Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | RAUL BORGES | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CRUELDADE DIREITO AO RECURSO DUPLA CONFORME DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO ESPECIAL CENSURABILIDADE ESPECIAL PERVERSIDADE EXEMPLOS-PADRÃO FRIEZA DE ÂNIMO HOMICÍDIO QUALIFICADO INCÊNDIO MEDIDA CONCRETA DA PENA MEIO INSIDIOSO MEIO PARTICULARMENTE PERIGOSO MOTIVO FÚTIL PENA PARCELAR PENA ÚNICA PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA DUPLA VALORAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 09/24/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DIREITO PENAL – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA / HOMICÍDIO QUALIFICADO. | ||
Doutrina: | - Alfredo Gaspar, anotação ao acórdão de 2 de Maio de 1985, Tribuna da Justiça, n.º 7, p. 11 e 13; - Américo Taipa de Carvalho, Prevenção, Culpa e Pena, Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p. 322; - Augusto Silva Dias, Crimes contra a vida e a integridade física, 2.ª edição, AAFDL, 2007, p. 36; - Carmona da Mota, Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, p. 8/9; - Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, p. 94 -113; - Fernanda Palma, As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição 1998, AAFDL, p. 25 ; Direito Penal Especial, Crimes Contra as Pessoas, Quid Juris, 2.ª edição, 2008, p. 73 e 78 ; Direito Penal Especial, Crimes Contra as Pessoas, 1983, p. 65; - Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Coimbra Editora, 1999, tomo I, p. 31 ; Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 277, p. 210/211; - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III Volume, Editorial Verbo, 1994, p. 320/1; - Hans Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, p. 1194; - Heleno Fragoso, Lições de Direito Penal, Parte Especial, 11.º, p. 42; - José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV volume, p. 359; - Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 13.ª edição, 1999, p. 454; - Margarida Silva Pereira, Direito Penal II - Os Homicídios, AAFDL, 2008, p. 40 e 41; - Nelson Hungria, Comentário ao Código Penal Brasileiro, volume V, p. 167 a 169; - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 2010, p. 401; - Teresa Serra, Homicídios em Série, conferência integrada em Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal (de 1995), CEJ, 1998, volume II, p. 153-154 e Jornadas sobre a revisão do Código Penal, em edição da AAFDL, 1998, ps. 131 a 133. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 400.º, N.º 1, ALÍNEA F) E 432.º, N.ºS 1, ALÍNEA B) E 2. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 132.º, N.º 2, ALÍNEAS D), E), H), I) E J). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.º 1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 07-05-2008, PROCESSO N.º 294/08; - DE 10-07-2008, PROCESSO N.º 2146/08; - DE 03-09-2008, PROCESSO N.º 2192/08; - DE 10-09-2008, PROCESSO N.º 2506/08; - DE 04-02-2009, PROCESSO N.º 4134/08; - DE 04-03-2009, PROCESSO N.º 160/09; - DE 17-09-2009, PROCESSO N.º 47/08.9PBPTM.E1, IN CJSTJ 2009, TOMO III, P. 188; - DE 23-09-2009, PROCESSO N.º 27/04.3GBTMC.S1; - DE 21-10-2009, PROCESSO N.º 296/06.4JABRG.G1.S1; - DE 07-04-2010, PROCESSO N.º 1655/07.0TAGMR.G1.S1. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - ACÓRDÃO N.º 194/2012; - ACÓRDÃO N.º 399/2013, DE 15-07-2013, PROCESSO N.º 171/13, AMBOS IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT. | ||
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Sumário : | I - Com a entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, foi modificada a competência do STJ em matéria de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, restringindo-se a sua impugnação para o STJ, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a 8 anos. II - A solução quanto à irrecorribilidade destas decisões não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente o direito ao recurso, incluído no n.º 1 do art. 32.º da CRP. III -O direito ao recurso está consagrado em apenas um grau, não impondo, o n.º 1 do art. 32.º da CRP, a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição. IV -É irrecorrível para o STJ o acórdão do Tribunal da Relação na parte em que, mantendo a factualidade assente e a qualificação jurídico-criminal, confirmou a pena de 6 anos de prisão aplicada ao arguido pela prática do crime de incêndio. V - As circunstâncias contempladas no n.º 2 do art. 132.º do CP não são taxativas nem implicam só por si a qualificação do crime, não são elementos do tipo, mas antes elementos da culpa, não sendo o seu funcionamento automático. VI - Ressalta o preenchimento da qualificativa da crueldade, prevista na al. d) do n.º 2 do art. 132.º do CP, se o arguido queimou vivas as três vítimas num espaço exíguo, sem qualquer possibilidade de fuga, num cenário dantesco de fogo e horror, até à completa carbonização, o que fez aumentar de forma absolutamente desmesurada o seu sofrimento. VII - Está preenchido o exemplo-padrão do motivo fútil, previsto na al. e) do n.º 2 do art. 132.º do CP, se o arguido para além da brutalidade chocante como que actuou e de forma tão desproporcionada com o motivo que lhe deu causa (desentendimentos com as vítimas suas familiares), revelou um total desprezo pela vida humana, tornando-se merecedor de um especial juízo de censura, quer pelo enorme desvalor do facto, traduzido na forma da sua realização, quer pelo especial desvalor da sua conduta, a revelar uma personalidade desviada de valores comunitários tão fundamentais como o da vida humana. VIII - Representa a utilização de um meio especialmente perigoso, para efeitos da al. h) do n.º 2 do art. 132.º do CP, o lançamento pelo arguido para o interior de um elevador de uma embalagem aberta com etanol (substância altamente inflamável), a qual chegou fogo, provocando a sua ignição imediata, após o que fechou a porta do elevador, deixando uma outra embalagem aberta no patamar do cubículo a verter álcool. IX É de manter a qualificativa da al. i) do n.º 2 do art. 132.º do CP, por revelar insídia, a conduta do arguido que agiu com surpresa, logo pela manhã, parando o elevador no piso intermédio, entre o r/c e o 1.º andar, de modo a encurralar as vítimas, que despreocupadamente se preparavam para mais um dia de trabalho. X - Está igualmente preenchido o exemplo-padrão do art. 132.º, n.º 2, al. j), do CP, demonstrativo de ter actuado com frieza de ânimo, se o arguido, após formular um plano para por termo à vida da cunhada e da sobrinha, comprou duas embalagens de plástico que foi enchendo com cerca de 3 l de etanol ao longo de duas semanas, as quais depois guardou num cubículo existente junto ao elevador no piso intermédio entre o r/c e o 1.º andar. XI -As circunstâncias que serviram para a qualificação do crime de homicídio não podem ser novamente consideradas na graduação da pena. XII - Não há dupla valoração quando as circunstâncias que preenchem um elemento típico ultrapassam, em razão da intensidade ou dos efeitos, a normalidade, adquirindo um carácter superlativo. Nesse caso, essas circunstâncias podem ser valoradas em sede de medida da pena, sem que tal importe a violação da regra da proibição da dupla valoração. XIII - Não viola a regra da proibição da dupla valoração a decisão recorrida que revela que as circunstâncias que qualificaram o crime de homicídio foram consideradas na medida da pena somente enquanto expressão da desvaliosa e censurável personalidade do arguido. XIV - As consequências da conduta do arguido (as vítimas sofreram dores físicas intensas e insuportáveis, com asfixia progressiva, o que causou enorme desespero e pânico), a ultrapassagem da barreira do parentesco (o arguido pôs termo à vida de duas familiares, da irmã de sua mulher e da sua sobrinha), as intensas necessidades de prevenção geral (deve acentuar-se perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial) e as exigências de prevenção especial (o arguido não demonstrou arrependimento e actuou com absoluta indiferença e insensibilidade pela vida e pela dignidade da pessoa humana), leva a que se deva manter a pena de 22 anos de prisão pela prática de cada um dos crimes de homicídio qualificado. XV - Como os quatro crimes foram cometidos com acentuada gravidade, como o dolo é intenso nos homicídios, como a prática dos factos revela desconformidade aos valores tutelados pelo direito (maxime a vida humana) e como não há que introduzir qualquer factor de compressão, mantém-se a pena conjunta de 25 anos de prisão. | ||
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Decisão Texto Integral: |
No âmbito do processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo n.º 994/12.3PBAMD, da ... Secção do Juízo de Grande Instância Criminal de Sintra, integrante da Comarca da Grande Lisboa - Noroeste, foi submetido a julgamento o arguido AA, nascido em..., preso preventivamente desde ..., no Estabelecimento Prisional de ... - fls. 1302.
Por acórdão do Colectivo da referida ... Secção do então Juízo de Grande Instância Criminal de ..., atribuído o processo ao Juiz ..., Comarca da Grande Lisboa - Noroeste, datado de 4 de Novembro de 2013, constante de fls. 1168 a 1239, do 4.º volume, depositado no mesmo dia, conforme declaração de fls. 1241, foi deliberado: “Parte Criminal Julgar a acusação parcialmente procedente e, consequentemente, condenar o arguido: 1) nas penas individuais de 22 (vinte e dois) anos de prisão pela prática de cada um dos três crimes de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 131.º, 132.°, n.ºs 1 e 2, alíneas d), e), h), i) e j), do Código Penal; 2) na pena de 6 (seis) anos de prisão pela prática de um crime de incêndio, p. e p. pelo artigo 272.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal; e 3) Procedendo ao cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão. Parte Cível I - Julgar os pedidos de indemnização civil parcialmente procedentes e, consequentemente: I. 1 - Condenar o arguido/demandado a pagar: 1) À assistente e demandante BB: a) O montante global de € 9.563,19, a título de indemnização por danos patrimoniais emergentes; b) O montante global de € 1. 450. 000,00, a título de indemnização por lucros cessantes; c) O montante global de € 360.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais. 2) À assistente e demandante CC: a) O montante global de € 380.000,00, a título de indemnização por lucros cessantes; b) O montante global de € 200.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais. 3) Ao demandante Condomínio do prédio sito na Rua ..., o montante global de € 24.573,58, a título de indemnização por danos patrimoniais. Todos os montantes referidos em 1), 2) e 3) são acrescidos de juros de mora legais, vencidos e vincendos desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento. I. 2 - Absolver o arguido do mais peticionado. ********** Inconformado com tal deliberação, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, argumentando, conforme fls. 1246 a 1259 verso. O recurso, limitado à parte criminal, foi admitido por despacho de fls. 1260. O Ministério Público respondeu, conforme fls. 1268 a 1290, defendendo a rejeição do recurso por manifesta improcedência e, caso prosseguisse, pugnou pela respectiva improcedência. A assistente BB apresentou contra-alegações, conforme fls. 1292 a 1301, defendendo a confirmação integral do acórdão recorrido.
********** Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5 de Março de 2014, constante de fls. 1324 a 1382, foi deliberado negar provimento ao recurso, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida. (Anota-se que muito embora tenha sido considerado ser “o recurso manifestamente improcedente”, tal não conduziu a rejeição do recurso, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP, limitando-se o dispositivo a estes termos: “Nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando na íntegra a decisão recorrida”). *********** O arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, produzindo a motivação de fls. 1395 a 1404, rematando com as seguintes conclusões: 1 - Ora, certo é que o princípio in dubio pro reo, quando constitucionalmente consagrado, não prevê apenas o sentido da dúvida da prova que está escrito, mas sim qualquer dúvida que em benefício do arguido possa surgir, qualquer facto cuja certeza não seja justificada, qualquer pormenor mal explicado; 2 - Pelo que sempre deveria o recorrente ter sido condenado por 3 (três) crimes de homicídio por negligência ainda que grosseira, p.p. art.° 137° do Cód. Penal, bem como por um crime de incêndio por negligencia, p.p. pelo n.º 3 do art.° 272° do Cód. Penal; 3 - Ainda que assim se não entenda, o que por mera hipótese de patrocínio se admite, então sempre haverá que se aferir da justiça da medida da pena; 4 - Devemos atender à idade do recorrente, bem como à sua modesta condição social, cultural e económica e inserção social para a atribuição da medida da pena, não existindo uma forte necessidade de prevenção especial quanto ao recorrente até por o recorrente ser uma pessoa calma e trabalhadora, que se encontrava socialmente; 5 - Devemos ainda atender a que a medida da pena deve ser atribuída em função da culpa do agente, sob pena de se violar o disposto no 1 e 2 do art.° 40° e n.º l do art.° 71 °, ambos do Cód. Penal; 6 - Como resulta dos factos dados como provados, toda esta infeliz situação derivou do resultado de anos de segregação laboral, que culminou numa situação que colocou o recorrente há anos na situação de desespero que por ser o único meio de sustente da família se encontrava privado de qualquer tipo de rendimentos; 7 - O recorrente deveria apenas ter sido julgado em tribunal, quando a sua condenação e medida da pena resulta também previamente do julgamento que foi feito na “praça pública” pelos meios de comunicação social, onde o recorrente ainda em sede de inquérito foi desde logo apelidado pelos meios de comunicação social de “o monstro de ...”; 8 - Poderia o recorrente esperar uma pena inferior a 25 anos para quem estava apelidado como “o monstro de ...”, não nos parece, pois condenação inferior seria como que a demonstração da ineficácia da justiça e eventualmente a geração da ideia de que o crime não é punível, podendo se pensar até na geração de algum alarme social; 9 - Porém, tais conceitos não podem caber em sede de apreciação de medida da culpa nem em sede de apreciação de medida da pena; 10 - O recorrente não pode ver a sua pena reflectida na consequência da informação que a comunicação social transmitiu antes sequer de saber os contornos do sucedido; 11 - O recorrente tem de ver a medida da pena ajustada à sua culpa!!! 12 - Pelo que se demonstra excessivamente elevada a pena aplicada ao recorrente; 13 - Entendemos assim que a graduação das penas parcelares aplicadas ao recorrente se deverão situar mais próximas dos seus mínimos legais, e assim em consequência também ser menor a pena única aplicada em cúmulo jurídico ao recorrente; 14 - Pois sempre teremos que considerar que se o legislador previu na moldura penal um limite mínimo, significa que este limite mínimo também deverá ser aplicado quando se demonstre ajustado, demonstrando-se essa aplicação ajustada no caso dos presentes autos, sob pena de se violar o disposto no 2 do art.° 40° e n.° 1 do art.° 71°, ambos do Código Penal; 15 - Violados se revelam, em consequência, salvo melhor opinião, os preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso. Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente. *********** O recurso foi admitido por despacho de fls. 1405. *********** A assistente BB apresentou a resposta de fls. 1414 a 1424, concluindo que a pretensão do arguido, a ser admitida, violaria o disposto no artigo 432.º, n.º 2, do CPP, porque o acórdão da Relação é irrecorrível, defendendo a rejeição liminar do recurso por não ser legalmente admissível, sempre se negando provimento ao mesmo, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido. *********** A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa apresentou resposta, conforme fls. 1425 a 1427, que remata com as seguintes conclusões: 1 - Como se refere no acórdão ora recorrido, a opção pela pena fixada está devidamente fundamentada e encontra-se delimitada à medida da culpa do recorrente. 2 - E observou o disposto nos artigos 40.º e 71.º do CP. 3 - Deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se na íntegra o douto acórdão recorrido. *********** A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu parecer a fls. 1432, apondo: “Visto (nada a acrescentar ao entendimento já defendido pelo Ministério Público a fls. 1425 e ss.)”.
*********** Não foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, face ao teor do parecer emitido. *********** Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal. *********** Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir. *********** Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, o acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior. ***********
Questões propostas a reapreciação e decisão
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões onde o recorrente resume as razões de divergência com o deliberado no acórdão recorrido. O caso presente apresenta alguma singularidade, uma vez que as conclusões extravasam o conteúdo da motivação, o objecto do recurso aí delimitado. No intróito da motivação, a fls. 1396, proclama o recorrente que “O recurso, porque para o Supremo Tribunal de Justiça, resumir-se-á à matéria de direito, focando-se maioritariamente a medida da pena”. Acontece que ao longo da motivação o recorrente reporta apenas a medida da pena, o que faz, aliás, copiando, decalcando, repetindo ipsis verbis, o que alegara no recurso anterior dirigido ao Tribunal da Relação, o que com toda a clareza se alcança da leitura da motivação anterior, correspondendo a actual, por inteiro, ao que constava a fls.1255 a 1257 daquela, incluindo versos, e fls. 1258, reproduzindo inclusive os mesmo realces (sublinhados e bold), com repetição de acórdãos então invocados. Uma transposição pura e simples, sem o mínimo esforço inovador. De forma inopinada e surpreendente, nas conclusões 1.ª e 2.ª, o recorrente “ultrapassa” a motivação, referindo o princípio in dubio pro reo e pretendendo requalificação jurídica.
Muito embora a matéria ultrapasse o campo temático versado na motivação, abordar-se-á a questão da requalificação jurídica até porque a sua cognição é oficiosa.
Atendendo à motivação - e conclusões atendíveis - as únicas questões a debater, pelas razões que se explicitarão, serão:
Questão I - Medida das penas aplicadas pelos homicídios qualificados. Questão II - Medida da pena conjunta.
Oficiosamente, colocar-se-á a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, no que toca à pena aplicada pelo crime de incêndio.
Por outro lado, previamente à questão da medida das penas aplicadas, colocar-se-á a questão prévia da admissibilidade do presente recurso, na medida em que se verifica a repetição da motivação do anterior recurso, no que toca a medida da pena.
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Apreciando.
Fundamentação de facto.
Na enumeração dos factos dados por provados no acórdão recorrido, verifica-se existirem lapsos de escrita, que importa corrigir, sendo a correcção ora feita de acordo com o disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do CPP. O acórdão recorrido merece reparo, por em vários factos provados (doravante, FP) figurar o algarismo zero “0” em vez do artigo definido “O”, o que ocorre nos FP 4, 7, 11, 17, 24, 26, 27, 34, 38, 51, 53, 63, 68, 73, 74, 99, 135, 149, 151, 153, 155, 156, 165, 166, 172 e 184. Noutros casos, o texto vertido no acórdão recorrido não corresponde ao que consta do acórdão da 1.ª instância, que não sofreu qualquer modificação, o que se terá ficado a dever a defeito de transcrição, o que acontece, igualmente, por manifesta falta de revisão do texto apresentado, como ocorre nos FP 14, 17, 18, 19, 38, 40, 47, 71, 80, 101, 105, 111, 112, 114, 122, 125, 129 e 139. No FP 45, continua o mesmo lapso de escrita já presente na decisão da 1.ª instância, constando o substantivo “corno” em vez do advérbio de modo “como”. Em todos estes casos foram insertos de forma oficiosa no texto que segue as necessárias rectificações. Por outro lado, e já noutra perspectiva, o acórdão recorrido suprimiu a transcrição dos FP 140 a 148. A opção, embora sem nenhuma explicação, justifica-se, atendendo a que em tais FP se descrevem os danos causados pelo incêndio, não só no elevador 1, onde se encontravam as vítimas, como no elevador 2, igualmente danificado, reportando despesas com limpeza, custos com a reparação, substituição da instalação eléctrica, grupo tractor, limitador e roda tensora, portas de patamar, cabina e outras despesas.
********** Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, harmonioso, e devidamente fundamentado.
Factos Provados
1 - No início de Agosto de 2012, o arguido AA era cunhado da falecida DD e tio da falecida EE, e bem assim sócio minoritário, juntamente com as mesmas, numa sociedade de clínicas de fisiatria, denominada "FF - Centro Médico, Lda.", a qual tinha por actividade principal a prestação de serviços de fisiatria, sede em ..., e uma filial na .... 2 - Em 30 de Abril de 2010, por decisão judicial, o arguido foi destituído da gerência e proibido de frequentar as instalações da "FF", em consequência de irregularidades que foram sendo denunciadas pelos restantes sócios-gerentes junto do Tribunal do Comércio de Lisboa. 3 - Apesar da decisão judicial, o arguido continuou a deslocar-se diariamente junto das instalações da empresa, nomeadamente da filial sita na ..., onde a falecida EE exercia as suas funções diariamente. 4-O arguido mantinha uma relação conflituosa permanente com as vítimas DD e EE decorrente da gestão da sociedade acima referida, que conduziu a desentendimentos e discussões frequentes e bem assim a que as falecidas receassem pela sua integridade física, temendo que o arguido lhes fizesse mal. 5 - Após ter ocorrido a decisão de proibição de frequência das instalações da sede e filial da "FF", as falecidas providenciaram pela contratação de serviço de segurança privada através da firma "...", com receio de acções de retaliação ou vingança por parte do arguido AA. 6 - Inicialmente os serviços de segurança privada foram contratados apenas para a sede e filial da empresa e durante o horário de expediente, mas, em Setembro de 2010 foi contratada também a segurança pessoal das falecidas DD e EE, funções essas que passaram a ser desempenhadas pelo falecido GG, o que era do conhecimento do arguido. 7- O arguido residia no mesmo prédio das ofendidas, em concreto na Rua ..., em ..., sendo o arguido no..., fracção ..., e as ofendidas no piso de cima, ..., fracção .... 8 - Diariamente DD e EE efectuavam a mesma rotina que se traduzia em saírem da residência por volta das 7.00 horas depois de GG se deslocar ao patamar da fracção onde moravam e as acompanhar até ao exterior do prédio, o que era do conhecimento do arguido. 9 - De seguida entravam no automóvel de EE, sendo a própria a conduzir a viatura até às instalações da "FF", onde ficava DD, acompanhada do segurança, ora falecido, GG e seguia na viatura acompanhada a partir desse momento de outro segurança em direcção às instalações da ..., onde este segurança prestava os seus serviços como segurança pessoal da falecida e também da filial da empresa. 10 - Posteriormente a ter sido destituído da gerência da FF e proibido de frequentar as instalações da sociedade, o arguido começou a engendrar um plano para pôr termo à vida de EE e DD. 11 -O arguido ambicionava ser o único proprietário da filial da sociedade de clínicas de fisiatria de que ele, juntamente com as duas vítimas DD e EE, eram proprietários através da FF e por não conseguir convencê-las a satisfazer-lhe esse propósito, decidiu matá-las. 12 - Em execução desse plano adquiriu duas embalagens de plástico para transporte de combustível, que encheu com cerca de 3 litros de etanol que tinha adquirido gradualmente ao longo de duas semanas. Mais se fez acompanhar de dos isqueiros, da chave do cubículo existente no piso intermédio entre o r/c e o 1 ° piso do prédio, de uma chave com perfil sextavado e de um lenço que dobrou em forma de "V" para proteger a boca e nariz dos fumos. 13 - Em dia não apurado, experimentou a referida chave sextavada fazendo o elevador parar no tal piso intermédio e verificou que conseguia abrir a porta. 