Proc. n.º 492/17.9GACSC-A.S1
5ª Secção
Habeas Corpus
acórdão
Acordam na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:
I. relatório.
1. AA, arguido nos autos de PCS n.º 492/17.9GACSC do Juiz .. do Juízo Local Criminal ...... – doravante, Requerente –, recluído no Estabelecimento Prisional ..... em cumprimento de pena de prisão, peticiona a sua «imediata libertação […] (ao abrigo do art.º 222 do CPP)» nos termos que seguem transcritos:
─ «[…].
AA, arguido, estando ilegalmente preso, há 24 horas, requer a sua libertação imediata, nos termos e com os fundamentos seguintes:
Por Decisão (de 23.04.2021, com evidência de depósito na morada do arguido em 28.04.2021) o Tribunal de ...... revogou a Suspensão da Execução da Pena de Prisão.
Por requerimento de 12.05.2021, o arguido condenado interpor recurso daquela decisão (que lhe é desfavorável).
A secretaria do Tribunal ...... (secção central) recebeu tal requerimento, no entanto, nunca fez chegar, ao processo.
Às secretarias compete, além do mais, fazer chegar (sem demora) ao Juiz titular do respectivo processo, todo o expediente que lhes seja entregue, com identificação de intervenientes, número de processo e secção ou juízo, ao abrigo dos princípios da aquisição processual, prevalência da matéria sobre a forma e adequação formal.
De acordo com o art 98 n° 21 do CPP: As exposições, memoriais e requerimentos do arguido são sempre integrados nos autos.
O Tribunal ordenou a emissão e cumprimento de mandados de detenção, destinados ao cumprimento da pena de prisão.
Tais mandados foram ontem cumpridos, tendo o arguido sido conduzido ontem de manhã, Estabelecimento Prisional de ......
Isto apesar de ter sido interposto recurso, dentro do prazo.
Tal recurso (interposto pelo arguido em 12.05.2021) tem efeito suspensivo (art 408 do CPP).
Apesar disso, o Tribunal ordenou a emissão de Mandados de Detenção do arguido, tendo em vista o cumprimento de 13 meses de prisão.
Tendo o arguido interposto recurso da decisão que determinou a revogação da suspensão de execução da pena, nunca o Tribunal poderia ter ordenado a prisão do arguido, como ordenou.
A prisão do arguido foi motivada por facto pelo qual a lei a não permite, porquanto a interposição tempestiva de recurso, impede, a execução da decisão (que determinou o cumprimento de pena efectiva..
Ao ter ordenado a prisão do arguido (que interpôs, tempestivamente recurso) nas condições em que o fez, o Tribunal violou o disposto no art 408 dos CPP,
Pelo que, deverá ordenar-se a imediata libertação do arguido, com as legais consequências (ao abrigo do art 222 do CPP).
[…].».
2. No momento previsto no art.º 223º n.º 1 do CPP, o Senhor Juiz do Juiz .. do Juízo Local Criminal ...... lavrou, com data de 25.6.2021, informação do seguinte teor:
─ «[…].
AA, atualmente em cumprimento de pena de prisão, requereu a sua imediata libertação, alegando que a sua privação de liberdade ocorreu de forma ilegal, dando-se aqui por reproduzidos os fundamentos invocados no seu requerimento.
Encontra-se em cumprimento de pena de prisão na sequência da revogação da substituição de trabalho a favor da comunidade desde o dia 24/06/2021.
De acordo com o disposto no artigo 222.º do Código de Processo Penal "a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus". A providência de Habeas Corpus é o meio processual adequado a uma reação expedita contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal.
A petição é dirigida em duplicado ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual o requerente se mantenha preso e deve fundamentar-se em ilegalidade da prisão por um dos seguintes motivos:
a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite;
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou decisão judicial.
O arguido encontra-se em cumprimento da pena de prisão na sequência da revogação da substituição da pena de trabalho a favor da comunidade por despacho de 23/04/2021, que lhe foi notificada por PD no dia 28/04/2021 (considerando-se notificado em 03/05/2021), não constando do processo qualquer interposição de recurso até ao dia 24/06/2021, quando o despacho que revogou a substituição da pena de trabalho a favor da comunidade transitara em julgado no dia 02/06/2021
A privação da liberdade decorrente da aplicação ao arguido de pena de prisão efetiva é permitida ao abrigo do disposto no artigo 28.º da CRP, razão pela qual o requerimento de Habeas Corpus carece de qualquer fundamento.
