Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
621/06.8TAPRG.P1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
FRAUDE NA OBTENÇÃO DE SUBSÍDIO OU SUBVENÇÃO
JUROS DE MORA
CONTAGEM DE JUROS
OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA
Data do Acordão: 01/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL EM PROCESSO PENAL.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS / JUROS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7.ª ed., 115.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 397.º, 550.º, 803.º, 805.º, 806.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 71.º, 74.º A 77.º, 84.º, 129.º, 377.º.
D.L. N.º 28/84, DE 20-01: - ARTIGOS 36.º, 39.º.
DECRETO-LEI N.º 163-A/2000 DE 27-07: - ARTIGO 12.º.
DECRETO-LEI N.º 200-C/80.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 25.02.1998, PROCESSO N.º 97/98;
-DE12.01.2000, PROCESSO N.º 599/99 – 3.ª SECÇÃO;
-DE 12.01.2000, PROCESSO N.º 1146/99 – 3.ª SECÇÃO;
-DE 29.11.2005;
-DE 25.10.2006.
*
ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DE 2 DE MAIO DE 2002.
Sumário :

I - De acordo com o art. 39.º do DL 28/84, de 20-01 o tribunal deverá decretar a devolução da quantia ilicitamente recebida quando estiver em causa a prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. pelo art. 36.º do citado diploma legal, tratando-se de uma consequência jurídica do crime e simultaneamente de uma sanção civil, consistente na perda de um benefício que gera a obrigação de restituição deste.
II - Não estando inscrita no mencionado art. 39.º do referido diploma legal a obrigação de pagamento de juros, a origem dessa obrigação apenas se poderá filiar numa constituição em mora relevante nos termos do art. 805.º do CC pois que os juros moratórios exercem a função de indemnização pelo retardamento de uma prestação pecuniária (art. 806.º, n.º 1, do CC), sendo assim, devidos a título de indemnização.
III - Para efeitos do disposto no art. 803 do CC, estaremos perante uma obrigação ilíquida quando a indefinição do valor da obrigação resulta da circunstância de não terem ainda ocorrido ou serem desconhecidos de alguma das partes algum ou alguns dos factos que são necessários para o apuramento e conhecimento desse valor.
IV - Filiando-se a responsabilidade do arguido numa obrigação pecuniária inerente a um subsídio que recebeu e que se demonstrou que não deveria ter recebido inexiste qualquer situação de indeterminabilidade e, pelo contrário, e, tal como se evidencia dos autos, o arguido desde a eclosão dos factos sabia que tinha recebido uma quantia certa e determinada e que não era devida, pelo que, os juros devem ser computados desde o momento em que as quantias foram colocadas na disponibilidade do arguido e não desde a data em que o arguido foi notificado para contestar o pedido de indemnização civil respeitante àqueles danos.

Decisão Texto Integral:

                                     Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

O INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P. (IFAP, I.P.), pessoa coletiva n. ° 508136644, Instituto Público dotado de autonomia administrativa e financeira, com sede em Lisboa, criado através do Decreto-Lei nº 87/2007, de 29 de Março, subsequentemente, reestruturado pelo Decreto-Lei nº 195/2012, que legalmente sucedeu nas atribuições do Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP), e do Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (INGA), assistente nos autos à margem referenciados, em que é arguido AA, veio, nos termos do nº 2 do artº  400º  e do artº 411º do Código de Processo Penal, apresentar recurso do Acórdão proferido em 8/7/2012, nomeadamente no segmento condenatório em que o arguido foi condenado a pagar-lhe juros sobre o montante de 515.810,75€, calculados à taxa de 4%, devidos desde 7/10/2013 (data em que o arguido foi notificado do PIC deduzido) até efectivo e integral pagamento.

Em sede de decisão de primeira instância o arguido foi condenado a pagar 83.485,27 (€ 515.810,75 - € 432.325,48, referente às 3 e 4 tranches), a partir de 29 de Maio de 2003 até 13 de Setembro de 2012;- € 240.000,00, a partir de 1 de Junho de 2004 até 13 de Setembro de 2012; e - € 192.325,48, a partir de 5 de Julho de 2007 até 13 de Setembro de 2012.

São as seguintes as razões aduzidas em sede de conclusões da respectiva motivação de recurso:

A. Por acórdão proferido em 8/7/2015, o Tribunal da Relação do Porto condenou AA, no pagamento ao IFAP, I.P. de juros sobre o montante de € 515.810,75 calculados à taxa de 4%, devidos desde 7/10/2013 até efetivo e integral pagamento.

B. Entende o Tribunal a quo que, só são devidos juros a partir da data da notificação do arguido para contestar o pedido indemnização cível, pois, nos termos do n° 3 do Art° 805º do Código Civil, não há mora enquanto o crédito não se tornar líquido.

C. Salvo melhor entendimento, a decisão parece fazer uma incorreta interpretação do direito aplicável, na medida em que, na situação em apreço, decidiu o Tribunal a quo que o arguido AA apropriou-se de forma ilícita de quantias a que sabia não ter direito, no montante total de € 515.810,75, cometendo dessa forma o crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. no Art° 36° do DL 28/84 da 20/1.

D. Provada a autoria da conduta e do crime por parte do arguido AA, fica igualmente apurada a ilicitude civil, prevista no artigo 481°, do Código Civil, pois esta acompanha a ilicitude criminal, recaindo sobre o arguido a responsabilidade pelos reflexos, patrimoniais e não patrimoniais, causados pelos factos, não sendo assim aplicável, à situação em apreço nos autos, o disposto no n° 3 do mencionado Art° 805º do Código Civil. (Neste sentido cita-se acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/12/2013, proferido no âmbito do Proc. 3/00.5TELSB.C1.S2)

E. Pelo arguido AA são desta forma devidos juros à taxa legal supletiva, nos termos do Art° 805°, nº 2, aI. b) e 806º, nºs 1 e 2, e 559°, todos do Código Civil, contabilizados tendo em consideração os seguintes valores e períodos:

- € 83.485,27 (€ 515.810,75 - € 432.325,48, referente às 3 e 4 tranches), a partir de 29 de Maio de 2003 até 13 de Setembro de 2012

- € 240.000,00, a partir de 1 de Junho de 2004 até 13 de Setembro de 2012; e

- € 192.325,48, a partir de 5 de Julho de 2007 até 13 de Setembro de 2012".