14 - Com tudo preparado – e não parado -, o arguido, que já sabia as rotinas das vítimas uma vez que vivia no mesmo prédio que elas, decidiu executar o plano gizado. 15 - Na manhã do dia 13 de Agosto de 2012, o arguido AA colocou em prática o plano previamente concebido no intuito de tirar a vida a DD , de 70 anos de idade, sua cunhada e a filha desta, EE, de 34 anos de idade, sua sobrinha. 16 - Para o efeito, entre as 06h45 e as 07h00 horas desse dia, o arguido dirigiu-se ao patamar do piso intermédio entre o r/c e o primeiro andar, do prédio onde reside, e onde residiam as vitimas DD e EE sito na Rua ..., em ..., e, munido das duas embalagens plásticas com cerca de 3 litros de a …Álcool etílico, dois isqueiros - um de bolso e um de cozinha -uma chave com perfil sextavado, a chave do piso intermédio entre o r/c e o 1 ° piso do prédio e ainda um lenço que dobrou em forma de «V para proteger a boca e nariz dos fumos, decidiu pôr em prática o seu plano. 17 -O arguido guardava os dois sacos de plástico com álcool etílico e os isqueiros no cubículo (pequena arrecadação do condomínio) existente junto ao elevador no piso intermédio entre o rés-do-chão e o 1.º - e não V - andar, onde se encontravam igualmente bens pertencentes ao condómino .... 18 - Já colocado no patamar do piso intermédio, o arguido ouviu as vítimas DD e EE, que se encontravam acompanhadas de GG , segurança privado contratado pelas vitimas, a saírem de casa (sita no 3.º - e não r - andar) e entrarem no elevador, como era a rotina das mesmas tendo o elevador iniciado a descida para o rés-do-chão. 19 - Assim que o elevador passou pelo patamar intermédio em que se encontrava o arguido (entre o r/c e o 1.º - e não 1.« - andar), o arguido introduziu e accionou a chave sextavada na fechadura de segurança existente junto à porta do elevador, fazendo assim o elevador parar entre os pisos. 20 - De seguida, o arguido abriu a porta do elevador, lançou para o seu interior uma das embalagens de plástico abertas que continham álcool e em acto continuo, chegou a chama do isqueiro aos vapores do álcool, provocando a sua ignição imediata dentro do elevador, após o que fechou a porta do mesmo e voltou a accionar a chave sextavada, impedindo assim a sua abertura pelo interior. 21 - Imediatamente a seguir, o arguido deixou a segunda embalagem de álcool aberta no patamar do referido cubículo a verter álcool, fechou a porta do cubículo existente no piso intermédio entre o rés-do-chão e o 1.° andar, utilizado apenas como arrecadação, impregnou com álcool e ateou fogo a um trapo que colocou por baixo da porta. 22 - Depois de constatar o incêndio com chama viva dentro do elevador e que as vítimas se encontravam no interior sem poderem sair do mesmo, o arguido saiu do local e abandonou o prédio em direcção à Esquadra da PSP da ..., onde chegou cerca de meia hora após a sua actuação. 23 - Devido a existência de materiais de fácil combustão e ainda devido à natureza altamente inflamável do etanol, as chamas irromperam rapidamente por todo o interior do elevador a que se sucedeu uma grande libertação de fumos e gases tóxicos. 24-O incêndio continuou a deflagrar, consumindo rapidamente todo o interior do elevador e queimando os corpos das três vítimas que não conseguiram pôr-se em fuga porque o elevador ficou parado antes de atingir o patamar do rés-do-chão. 25 - Os Bombeiros Voluntários de ... foram alertados cerca das 07h10 por diversas chamadas telefónicas e chegaram ao local pelas 7 horas e 20 minutos, onde combateram o incêndio através do vidro da porta do elevador, e posteriormente rebentaram a própria porta, que se encontrava fechada, tendo encontrado nessa altura os três corpos carbonizados no interior do elevador. 26-O arguido foi atingido nas mãos, nas pernas e na face pelo fogo que o próprio ateou, em consequência da rápida propagação provocada pela natureza altamente inflamável do etanol, tendo sofrido queimaduras de 2° grau na face e região anterior dos joelhos e de 3.° grau no dorso de ambas as mãos. 27-O mesmo aconteceu com as calças que o arguido vestia naquele momento, nas quais foram detectados vestígios de etanol, e que arderam parcialmente face à propagação do fogo. 28 - Na Esquadra da PSP da ..., onde o arguido se dirigiu após o cometimento dos factos descritos, face às queimaduras sofridas que eram visíveis foi chamada assistência médica ao local para o arguido, tendo o mesmo sido transportado pelos Bombeiros para o Hospital Fernando da Fonseca sendo posteriormente transferido para observação em urgência de cirurgia plástica no Hospital de São Francisco Xavier e, no dia 14 de Agosto, para o Centro Hospitalar de Lisboa para internamento na Unidade de Queimados. 29 - A acção do fogo desencadeada pelo arguido da forma descrita provocou a carbonização do corpo de DD, com excepção da hemiface direita de uma pequena área da face anterior do tórax à direita, acima da mama, do abdómen e da parte distai dos membros inferiores. 30 - A acção do fogo desencadeada pelo arguido da forma descrita provocou a carbonização da cabeça, dos ombros, dos membros superiores e dos membros inferiores de EE. 31 - A acção do fogo desencadeada pelo arguido da forma descrita provocou a carbonização de todo o corpo de GG. 32 - A morte de DD, EE e GG ocorreram devido às lesões de queimaduras - carbonização anteriormente descritas. 33 - A acção do fogo provocado pelo arguido da forma descrita causou a destruição total do elevador n.° 2 existente no prédio sito na Rua ..., em ..., impossibilitando o seu uso. 34-O elevador n.° 1 ficou igualmente impossibilitado de funcionar, uma vez que em virtude dos danos colaterais que sofreu com o incêndio no ascensor n.° 2 não pode igualmente funcionar. 35 - Os poços dos dois elevadores ficaram totalmente degradados. 36 - E a arrecadação, pertença do condomínio do prédio, designada " ...», ficou totalmente consumida e inutilizada pelo fogo tal como alguns dos objectos que se encontravam no seu interior, propriedade de .... 37 - A testemunha HH, em virtude dos fumos inalados sofreu uma irritação no aparelho respiratório, que lhe provocou tosse e rouquidão. 38- O valor dos danos materiais provocados nos dois elevadores ascende a € 15.588,00, acrescidos do valor do IVA à taxa legalmente em vigor e o valor dos trabalhos de construção civil nos poços e caixas dos dois elevadores, e bem assim – e não assom - na casa das máquinas, estão orçamentados pelo valor monetário de € 2 240,00. 39 - AA estava ciente da natureza altamente inflamável do etanol, substância escolhida pelo arguido para atear o descrito incêndio, por saber da sua rápida combustão e do seu efeito devastador. 40 - Ao actuar da forma descrita, para causar a morte às três vítimas como veio a conseguir, o arguido sabia que empregava um meio particularmente cruel que iria – e não na - provocar um sofrimento acrescido, uma vez que as vitimas tiveram tempo para tomarem consciência da propagação do fogo, que lhes viria a carbonizar os corpos, e de que estavam impedidas de fugir por se encontrarem fechadas no interior do elevador. 41 - Ao actuar da forma descrita, colocando as vítimas na impossibilidade de fugir confinando-as a um pequeno espaço em que o fogo se iria propagar e provocando-lhes urna morte especialmente dolorosa, o arguido revelou especial malvadez no plano gizado e que concretizou. 42 - O arguido actuou da forma descrita e planeou a morte das vítimas pormenorizadamente, ao longo das duas semanas que precederam o dia escolhido para pôr o seu plano em prática, porque pretendia ficar como único gerente de uma das clínicas da "... Física» e as falecidas não o autorizaram. 43 - Ao actuar da forma acima descrita o arguido agiu com o propósito concretizado de tirar a vida a DD e EE, bem sabendo que o meio empregue e as lesões provocadas eram aptas a causarem a morte como causaram. 44 - Agiu ainda o arguido, sabendo que o segurança GG acompanhava as ofendidas na descida do elevador, pelo que a sua conduta iria necessariamente provocar a morte a GG. 45 - Actuou ainda o arguido com a intenção de atear o incêndio no elevador do prédio onde residia, sabendo que ao fazê-lo criava perigo para a vida e para a integridade física dos moradores do prédio, como – e não corno - criou, bem sabendo que à hora dos factos, 07h00, poucas pessoas já se leriam ausentado das suas residências e bem sabendo que colocava em perigo bens patrimoniais de valor elevado, como – e não corno - se veio a concretizar pelo valor dos danos causados. 46 - O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou (contestação): 47 - A sociedade "FF, LDA." foi constituída em 1985, com um capital social de 1.200.000$00 – e não “soca de, .200.000$00” -, assim distribuído pelos seguintes sócios: 1) II - quota de 400.000$00, 2) DD - quota de 400.000$00 - e não “400 COO*»”; 3) AA - quota de 400.000$00. 48 - Entre Abril de 1995 e Fevereiro de 1996, a quota de DD foi dividida e transmitida aos outros consortes, passando a estar assim distribuído pelos seguintes sócios: 1) II - quota de 400 000$00, 2) DD - quota de 120.000$00; 3) AA - quota de 680.000$00. 49 - Em Fevereiro de 1996, houve um aumento do capital social para 6.000.000$00 passando a estar assim distribuído pelos seguintes sócios: 1) II -quota de 3.400.000$00, 2) DD - quota de 600.000$00; 3) AA - quota de 2.000.000$00. 50 - Desde então, o montante do referido capital social não sofreu qualquer alteração e arguido nunca mais foi titular de uma participação social maioritária na referida sociedade, não obstante as divisões e transmissões de quotas entretanto verificadas na sequência do óbito de II. 51-O afastamento do arguido da sociedade FF acarretou a falta de pagamento de remunerações ao mesmo tempo que deixou de receber quaisquer dividendos, sendo que o arguido não podia requerer subsídio de desemprego por ser gerente comercial. 52 - Tendo a esposa do arguido nessa altura também ficado numa situação de desemprego. 53- O que levou a família do arguido a ficar desprovida de rendimentos. 54 - Sendo que o arguido, de forma a não preocupar o seu agregado familiar, sempre lhes ocultou o facto de ter sido excluído da gerência, passando a suportar as despesas do seu agregado familiar exclusivamente com as quantias das suas poupanças, as quais foram gradualmente diminuindo. 55 - Para que a família do arguido não soubesse que este não se encontrava a trabalhar, desde 30 de Abril de 2010, o mesmo levantava-se pelas 6 da manha e saia de casa todos os dias, por vol ta das 7 horas da manha, como se efectivamente fosse trabalhar. 56 - Costumando ir beber uma bica num café cujas instalações ficavam próximas das instalações da "FF", onde após tomar a sua bica permanecia até cerca das 10/11 horas no interior daquele café a ler os jornais diários. 57 - E apenas permanecia tanto tempo naquele café, próximo das instalações da "FF", para que a sua viatura permanecesse nas imediações da -FF", pois a sua esposa passava muitas vezes naquelas imediações no período da manha. 58 - Pelo que o arguido pretendia manter a sua viatura naquelas imediações para que se a esposa deste aí passasse visse o seu veículo e não pensasse que o arguido não tinha ido trabalhar. 59 - Sendo que depois o arguido saía do café e deslocava-se para os parques de estacionamento do Continente da ..., do parque do Jumbo de ..., no parque do Hospital ..., do parque do IKEA ou junto a jardins, sendo que daí apenas saía para ir almoçar a casa, e depois voltando aos mesmos locais, e aí permanecendo com o carro estacionado até ao final da tarde pois não tinha dinheiro para a gasolina para poder andar a circular com o carro durante o resto do dia e aí não gastando despesas com parqueamentos. 60 - Sendo que optava sempre por estes parques de estacionamento pois a- podia permanecer por varias horas, de forma gratuita, e sem que ninguém estranhasse a sua permanência, pois a afluência daqueles parques é uma constante entrada e saída de viaturas. 61 - Sendo que após passar várias horas nos parques de estacionamento sem nada para fazer, o arguido ia então para casa como se tivesse cumprido mais um dia de trabalho. 62 - Situação esta que se prolongou por mais de um ano. 63- O que o levou a acumular dívidas. 64 - Os rendimentos que o arguido tinha antes de a FF lhe ter retirado toda a retribuição permitiram ao arguido ter um nível de vida e compromissos financeiros perfeitamente sustentáveis com os seus rendimentos. 65 - Quando a FF retirou todos os rendimentos ao arguido este deixou de conseguir face aos compromissos financeiros que havia assumido e que antes com facilidade os cumpria. 66 - Começando então o arguido a acumular dívidas. 67 - Dívidas essas que o arguido conseguiu colmatar quando recebeu em Março de 2011 a indemnização de € 53.500,00 em resultado da acção que correu termos na ... Vara Mista de ... sob o n.º 6174/04.9TMSNT. 68-O arguido, através do seu então mandatário, Dr. ... Advogado, e DD e da EE, através do seu então mandatário' Dr. ..., Advogado, tentaram negociar todas as formas possíveis de resolver o problema, sendo uma das hipóteses a separação das instalações da sede e da filial, tendo esta ideia sido proposta pela EE, formando-se assim duas sociedades. 