Pelas razões expostas entendo ser de manter a execução da pena de prisão a que o arguido se encontra sujeitos, nos seus exatos termos e, por isso mesmo, não se ordena, nesta instância a imediata libertação do arguido, sem prejuízo, naturalmente, de superior decisão, em melhor critério do Exmo. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, para onde os autos, em cumprimento do disposto no artigo 223.º do CPP, serão, de imediato, remetidos.
Extraia certidão das seguintes peças processuais:
─ sentença proferida nos autos;
─ Auto de audição do condenado, promoção do MP, resposta do arguido, despacho que revogou a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade e mandado de detenção do arguido e, de imediato, remeta ao Exmo. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
[…].».
3. O procedimento vem instruído com várias certidões e cópias de peças processuais, umas juntas oficiosamente, outras a pedido do Requerente, designadamente, da sentença de 18.12.2018 que condenou o Requerente na pena de 13 meses de prisão, substituída por 390 horas de prestação de trabalho favor da comunidade; do mandado de detenção do Requerente emitido em 9.6.2021 para cumprimento da pena principal de 13 meses de prisão; do despacho judicial de 23.4.2021 a «revogar a pena substitutiva de 390 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade» e a ordenar «o cumprimento da pena principal de 13 meses de prisão»; do requerimento de interposição de recurso e motivação do Requerente do despacho de 23.4.2021, remetido por e-mail de 12.5.2021; do e-mail de 13.5.2021 remetido pela unidade central dos juízos de ...... a informar que o expediente de recurso deveria ser remetido via Citius ou informado justo impedimento.
4. Convocada esta 5ª Secção Criminal e notificados o Ministério Público e o Defensor do Requerente, realizou-se a audiência pública – art.os 223º n.os 2 e 3 e 435.º do CPP.
Cumpre, assim, publicitar a respectiva deliberação e, sumariamente, a discussão que a precedeu.
II. Fundamentação.
A. Factos.
5. Dos elementos documentais que instruem o processo e da informação prestada ao abrigo do art.º 223º n.º 1 do CPP, emerge a seguinte factualidade:
(1). Por sentença de 18.12.2018, transitada em julgado, foi o Requerente condenado pela co-autoria material de crime de roubo p. e p. pelo art.º 210º n.º 1 do Código Penal (CP), na pena de 13 meses de prisão, substituída por 390 dias de prestação de trabalho a favor da comunidade, por factos praticados em 4.10.2017.
(2). Por despacho judicial de 23.4.2021, foi aquela pena de substituição revogada nos termos do art.º 59º n.º 2 b) do CP, e ordenado o cumprimento da pena de 13 meses de prisão, determinando-se, ainda, a emissão, após trânsito, de mandados de detenção e condução do Requerente para tal cumprimento.
(3). Tal despacho foi notificado ao Requerente, na sua pessoa, por via postal simples com prova de depósito de 28.4.2021, e na da sua defensora, ao tempo, por via electrónica (CITIUS) expedida 23.4.2021.
(4). Em peça remetida por correio electrónico expedido do endereço BB (Advogado) ..........................@advogados.oa.pt em 12.5.2021 às 19:57 horas, para o endereço ..... .... - Tribunal Judicial - ...... .......judicial@tribunais.org.pt, o Requerente requereu, através de defensor que constituiu, o Senhor Dr. BB, a interposição de recurso para o Tribunal da Relação ….. do despacho de 23.4.2021, com a respectiva motivação.
(5). Na oportunidade, não alegou, nem juntou comprovação, de qualquer facto ou circunstância que o tivesse impedido de utilizar o meio de transmissão electrónica de dados disponibilizado na aplicação CITIUS.
(6). O expediente do recurso foi tratado na Unidade Central da Secretaria dos Juízos ...... do Tribunal Judicial da Comarca …. .... pelas 10:53 do dia seguinte, 13.5.2021, pela Sra. Escrivã Adjunta CC que, do endereço de recepção, enviou para o endereço do remetente mensagem electrónica do seguinte teor:
─ «Bom dia Dr.
Com referência ao seu mail, informo que o mesmo deverá vir VIA Citius ou informar do Justo impedimento.
[…].».
(7). O expediente de recurso não foi junto ao processo judicial e não mereceu qualquer despacho do Senhor Juiz do processo.
(8). Até ao dia 2.6.2021, o Requerente nada requereu nem teve qualquer intervenção no processo, por si ou através do seu defensor.
(9). Em 9.6.2021, o Juízo Local Criminal ...... emitiu mandados de detenção do Requerente para cumprimento da pena de prisão de 13 meses resultante da revogação da pena de substituição decidida no despacho de 23.4.2021.
(10). Capturado em 24.6.2021, o Requerente está recluído desde então no Estabelecimento Prisional ....... em cumprimento da pena 13 meses de prisão sempre referida.
B. Breve enquadramento de direito.
6. O artigo 31º n.º 1 da Constituição da República figura o direito à providência de habeas corpus como direito fundamental contra o abuso de poder por virtude de prisão ou detenção ilegais.
Visando reagir contra tal abuso de poder, o habeas corpus constitui «não um recurso, mas uma providência extraordinária com natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade» [1]: trata-se de «um processo que não é um recurso mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, de prisão e, não, de toda e qualquer ilegalidade, essa sim, objecto de recurso ordinário ou extraordinário» [2].
Os fundamentos do habeas corpus estão taxativamente enumerados nos artigos 220º n.º 1 e 222º nº 2 do CPP, consoante o abuso de poder derive de situação de detenção ilegal ou de prisão ilegal, respectivamente.
Tratando-se de prisão, a ilegalidade que pode fundamentar a providência é – e só é – a que esteja prevista nas três alíneas do art.º 222º n.º 2 do CPP, é dizer, a ilegalidade que resulte ou de ter sido ordenada ou efectuada por entidade incompetente – e incompetente no sentido estatutário, no de se tratar de uma entidade não judicial –, ou de ter sido motivado por facto por que a lei a não permite ou de manter-se para além dos prazos fixados por lei ou decisão judicial.
E quanto ao fundamento da al.ª b) do n.º 2 do art.º 222º do CPP, podendo abranger uma multiplicidade de situações – v. g., a não punibilidade dos factos imputados ao preso; a prescrição do procedimento ou da pena; a amnistia da infracção imputada ou o perdão da respectiva pena; a inimputabilidade do preso; a falta de trânsito da decisão condenatória; a inadmissibilidade legal de prisão preventiva –, há-de, sempre, tratar de «uma ilegalidade evidente, de um erro directamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correcção de decisões judiciais, à análise de eventuais nulidades ou irregularidades do processo, matérias essas que não estão compreendidas no âmbito da providência de habeas corpus, e que só podem ser discutidas em recurso» [3].
E a ilegalidade, há-de, ainda, ser actual, isto é, há-de tratar-se de prisão ilegal que persista no momento em que é apreciado o pedido [4].
C. Apreciação.
a. A ilegalidade fundante da providência.
7. Flui, então da factualidade assente que, condenado em pena de substituição da prisão de prestação de trabalho a favor da comunidade – art.º 58º do CP – viu, depois, o Requerente essa pena revogada e determinado o cumprimento da pena, substituída, de 13 meses de prisão – art.º 59º n.º 2 al.ª b) do CP –, sendo que, tendo requerido a interposição de recurso do despacho revogatório, a secretaria do tribunal recusou o recebimento do petitório por apresentado por correio electrónico sem alegação de justo impedimento de utilização da plataforma CITIUS, e que, considerando-se decorridos os prazos de reclamação, de reforma e de recurso – maxime o de 30 dias previsto no art.º 411º n.º 1 CPP, majorado pelo de três de tolerância do art.º 107º-A do CPP e 145º n.º 5 do CPC – daquele despacho, foram passados mandados de detenção e o Requerente recolhido em estabelecimento prisional para cumprimento da mencionada pena.
E resulta do petitório que serve de base à presente providência, que o Requerente considera a privação de liberdade a que se encontra sujeito ferida pela ilegalidade prevista no art.º 222º n.º 2 al.ª b) do CPP – «Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite» – pelo facto de entender que, tendo requerido a interposição de recurso do despacho de revogação antes de esgotado o prazo de 30 dias previsto no art.º 411º n.º 1 do CPP, não só sempre teria incumbido à secretaria juntar o requerimento ao processo – art.º 98º n.º 1, parte final, do CPP –, como que o despacho revogatório não se mostrava transitado em julgado à data da sua detenção, pendente que estava da apreciação do requerimento recursório, pelo que, inexequível a prisão decretada, é a privação da liberdade que sofre ilegal.