Conclui, assim, que deverá á ser revogado o acórdão recorrido nos que respeita ao montante de juros devidos pelo arguido AA, e mantida a decisão do Tribunal de primeira instância, no sentido de condenar o arguido no pagamento ao IFAP, I.P. a título de juros, no montante de € 150.896,99, acrescido do pagamento de juros vincendos, até efectivo e integral pagamento,

            Respondeu o arguido referindo que:

Q.: Os juros de mora devidos com respeito ao pagamento tardio de indemnização por danos causados por conduta que foi objecto de condenação penal, devem ser computados  a) desde o dia em que a  conduta se consumou   ou  b) devem ser computados desde o dia em que o responsável/arguido foi notificado para contestar a PIC respeitante àqueles danos ,  e, em ambas as hipóteses, se  o montante indemnizatório devido só for liquidado na sentença da primeira instancia

Numa outra formulação, também poderíamos pôr a questão nos seguintes termos:

Q.: Se o crédito resultar de facto ilícito e for ilíquido, o nº3 do artº 805º do Cod. Civ. afasta a aplicação imediata da alínea b), do nº2, do mesmo artº,     ou  aplica-se imediatamente esta alínea  com preterição daquele nº 3 ?

É  esta  divergência  de  interpretação  destes  nºs do artº 805 do Cod. Civ.  que   está subjacente às duas decisões ( sentença da primeira instancia / Ac. Tribunal da Relação ) aqui em confronto.

No seu Cod Civ. Anotado, o Senhor Professor Antunes Varela refere-se àquele nº 3 dizendo:

“A regra in illiquis non fit mora, expressa no nº 3, é correntemente justificada pelo facto de o devedor não poder cumprir, nestes casos. É necessário, em primeiro lugar, que este saiba quanto deve”

Vejamos os autos,

E quanto ao montante indemnizatório emergente da conduta ilícita:

a) No despacho de pronuncia: é imputado ao arguido / ora Recorrido um prejuízo de 700.745,00 € como consequência directa e necessária da sua conduta ( vide in acusação deduzida pelo M.P. a fls. 675 e seg, seu nº 25, e para a qual remete o despacho de pronuncia ),

b) PIC deduzido pelo IFAP, aqui Recorrente: são peticionados juros à taxa legal computados sobre o capital de 1.200.165,73 € ( seu nº 42 ), valor este  que é considerado como “total das ajudas indevidamente pagas”  e recebidas pelo arguido / aqui Recorrido,

c) Na sentença da primeira  instancia :  liquida-se em  515.810,75 € o montante indemnizatório devido pelo arguido / aqui Recorrido e emergente da conduta que foi considerada como penalmente censurável.

Do exposto resulta o seguinte:

 Só com a prolação da sentença da primeira instancia se tornou liquido qual o valor do prejuízo  causado.  Antes não se sabia: o M.P. indicou 700.745,00 €  e  o Recorrente peticionou juros com base num pretenso direito indemnizatório de 1.200.165,73 € .

Assim sendo,

E retornando àquela citação do Senhor Professor Antunes Varela:

“ …..o devedor ( aqui o arguido /  Recorrido ) não poder cumprir, nestes casos.  É necessário, em primeiro lugar, que este saiba quanto deve”

Ora, o arguido / aqui Recorrido só ficou a saber quanto devia por via da liquidação que é feita na sentença da primeira instancia.  Antes, havia as divergências  entre  M.P. e  IFAP que supra vão anotadas e que só são sanadas por via liquidação que é feita na  sentença.

Por outro lado:

O nº 3 do artº 805º do Cod. Civ.  aplica-se,  também, a qualquer das hipóteses previstas no seu nº 2, o que  nos parece evidente.

É claro que se o devedor de indemnização emergente de conduta que foi penalmente punida sabia, desde o inicio, qual o montante da indemnização a que estava obrigado, não haverá lugar à aplicação do nº3.   E lendo-se a jurisprudência citada nas doutas alegações de recurso parece que é isso que ocorre nos arestos transcritos.

Porém, não é assim no caso dos autos, conforme supra se desenvolveu.

Donde,

Não merece censura a decisão recorrida que fez uma correcta interpretação dos factos e lhes aplicou também correctamente as normas jurídicas atinentes,  a saber e  em :

-CONCLUSÃO: uma vez que o crédito indemnizatório do IFAP era ilíquido e só se tornou liquido com a prolação da sentença da primeira instancia, ocorre caso de aplicação do nº 3 do artº 805 do Cod. Civ.  à contagem dos respectivos juros moratórios pelo que estes só são devidos desde a notificação para contestar o PIC (cfr., também, o nº1 do mesmo artº ).

                      O ExºMº Sr. Procurador Geral Adjunto apôs o seu visto.

                                   Os autos tiveram os vistos legais.

                                                           *

                                             Cumpre decidir

Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade:

1.        No inverno de 2000/2001, a região da Zona Demarcada do Douro, foi assolada por fortes temporais, e nesta sequência foi criado o Programa de Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural - AGRO - medida 5 – Prevenção e Restabelecimento do Potencial de Produção Agrícola – reconstituição e reposição de infra-estruturas agrícolas – intempéries 2000/2001 destinada ao restabelecimento do potencial produtivo das explorações agrícolas, afectadas com a referida intempérie.

2.        No quadro desta medida, o arguido AA, na qualidade de viticultor, em 29.06.2001 apresentou a sua candidatura, preencheu um formulário, no qual deu conta da necessidade de, na Quinta ..., sua pertença, se proceder a reconstrução de 17.492m3 de muros e de 2400m de infraestruturas de drenagem. (fls. 180-181 do anexo II)

3.         Depois, o arguido AA entregou-a no Ministério da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas, sedeada na Casa do Douro, em Peso da Régua, cuja apreciação ficou a cargo do Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas – (Ex - IFADAP), actual IFAP (Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas).

4. O arguido AA fez constar do referido documento que a reconstrução dos muros se encontravam avaliadas em 874.600.000$00, e que a reconstrução da infra-estrutura de sistema de drenagem se encontrava estimada em 18.825.600$00, e por conseguinte solicitou um incentivo não reembolsável no valor global de 759.411.760$00, conforme resulta no modelo 0023.000622 do programa AGRO recepcionado em 30.06.2001, e ao qual foi atribuído o n.º ....