69 - Nesse sentido chegou a haver uma reunião na ARS de Lisboa com a sócia EE, com o Dr. ... e com o Dr. ... como representante do arguido. 70 - O arguido reuniu os sacos de plástico e os isqueiros num cubículo (pequena arrecadação do Condomínio no piso ao lado da residência do arguido. 71 - sendo que chave do piso intermédio e da porta em questão e tendo aquela chave aberto aquela porta, guardando o arguido a chave. 72 - O arguido fez com que o elevador se imobilizasse sensivelmente a meio de ambos os pisos. 73- O arguido segurava um isqueiro na mão direita e segurava na mão esquerda os dois sacos de plástico. 74- O arguido molhou as costas das mãos com álcool etílico, ficando com as palmas das mãos secas. Mais se provou (pedidos de indemnização civil): PATRÍCIA 75 - Em virtude da actuação do arguido, DD e EE foram queimadas vivas, presas dentro de um espaço exíguo e sem possibilidade de fuga, o que lhes aumentou atrozmente o sofrimento, a dor e a angústia, sendo para ambas de elevadíssimo grau a consciência de que iam morrer. 76 - DD nasceu a ..., à data da morte tinha 70 anos e era viúva. 77 - Era pessoa saudável e mantinha uma vida muito activa, de amor maternal pelas suas duas filhas, uma das quais viu morrer junto a si. 78 – Era enfermeira e ainda que estivesse reformada da sua actividade profissional como enfermeira em hospital público, mantinha-se activa no sector privado, com domínio de todas as capacidades intelectuais, físicas e motoras, não obstante a respectiva idade. 79 - A data do falecimento, DD era sócia e gerente da sociedade comercia. FF - Centro Médico, Lda., com sede na Rua ..., ... 80 – Cargo que desempenhava todos os dias, das 8h00 às 20H00 procedendo à abertura pela manhã, controlando a recepção ao longo do dia, procedendo às encomendas de material e equipamentos necessários ao funcionamento – e não “funconamento” – da sociedade, controlando e orientando o pessoal e efectuando o controlo e encerramento das instalações da sociedade sitas em .... 81 - Igualmente em parceria com a sua filha EE controlava e orientava o pessoal das instalações da sociedade sitas na ..., verificava e encomendava materiais e equipamentos necessários ao seu funcionamento. 82 - Por tal actividade, auferia um rendimento mensal ilíquido de € 2.400,00. 83 - Auferia uma pensão mensal ilíquida de € 2.712,09 e uma pensão de sobrevivência no valor de € 1.612,09. 84 - EE nasceu em ..., tinha 34 anos de idade à data da sua morte, era solteira e licenciada em ... pelo ... de Lisboa. 85 - Era uma pessoa jovem, muito motivada, muito trabalhadora e esforçada. 86 - Tinha uma excelente saúde, era uma pessoa feliz e tinha uma relação muito próxima da sua mãe e irmã, com quem mantinha uma relação de carinho e muita proximidade. 87 - Praticava ténis desde os 7 anos de idade e até à idade adulta tendo competido em diversos campeonatos da modalidade, atingindo o estatuto de atleta de alta competição. 88 - Nessas provas obteve múltiplos êxitos, com dezenas de vitórias em jogos torneios e campeonatos, nacionais e internacionais, foi campeã regional de Lisboa nacional de Portugal em juniores. 89 - A data da morte praticava e treinava ténis com muita regularidade especialmente aos sábados, tinha treinador próprio e ambicionava regressar às competições de veteranos com intuito de voltar a vencer provas nacionais e internacionais dessa categoria etária.) 90 - Era sócia maioritária e gerente da citada sociedade. 91 - Por essa actividade, auferia um rendimento mensal ilíquido de € 2.400,00. 92 - Era ela que, logo pelas 8h00, procedia à abertura, com a sua mãe da sede da sociedade em ..., e posteriormente da sucursal da sociedade sita na .... 93 - E também procedia ao fecho de ambas as instalações pelas 20h00. 94 - Enquanto sócia maioritária, supervisionava todas as actividades da sociedade, representava-a junto de entidades públicas e privadas, projectava e executada os planos de gestão da sociedade em conjunto com os restantes sócios. 95 - Era ela que controlava recebimentos e pagamentos, dava entrada de elementos nas plataformas informáticas referentes aos doentes de modo a receber da Segurança Social e da ADSE e ARS bem como de outros protocolos da sociedade. 96 - Era igualmente a Rute que negociava com os bancos os protocolos e contratos de financiamento que permitiam à sociedade receber dos mesmos adiantadamente os valores que viriam a receber do Estado (factoring) que controlava com o TOC da sociedade a boa regularidade da gestão económica e financeira da sociedade. 97 - Para lá dessa actividade, prestava serviços de Chefe de Loja na ..., SA. por conta da sociedade comercial "... - Recursos Humanos, Lda.", com uma remuneração ilíquida mensal de € 1.250,00, acrescida de subsídio de refeição, abono para falhas de € 50,00 mensais e de uma retribuição variável até 40% do vencimento base de acordo com os objectivos atingidos, 98 - Nessas funções tinha o encargo de coordenar uma equipa de trabalho e de obter resultados que apresentava à consideração superior, sendo muito estimada e considerada por todos com quem trabalhava, fruto do seu espírito de equipa, bom humor, excelente comunicação com subordinados, colegas e superiores, adivinhando-se uma carreira de sucesso. 99 -O seu rendimento mensal integrava igualmente rendimentos prediais, que no ano de 2011 perfizeram um valor anual ilíquido de € 16.949,40. 100 - Sendo certo que as vítimas DD e EE eram mãe e filha, sendo esta a sua filha mais nova, pelo que, a mãe presenciou a morte da sua filha e esta a da sua progenitora, sem que se pudessem ajudar mutuamente. 101 - No que respeita à assistente BB, o choque e abalo moral e consequente desequilíbrio emocional resultante da morte violenta da sua mãe e sua irmã foi e é ainda por demais evidente, visível no seu dia-a-dia e perceptível por qualquer pessoa com quem se cruza diariamente, quer pelas circunstâncias que rodearam a morte de ambas quer pelo facto de ter perdido num ápice – e não “ap.ce” – aquelas pessoas que constituíam o seu núcleo familiar de base, pois BB ficou sozinha sem parentes directos. 102 - De tal forma que a assistente BB teve crises agudas de angústia e desespero e passou a sofrer de angústia, mantendo-se bem viva na sua memória o trágico decesso dos seus entes queridos e suas circunstâncias. 103 - Nunca mais a assistente BB foi a pessoa alegre que costumava ser antes da ocorrência dos factos, sentindo de forma indelével o vazio do desaparecimento físico da mãe e da irmã com quem tinha um futuro para ser vivido/gozado junto delas, compensando tudo isto com um aumento exagerado da actividade profissional. 104 - De facto, passou a desdobrar-se entre o exercício da sua profissão de médica dentista, a direcção clínica quer da clínica do Passo Real, quer da FF, e a Administração destas duas clínicas por forma a manter-se permanentemente ocupada. 105 - A assistente passou a ocupar os seus dias, de Segunda a Domingo, com a sua profissão e com a gestão das duas sociedades referidas – e não “refendas” –, assumindo a 100% a totalidade das tarefas que eram executadas pela irmã e ainda a maioria das que eram executadas pela mãe, designadamente abertura e fecho das instalações, controlo de gestão, controlo de pessoal manutenção de equipamentos, encomendando matérias e equipamentos para a sociedade e trabalhando nas plataformas informáticas da ADSE e ARS. 106 - A assistente deixou de ter vida para além da profissional de modo a conseguir mascarar o seu sofrimento com a sua total ocupação física e mental numa actividade. 107 -A assistente BB ficou órfã de mãe aos 38 anos, quando era espectável continuar a tê-la junto a si por mais de uma dúzia de anos, considerando a idade de sua mãe (70 anos) e a esperança de vida das mulheres portuguesas à data dos factos (81,74 anos), devendo salientar-se que DD não apresentava qualquer alteração orgânica de carácter patológico que indiciasse a existência de uma doença que lhe pudesse encurtar a vida, ou seja, gozava genericamente de boa saúde. 108 - Por sua vez a relação muito feliz e harmoniosa que mantinha com a sua irmã EE assentava numa enorme cumplicidade e amor fraternal foi estupidamente interrompida pelo arguido, que planeou ao mais ínfimo pormenor as mortes da cunhada e da sobrinha, executando o seu plano homicida com o calculismo e a frieza de ânimo de um carrasco, que quis a todo o custo matar as vitimas, infligindo-lhes as mais horrendas dores físicas, num quadro de sofrimento em que tomaram perfeito conhecimento de que iam morrer consumidas pelo fogo. 109 - De sublinhar que mãe e irmãs viviam num ambiente familiar muito unido, trabalhavam em perfeita consonância e harmonia, passavam férias juntas escolhendo o local em consenso, tinham amigos comuns, o que tudo fez e faz aumentar o desgosto e o sofrimento da assistente. 110 - A assistente BB suportou despesas no valor global de € 9.563,19 com os funerais das vítimas DD e EE.
CC
111 - A assistente CC e a vítima GG casaram no dia ..., sendo que tal – e não “ta.” – casamento perdurou até dia .... 112 - A vítima GG – e não “Paoheoo” – , encontrava-se no elevador na qualidade de segurança das duas outras vítimas e acabou ele próprio sendo vitima de actos de vingança contra aquelas, sem que em nada tenha contribuído para tal. 113 - A vítima GG tinha 34 anos de idade, sendo um homem jovem, saudável, válido e robusto, pelo que era de esperar que vivesse muitos mais anos. 114 - Actualmente, a Esperança Média de Vida para os homens é de 77 anos (presente no acórdão de Sintra e aqui suprimida) 115 - A vítima era trabalhadora da empresa ... Serviços de Vigilância e Segurança, Lda., sendo que auferia de retribuição mensal a quantia de € 630,00 (seiscentos e trinta euros) ilíquidos. 116 - A vítima era uma pessoa activa, dinâmica, gozando de boa saúde 117 - A assistente CC e a vítima viviam juntas há 10 anos, sendo casados há 5 anos. 118 - A vítima nutria um enorme amor pela mulher, 119 - Gozava a vida e irradiava felicidade. 120 - A assistente CC trabalha como empregada doméstica, auferindo o salário mensal de € 485€,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros). 121 - A vítima e a Demandante viviam em economia comum, partilhando todas as despesas do casal, como seja a renda de casa, alimentação, água, luz gas, telefone e todas as demais despesas. 122 - De renda de casa pagavam mensalmente € 400,00 (quatrocentos euros), cerca de €150,00 (cento e cinquenta euros) de água, luz, gás, telefone e ainda – e não «nda –, aproximadamente € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) de alimentação. 123 - A Demandante tem uma filha que reside no Brasil, sendo do orçamento familiar, da vítima e da ora demandante, mensalmente eram enviados para o Brasil cerca de €100.00 (cem euros) para ajudar no seu sustento. 124 - A totalidade dos salários quer da vítima quer da requerente revertiam para as despesas do casal e para a sua vida em comum. 125 -A Demandante, face à súbita e inesperada morte do seu marido – e não “d mando” –, ficou numa situação económica muito débil, pois todas despesas passaram a ser suportadas pelo seu vencimento, apenas conseguindo suportá-las com a ajuda de terceiros. 126 - A vítima GG viu brutalmente interrompido o seu projecto de vida. 127 - A violência e as circunstâncias do crime que pusera termo à sua vida, e que lhe provocaram, necessariamente e com grande grau de certeza, dores físicas intensas e insuportáveis. 128 - Bem como, asfixia progressiva. 129 - E, ainda, a angústia, enorme desespero e pânico, pelo desenlace que, certamente, pressentiu fatal para si e para as outras duas vítimas. (Retirado ao antes de que). 130 - A assistente CC sofreu uma enorme tristeza pela morte prematura, inesperada e brutal do seu marido. 131 - A assistente CC sofreu um enorme desgosto com a morte do marido, que nada o fazia prever, vendo de um momento para o outro a sua vida “desmoronar-se”. 132 - Antes da morte do marido, a assistente CC era uma pessoa habitualmente alegre e bem-disposta. 133 - Vivia um casamento feliz, sendo que sempre com um enorme amor e carinho recíprocos e mútuos. 134 - A assistente CC e a vítima GG tinham um projecto de vida comum, do qual fazia parte a constituição de família, 135 -O que de forma brusca, fortuita e imprevisível, naquele momento fatídico, se viu privada do projecto de vida que tinha. 136 - Após a morte da vítima GG, a assistente CC passou a ser uma pessoa amarga e triste, solitária e inconsolável. 137 - Mantém um luto prolongado, não se conformando, nem conseguindo aceitar as circunstâncias em que o seu marido perdeu a vida. 138 - Sofreu um desgosto e uma perturbação profundos e arrasadores em consequência da morte do seu marido, da qual ainda refará.
Condomínio (separador presente no acórdão da 1.ª instância, mas ausente no acórdão recorrido).
139 - Em virtude da aludida actuação do arguido o Demandante Condomínio viu-se obrigado a suportar em exclusivo a reparação dos danos provocados pelo incêndio. E não: “Em virtude da aludida actuação do arguido o Demandante condomínio vive as pagar os danos provocados pelo incêndio”.