Veja-se, então, se alguma ilegalidade existe e se se projectou sobre a privação da liberdade do Requerente, e tudo em termos de na sua evidência, ostensividade e indiscutibilidade poder aqui ser relevada, e de, na sua intolerabilidade, poder fundar a providência de habeas corpus.
b. O mérito da providência.
8. O fulcro de todas as questões que aqui se discutem prende-se com a forma da prática do acto processual interposição de recurso – por correio electrónico – de que o Recorrente se valeu, conforme n.os (4) e (5) de A. Factos e, depois, com o acto da secretaria dos juízos ...... de não recebimento do expediente e de não junção dele ao processo – n.os (6) e (7).
Importando, assim, reflectir sobre a prática dos actos escritos das partes em processo penal e sobre a recusa do respectivo recebimento pela secretaria, trace-se, na medida do que possa interessar à decisão, o respectivo regime.
(a). A apresentação dos actos escritos pelas partes em processo penal.
9. O Código de Processo Penal não contém disciplina esgotante da apresentação dos actos processuais escritos das partes em juízo, colhendo-a, subsidiariamente e na medida do necessário – art.º 4º do CPP –, no Código de Processo Civil e legislação conexa. – art.º 4º do CPP.
No diploma subsidiário, a norma que principalmente interessa à discussão é a do art.º 144º que, na redacção aplicável no caso – a da Lei n.º 97/2019, de 26.7, em vigor desde 16.9.2019 [5], portanto, a vigente à data da prolação do despacho sob recurso [6] e, também, da apresentação do requerente recursório [7] –, dispunha, para o que aqui releva, como segue:
─ Art.º 144º do CPC:
─ «Apresentação a juízo dos atos processuais
1 - Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição.
[…].
7 - Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, a apresentação a juízo dos atos processuais referidos no n.º 1 é efetuada por uma das seguintes formas:
a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva entrega;
b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal;
c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição.
d) Entrega por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato a da respetiva expedição.
8 - Quando a parte esteja patrocinada por mandatário, havendo justo impedimento para a prática dos atos processuais nos termos indicados no n.º 1, estes podem ser praticados nos termos do disposto no número anterior.
[…].».
De seu lado, a portaria referida no art.º 132º n.º 2 do CPC, era, à(s) data(s) referida(s), a Portaria n.º 280/2013, de 26.8, na redacção da Portaria n.º 267/2018, de 20.9, em vigor desde 30.9.2018 [8], que, também para o que aqui releva, dispunha pela forma seguinte:
─ Art.º 1:
─ «Objeto e âmbito
1 - A presente portaria regulamenta a tramitação eletrónica dos processos nos tribunais judiciais.
2 - No que respeita à tramitação eletrónica dos processos penais nos tribunais judiciais de 1.ª instância, o regime previsto na presente portaria é aplicável apenas a partir da receção dos autos em tribunal a que se referem o n.º 1 do artigo 311.º e os artigos 386.º, 391.º-C e 396.º do Código de Processo Penal.
[…].
6 - Para os efeitos do disposto nos números anteriores, a presente portaria regulamenta os seguintes aspetos:
a) Definição do sistema informático no qual é efetuada a tramitação eletrónica de processos nos termos previstos no Código de Processo Civil;
b) Apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados, nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 144.º do Código de Processo Civil, incluindo a apresentação do requerimento de interposição de recurso, das alegações e contra-alegações de recurso e da reclamação contra o indeferimento do recurso e a subida dos recursos, nos termos dos artigos 643.º, 644.º, 646.º, 671.º, 688.º e 696.º do Código de Processo Civil, e a apresentação do requerimento de interposição de recurso, das motivações, da reclamação contra a não admissão ou retenção do recurso, e da resposta ao recurso, nos termos dos artigos 405.º, 411.º e 413.º do Código de Processo Penal;
[…].»
─ «Art.º 3º
─ «Sistema informático de suporte à atividade dos tribunais
1 - A tramitação eletrónica dos processos judiciais prevista na presente portaria é efetuada no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.
2 - O sistema informático previsto no número anterior disponibiliza módulos específicos para a tramitação do processo e prática de atos por magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e funcionários judiciais, e para a prática de atos e consulta de processos por mandatários judiciais.».