5.         O nível de ajudas era de 75% do investimento elegível, tendo o gestor do programa AGRO definido os seguintes custos máximos de investimentos elegíveis, para os investimentos abrangidos pelo projecto em análise:

a)         Reconstrução de muros de pedra posta com mais de 1,5 m de altura – 45.000$00/m3 – €224,46/m3 (o valor foi inicialmente fixado em 50.000$00, mas posteriormente reduzido para os referidos 45.000$00);

b)         Drenagem com mais manilhas – 1.993$75/metro - €9,94/metro.

6. O valor referente a €229,40/m3 de pedra determinado pelo IFADAP incluía a mão-de-obra, – limpeza, construção de muro e outros trabalhos acessórios – a utilização de máquinas, – abertura de alicerces, exploração e transporte de pedra – e aquisição de pedras.

7. Posteriormente, a Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes (DRATM) avaliou e confirmou como prejuízos na Quinta da Boavista propriedade do arguido AA e enquadráveis na medida 5 id. em 1:

a) 7022,90m3 de muros de pedra posta com mais de 1,5 metros de altura; e

b) 2400 metros de drenagem com meias manilhas.

8.Nesta medida foi considerado elegível o montante de €1.600.220.97 de um investimento total de €1.600.295.79, sendo €1.576.353,49 relativos a reconstrução de 7.022.90 m3 de muros de pedra posta com mais de 1,5 metros de altura e €23.867,48 relativos à reconstrução de 2400 metros de drenagem com mais manilhas, pelo que foi aprovado uma comparticipação sob a forma de subsídio não reembolsável de €1.200.165,73 – €1600.220,97x75%.

9.No dia 07.03.2002 foi celebrado entre o arguido AA e o Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP), o contrato de atribuição de ajuda. (fls. 141-151 do anexo II)

10.       A partir de então o arguido AA ficou em condições de receber o subsídio aprovado, contra a apresentação dos documentos originais das despesas que o justificassem à Direcção Regional da Agricultura de Trás-os-Montes (DRATM) a quem competia a análise dos mesmos e o respectivo relacionamento com despesas financiadas pelos fundos comunitários e a emissão do pedido de pagamento do subsídio aprovado.

11.       Isto é, a fim de lhe ser entregue o valor correspondente ao subsídio autorizado, o arguido teria que apresentar documentos que comprovassem as referidas despesas, designadamente, mediante a junção de fotocópia de cheques ou comprovativo de transferência bancária, por exemplo.

12.       Em data indeterminada, o arguido decidiu, em conjugação de esforços com os arguidos BB, a título individual, e enquanto legal representante da CC, Lda, e mediante plano previamente delineado, forjar documentos comprovativos de despesas junto do IFADAP, com o propósito de conseguir arrecadar maior quantia monetária a título de subsídio, do que lhe era efectivamente devida pelas obras de reconstrução que realizou.

13.       Com esse propósito, e pese embora, cada m3 de pedra tenha efectivamente custado e tenha sido cobrado a €149,62/m3, o arguido BB fez constar das facturas emitidas o valor correspondente a €229,40, €229,45 e €249,40 por m3 de pedra.

14.O arguido AA e o arguido BB sabiam que se tratavam de despesas parcialmente fictícias, porquanto não tinham sido por aquele efectivamente suportadas, pelo menos nos moldes em que foram expostos.

15.       Na concretização do referido propósito acordado com o arguido BB, o arguido AA apresentou junto do IFADAP os documentos comprovativos da execução do projecto, sendo que os trabalhos realizados por BB e pelas sociedades CC, Lda. e DD – Empresa de Trabalhos Agrícola, Lda., ascenderam ao valor declarado de €1.742.901,40 – €2.079.074,02, com IVA incluído – respeitante à execução de 7.030,18m3 de muros de pedra e colocação de 2.812 metros de manilhas.

16.       O subsídio autorizado de €1.200.165,73 foi pago em quatro tranches, a saber:

a)         Em 21.03.2003, a quantia de €622.274,55;

b)         Em 28.05.2003, o valor de €145.565,70;

c)         Em 31.05.2004, a quantia de €240.000,00;

d)         Em 04.07.2007, a quantia de €192.325,48.

17.       BB executou 4.105m3 de muros de pedra, tendo para o efeito sido emitidas as facturas que foram forjadas:

a) Factura n.º 111, datada de 06.09.2002, no valor de €400.287,00, acrescida de IVA à taxa vigente de 19%, num total de €476.341,53, relativa à execução de 1.605m3 de muro, a €249,40/m3; (fls. 233)

b)Factura n.º 112, datada de 06.09.2002, no valor de €623.500,00, acrescida de IVA à taxa vigente de 19%, num total de €741.965,00, respeitante à execução de 2500m3 de muro de pedra, a €249,40/m3. (fls. 234)

18.       Foram emitidos recibos com os números 76/02 e 77/02, para dar quitação à liquidação das facturas identificadas supra. (fls. 235 e 236)

19.       No que diz respeito aos trabalhos realizados pela empresa CC, Aluguer de Máquinas e Construções, Lda. foram executados 2787,18m3 de muros de pedra, tendo por via disso sido emitidas facturas que perfizeram o valor global de €659.330.30 – €789.154,36 com IVA incluído às taxas de 19% e 21%.

