, Proc. n.º 978/99.5TBPTM-A.S1 - 3.ª Secção e de 18-04-2012, Proc. n.º 1177/06.7GISNT-A.S1 - 3.ª Secção.

Será, então, a sentença que se pronuncia sobre o mérito da causa, absolvendo ou condenando ou o despacho que ponha termo ao processo cessando, e com ele o “ jus puniendi “ do estado, também por razões substantivas ou processuais e não uma decisão interlocutória

O Acórdão do STJ , ordenando a repetição do processado, mas sem retroagir à invocada omissão da notificação da acusação não pôs termo ao processo, antes o revitalizando , ordenando o seu impulso.

Fundamento do recurso é o facto de o recorrente reputar facto novo para os fins do art.º 449.º n.º 1 d) , do CPP ,a omissão de notificação da acusação, de que só agora teve conhecimento.

A novidade enquanto pressuposto de revisão incide sobre factos novos ou meios probatórios novos, para o efeito de permissão da revisão, são aqueles que são efectivamente desconhecidos do tribunal, intraprocessualmente ignorados na decisão transitada, porque eram desconhecidos do recorrente ou que este esteve impossibilitado de apresentar –cfr. Luís Osório , in comentário ao art.º 673 .º , do CPP, 1934 , 416 -, sendo também assim que o art.º 771.º , al c) , do CPC , é interpretado.

Quer isto significar que os factos ou meios de prova devem ser novos para quem os apresenta, por ele ignorados ao tempo do julgamento, não bastando que sejam desconhecidos no processo, assim o entendendo, também, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Verbo, III, 388 e Eduardo Correia, Separata da RDES, 6/381.

E essa exigência é aquela que melhor serve o valor do caso julgado evitando que a definitividade da decisão se eternize, o recurso se banalize, estimulando a cooperação e a lealdade processuais, não obstante o poder dever de investigação da verdade material que sobre o Tribunal impende, mas também este limitado pelo conhecimento de factos que só ao condenado são acessíveis e cujo benefício está dependente da respectiva alegação em juízo.

Titularia clara afronta do princípio da lealdade processual admitir que o requerente da revisão apresentasse os factos como novos não obstante ter inteiro conhecimento no momento do julgamento da sua existência. Tal entendimento faria depender a revisão de sentença de “ um juízo de oportunidade do requerente, formulado à revelia de princípios fundamentais como é o caso da verdade material ou da referida lealdade “, decidiu-se no Ac. deste STJ , de 21-03-2012, in Proc. n.º 1197/07.4GBAMT-A.S1 - 3.ª Secção, , com tradução nos de 09-11-2011, Proc. n.º 61/07.4PJSNT.L1.S1 - 3.ª Secção, 21-03-2012,Proc. n.º 561/06.0PBMTS-A.S1 - 3.ª Secção, 08-3.2012 , Proc. n.º 30/10.4TBACN-A.S1 - 5.ª Secção,15-03-2012, Proc. n.º 439/07.0PUPRT-A.S1 - 5.ª Secção e de 29-03-2012 ,Proc. n.º 1896/02.7PAVNG-A.P1-B.S1 - 5.ª Secção

Esta a interpretação que melhor se ajusta “ à natureza excepcional do remédio da revisão e , portanto , aos princípios constitucionais da segurança jurídica , da lealdade processual e da protecção do caso julgado “ , expressou –se , mais recentemente , Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário do Código de Processo Penal , 2007 , ao art.º 449.º , nota 12 , pág. 1212.

Os factos ou meios probatórios novos devem, ainda, sustentar uma carga valorativa, antes ignorada, capaz de pôr a descoberto a grave injustiça de que o recorrente foi vítima e que o valor do caso julgado, apesar da sua reconhecida eficácia, não credencia, por isso a injustiça tem de ser grave, aferir-se à luz de uma constatação sem esforço, de corrigir pela via do recurso extraordinário.

Encerra, em si, uma evidente e incontornável contradição a afirmação de que só agora se teve conhecimento da omissão da notificação da acusação, pois que se o STJ decretou a repetição de todos os actos subsequentes à designação de dia para julgamento, sem que se haja tido conhecimento da prática dessa omissão, sendo o despacho de acusação, anterior e necessário pressuposto daquela designação –art.º 312.º , do CPP .

Os factos a que se alude no art.º 449.º n.º 1 d), do CPP, são os factos probandos, constitutivos do crime e seus elementos essenciais de que uma vez comprovados resulta a responsabilidade ou irresponsabilidade do arguido; os meios de prova novos são os vocacionados para prova do crime ou a inexistência dos seus elementos.

Os factos em alusão são pedaços da vida real, naturalísticos, e não supostas omissões de actos a praticar no processo, instrumento em vista da obtenção da decisão final.

Uma omissão de acto processual não integra o conceito de facto e a ter tido lugar, de resto, de há muito estaria sanada a nulidade, pois não é insanável e o arguido forçosamente que se devia ter apercebido da alegada omissão nunca depois da condenação.

Também se não mostra preenchido este pressuposto de novidade essencial à procedência do instituto da revisão com dignidade constitucional, nos termos do art.º 26.º, da CRP, que protege o cidadão condenado de erro judiciário, vítima de uma injustiça comunitariamente intolerável, comprimindo, injusta e clamorosamente, os seus direitos (art.º 18.º , da CRP), provindo de um dos órgãos em que repousa o seu poder soberano , encarregado de bem fazer justiça ante os seus cidadãos .

O arguido estrutura o recurso nos moldes de um recurso normal, propondo-se a reparação de uma nulidade, com todas as derivadas consequências, mas sem integrar qualquer dos taxativamente fundamentos de revisão no art.º 449.º , do CPP .

Julga-se improcedente o recurso, negando-se a revisão.

Taxa de justiça: 5 Uc,s .

Termos em que por todo o exposto, recebida e apreciada a presente resposta, não deve ser admitido o recurso de revisão interposto, devendo ser negada a revisão do acórdão condenatório, em especial no que respeita à decisão proferida na parte do pedido civil da Demandante Civil ...

Armindo Monteiro

Santos Cabral