─ Art.º 4º
─ «Apresentação de peças processuais e documentos por via electrónica
1 - A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados dispensa a remessa dos respetivos originais, duplicados e cópias, nos termos da lei.
[…].».
─ Art.º 5:
─ «Sistema informático de suporte à atividade dos tribunais e registo de utilizadores
1 - A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados por mandatários judiciais é efetuada através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, no endereço eletrónico https://citius.tribunaisnet.mj.pt, de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes.
2 - O registo e a gestão de acessos ao sistema informático referido no número anterior por advogados, advogados estagiários e solicitadores são efetuados pela entidade responsável pela gestão de acessos ao sistema informático, com base na informação transmitida, respetivamente, pela Ordem dos Advogados e pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, respeitante à validade e às vicissitudes da inscrição junto dessas associações públicas profissionais.
3 - Após o registo previsto no número anterior, são entregues os elementos secretos, pessoais e intransmissíveis que permitem o acesso à área reservada do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.».
─ Art.º 12º-A:
─ «Digitalização pela secretaria e consulta de documentos em suporte físico
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a apresentação de peças processuais e documentos em suporte físico implica a sua digitalização pela secretaria do tribunal.
[…].».
10. E vistas, então, estas normas na sua articulação e conjunto em busca do regime da apresentação em juízo de actos escritos das partes em processo penal, são de firmar, com interesse para o que cumpre decidir, as seguintes ideias:
─ Em primeiro lugar, a de que os actos processuais escritos a praticar pelas partes em procedimento penal em 1ª instância a partir do momento da sua transição para a fase de julgamento [9] – neles expressamente incluídos pelo art.º 1º n.º 2 al.ª b) da Port no 280/2013 o «requerimento de interposição de recurso» e as «motivações» nos termos do art.º 411º do CPP – são obrigatoriamente apresentadas em juízo por via/transmissão electrónica de dados, através do «sistema informático de apoio à actividade do tribunais» [10], como inequivocamente decorre da conjugação das normas do art.º 144º n.º 1 do CPC e dos art.os 1º n.º 2 al.ª b), 3ª, 4º e 5º da Port. 280/2013, na redacção de 2018.
─ Depois, a de que esse modo de proceder só comporta dois tipos de excepção:
─ Um, o de que, não estando, nem devendo estar, a parte patrocinada no acto por mandatário judicial, poder praticá-lo ou mediante entrega na secretaria ou mediante remessa sob registo postal, nos termos do n.º 7 al.as a) e b) do art.º 144º do CPC, respectivamente [11].
─ O outro, o de que, mesmo que com o patrocínio de mandatário judicial, ocorra situação de justo impedimento, caso em que, nos termos dos n.os 8. e 7. do preceito, pode haver entrega na secretaria ou remessa por via postal registada.
─ Por fim, a de que, por força da publicação do novo Código de Processo Civil aprovado pelo Lei n.º 42/2013 de 26.6 e da Port. n.º 280/2013, de 26.8 e das sucessivas alterações introduzidas num e noutra, o AFJ n.º 3/2014, de 17.4 – que recomendou aos tribunais judiciais a adopção do entendimento de que «Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27.12, e na Portaria nº 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal» – tem, hoje, o seu campo de aplicação restringido à fase de inquérito do processo criminal, única (ainda) não sujeita ao regime da tramitação electrónica..
11. Isto dito, e passando ao regime da recusa do recebimento pela secretaria das peças escritas das partes:
(b). O (não) recebimento dos actos escritos das partes pela secretaria judicial.
12. No Código de Processo Civil, a faculdade de recusa pela secretaria das peças escritas apresentadas pelas partes em infracção à regra da transmissão electrónica está expressamente prevista para os casos da petição inicial – art.º 558º n.º 1 al.ª i) – e do requerimento executivo – art.º 725º n.º 1.
Vem sustentando, porém, a doutrina – e a jurisprudência vem-na seguindo – o alargamento da possibilidade de recusa a outras peças processuais – inclusivamente, recursórias – por interpretação extensiva da al.ª i) do n.º 1 daquele art.º 558º [12].
Como, v. g., melhor se pode ver em Abrantes Geraldes et alii, in "Código de Processo Civil Anotado", nos seguintes passos:
─ «5. Dado que, quando a parte está patrocinada por mandatário, é obrigatória a transmissão eletrónica de dados, importa fixar as consequências para a inobservância desta via. Embora se trate, indiscutivelmente, de uma irregularidade, pois o ato é praticado por um meio não autorizado por lei, será difícil sustentar que ocorre uma nulidade, para os efeitos do art.195º, nº 1, já que, em regra, o vício não é suscetível de influir no exame ou decisão da causa. […].