20.       Mormente:

a)         A factura n.º33, de 30.04.2003, no valor de €38.185,00, acrescido de IVA à taxa vigente de 19%, num total de € 45.440,15, relativo à execução de 153,107m3 de muro em pedra, a €249,40/m3; (fls. 325)

b)         Factura n.º50, de 31.07.2003, no valor de €150.000,00, acrescido de IVA à taxa vigente de 19%, num total de €178.500,00, referente à execução de 601,443m3 de muro em pedra, a €249,40/m3; (fls. 323)

c)         Factura n.º 87, de 20.02.2004, no valor de €60.105,40, acrescido de IVA à taxa legal vigente de 19%, num total de €71.523,43, referente à execução de 241m3 de muro em pedra, a €249,40/m3; (fls. 322)

d)         Factura n.º 164, de 13.05.2005, no valor de €183.475,10, acrescido de IVA à taxa legal vigente de 19%, o que perfaz a quantia de €218.335,37, referente à execução de 799,63m3 de muro em pedra, a €229,45/m3; (fls. 342)

e)         Factura n.º 183, de 03.10.2005, no valor de €227.564,80, acrescido de IVA à taxa legal vigente de 21%, o que perfaz a quantia de €275.353,41 referente à execução de 992m3 de muro em pedra, a €229,40/m3. (fls. 397)

21.       Foram emitidas dos recibos com os números 52 (fls. 326), 53 (fls. 324), 54 (fls. 321), 110 (fls. 343) e 125 (fls. 398) para dar quitação à liquidação das facturas com os números 33, 50, 87, 164 e 183, que foram entregues aquando do pedido de pagamento da 2ª, 3ª e 4ª tranche.

22.       No que se refere aos trabalhos realizados pela firma DD– EMPRESA DE TRABALHO AGRÍCOLA, LDA, relativamente à execução de138m3 de muros de pedra e fornecimento e colocação de 2812 metros de manilhas, constatou-se a emissão das seguintes facturas:

a)         Factura n.º 250039, de 02.06.2005, no valor de €16.061,50, acrescido de IVA à taxa vigente de 19%, num total de €19.113,19, relativa à execução de 70m3 de muro em pedra, a €229,45/m3; (fls. 391)

b)         Factura n.º 250040, de 06.07.2005, no valor de €20.220,00, acrescido de IVA à taxa vigente de 19%, num total de €24.061,80 relativo ao fornecimento e colocação de 2.022 metros de manilhas, a €10,00/metro; (fls. 399)

c)         Factura n.º 250045, de 03.08.2005, no valor de €15.602,60, acrescido de IVA à taxa vigente de 19%, num total de € 18.879,15 referente à execução de 68m3 de muro em pedra, a €229,45/m3; (fls. 394)

d)         Factura n.º 250046, de 10.08.2005, no valor de €7.900,00, acrescido de IVA à taxa vigente de 19%, num total de €9.559,00 relativo ao fornecimento e colocação de 790 metros de manilha a €10,00/metro. (fls. 403)

23.       Foram emitidos os recibos com os números 250045 (fls. 393), 250046 (fls. 401), 250047 (fls. 396) e 250048 (fls. 404) para dar quitação às facturas 250039, 250040, 250045 e 250046, datados de 06.11.2005.

24.       Tais documentos foram apresentados para justificar parte da comparticipação do 4.º pedido de pagamento, que foi entregue a 30.04.2007.

25.       Por conseguinte, ao assim procederem, o arguido AA recebeu indevidamente a quantia de €515.810,75.

26.Os arguidos AA e BB, com este comportamento, fizeram, designadamente, com que o arguido AA obtivesse liquidez para pagar as obras que foram executadas na sua propriedade, algumas das quais não abrangidas pelo subsídio e em desacordo com o havia sido definido pelo IFADAP.

27. Agiram os arguidos AA e BB, durante o lapso de tempo referenciado, reiterando sucessivamente os mesmos propósitos, cometendo de forma homogénea os repetidos actos criminosos, favorecidos pelas mesmas circunstâncias exteriores e servindo-se dos mesmos métodos que sucessiva e repetidamente se foram revelando aptos para atingir os seus fins.

28.       O arguido AA a fim de lhe ser entregue a 1º tranche, para além das facturas e recibos, - cfr. facturas 111 e 112 - apresentou junto do IFADAP documentos justificativos dos pagamentos efectuados a BB, designadamente, quatro cheques, a saber:

a)         O cheque n.º ..., datado de 22.07.2002, sacado sobre a conta bancária com o n.º ..., do banco Internacional de Crédito, a favor de BB, no valor de €100.000,00; (fls. 251)

b)         O cheque com o n.º ..., datado de 05.08.2002, sacado sobre a conta bancária com o n.º ..., do banco Crédito Agrícola, a favor de BB, no valor de €120.000,00; (fls. 248)

c)         O cheque com o n.º ..., datado de 15.08.2002, sacado sobre a conta bancária com o n.º ..., do banco Crédito Agrícola, da qual o arguido é titular, a favor de BB, no montante de €130.000,00; (fls. 247)

d)         O cheque n.º ..., datado de 01.09.2002, sacado sobre a conta bancária com o n.º ..., do banco Internacional de Crédito, da qual o arguido é titular, a favor de BB, no montante de €125.000,00. (fls. 244)

Cheques que não foram debitados em conta.

29.       No que se refere ao 3.º pedido de pagamento, datado de 21.01.2005, para além da factura e o recibo, o arguido apresentou junto do IFADAP documentos justificativos de pagamentos feitos à CC – Aluguer de Máquinas e Construções, Lda e BB, no valor global de €427.500,00, entre eles:

a)         O Cheque n.º ...., datado de 28.02.2004, sacado sobre a conta bancária com o n.º ..., do Banco Crédito Agrícola, no valor de €50.000,00, a favor de CC, Aluguer de Máquinas e Construções, Lda. da qual o arguido AA é titular;

b) O cheque n.º ..., datado de 01.09.2004, sacado sobre a conta bancária com o n.º ..., do Banco Crédito Agrícola, no valor de €10.000,00, a favor de CC, Aluguer de Máquinas e Construções, Lda., da qual o arguido AA é titular; (fls. 950)

c)   O cheque n.º ..., datado de 03.12.2004, sacado sobre a conta bancária com o n.º ..., do Banco Crédito Agrícola, no valor de €20.000,00, a favor de CC, Aluguer de Máquinas e Construções, Lda. da qual o arguido AA é titular. (fls. 968)

30.       Acontece, porém que os cheques foram devolvidos, sendo que o 1.º foi a pedido do arguido AA, em 05.03.2004, e os restantes a 03.09.2004 e 09.12.2004, respectivamente.