Descrição (...)___________________________________________________________ Mais se provou (arguido): 149- O arguido prestou declarações no início da audiência de julgamento e não manifestou qualquer arrependimento até ao respectivo encerramento. 150 - No processo n.° 965/10.4T3SNT, da ... Secção do Juízo de Média Instância Criminal de Sintra, mediante decisão transitada em julgado em 19 de Novembro de 2012, o referido arguido foi condenado na pena única de multa, pela prática, em 31 de Agosto de 2009, de um crime de difamação, um crime de injúria e um crime de ofensa a pessoa colectiva (tendo por vítima DD e a sociedade FF). Mais se provou (relatório social do arguido): 151- O arguido nasceu em .... 152 - AA é o segundo de uma fratria de três irmãos e desenvolveu-se num contexto familiar aparentemente estruturado, coeso e com relacionamento ajustado entre os seus membros. 153 - O progenitor era funcionário público e trabalhava num departamento do exército e a mãe, como doméstica, tinha maior disponibilidade para dar apoio aos filhos. 154 - Não existiam, segundo o arguido, dificuldades económicas já que o progenitor dispunha de um bom vencimento. 155- O arguido iniciou a escolaridade aos 6 anos e fez um percurso linear e sem reprovações, optando pela escola industrial, que terminou aos 14 anos, com a especialização em electricidade e serralharia. 156- O arguido ingressou com essa idade num curso de aprendiz de caminhos-de-ferro e foi admitido na ... após a sua conclusão, tendo permanecido ligado a esta empresa, em Lisboa, como técnico de manutenção de infra-estruturas até 1985, quando aceitou um contrato para trabalhar em ..., através da .... 157 - Nesse ano contraiu matrimónio e levou o cônjuge para ..., onde permaneceram até 1986 quando terminou o contrato. 158 - Regressou a Portugal, com o objectivo de conseguir novo trabalho em ... e regressar a este país, onde tinha conseguido obter bons proventos económicos. 159 - Contudo, nesse ano, o cunhado II fez-lhe uma proposta para formar uma sociedade e abrirem um centro de medicina física e reabilitação. 160 - O arguido aceitou a proposta. 161 - AA como sócio da empresa assumiu sobretudo funções operativas e a gestão das obras dos estabelecimentos, ficando o sector financeiro a cargo do cunhado e a partir de 2000, também do cônjuge deste (irmã da mulher do arguido e vitima neste processo). 162 - Segundo as fontes consultadas pela DGRS, o arguido revelou-se desde o início uma pessoa responsável, empenhada e trabalhadora, que assegurava as funções nos sectores que lhe estavam atribuídos, nomeadamente a nível funcional e operativo. 163 - Com os funcionários mantinha bom relacionamento e embora fosse uma pessoa reservada, era reconhecido pela sua postura solidária e disponível para com os outros. 164 - Inicialmente, as relações entre os sócios decorriam de forma cordial e o arguido, a família do cunhado bem como uma outra irmã do cônjuge do arguido, mudaram-se para um prédio novo, construído em ..., mantendo relações de amizade para além das relações de trabalho. 165- O arguido refere que nessa fase auferia um vencimento de 600 mil escudos, o qual juntamente com o rendimento obtido pelo trabalho da mulher permitia à família viver desafogadamente, nomeadamente, manter os filhos em colégios privados. 166- O arguido é descrito como um bom pai e chefe de família, sem outros interesses para além do seu núcleo familiar ou do trabalho, onde despendia a maior parte do seu tempo, quando não estava em casa. 167 - Sendo uma pessoa reservada, a maior parte das suas relações sociais cingia-se a pessoas relacionadas com o trabalho ou com a família e particularmente os cunhados, já referidos. 168 - Todavia, de acordo com as fontes auscultadas os problemas entre sócios terão começado quando alegadamente, AA deixou de concordar com a gestão efectuada pelo cunhado. 169 - Na sequência destes desentendimentos, o arguido refere ter feito várias propostas no sentido de acabar com a sociedade, vender a sua parte ou comprar a do cunhado, mas as propostas não terão sido aceites. 170 - Segundo o arguido, iniciou-se desde então uma fase de conflituosidade entre ambos, tratada sobretudo através de advogados e por via judicial. 171 - Esta conflituosidade ter-se-á agravado com a morte do cunhado em 2007 e com a assunção, pela cunhada (vítima DD), do papel desempenhado por aquele no sector financeiro da empresa bem como, posteriormente, com o pedido de ordem judicial de afastamento do arguido da gerência da empresa, interposto pela cunhada e sobrinha. 172 -O arguido teve dificuldade em aceitar a decisão judicial de afastamento, interpôs recurso e embora não assuma esse facto, terá continuado a frequentar as clínicas. 173 - Na sequência deste conflito houve uma ruptura das relações familiares e as respectivas famílias deixaram de se falar e de contactar, apesar de continuarem a habitar no mesmo prédio. 174 - No período que antecedeu a sua prisão, AA vivia com o cônjuge e os filhos com os quais mantinha uma relação afectuosa, próxima e protectora, sendo bem conceituado no desempenho do papel assumido no seio familiar. 175 - Encontrava-se numa situação pessoal e laboral complexa, motivada pelo seu afastamento da gerência das empresas, imposto por decisão judicial de 2010, não recebendo, segundo refere, quaisquer lucros da empresa. 176 - Assim, há cerca de 2 anos que se encontrava desempregado, sem outra ocupação ou fonte de rendimento. 177 - Optou na época por não informar a família desta situação, alegadamente para não preocupar o cônjuge, com problemas de saúde. 178 - Refere ter contraído empréstimos para custear os estudos dos filhos, ambos na universidade e para garantir a gestão corrente da casa, enquanto aguardava a resposta ao recurso da decisão que obrigara ao seu afastamento de funções. 179 - Neste contexto, preenchia o seu quotidiano saindo de casa diariamente como se fosse trabalhar, mas permanecia dentro do carro ou em locais públicos, a ler ou a conviver com alguns amigos, que conheciam a sua situação. 180 - Tal postura indicia uma necessidade premente de continuar a dar uma boa imagem de si à família e de lhe manter o nível de vida a que estavam habituados. 181 - Em 2011, contudo, o facto de o cônjuge também ter ficado desempregado, não obstante usufruir de subsídio de desemprego, os rendimentos familiares diminuíram e o agregado começou a ter dificuldade em assegurar alguns pagamentos, nomeadamente a amortização do empréstimo contraído para aquisição da casa, o que terá agravado o contexto gerador de tensão emocional. 182 - Actualmente, o cônjuge continua sem ocupação profissional e aufere cerca de 700 euros de baixa médica, encontrando-se o agregado numa situação económica debilitada e dependente da ajuda de familiares e apoios sociais da Igreja local, sobretudo a nível alimentar. 183 - Do que foi possível apurar pela DGRS, o arguido, apesar de ter passado por uma fase emocionalmente desestabilizadora, evidenciava habitualmente uma conduta calma e reservada, não existindo dados fornecidos pelas fontes que apontem no sentido deste ter assumido atitudes descontextualizadas ou agressivas no seu ciclo de relações pessoal ou laboral, para além de alguns comentários pontuais que traduziam desespero e saturação pela situação de desocupação e pelo tempo de espera relativamente à decisão judicial relativa ao recurso interposto. 184- O facto de o arguido, nessa fase, não ter recorrido a qualquer tipo de apoio psicológico ou partilhado a extensão do problema com a família, revela tratar-se de um indivíduo introvertido e também com dificuldade em assumir as suas fragilidades perante os outros. 185 - À data dos alegados factos existia, assim, um contexto externo adverso motivado pelo afastamento do arguido da gerência da empresa de que era sócio, pela situação de desemprego prolongado quer do próprio quer do cônjuge e pelos problemas económicos decorrentes do mesmo. 186 - Os acontecimentos que motivaram a prisão do arguido, para além da exposição pública que implicaram para o próprio e para a família, tiveram consequências pessoais significativas sobre os envolvidos, directa ou indirectamente na situação. 187 - A família do arguido reagiu aos acontecimentos, inicialmente com descrédito e surpresa e só conseguiu passar a visitá-lo regularmente algum tempo depois da sua prisão. 188 - Não obstante, os membros mais directos da família evidenciam ainda sequelas emocionais e tendências depressivas consequentes. 189 - Ambos os filhos tiveram que abandonar os estudos universitários e procurar alternativas viáveis. 190 - Não obstante, o filho ainda se mantém desempregado e a filha a fazer um curso de formação profissional e estão ambos à procura de trabalho. 191- Relativamente à presente situação jurídico-penal, AA evidencia consciência da gravidade da acusação, aceitação relativamente às consequências que poderão advir do seu comportamento e reconhecimento do dano causado tanto às vítimas como ao seu agregado. 192 - Apresenta, contudo, dificuldade em assumir uma postura de autocrítica relativamente à sua conduta durante o tempo que permaneceu ligado às clínicas, não reconhece que se tenha excedido alguma vez, que a sua actuação merecesse criticas ou justificasse o seu afastamento do local de trabalho. 193 - Não obstante, não consegue encontrar uma justificação lógica para a sua actual situação jurídica e mostra alguma perturbação emocional quando fala dos acontecimentos. 194 - Tem usufruído de consultas de psicologia desde que se encontra em prisão preventiva, comparece regularmente às mesmas e tem tido uma boa adesão à intervenção psicológica. 195 - Os sinais depressivos têm-se vindo a acentuar à medida que o mesmo vai tomando consciência dos seus actos e também da extensão das implicações que a sua ausência está a trazer para a família.
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Apreciando. Fundamentação de direito.
Da recorribilidade do acórdão da Relação
A assistente BB, na resposta ao recurso, a fls. 1414, defendeu o “indeferimento liminar da pretensão do arguido”, ou seja, a rejeição do recurso, por não ser recorrível o acórdão da Relação, invocando para o efeito o disposto no artigo 432.º, n.º 2, do CPP. Estabelece o citado n.º 2: “Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a Relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º”. De acordo com a alínea c) do n.º 1 do mesmo preceito, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente matéria de direito. No caso presente o recurso prévio para a Relação teve pleno cabimento, atendendo a que o recorrente impugnou matéria de facto, como se alcança das conclusões 1.ª e 4.ª a 9.ª do primeiro recurso, afirmando a sua discordância com o julgamento dos factos assentes nos FP 10 a 16, 20, 21 e 39 a 46, e invocando erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dubio pro reo, sendo que o recurso prévio não tem lugar se visar exclusivamente matéria de direito. Conclui-se que o acórdão da Relação é recorrível, embora com limitações, como veremos de seguida.
Questão Prévia I - Admissibilidade do recurso - (Ir)recorribilidade quanto à pena parcelar, aplicada em medida igual ou inferior a oito anos de prisão e confirmada pelo Tribunal da Relação (crime de incêndio).
Há que abordar a questão da admissibilidade do presente recurso, no que toca à pena aplicada pelo crime de incêndio, face ao disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal. O presente recurso foi interposto de acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Março de 2014. Face à confirmação total pelo Tribunal da Relação de Lisboa da deliberação do Colectivo de Sintra, somente estarão em reapreciação as penas aplicadas pelos homicídios qualificados e a pena única aplicada ao recorrente. Este Supremo Tribunal tem entendido, que em caso de dupla conforme total, como ora ocorre, à luz do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, são irrecorríveis as penas parcelares, ou únicas, aplicadas em medida igual ou inferior a oito anos de prisão e confirmadas pela Relação, restringindo-se a cognição às penas de prisão, parcelares e única, aplicadas em medida superior a oito anos. O presente recurso foi interposto de acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, tratando-se de um acórdão confirmatório, na totalidade, de condenação proferida na primeira instância em 4 de Novembro de 2013, na vigência, pois, do regime de recursos introduzido com a entrada em vigor da 15.ª alteração do Código de Processo Penal, operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, e que teve lugar em 15 de Setembro de 2007, tendo o processo tido início em 14 de Agosto de 2012, sendo que a pena parcelar aplicada pelo crime de incêndio foi inferior a oito anos de prisão (concretamente, seis anos de prisão). Haverá que ter em conta que o acórdão ora recorrido é um acórdão confirmativo, havendo na parte que nos interessa, ou seja, no que respeita à posição processual do ora recorrente, entre uma e outra decisões uma identidade total, completa, absoluta e plena, e como assim, como se procurará demonstrar, impeditiva de recurso relativamente à referida pena de seis anos prisão. A lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão objecto de recurso.
Vejamos as disposições legais aplicáveis.
É admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos contemplados no artigo 432.º do Código de Processo Penal, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o artigo 433.º do mesmo diploma legal. No que importa ao caso presente rege a alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º do Código de Processo Penal, que se manteve inalterada, e que estabelece que: “1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, foi modificada a competência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para este Supremo Tribunal, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a oito anos.