6. Naquela perspetiva, tendo presente que qualquer peça processual está sujeita a um ato formal de recebimento pela secretaria, será esse o momento certo para ser verificado o respeito pelo nº 1 do art.144º. Deste modo, com fundamento na al. i) do art. 558º, interpretada extensivamente, a secretaria deve recusar o recebimento de qualquer peça processual apresentada em violação do prescrito no art. 144º, nº 1. Este regime será de aplicar quer para os articulados da causa, quer para as outras peças escritas, nomeadamente requerimentos e alegações.
7. No caso da petição inicial, havendo recusa do recebimento, será aplicável o regime dos arts. 559º (reclamação e recurso) e 560º (benefício concedido ao autor). Já no caso dos outros articulados e das outras peças processuais, a recusa é passível de reclamação para o juiz, nos termos do art. 157º, n.º 5. […].» [13].
13. Mas de as coisas poderem ser assim em processo civil, não se segue que necessariamente (também) o sejam em processo penal, maxime, estando em causa acto praticado pelo arguido.
De resto jurisprudência e doutrina há que explicitamente afastam a possibilidade de recusa da secretaria em processo penal. Como é o caso do AcTRE de 10.10.2019 - Proc. n.º 2428/10.9TBEVR.E2 – que, tirado em caso de apresentação de recurso pelo arguido em suporte de papel, afirmou que «Não podia, porém, a secretaria ter recusado o recebimento do recurso em papel porque não tem norma que a habilite a assim proceder […]» [14] – e de Tiago Caiado Milheiro. que, in "Comentário Judiciário do Código de Processo Penal", 1ª ed., na anotação §12 ao art.º 94º, diz o seguinte
─ «Mas, se a exigência obrigatória do uso eletrónico para praticar um ato processual é razoável, maiores cautelas se deverão ter no que se reporta às consequências relativamente ao desrespeito do uso do Citius. Deverão identificar--se duas situações. No caso em que o ato não foi praticado por qualquer meio no prazo legal em virtude de problemas no sistema informático a admissibilidade do mesmo ficará dependente da existência de justo impedimento. Quando são usados outros meios (papel, correio eletrónico, fax) para praticar o ato processual no prazo previsto a lei processual penal não prevê qualquer mecanismo ou sanção específica, destarte a recusa ou o desentranhamento imediato. Este desvio a uma regra de índole processual penal relativa ao meio para prática de atos processuais penais configura uma irregularidade, de conhecimento oficioso. […]» [15]
E, no ver do tribunal, com inteira razão.
Que, mesmo sem cuidar, por desnecessário, de saber da compatibilização do regime de recusa processual civil, ainda que com faculdade de reclamação para o juiz, com as garantias constitucionais do arguido, a verdade é que existe disposição legal que colide frontalmente com o cabimento da própria recusa.
Com efeito:
14. No título do CPP relativo à forma dos actos e sua documentação, inclui-se a disposição do art.º 98º que, sob a epígrafe «Exposições, memoriais e requerimentos» dispõe como segue:
─ «1 - O arguido, ainda que em liberdade, pode apresentar exposições, memoriais e requerimentos em qualquer fase do processo, embora não assinados pelo defensor, desde que se contenham dentro do objecto do processo ou tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais. As exposições, memoriais e requerimentos do arguido são sempre integrados nos autos.
2 - Os requerimentos dos outros participantes processuais que se encontrem representados por advogados são assinados por estes, salvo se se verificar impossibilidade de eles o fazerem e o requerimento visar a prática de acto sujeito a prazo de caducidade.
3 - Quando for legalmente admissível a formulação oral de requerimentos, estes são consignados no auto pela entidade que dirigir o processo ou pelo funcionário de justiça que o tiver a seu cargo».
Trata-se, como assinala Pinto de Albuquerque, in "Comentário do Código de Processo Penal", 4ª ed., de uma concretização do direito de petição consagrado no art.º 52º n.º 1 da CRP, segundo o qual «Todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou colectivamente, aos órgãos de soberania, aos órgãos de governo próprio das regiões autónomas ou a quaisquer autoridades petições, representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral e, bem assim, o direito de serem informados, em prazo razoável, sobre o resultado da respectiva apreciação».