31.       No que diz respeito ao 4.º pedido de pagamento, datado de 30.04.2007, para além da factura e do recibo, o arguido apresentou junto do IFADAP documentos justificativos de pagamentos efectuados à firma, CC, Aluguer de Máquinas e Construções, Lda., sendo seu legal representante, BB no montante global de €323.000,00, mormente com dois cheques e uma letra, a saber:

a)         O cheque n.º ..., datado de 16.01.2006, sacado sobre a conta bancária com o n.º ..., do Banco Português de Negócios, no valor de €30.000,00, a favor de CC, Aluguer de Máquinas e Construções, Lda. da qual o arguido AA é titular; (fls. 447)

b) O cheque n.º ..., datado de 01.02.2006, sacado sobre a conta bancária com o n.º ..., do Banco Português de Negócios, no valor de €30.000,00, a favor de CC, Aluguer de Máquinas e Construções, Lda. da qual o arguido AA é titular. (fls. 447)

Sendo que ambos os cheques foram devolvidos a pedido do arguido AA.

32.No que diz respeito à letra, esta foi emitida em 21.10.2005, sendo que o arguido interveio como aceitante, no valor de €243.000,00 (fls. 408), em que é sacador BB. Em 19.03.2007, a letra foi reformada por 238.000,00 e debitada no seu vencimento de 25.06.2007.

33.       O arguido AA apresentou ao IAFADP tais despesas, no sentido de comprovar que, à data de apresentação das mesmas, já as havia pago/liquidado aos seus destinatários, sabendo que tal lhe era exigido pelo IFADAP para libertar os montantes a título de subsídio.

34.       Os arguidos AA e BB agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram e são proibidas por lei.

Mais resultou provado que:

35.       Com excepção da quantia titulada pelo cheque n.º 5323145402, datado de 01.02.2006, referido no ponto 31-b), todas as quantias tituladas pelos demais cheques foram integralmente pagas em data posterior às datas neles apostas.

                                                                      *

36.       O arguido AA é casado em primeiras e recíprocas núpcias com ....

37.       O casal teve dois filhos, ambos já maiores de idade e com curso superior.

38.       O arguido vive com a sua mulher em casa própria, na referida “Quinta ...”.

39.       O rendimento bruto declarado do casal foi, no ano fiscal de 2012, de €39.762,17, relativo a duas pensões de reforma.

40.       A “Quinta ...” é constituída por vários prédios, sobre os quais impende ónus de hipoteca a favor da CCAM para garantia de mútuo concedido.

41.       O arguido tem como habilitações literárias o antigo 7º ano do Liceu.

42.       O arguido ingressou na carreira de “empregado bancário”, tendo sido admitido nos quadros do Banco de Portugal em 21/4/1971.

43.       O arguido foi dirigente sindical, desempenhando nomeadamente os seguintes cargos:

–          por eleição, em 1976: Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Comissão Directiva do Sindicato dos Bancários do Norte;

–          Presidente da Assembleia Geral do mesmo sindicato;

–          foi fundador da UGT, ocupando, por eleição, um lugar no Secretariado;

–          em 1985, voltou a ser eleito Presidente da Mesa da Assembleia Geral do Sindicato dos ...;

–          por eleição, foi membro do Secretariado da ... entre 1979 e 1992, cumprindo cinco mandatos;

–          foi Secretário Executivo e Vice-Secretário Geral da ...;

–          por eleição, foi Presidente da ... entre 1996 e 2000.

44.       O arguido foi deputado da Assembleia de Freguesia de ... entre os anos de 1979 e 1984.

45.       O arguido foi eleito por três vezes deputado da Assembleia da República pelo círculo eleitoral do distrito do ..., mandatos que cumpriu entre os anos de 1979 e 1985.

46.       Em 1986, o arguido foi um dos escolhidos para representar Portugal no Comité ... da Comunidade Europeia, e nele esteve em funções até 2000, tendo sido homenageado e medalhado pelo trabalho que desenvolveu.

47.       O arguido foi e é também dirigente do associativismo agrícola:

–          entre 1995 e 1999, foi ...; e

–          por eleição, é ... desde Abril de 1999.

48.       Em Junho de 1980, o arguido foi condecorado pelo Senhor Presidente da República com a Comenda de ....

49.       O arguido é um cidadão publicamente reconhecido e considerado, cultivando um bom relacionamento pessoal, profissional e associativo com as pessoas com quem tem de contactar, lutando pelos seus ideais e objectivos.

50.       Na sua qualidade de..., o arguido tem direito a usufruir o ordenado próprio da função, o qual, todavia, não tem sido pago de forma regular, por dificuldades financeiras na ....

51.       O arguido AA não tem antecedentes criminais. (CRC de fls. 1140)

                                                                      *

52.       O arguido é casado e tem uma filha com 21 anos de idade; vive em casa dos pais com a mulher e filha; completou o 9º ano de escolaridade; é gerente da empresa de transportes “...”, cujos sócios são os seus pais; a mulher está desempregada e a filha é estudante.

53.       O arguido BB foi já condenado pela prática de: (CRC de fls. 1141-1145)

–          um crime de abuso de confiança fiscal (praticado em 2005 e decisão de 27/10/2007, com pena de 300 dias de multa, à taxa diária de €5,00, num total de €1.500,00);

–          um outro crime de abuso de confiança fiscal (praticado em 2008 e decisão de 9/11/2011, com pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €5,00, num total de €900,00);

                                                               *

54.       O arguido DD afirmou é casado, tem três filhos com 23, 16 e 9 anos de idade, respectivamente; vive com a mulher e as suas três filhas; é gerente da DD, empresa de prestação de serviços agrícolas; a mulher dá uns dias na firma; tem equivalência ao 9º ano de escolaridade.

55.       O arguido DD foi já condenado pela prática de: (CRC de fls. 1146-1149)

–          um crime de abuso de confiança fiscal (praticado em 2009 e decisão de 24/11/2011, tendo sido dispensado de pena);

–          um outro crime de abuso de confiança fiscal (praticado em 2010 e decisão de 26/1/2012, tendo sido igualmente dispensado de pena); e

–          um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social (praticado em 2011 e decisão de 15/5/2013, com pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €6,00, num total de €900,00).

56.       A sociedade arguida DD – Empresa de Trabalhos Agrícolas, Lda. foi já condenada pela prática de: (CRC de fls. 1136-1139)

–          um crime de abuso de confiança fiscal (praticado em 2009 e decisão de 24/11/2011, tendo sido dispensada de pena);

–          um outro crime de abuso de confiança fiscal (praticado em 2010 e decisão de 26/1/2012, tendo sido igualmente dispensada de pena); e

–          um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social (praticado em 2011 e decisão de 15/5/2013, com pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €6,00, num total de €900,00).