Estabelecia o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto: «1 - Não é admissível recurso: (…) f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções.»
A partir da alteração introduzida pela aludida Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, passou a estabelecer o artigo 400.º, n.º 1, na alínea f), do Código de Processo Penal: «1 – Não é admissível recurso: (…) f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».
(Os preceitos em causa actualmente em vigor têm-se mantido inalterados nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/09, de 12 de Outubro, pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto e pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).
A alteração legislativa de 2007, no que tange a esta alínea f), teve um sentido restritivo, impondo uma maior restrição ao recurso, referindo a pena aplicada e não já a pena aplicável, quer no recurso directo, quer no recurso de acórdãos da Relação que confirmem decisão de primeira instância, circunscrevendo a admissibilidade de recurso das decisões da Relação confirmativas de condenações proferidas na primeira instância às que apliquem pena de prisão superior a oito anos. Com efeito, à luz do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção actual, só é possível o recurso de decisão confirmatória da Relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão.
Já anteriormente, porém, à luz da redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, introduzida em 1998 (Lei n.º 59/98), a restrição ora referida era defendida em acórdãos do Tribunal Constitucional, como no Acórdão n.º 64/2006, de 24 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 707/2005, publicado in Diário da República, II Série, de 19 de Maio de 2006 (e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 64.º volume, 2006, págs. 447 a 477), que, em Plenário, com seis votos de vencido, reafirmando, por maioria, o juízo de não inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 640/2004, de 12 de Novembro de 2004, da 3.ª Secção (com sumário em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 60.º volume, 2004, pág. 933), com o qual estava em contradição o acórdão n.º 628/2005, de 15 de Novembro de 2005, 2ª Secção, publicado in Diário da República, II Série, de 23 de Maio de 2006 (e com sumário em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 63.º volume, 2005, pág. 892), decidiu “não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1.ª instância, o tenha condenado numa pena não superior a oito anos de prisão, pela prática de um crime a que seja aplicável pena superior a esse limite”. O acórdão em causa reiterou a jurisprudência do Tribunal Constitucional, segundo a qual, a Constituição não impõe um triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal.
Acerca da nova formulação legal introduzida em Setembro de 2007, que conduziu a uma restrição do recurso e entendendo daí não decorrer violação do direito de recurso, por estar assegurado um duplo grau de jurisdição e não se impor um, aliás, não previsto duplo grau de recurso, tem-se pronunciado este Supremo Tribunal, conforme se colhe dos acórdãos apontados a seguir. No acórdão de 09-01-2008, processo n.º 4457/07-3.ª Secção, pode ler-se: Após a revisão do CPP, da nova redacção da al. f) do n.º 1 do art. 400º, resulta que é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação, proferido em recurso, que confirme decisão cumulatória que haja condenado o arguido em pena única superior a 8 anos de prisão, ainda que aos crimes parcelarmente considerados seja aplicável pena de prisão inferior a 8 anos, embora, no caso e no que respeita à medida concreta da pena, o recurso fique limitado à pena conjunta resultante do cúmulo. Como se extrai do acórdão de 03-04-2008, processo n.º 574/08 - 5.ª Secção, no domínio da actual versão do CPP, as als. e) e f) do n.º 1 do art. 400.º referem-se à pena aplicada e não à aplicável, sem menção da frase “mesmo em caso de concurso de infracções”. Houve, portanto, uma inversão do legislador quanto a esta questão da recorribilidade, restringindo drasticamente o recurso da Relação para o Supremo. Importa, por isso, não ir mais além do que a letra da lei. Daí que seja razoável concluir que, actualmente, ao contrário do que dantes sucedia, a questão da irrecorribilidade deve aferir-se pela pena única aplicada e já não atendendo às penas parcelares, isto é, o que importa é a pena que foi aplicada como resultado final da sentença, toda ela abrangida no âmbito do recurso, nos termos do art. 402.º, n.º 1, do CPP, salvo declaração em contrário por parte do recorrente. Segundo o acórdão de 18-06-2008, processo n.º 1624/08-3.ª, a lei reguladora da admissibilidade do recurso – e por consequência, da definição do tribunal de recurso – será a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja na integração do interesse em agir, da legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a da 1.ª instância. Sendo o acórdão de 1.ª instância proferido já na vigência do regime de recursos posterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, tendo a arguida sido condenada numa pena de 4 anos e 6 meses de prisão e tendo o Tribunal da Relação confirmado o decidido pela 1.ª instância, não é admissível recurso para o STJ, atento o disposto no art. 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, que determina a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos (na redacção anterior, o critério da recorribilidade em caso de idêntica decisão nas instâncias – “dupla conforme” – partia da pena aplicável ao crime e não da pena concretamente aplicada). Segundo o acórdão de 18-06-2008, processo n.º 1971/08-3.ª “a nossa jurisprudência e doutrina são unânimes em reconhecer que a lei reguladora da admissibilidade do recurso é a vigente na data em que é proferida a decisão recorrida – lex temporis regit actum – e isto porque as expectativas eventualmente criadas às partes ao abrigo da lei antiga se dissiparam à face da lei nova, não havendo que tutelá-las”. Nos acórdãos de 15-07-2008, processo n.º 816/08-5.ª e de 14-08-2008, processo n.º 2523/08-5.ª, defende-se a obrigatoriedade de reponderação da medida da pena do concurso, se a aplicada nesse âmbito for superior a 8 anos de prisão, ainda que os crimes que fazem parte desse concurso, singularmente considerados, tenham sido punidos na 1.ª instância com penas inferiores ou iguais a tal limite e confirmadas pela Relação. Explicita-se aí: “Actualmente, se é a pena aplicada que constitui a referência da recorribilidade, essa pena tanto pode ser a referida a cada um dos crimes singularmente considerados, como a que se reporta ao concurso de crimes (pena conjunta ou pena única). O legislador aferiu a gravidade relevante como limite da dupla conforme e como pressuposto do recurso da decisão da Relação para o STJ pela pena efectivamente aplicada, quer esta se refira a um crime singular, quer a um concurso de crimes. Tal significa que o STJ está obrigado a rever as questões de direito que lhe tenham sido submetidas em recurso ou que ele deva conhecer ex officio e que estejam relacionadas com os crimes cuja pena aplicada tenha sido superior a 8 anos de prisão e também a medida da pena do concurso, se a aplicada nesse âmbito for superior a 8 anos de prisão, ainda que os crimes que fazem parte desse concurso, singularmente considerados, tenham sido punidos na 1.ª instância com penas inferiores ou iguais a tal limite e confirmadas pela Relação”. No acórdão de 10-09-2008, processo n.º 1959/08-3.ª, diz-se: “Por efeito da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29-08, foi alterada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais de Relação, tendo-se limitado a impugnação daquelas decisões para este Tribunal, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos – redacção dada à al. f) do n.º 1 do art. 400º do CPP – quando no domínio da versão pré - vigente daquele diploma a limitação incidia relativamente a decisões proferidas em processo por crime punível com pena de prisão não superior a 8 anos”. No acórdão de 29-10-2008, processo n.º 3061/08-5.ª, refere-se: “Considerando as datas dos veredictos da 1.ª e 2.ª instâncias, já em plena vigência da Lei 48/2007, será de observar a nova redacção conferida à alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, donde resulta a inviabilidade da interposição de recurso para o STJ, sendo o acórdão recorrido (da Relação) condenatório e confirmatório (em recurso) de pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, não superior, portanto, ao ali apontado limite de 8 anos”. Pode ler-se no acórdão de 13-11-2008, processo n.º 3381/08-5.ª: “No caso de concurso de infracções, tendo a Relação confirmado, em recurso, decisão de 1ª instância que aplicou pena de prisão parcelar não superior a 8 anos, essa parte não é recorrível para o STJ, nos termos do artigo 400, n.º 1, alínea f), do CPP, na versão da Lei n.º 48/2007, de 29-08, sem prejuízo de ser recorrível qualquer outra parte da decisão, relativa a pena parcelar ou mesmo só à operação de formação da pena única que tenha excedido aquele limite”. Como se retira dos acórdãos desta Secção de 07-05-2008, processo n.º 294/08; de 10-07-2008, processo n.º 2146/08; de 03-09-2008, processo n.º 2192/08; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08; de 04-02-2009, processo n.º 4134/08; de 04-03-2009, processo n.º 160/09; de 17-09-2009, processo n.º 47/08.9PBPTM.E1, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 188; e de 07-04-2010, processo n.º 1655/07.0TAGMR.G1.S1, todos com o mesmo relator, “com a revisão do Código de Processo Penal deixou de subsistir o critério do «crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos» para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a oito anos; daí que se eliminasse a expressão «mesmo no caso de concurso de infracções». Assim, mesmo que ao crime seja aplicável pena superior a 8 anos, não é admissível recurso para o Supremo, se a condenação confirmada não ultrapassar 8 anos de prisão. E, ao invés, se ao crime não for aplicável pena superior a oito anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar oito anos de prisão, decorrente de cúmulo, e restrito então à pena conjunta”. (Quanto a este último aspecto, cfr. acórdãos de 23-09-2009, processo n.º 27/04.3GBTMC.S1-3.ª; de 21-10-2009, processo n.º 296/06.4JABRG.G1.S1-3.ª.). Neste sentido, podem ainda ver-se os acórdãos de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª, por nós relatado, não conhecendo da pena aplicada por crime de maus tratos a cônjuge, mas apenas de homicídio qualificado atípico e de pena única; de 11-02-2009, processo n.º 113/09-3.ª, no sentido de ser recorrível apenas a pena única, quando ultrapasse os 8 anos de prisão; de 25-03-2009, processo n.º 486/09-3.ª; de 15-04-2009, processo n.º 583/09-3.ª; de 16-04-2009, processo n.º 491/09-5.ª, referindo: “o recurso para o Supremo de acórdão da Relação que confirme decisão condenatória de 1.ª instância apenas tomará conhecimento das questões relativas aos crimes cujas penas parcelares ultrapassem aquele limite de 8 anos, e não as havendo, limitar-se-á à pena única, se superior a 8 anos”; de 29-04-2009, processo n.º 391/09-3.ª, por nós relatado, não conhecendo da questão relativa ao crime de detenção de arma, mas apenas de tráfico de estupefacientes e da pena única; de 07-05-2009, processo n.º 108/09-5.ª; de 14-05-2009, processo n.º 998/07.8PBVIS.C1.S1-5.ª, onde se afirma que “são irrecorríveis os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAOFR.C1.S1, por nós relatado, em que se conheceu apenas da medida da pena única fixada em 11 anos de prisão e não das questões relacionadas com os sete crimes em equação; de 27-05-2009, no processo n.º 384/07.0GDVFR.S1-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 145/02.2PAPBL.C1.S1-3.ª e de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª, proferido pelo mesmo relator do anterior, onde se diz: «Tendo havido confirmação total, em recurso, pela Relação, de acórdão condenatório em penas de prisão não superiores a 8 anos – arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. f), do CPP – as soluções normativas sobre admissibilidade dos recursos para o STJ decorrentes da revisão de 2007 do processo penal, introduzidas pela Lei n.º 48/2007, não o permitem»; ou seja, «não é admissível recurso relativamente às penas parcelares e sobre as questões que lhe sejam conexas, e apenas a pena única, aplicada em medida superior a 8 anos de prisão, é passível de recurso»; de 17-09-2009, processo n.º 47/08.9PBPTM-E1-3.ª; do mesmo relator, de 23-09-2009, processo n.º 27/04.3GBTMC.S1-3.ª e processo n.º 463/06.0GAEPS.S1-5.ª; de 12-11-2009, processo n.º 200/06.0JA PTM.E1.S1-3.