Direito que, quando exercido pelo arguido, o legislador processual penal ali enfatiza particularmente, a ponto de o admitir a apresentar exposições – isto é, simples «apresentação de factos ou situações relacionados com a matéria dos autos […] em que se relata e não se pede nada» [16] – memoriais – «apontamento para lembrança, um documento em que se registam ou assinalam coisas que devem ser lembradas, sem nada se pedir igualmente.» [17] – e requerimentos – «acto pelo qual se solicita uma providência à entidade a quem é dirigido» [18] –, ainda que à margem da assistência pelo defensor.
E a ponto ainda – e isto é o que importa fundamentalmente realçar – de tais exposições, memoriais ou requerimentos serem sempre integrados nos autos.
O que, tudo, valendo para os actos praticados pelo próprio arguido, vale, por identidade de razão, se não por maioria, para os em que se mostre assessorado pelo defensor.
E sendo que – e esta é uma das mais importantes valências da regra –, junta ao processo não pode, naturalmente, a exposição, memorial ou requerimento deixar de ser objecto de apreciação pelo tribunal e de receber dele a decisão que, conforme o direito, lhe for devida.
15. Mas se as coisas são assim perante aquele art.º 98º n.º 1, com relação às peças provenientes do arguido, então a única conclusão lógica, coerente e acomodável na unidade do sistema é, como aconselha o art.º 9º do Código Civil, a da inadmissibilidade legal da recusa de recebimento pela secretaria das peças provenientes do arguido ou do seu defensor.
Recusa que, aliás, o Código de Processo Penal não prevê e que haveria de importar do Código de Processo Civil, através do art.º 4º do CPP.
Mas importação que, podendo justificar-se relativamente a outros sujeitos processuais como o assistente ou as partes civis, nem tem cabimento no tocante ao arguido – relativamente a quem, em boas contas, não há lacuna a preencher, antes afastamento intencional do processo penal relativamente às soluções do processo civil –, nem, em qualquer caso, se trataria de opção pacífica, por só dificilmente compatível com a natureza do processo penal e com o complexo garantístico que aí lhe assiste, como o art.º 4º referido, sempre, acautela.
(c). Do fundamento da providência.
16. Dito, então o que precede, é tempo de voltar ao mais concreto, avançando em direcção à decisão.
Nesse rumo:
Recorda-se, em primeiro lugar, dos factos recenseados em 5. supra, que notificado em 3.5.2021 do despacho 23.4.2021 que lhe revogou a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade e lhe determinou o cumprimento da pena de 13 meses de prisão – factos n.os (1) a (3) –, o Requerente, patrocinado pelo seu defensor, apresentou em 12.5.201 requerimento de interposição e motivação de recurso para o Tribunal da Relação ….., por correio electrónico e sem alegação de justo impedimento – factos n.os (4) e (5).
E tudo assim, para afirmar que o requerimento recursivo foi apresentado dentro do 30 dias prescritos no art.º 411º n.º 1 do CPP, porém, à margem do meio legal obrigatório, que era a via/transmissão electrónica de dados, nos termos do art.º 144º n.º 1 do CPC e dos art.os 1º, 3º e 5º da Portaria n.º 280/2013.
Depois, lembra-se que, a Sra. Funcionária da Unidade da Central do Tribunal, recebido o expediente e verificando o incumprimento das formalidades prescritas nos preceitos referidos, optou por enviar no dia 13.5.2021 ao defensor do Requerente o e-mail com o teor descrito no n.º (6) dos factos, e por não encaminhar o expediente para o processo judicial – n.º (7).
E tudo assim para afirmar que, materialmente, praticou um acto de recusa de recebimento de requerimento de arguido, porém, não permitido, por lei, por em clara violação da norma do art.º 98º n.º 1 do CPP.
Depois, ainda, recorda-se que, nada tendo, no entretanto, o Requerente pedido nem intervindo no procedimento, o Senhor Juiz emitiu em 9.6.2021 mandados de detenção dele para cumprimento da pena de 13 meses de prisão – n.os (8) e (9) dos factos –, sendo ele capturado em 24.6.2021 e estando preso desde então no EP.. – n.º (10) dos factos.