2.1.2. Factos não provados:

No que diz respeito à acusação pública, não resultou provado que:

–  o arguido DD, legal representante da DD – Empresa de Trabalhos Agrícola, Lda., tenha delineado um plano com o arguido AA, no sentido de forjar documentos comprovativos de despesas junto do IFADAP;

–          o arguido BB tenha feito constar de todas as facturas o valor correspondente a €229,29/m3 (antes resulta da própria acusação que os valores ali constantes são de €229,40, €229,45 e €249,40 por m3 de pedra);

–   o arguido DD soubesse que se tratavam de despesas parcialmente fictícias, porquanto não tinham sido por ele efectivamente suportadas;

–          as facturas emitidas pela sociedade arguida DD – Empresa de Trabalho Agrícola, Ld.ª, tivessem sido engendradas;

–          o arguido AA tenha recebido indevidamente a quantia de €700.745,00;

–          as obras não abrangidas pelo subsídio tivessem sido exactamente reportadas à construção de juros;

–          o 3.º pedido de pagamento foi feito em 14/6/2005 (o tribunal precisou esta data para 21/1/2005);

–          o arguido AA, ao apresentar ao IAFADP tais despesas, tenha procurado fazer crer ou convencer os seus responsáveis, de forma reiterada, pelo menos quatro vezes, num período que mediou entre o ano de 2003 e o ano de 2007, que já havia pago/liquidado aos seus destinatários, no sentido de procurar enganar aquele Instituto;

–          na presente data e com excepção do cheque mencionado no ponto 31-b), o arguido ainda não tenha liquidado parte dos montantes aos trabalhadores e empresas que contratou para executar os trabalhos acima descritos;

–          o arguido DD tenha agido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram e são proibidas por lei.

Quanto à contestação apresentada pelo arguido AA e para o que nos poderia interessar, não resultou provado que:

–          cada metro cúbico de muro de pedra construído foi pago ao co-arguido BB pelos preços que constam das facturas juntas aos autos;

–          as quantias recebidas do IFADAP tenham sido integralmente afectas à reconstrução dos muros delineados pela DRATM e posteriormente objecto de contrato com aquele Instituto;

–          o arguido frequentou o 3º ano do curso de engenharia civil na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, sempre com aproveitamento, mas que não concluiu por dificuldades financeiras dos seus pais.

Todas as demais afirmações vertidas na contestação são conclusivas ou encerram considerações de direito, pelo que serão directa ou indirectamente abordadas mais à frente.

I

            A questão em apreço no caso vertente cinge-se tão somente à forma de contagem dos juros de mora num caso de responsabilidade civil extracontratual como é a hipótese dos autos. Sobre a mesma refere-se na decisão recorrida que:

Vem o arguido contestar não o quantum da pena que lhe foi aplicada mas tão só o facto da suspensão da execução da pena de prisão ter ficado condicionada ao pagamento do montante de 200.000,00 € ao assistente IFAP, pugnando antes que a este título seja fixado o valor de 75.000,00€.

Não aduz muitas razões para este sua discordância limitando-se a referir que tem ónus inscritos sobre o seu património.

Sucede porém que também neste conspecto a decisão recorrida encontra-se judiciosamente fundamentada. Se não vejamos o que a este propósito se encontra vertido na decisão recorrida:

« (…) O IFAP pretendia ver condicionada uma eventual suspensão ao pagamento da totalidade das quantias que lhe são devidas, mas o n.º 2 deste último normativo diz-nos que os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.

E assim, perante as condições económicas apuradas nos autos, afigura-se ao tribunal que a liquidação da quantia de €515.810,75 (ou mais, se contabilizarmos os juros a que diante se fará referência) é um encargo significativo e que dificilmente poderia ser cumprido dentro do prazo da suspensão. Não obstante, o arguido é detentor de um assinalável património, mesmo que onerado, pelo que é, sem dúvida, pessoa com posses muito acima da mediania.»

Ou seja o tribunal ponderou devidamente as condições económicas do arguido e entendeu que o cumprimento daquela obrigação de pagamento não constituiu um sacrifício incomportável nem excessivo entendimento, que igualmente acompanhamos. Não se pode olvidar o tipo de crime que aqui se está a punir; provou-se que o arguido recebeu de modo fraudulento mais de 500.000,00€, isto há já quase 10 anos atrás. Até à data não restituiu qualquer valor. Se agora ficasse tão só com a condenação suspensa sem mais, ou condicionada ao pagamento de um valor inferior, concretamente aquele que o arguido sem qualquer justificação refere, por certo não seria sentida pelo arguido como sanção adequada à gravidade da conduta perpetrada podendo até contribuir para criar a convicção, no próprio e na sociedade, de que, afinal, o crime compensa.

Por último vem o arguido dizer que não tendo, o assistente, formulado PIC pelos danos emergente da conduta do arguido, devendo fazê-lo por força do preceituado no artigo 71º do Código de Processo Penal, não poderia, o tribunal, ter determinado o pagamento de juros, já que, no seu entendimento não pode haver a atribuição de juros a quem não tenha peticionado capital indemnizatório.

Vejamos se assim é; quando houver condenação pelo crime de fraude na obtenção de subsídio, [e também quando ocorrer condenação pelo crime de desvio de subsídio], para além das penas previstas nos artigos 36º e 37º do Decreto Lei 28/84, o tribunal condenará sempre na total restituição das quantias ilicitamente obtidas, conforme expressamente se encontra consagrado no artigo 39º do referido diploma legal. Ora, assim sendo, é a próprio lei que, ao determinar como consequência da condenação a obrigação de condenar sempre na restituição do que foi ilicitamente obtido, retira sentido a que seja por via do pedido de indemnização civil que tal montante seja peticionado. Mas o certo é que a circunstância de haver dinheiro que deveria estar na posse da assistente e não do arguido, faz com que os juros desse dinheiro que deveriam ter revertido pelo assistente caso não tivesse aberto mão dele, por virtude do crime cometido, configura, sem dúvida, prejuízo patrimonial que importa ao arguido ressarcir. Assim a formulação do PIC limitando-se ao valor dos juros do montante do subsídio fraudulentamente conseguido pelo arguido, não merece qualquer censura. Questiona ainda o recorrente a data a partir da qual esses juros são devidos. A este propósito preceitua o artigo 805º do C.C.:

 “O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:

a) Se a obrigação tiver prazo certo;

b) Se a obrigação provier de facto ilícito;

c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.