ª, onde se considera que a decisão de tribunal da Relação que confirmou as diversas penas parcelares (entre os 9 meses e os 4 anos de prisão) não é recorrível para o STJ, mas já o é a decisão que agravou a pena conjunta correspondente ao concurso de crimes por que o arguido foi condenado; de 14-01-2010, processo n.º 135/08.1GGLSB.L1.S1-5.ª; de 27-01-2010, processo n.º 401/07.3JELSB.L1.S1-5.ª; de 04-02-2010, processo n.º 1244/06.7PBVIS.C1.S1-3.ª; de 10-03-2010, processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1; de 18-03-2010, no processo n.º 175/06.5JELSB.S1-5.ª e no processo n.º 538/00.0JACBR-B.C1.S1-5.ª; de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 862/09.6TBFAR.E1.S1-5.ª; de 23-06-2010, processo n.º 1/07.8ZCLSB.L1.S1-3.ª; de 30-06-2010, processo n.º 1594/01.9TALRS.S1-3.ª; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1-3.ª; de 29-09-2010, processo n.º 234/00.8JAAVR.C2.S1-3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 851/09.8PFAR.E1.S1-3.ª. No acórdão de 16-12-2010, proferido no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª, citando os supra referidos acórdãos de 13-11-2008, processo n.º 3381/08-5.ª; de 16-04-2009, processo n.º 491/09-5.ª; de 12-11-2009, processo n.º 200/06.0JA PTM.E1.S1-3.ª e de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª, consigna-se que: I - No regime estabelecido pelos arts. 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. II - Nos casos de julgamento por vários crimes em concurso, em que tenha sido aplicada a cada um dos crimes pena de prisão não superior a 8 anos, confirmada pela Relação, e em que a pena única seja superior a 8 anos, o recurso da decisão da Relação só é admitido no que respeita à pena única, em virtude da conformidade (“dupla conforme”) no que respeita à determinação das penas por cada um dos crimes. E assim, conheceu o acórdão apenas da medida da pena única de 9 anos de prisão, num contexto em que o arguido foi condenado por três crimes de abuso sexual de criança, com as penas parcelares de 2 anos e 6 meses de prisão, de 5 anos de prisão e de 7 anos de prisão, e na pena única de 9 anos de prisão, tudo confirmado pelo tribunal da Relação. E ainda mais recentemente, podem ver-se, no mesmo sentido, os acórdãos de 19-01-2011, proferidos no processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª e no n.º 421/07.8PCAMD.L1.S1-3.ª; de 17-02-2011, nos processos n.º 1499/08.2PBVIS.C1.S1-3.ª e n.º 227/07.4JAPRT.P2.S1-3.ª; de 10-03-2011, no processo n.º 58/08.4GBRDD-3.ª, de 23-03-2011, por nós relatado, no processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1 (restringindo-se a cognição à medida da pena aplicada pelo crime de uxoricídio e pela pena conjunta); de 24-03-2011, processo n.º 907/09.0GCVIS.C1.S1-5.ª; de 31-03-2011, no processo n.º 669/09.0JAPRT.S1-5.ª, CJSTJ 2011, tomo 1, pág. 227; de 13-04-2011, igualmente por nós relatado, no processo n.º 918/09.5JAPRT.P1.S1, restringindo-se a reapreciação à elaboração da pena conjunta; de 04-05-2011, processo n.º 626/08.4GAILH.C1.S1-3.ª (em caso de dupla conforme, de confirmação de penas parcelares inferiores a 8 anos pela Relação, mas em que a pena imposta seja superior a 8 anos de prisão, só pode ser discutida esta pena unitária no STJ); de 18-05-2011, processo n.º 811/06.3TDLSB.L1.S1-3.ª; de 24-05-2011, processo n.º 17/05.9GAAVR.C1.S1-3.ª (em que se defende ser recorrível apenas a pena única que ultrapasse os 8 anos de prisão, sendo o recurso rejeitado, por no caso concreto, embora de forma incorrecta, estar em causa no recurso apenas a pena de 8 anos de prisão aplicada por um dos crimes, no caso de tráfico de estupefacientes, sem se ter em conta a subsistente pena aplicada pela detenção de arma proibida); de 30-06-2011, processo n.º 479/09.5JAFAR.E1.S1-5.ª, donde se extrai: “Mandando a lei atender, para efeito de recurso a interpor de acórdão da Relação, à confirmação da decisão de 1.ª instância e à pena aplicada, o STJ só conhecerá do recurso interposto da decisão tomada em recurso pela Relação quanto aos crimes em que não haja confirmação da absolvição ou de condenação ou, quando, apesar de a decisão ser confirmada, a pena parcelar aplicada for superior a 8 anos de prisão. Tudo se passará quanto a cada um dos crimes como se para cada um deles tivesse sido instaurado um processo autónomo e nele tivesse sido aplicada uma determinada pena. Sempre que o agente tiver praticado diversos crimes que estejam numa relação de conexão e seja instaurado um único processo, haverá que verificar, em caso de recurso da decisão da Relação, se, relativamente a cada um dos crimes, estão reunidos os pressupostos de que a lei faz depender a respectiva recorribilidade, atentando em cada uma das penas parcelares, sempre que o critério de recorribilidade se aferir pela pena aplicada”; de 06-07-2011, processo n.º 774/08.0JFLSB.L1.S1, por nós relatado (não conhecimento do recurso da arguida, condenada na pena única de 5 anos de prisão, e restringindo-se a cognição, no caso do recurso do arguido, à pena única, com exclusão de vários crimes de falsificação de documento e de burla qualificada); de 26-10-2011, processo n.º 14/09.5TELSB.L1.S1-3.ª, CJSTJ 2011, tomo 3, pág. 198; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, por nós relatado (conhecendo do crime de tráfico de estupefacientes e pena do concurso e não dos crimes de falsificação de documento e de coacção tentada); de 11-01-2012, no processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.S1 (irrecorribilidade das penas parcelares por roubo, restringindo-se a cognição à pena conjunta); de 21-03-2012, processo n.º 103/10.3PBBRR.L1.S1 (irrecorribilidade das penas parcelares, restringindo-se o recurso ao conhecimento da pena única aplicada); de 11-04-2012, processo n.º 1042/07.0PAVNG.P1.S1-3.ª (irrecorribilidade de todas as penas parcelares, sendo a mais elevada de 7 anos de prisão, e mesmo das penas únicas, que num caso, a Relação reduziu de 9 anos para 7 anos e 4 meses de prisão); de 18-04-2012, processo n.º 660/10.4TDPRT.P1.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto, em caso em que, sendo as penas parcelares todas inferiores a 8 anos de prisão, as penas únicas aplicadas aos dois arguidos ultrapassam tal limite (8 anos e 3 meses, num caso, e 9 anos, no outro), mas que não foram reapreciadas, por do objecto do recurso delineado por cada arguido não constar a impugnação da pena conjunta; de 26-04-2012, processo n.º 438/07.2PBVCT.G1.S1-5.ª (Sendo aplicadas aos arguidos várias penas pelos crimes em concurso e verificada a dupla conforme, só é admissível recurso para o STJ quanto às penas parcelares superiores a 8 anos e/ou quanto à pena única superior também a 8 anos. A circunstância do arguido ser condenado numa pena (parcelar ou única) superior a 8 anos de prisão não assegura a recorribilidade de toda a decisão, portanto, de todas as condenações ainda que inferiores); de 03-05-2012, processo n.º 8/10.8PQLSB.L1.S1-5.ª; de 10-05-2012, processo n.º 1164/09.3JDLSB.L1.S1-5.ª; de 16-05-2012, processo n.º 206/10.4GDABF.E1.S1-3.ª (rejeitado o recurso do M.º P.º por as penas parcelares e únicas não excederem os 8 anos de prisão, face a acórdão confirmativo da Relação a conceder tratamento mais benéfico aos arguidos, na redução do número de crimes imputados e no correspondente abaixamento das penas); de 23-05-2012, processo n.º 18/10.5GALLE.E1.S1-3.ª (a decisão impugnada é irrecorrível, quanto às penas que ficam aquém do patamar de 8 anos, restringindo-se o objecto do recurso à pena conjunta aplicada de 9 anos de prisão); de 24-05-2012, processo n.º 281/09.4JAAVR.C1.S1-5.ª (o recurso não é admissível quanto ao crime de violência doméstica, restringindo-se ao conhecimento do crime de homicídio e respectiva pena parcelar aplicada, bem como à pena única fixada); de 12-09-2012, processo n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 (irrecorribilidade das penas parcelares); de 26-09-2012, processo n.º 460/10.1JALRA.C1.S1-3.ª (irrecorrível em relação a crime de detenção de arma, cognição restrita a penas de homicídio qualificado e pena única); de 3-10-2012, processo n.º 125/11.7PGALM.L1.S1-3.ª; de 28-11-2012, processo n.º 10/06.4TAVLG.P1.S1-3.ª; de 05-12-2012, processo n.º 250/10.1JALR.E1.S1-3.ª (o acórdão confirmatório da Relação é irrecorrível no que toca às penas aplicadas pelos crimes de detenção de arma proibida e de condução ilegal, conhecendo-se do recurso quanto a pena de homicídio qualificado e pena única); de 20-12-2012, processo n.º 553/10.5TBOLH.E1.S1-5.ª; de 22-01-2013, processo n.º 184/11.2GCMTJ.L1.S1-3.ª (verificada a dupla conforme em qualquer das parcelares está assegurado um grau de acerto decisório, não justificativo de mais um grau de recurso, formando-se caso julgado sobre essas penas parcelares e versando o recurso sobre a pena única, que excede os 8 anos de prisão); de 24-01-2013, processo n.º 184/03.6TASTB.E2.S1-5.ª; de 13-02-2013, processo n.º 401/07.3GBBAO.P1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas parcelares, restringindo-se o recurso ao conhecimento da pena única de 9 anos de prisão); de 14-03-2013, processo n.º 43/10.6GASTC.E1.S1-3.ª (havendo dupla conforme quanto às penas parcelares e única, como apenas a pena única excede 8 anos de prisão, somente quanto a ela é admissível recurso para o STJ) e processo n.º 832/11.4JDLSB.L1.S1-5.ª; de 2 de Maio de 2013, processo n.º 1947/11.4JAPRT.P1.S1-5.ª “Como não é possível recorrer para o STJ das decisões das Relações que confirmem a decisão de 1.ª instância, relativamente a crimes singulares a que não foi aplicada pena superior a 8 anos de prisão (e isto, evidentemente, com referência a quaisquer questões de direito com eles relacionados), deve ser rejeitado o recurso interposto para o STJ na parte respeitante ao crime de ameaça do artigo 153.º do Código Penal” (no mesmo sentido e ficando definitivamente resolvidas as questões relacionadas com os crimes pelos quais o recorrente foi condenado, o acórdão de 5-06-2013, processo n.º 1667/10.7TDLSB.L1.S1-5.ª); de 22-05-2013, processo n.º 210/09.5JBLSB.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade quanto a crime de detenção de arma proibida, punido com 2 anos de prisão, dois roubos agravados, punidos com 6 anos cada e homicídio qualificado tentado com 8 anos, sendo apreciada a medida da pena única de 13 anos); de 29-05-2013, processo n.º 454/09.0GAPTB.G1.S1-3.ª (irrecorribilidade quanto a detenção de arma proibida, conhecendo-se de tráfico de estupefacientes e pena única); de 5-06-2013, processo n.º 113/06.5JBLSB.L1.S1-5.ª “Estando em causa questões relativas a cada um dos crimes e tendo o recorrente em 1.ª instância sido condenado por cada um deles a pena não superior a 8 anos de prisão, com confirmação pela Relação, o recurso não é admissível nessa parte e por isso não pode ser conhecido (consequentemente fica para apreciação somente a questão da determinação da pena única)”; de 26-06-2013, processo n.º 298/10.6PAMTJ.L1.S1-5.ª; de 04-07-2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1-3.ª (em causa três crimes de ocultação de cadáver, um de falsificação e um de detenção de arma, todos punidos com penas inferiores a 8 anos, tendo sido considerada irrecorrível a decisão impugnada no que respeita à condenação do recorrente pela prática de tais crimes); de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª (irrecorribilidade quanto a burla qualificada punida com 7 anos de prisão, a falsificação de documento, branqueamento e falsidade de declaração, punidas com penas inferiores, restringindo-se a cognição à pena conjunta); de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas parcelares e de pena conjunta inferior a 8 anos e apreciação de uma outra pena conjunta); de 10-09-2014, processo n.º 1027/11.2PCOER.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas parcelares fixadas em 5 anos e em 2 anos e 6 meses de prisão, sendo que a pena única de 5 anos e 9 meses de prisão foi substituída por pena relativamente indeterminada de 3 anos e 10 meses e 11anos e 9 meses, não se tendo tomado conhecimento por não integrar o objecto do recurso).
********** Esta solução quanto a irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da primeira instância – no caso, relativamente apenas à pena aplicada pela prática do crime de incêndio – não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição pela 4.ª Revisão Constitucional (introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro – Diário da República, I-A, n.º 218/97, de 20-09-1997, entrada em vigor em 5 de Outubro de 1997). O direito ao recurso em matéria penal inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, por a Constituição, no seu artigo 32.º, se bastar com um duplo grau de jurisdição, já concretizado no caso dos autos, aquando do julgamento pela Relação.