E tudo assim para a afirmar que:
─ Não obstante decorridos, já, mais do que 30 dias, ou, até mais do que 30 mais 3 dias, sobre a sua notificação ao Requerente – e à defensor(a) e ao Ministério Público –, o despacho de 23.4.2021 ainda não se mostrava transitado em julgado, nos termos do art.º 628º do CPC, por ainda pendente de apreciação e decisão sobre o requerimento de interposição de recurso de 12.5.2017, que, segundo a lei, sempre lhe era devidas;
─ Por não transitada, ainda, em julgado, não era aquela decisão exequível, nos termos do art.º 467º n.º 1, a contrario, do CPP, sendo a privação de liberdade que o Requerente sofre desde 24.6.2021 ilegal; e que
─ Tal ilegalidade, patente, ostensiva e constatável à vista dos elementos contantes do processo, se enquadra na previsão do art.º 221º n.º 2 al.ª b) do CPP, fundando a procedência do pedido de habeas corpus deduzido pelo Requerente.
Razões por que segue, de imediato, decisão a decretar a providência requerida.
III. decisão.
17. Pelo exposto, deliberando nos termos dos n.os 3 e 4 al.ª d) do art.º 223º do CPP, acordam os juízes desta secção criminal em
─ Declarar ilegal a prisão que o Requerente cumpre desde 24.6.2021 à ordem do PCS n.º 492/17.9GACSC do Juiz 1 do Juízo Local Criminal de ......;
─ Ordenar, na procedência do pedido, a imediata libertação do Requerente.
Passe mandados para libertação imediata.
Sem custas.
*
Digitado e revisto pelo relator (art.º 94º n.º 2 do CPP).
*
Supremo Tribunal de Justiça, em 6.7.2021.
Eduardo Almeida Loureiro (Relator)
António Gama
António Clemente Lima
_______________________________________________________
[1] Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal II", Editorial Verbo, p. 260.
[2] AcSTJ de 11.11.2018 - Proc. n.º 601/16.SPBSTB-A.S1, aliás, citando o AcSTJ de 16.3.2003 - Proc. n.º 4393/03.
[3] AcSTJ de 20.11.2019 - Proc. n.º 185/19.2ZFLSB-A.S1, in www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido, v. g., AcSTJ de 25.6.2020 - Proc. n.º 5553/19.7T8LSB-F.S1, in www.dgsi.pt.
[5] Art.º 5º respectivo.
[6] Em 23.4.2021, recorde-se.
[7] Em 12.5.2021.
[8] Art.º 20º.
[9] Inovação da Port. n.º 170/2017, em vigor desde 29.5.2017, que alterando, entre outros, o art.º 1º da Port. n.º 280/2013, alargou o regime de tramitação electrónica, em 1ª instância, aos procedimentos penais pendentes na fase de julgamento. Inovação mantida, depois, pela Port. n.º 267/2018 que, como referido, conferiu a redacção actualmente em vigor da Port. 280/2013 e cuja novidade mais saliente, nestes aspectos, foi a alargamento da tramitação electrónica do procedimento penal aos tribunais superiores, primeiro – em 9.10.2018 – às Relações, depois – em 11.12.2018 –, ao Supremo Tribunal de Justiça.
[10] Vulgarmente, plataforma CITIUS
[11] A al.ª c) norma fala, ainda, em «Entrega através de telecópia» e a al.ª d) em «Entrega por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º». mas tal modalidade ainda não foi objecto de regulamentação.
Trata-se porém de modalidades que não interessam à discussão: a última, ainda não foi objecto de regulamentação, como carece; a outra, a por telecópia, disciplinada no Decreto-Lei n.º 28/92, de 7.2, reservou-a, em certas condições, a Port. n.º 282/2013, de 29.8, à entrega do requerimento do requerimento executivo, conforme o art.º 3º n.º 1 respectivo.
[12] Art.º 558º:
– «Recusa da petição pela secretaria
1 - São fundamentos de rejeição da petição inicial os seguintes factos:
[…];
i) O papel utilizado não obedeça aos requisitos regulamentares.
[…].».
[13] Pp. 170 a 171; sublinhados acrescentados..
[14] Sublinhado acrescentado.
[15] Sublinhado acrescentado.
[16] Simas Santos e Leal-Henriques, "Código de Processo Penal, Anotado, I, 3ª ed., p.633.
[17] Idem, ibidem, nota anterior.
[18] Idem, ibidem, notas anteriores.