3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.”

Destarte tendo em conta o despacho de folhas 998 verso e o teor de folhas 1005 os juros deverão ser calculados, à taxa legal de 4% ao ano, sobre o montante de 515.810,75€ devidos desde 7/10/2013 (data em que o arguido foi notificado do PIC deduzido) até efetivo e integral pagamento, procedendo portanto parcialmente esta parte do recurso.

III) Decisão

Acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente provido o recurso interposto pelo arguido/ demandado e, em consequência condenar o arguido AA a pagar à assistente Instituto da Agricultura e Pescas IP a pagar juros sobre o montante de 515.810,75€, calculados à taxa de 4%, devidos desde 7/10/2013 (data em que o arguido foi notificado do PIC deduzido) até efetivo e integral pagamento.

A questão em apreço restringe-se, assim e conforme se referiu, à forma de computar os juros devidos no caso vertente.

Efectivamente, de acordo com o artigo 39 do Decreto-lei 28/84 o tribunal deverá decretar a devolução da quantia ilicitamente recebida quando estiver em causa a prática de crime inserto no mesmo tipo legal configurado nos presentes autos. Consequentemente, a primeira questão que nos interpela é a da natureza jurídica de tal obrigação de restituição. No que concerne importa salientar que o actual Código de Processo Penal (CPP), mantendo o sistema de adesão, veio conferir à acção de indemnização pela prática de um crime, formalmente enxertada no processo penal, a estrutura material de uma autêntica acção civil, acolhendo, inequivocamente, os princípios da disponibilidade e da necessidade do pedido (arts. 71º, 74. a 77. e 377, do CPP) e prescrevendo que a decisão final, ainda que absolutória, que conheça do pedido cível, constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis (art. 84. do CPP).

A determinação indemnizatória cível em processo penal deverá ter sempre a sua fonte num acto ilícito pois que não é legalmente admissível que em sede de processo penal o tribunal criminal se pronuncie sobre uma responsabilidade fundada numa outra genética que não a da responsabilidade civil extracontratual, ou seja, a da responsabilidade civil do agente pelos danos que, com a prática do crime causou, pois que a acção cível que adere ao processo penal é a que tem por objecto a «indemnização por perdas e danos emergentes do crime», e só essa /arts, 128º do CP/82 e 129.º do CP/95.). Ac. do STJ de 25.02.1998, Processo n. 97/98 e, de 12.01.2000, Processo n. 1146/99 – 3ª Secção Nesta sequência, pelos danos causados por um facto que não é susceptível de integrar responsabilidade por facto ilícito e que viola, exclusivamente, um crédito ou uma obrigação em sentido técnico, não pode pedir-se a respectiva indemnização no processo penal ou, dito por outra forma, ao tribunal criminal falece a competência para conhecer da pura responsabilidade civil contratual.- Ac. do STJ de12.01.2000, Processo n. 599/99 – 3ª Secção.

            Sem embargo, e face ao disposto no artigo 129 do actual CP, importa salientar que a indemnização de perdas e danos, ainda que emergente de crime, deixou de constituir um efeito penal da para passar a ser regulada pela lei civil, assumindo, pois, a natureza de uma obrigação civil em sentido técnico, nos termos do art. 397., do CC, com o seu regime específico.

                                                                    *

No que toca mais directamente ao caso vertente importa reter que, conforme decisão deste Supremo Tribunal de 25/10/2006, o normativo cuja forma de aplicação está em causa-artigo 39 do referido Decreto-lei- inculca logo à partida que de trata de um efeito da prática do crime, devendo ser declarado conjuntamente com a aplicação da pena. Embora se possa considerar como uma consequência jurídica do crime, a reposição da verbas ilicitamente recebidas não é uma sanção penal, designadamente uma pena acessória, dado que não se conexiona com a culpa do agente.

Sendo certo que a sua finalidade corresponde em parte à de uma indemnização por perdas e danos, não há total identidade entre as duas figuras, designadamente porque não se destina propriamente a reparar os prejuízos que nos termos da lei civil são indemnizáveis. Trata-se de uma consequência jurídica do crime e simultaneamente de uma sanção civil, consistente na perda de um benefício.

Face ao exposto, designadamente pela forma imperativa da imposição legal da restituição, terá de considerar que, no caso, com o cometimento do crime se gerou a obrigação de restituição do benefício recebido.

Porém, se é assim em função da quantia indevidamente recebida já em relação à obrigação de juros a questão se coloca de forma diferente pois que não estando inscrita no artigo em causa a sua fonte apenas se poderá filiar na mora do arguido.

Na verdade, é certo que o assistente IFADAP radica o seu pedido de pagamento de juros no artigo 12 do Decreto-Lei nº 163-A/2000 de 27 de Julho de 2000 que determina que no caso de rescisão do contrato pelo IFADAP, o beneficiário constitui-se na obrigação de reembolsar as importâncias recebidas a título de ajuda, acrescidas de juros à taxa legal, calculados desde a data em que tais importâncias foram colocadas à sua disposição, sem prejuízo da aplicação de outras sanções previstas na lei. Porém, tal obrigação é a que resulta do incumprimento contratual em relação às regras que informaram a concessão de subsídio e a apreciação dessa responsabilidade contratual não cabe no caso vertente, sendo certo que nem sequer é referido, em termos de materialidade considerada provada, a rescisão contratual e muito menos as concretas circunstâncias em que se processou.

Assim sendo, e determinado que o arguido está obrigado a restituir a quantia de em causa, a origem da obrigação de pagamento de juros apenas se poderá filiar numa constituição em mora relevante nos termos do artigo 805 do Código Civil pois que os juros moratórios exercem a função de indemnização pelo retardamento de uma prestação pecuniária (artigo 806.º, n.º 1), sendo, assim, devidos a título de indemnização.

Efectivamente, tal como se refere no Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 2 de Maio de 2002, a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 200-C/80, aos juros moratórios passou a estar cometida não só a função específica de indemnizar os danos decorrentes do intempestivo cumprimento da obrigação, mas também a de contrabalançar a desvalorização monetária, numa indirecta reacção contra o princípio nominalista consagrado no artigo 550.º. [1]

Foi nessa sequência que se fixou a seguinte norma interpretativa:
Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.

No caso vertente a quantia devida a título de subsídio não foi objecto de qualquer actualização que aliás sempre surgiria à revelia duma interpretação literal do artigo 39 do referido Decreto-lei.

Assim sendo, conforme está implícito no exposto e ressalta da análise da decisão recorrida e da decisão de primeira instância, o que está em causa é a interpretação do artigo 803 do Código Penal e nomeadamente o precisar se a obrigação de restituição a que está adstrito o arguido é uma obrigação ilíquida, caso em que a obrigação de pagamento de juros se inicia com a citação, ou se, pelo contrário, a mesma se deve considerar como liquida e, como tal, se iniciando com o momento em que as quantias foram colocadas na disponibilidade do arguido[2]

No que concerne podemos afirmar, na esteira de Antunes Varela,[3] que a obrigação ilíquida é aquela cuja existência é certa, mas cujo montante ainda não está fixado ou apurado. Porém a indeterminação do valor da obrigação– sendo, por isso, uma obrigação ilíquida – não se pode confundir com o desacordo sobre tal valor, já que a essência co conceito de iliquidez é a circunstância de as partes – ou pelo menos o devedor – desconhecerem esse valor por não disporem ainda de todos os elementos que são necessários ao seu apuramento.

Efectivamente, se o valor da obrigação é determinado e determinável em função de critérios, factos ou circunstâncias previamente definidos, que são do conhecimento das partes, não existirá qualquer obrigação ilíquida e a mera circunstância de inexistir acordo acerca desse valor – porquanto não estão de acordo quanto à verificação (ou não) dos factos (pré-existentes) que servem de base ao apuramento daquele valor – não é suficiente para alterar para ilíquida uma obrigação cujo valor não depende de quaisquer outros factos (que ainda não tenham ocorrido ou não sejam do conhecimento de alguma ou de ambas as partes) ou de operações que ainda não tenham sido efectuadas.

Se a indefinição do valor da obrigação tem na sua génese uma divergência ou desacordo das partes relativamente à verificação ou interpretação dos factos ou circunstâncias que, alegadamente, teriam sido previamente estabelecidos, não existe uma obrigação ilíquida; a mesma indefinição será resolvida tendo como instrumento a prova (ou não) desses factos ou pressupostos pré-existentes, não existindo necessidade de apurar quaisquer outros factos adicionais ou de proceder a qualquer outra operação.

Consequentemente, estamos perante uma obrigação ilíquida quando a indefinição do valor da obrigação resulta da circunstância de não terem ainda ocorrido ou serem desconhecidos de alguma das partes algum ou alguns dos factos que são necessários para o apuramento e conhecimento desse valor. Como se refere no  Acórdão deste STJ de 29/11/2005[3]Não é pelo simples facto de ser controvertido o montante da dívida que ela se torna ilíquida, isto é, de montante incerto e por isso desconhecido do devedor”; “Para efeito da aplicação do princípio in illiquidis non fit mora constante da 1ª parte do nº3º do art. 805º C.Civ. só releva a iliquidez objectiva, e esta só se verifica quando o devedor não estiver em condições de saber quanto deve”; “O princípio referido não tem cabimento quando, dispondo o devedor dos elementos necessários para saber o montante do seu débito, ocorra, afinal, iliquidez tão só aparente ou subjectiva”; “Estando o demandado, em vista da obra feita, em condições de saber quanto devia ao demandante, o facto de a quantia em que foram condenados ser inferior à pedida não afasta a condenação em juros de mora, assente em culpa no atraso do pagamento”.

            Retomando à questão inicial estamos em crer que, filiando-se a responsabilidade do arguido numa obrigação pecuniária inerente a um subsidio que recebeu e que se demonstrou que não deveria ter recebido inexiste qualquer situação de indeterminabilidade e, pelo contrário, e, tal como se evidencia dos autos, existia alguém-o arguido- que desde a eclosão dos factos sabia que tinha recebido uma quantia certa e determinada e que não era devida.[4]

Decorre do exposto a discordância em relação aos critérios constante da decisão recorrida pelo que se revoga a mesma condenando o arguido nos precisos termos constantes de decisão de primeira instância

Custas do recurso a cargo do demandado.

Santos Cabral (relator)

Oliveira Mendes

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[1] Adianta aquela decisão, partindo do pressuposto duma relativa estabilidade no valor da moeda, associado à elevação dos pedidos indemnizatórios e ao desincentivo do protelamento das acções, resultante da já falada alteração introduzida ao n.º 3 do artigo 805.º, passou a ser possível,  sem violar o princípio do pedido, atribuir indemnizações actualizadas em conformidade com a referida norma do n.º 2 do artigo 566.º, levando já em conta não só todos os danos alegados, mas também a correcção monetária.
A aplicação da norma do n.º 2 do artigo 566.º em toda a sua expressão normativa, com a função de regra geral indemnizatória que claramente desempenha, faz com que, inevitavelmente, o n.º 3 do artigo 805.º deva sofrer uma restrição interpretativa, para a qual aponta também a consideração de que o princípio actualista que preside ao enunciado declarativo do n.º 2 do artigo 566.º não se confina ao aspecto da correcção monetária.
Sendo certo que a regra do n.º 3 do artigo 805.º teve em vista «combater o fenómeno da inflação e os seus efeitos desequilibradores nas relações jurídicas creditícias, designadamente, nas derivadas de facto ilícito ou risco», se o juiz calcula o capital a valores actualizados, deixa de fazer sentido a aplicação retroactiva do corrector monetário
[2] Artigo 803 O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.  2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:  a) Se a obrigação tiver prazo certo;  b) Se a obrigação provier de facto ilícito;  c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.  3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.
[3]  Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., pág. 115, nota
[4] Como é evidente na ponderação sobre a precisão, determinação e exigibilidade está ausente qualquer equação da relevância do instituto de prescrição dos juros de mora