No caso em reapreciação, há uma afirmação de identidade de decisão completa, total, pois que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou o acórdão do Colectivo de Sintra, estando-se, pois, perante a assunção de uma dupla conforme condenatória total, mostrando-se cumprido o duplo grau de jurisdição exercido pela Relação em via de recurso. O princípio da dupla conforme é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais. As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o 3.º grau de jurisdição, por a Constituição, no seu artigo 32.º, se bastar com um 2.º grau, já concretizado no presente processo. O acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação em segunda instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição.
O Tribunal Constitucional tem sido chamado a decidir da constitucionalidade quanto à perspectiva de violação do direito ao recurso, a propósito das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, concretamente se o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição impõe um duplo recurso ou um triplo grau de jurisdição em matéria penal, sendo a resposta maioritariamente no sentido negativo - acórdãos n.º 189/2001, de 3 de Maio, proferido no processo n.º 168/01-1.ª Secção (Acórdãos do Tribunal Constitucional – ATC – volume 50, pág. 285), 215/2001, 336/2001, 369/2001, de 19 de Julho, 435/2001, de 11 de Outubro, 451/2003, de 14 de Outubro, processo n.º 527/03-1.ª Secção, 495/2003, de 22 de Outubro de 2003, processo n.º 525/03-3.ª Secção (citando os acórdãos n.º s 189/2001 e 369/2001), 102/2004, de 11 de Fevereiro, 390/2004, de 2 de Junho de 2004, processo n.º 651/03-2.ª Secção, versando sobre a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, publicado in Diário da República, II Série, de 07-07-2004 e ATC, volume 59, pág. 543, 610/2004, de 19 de Outubro, 640/2004 (supra citado), 104/2005, de 25 de Fevereiro, 255/2005, de 24 de Maio, processo n.º 159/05-1.ª Secção, 64/2006 (supra citado), 140/2006, de 24 de Março, 487/2006, de 20 de Setembro, processo n.º 622/06 (ATC, volume 65, pág. 815, sumário), 682/2006, de 13 de Dezembro, processo n.º 844/06-2.ª Secção (ATC, volume 66, pág. 835, sumário), 263/2009, de 25 de Maio, processo n.º 240/09-1.ª Secção (ATC, volume 75, pág. 249), 551/2009, de 27 de Outubro, 3.ª Secção (ATC, volume 76, pág. 566, sumário) 645/2009, de 15 de Dezembro, processo n.º 846/09- 2.ª Secção (ATC, volume 76, pág. 575), 174/2010, de 4 de Maio, processo n.º 159/10-1.ª Secção, 175/2010, de 4 de Maio, processo n.º 187/10-1.ª Secção e 659/2011, de 21 de Dezembro, processo n.º 670/11, da 2.ª Secção.
O Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que o direito ao recurso como garantia de defesa do arguido não impõe um duplo grau de recurso. A apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas – neste sentido, o acórdão n.º 49/2003, de 29 de Janeiro, proferido no processo n.º 81/2002, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 16-04-2003 e em ATC, volume 55, versando sobre caso de acórdão condenatório, que não confirma a decisão absolutória proferida em primeira instância e a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/98. Neste acórdão considera-se que o direito ao recurso, no domínio do processo penal, se basta com a existência de um duplo grau de jurisdição, mesmo em situações de acórdãos condenatórios, proferidos pelas Relações, revogatórios de decisões absolutórias da 1.ª instância, neste sentido se pronunciando igualmente os supra referidos acórdãos n.º 255/2005, de 24 de Maio, processo n.º 159/05-1.ª Secção, n.º 487/2006, de 20 de Setembro, processo n.º 622/06, n.º 682/2006, de 13 de Dezembro, processo n.º 844/06-2.ª Secção (ATC, volume 66.º, pág. 835), n.º 424/2009, infra referenciado.
Como se afirmava no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 44/2005, de 26 de Janeiro de 2005, proferido no processo n.º 950/04-1.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Fevereiro de 2006, pronunciando-se sobre a alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º, e seguindo o citado acórdão n.º 49/2003 “…estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao STJ, evitando a sua eventual paralisação (…). Não se pode, assim, considerar infringido o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição (…) já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas”. No mesmo sentido se pronunciaram, entre vários outros, o acórdão n.º 390/2004, de 2 de Junho de 2004, proferido no processo n.º 651/03-2.ª Secção, citado pelo anterior – versando sobre a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, publicado in Diário da República, II Série, de 07-07-2004 e ATC, volume 59, pág. 543; acórdão n.º 2/2006, de 3 de Janeiro de 2006, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 13-02-2006 e ATC volume 64, pág. 937, em sumário (Não é constitucionalmente imposto, mesmo em processo penal, um 3.º grau de jurisdição); o supra citado acórdão n.º 64/2006, de 24 de Janeiro de 2006, tirado em Plenário (face à contradição das soluções dos acórdãos n.º 628/2005 e n.º 640/2004), no processo n.º 707/2005, publicado no Diário da República, II Série, de 19-05-2006 e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 64.º, 2006, págs. 447 e seguintes (a Constituição não impõe um triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal); e acórdão n.º 140/2006, de 21 de Fevereiro de 2006, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 22-05-2006 (e com sumário em ATC, volume 64, pág. 950).
No mesmo sentido se tem pronunciado o Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, nos arestos supra referidos e ainda de 06-02-2008, processo n.º 111/08-3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 4827/07-5.ª; de 17-04-2008, processo n.º 903/08-3.ª; de 30-04-2008, processo n.º 110/08-5.ª; de 05-06-2008, processo n.º 1226/08-5.ª; de 03-09-2008, processo n.º 2510/08-3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 3061/08 -5.ª; de 13-11-2008, processo n.º 4455/07-5.ª; de 27-11-2008, processo n.º 2854/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08; de 22-04-2009, processo n.º 480/09-3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09-3.ª; de 07-10-2009, processo n.º 35/01.6AFIG.C2.S1-3.ª; de 21-10-2009, processo n.º 306/07.8GEVFX.L1.S1 -3.ª, onde se pode ler: “o nosso sistema de recursos não abdica de um duplo grau de jurisdição em matéria penal, de acordo com o artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12-06, que não impõe um triplo grau de jurisdição. Em consonância o artigo 5.º, n.º 4, da CEDH, limita-se, e só, a assegurar o direito ao recurso de qualquer pessoa condenada em pena de prisão ou a detenção. E nem se diga que a solução preconizada, atenta contra o direito fundamental do acesso ao direito e à justiça consagrado no artigo 20.º da CRP, porque o direito de defesa do arguido não exige, sempre e em todas as condições, mais do que um grau de recurso”. E ainda no citado acórdão de 29-10-2009, processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224; de 13-10-2010, processo n.º 1252/07.0TABCL.G1.S1-3.ª; de 02-12-2010, processo n.º 263/06.8JFLSB.L1.S1-5.ª; de 19-01-2011, processo n.º 421/07.8PCAMD.L1.S1-3.ª; de 27-04-2011, processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1-3.ª; de 13-07-2011, processo n.º 352/01.5TACBR.C1.S1-3.ª; de 09-11-2011, processo n.º 43/09.9PAAMD.L1.S1-3.ª, de 21-12-2011, processos n.º 130/10.0GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 37/06.6GBMFR.S1-3.ª (o direito ao recurso como direito de defesa, inscrito como garantia constitucional no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, satisfaz-se com o duplo grau de jurisdição ou um grau de recurso, não exigindo, no plano constitucional, a previsão e a admissibilidade de um triplo grau de jurisdição e segundo grau de recurso, sendo esta a jurisprudência firmada e constante do Tribunal Constitucional - cf. acórdão n.º 187/10, aliás, 175/10, de 4 de Maio); de 28-12-2011, processo (habeas corpus) n.º 150/11.8YFLSB.S1-3.ª; de 29-03-2012, processo n.º 334/04.5IDPRT.P1.S1 – 3.ª (o direito ao recurso, como garantia constitucional, postula apenas o duplo grau de jurisdição que não se confunde com o duplo grau de recurso); de 11-04-2012, processo n.º 1042/07.0PAVHG.P1.S1-3.ª; de 26-04-2012, processo n.º 438/07.2PBVCT.G1.S1-5.ª.
Relativamente à questão da constitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, pronunciaram-se no mesmo sentido de não inconstitucionalidade os acórdãos n.º s 20/2007, de 17 de Janeiro-3.ª Secção (Diário da República, II Série, de 20-03-2007 e ATC, volume 67, pág. 831, sumário), 36/2007, de 23 de Janeiro de 2007, 2.ª Secção (ATC, volume 67, pág. 832), 346/2007, de 6 de Junho de 2007, 1.ª Secção, (ATC, volume 69, pág. 852), 530/2007, de 29 de Outubro de 2007, 3.ª Secção (ATC, volume 70, pág. 766, em sumário), 599/2007, de 11 de Dezembro de 2007, 2.ª Secção (ATC, volume 70, pág. 772, em sumário). A constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na actual redacção, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, que decidiu não a julgar inconstitucional – acórdão n.º 263/2009, de 25 de Maio, processo n.º 240/09-1.ª Secção (ATC, volume 75, pág. 249), acórdão n.º 551/2009, de 27 de Outubro - 3.ª Secção, versando a questão, inclusive, ao nível do artigo 5.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do artigo 5.º do CPP (ATC, volume 76, pág. 566), acórdão n.º 645/2009, de 15 de Dezembro, processo n.º 846/2009 - 2.ª Secção (ATC, volume 76.º, pág. 575 - em sumário e com referência ao artigo 5.º, n.º 2, do CPP), o infra mencionado acórdão n.º 649/2009, de 15 de Dezembro - 3.ª Secção, confirmando decisão sumária que emitiu juízo de não inconstitucionalidade (ATC volume 76, pág. 575, igualmente em sumário), e acórdão n.º 174/2010, de 4 de Maio, processo n.º 159/10-1.ª Secção. Por seu turno, o acórdão n.º 424/2009, de 14 de Agosto, proferido no processo 591/09-2.ª Secção, decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), conjugada com a norma do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 48/2007, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão efectiva E, mais recentemente, no acórdão n.º 385/2011, de 27 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 470/11, da 2.ª Secção, foi decidido “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que, apesar de ter confirmado a decisão de 1.ª instância em pena não superior a 8 anos, se pronunciou pela primeira vez sobre um facto que a 1.ª instância não havia apreciado”. Na fundamentação deste acórdão, tendo-se por adquirido que no caso a Relação mantivera a decisão condenatória da 1.ª instância, “apesar de ter ampliado os pressupostos factuais da mesma”, pode ler-se: “Ora, com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional. O facto de nessa reapreciação se ter ampliado a matéria de facto considerada relevante para a decisão a proferir, traduz precisamente as virtualidades desse meio de controle das decisões judiciais, não sendo motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso. Na verdade, a ampliação da matéria de facto julgada provada não modifica o objecto do processo. Tal como na decisão da 1.ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime de que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa”. Referimos já o acórdão n.º 649/2009, de 15 de Dezembro de 2009, proferido no processo n.º 846/09, 3.ª Secção, do Tribunal Constitucional, o qual decidiu: “a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. Não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, e artigo 5.º, n.º 2, do mesmo Código, interpretada no sentido de que, em processos iniciados anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, proferida após a entrada em vigor da referida lei, e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.” De igual modo, no acórdão n.º 643/2011, de 21 de Dezembro de 2011, proferido no processo n.º 624/11, da 3.ª Secção e na decisão sumária n.º 366/12, proferida no processo n.º 552/12, da 2.ª Secção, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a interpretação normativa em causa, não a tendo julgado inconstitucional. Do acórdão deste Supremo Tribunal proferido no processo n.º 1324/08.4PPPRT.P1.S1, desta Secção, datado de 9 de Maio de 2012, aclarado em acórdão de 20 de Junho seguinte, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que em 5 de Dezembro de 2012, pelo acórdão n.º 590/2012, proferido pela 1.ª Secção, decidiu, com um voto de vencido: «Julgar inconstitucional o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal (CPP), na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa». Pelo Ministério Público foi interposto recurso obrigatório deste acórdão para o Plenário, nos termos do artigo 79.º - D, n.º 1, da LTC, por as soluções dos acórdãos n.º 590/2012 e n.º 649/2009 divergirem em absoluto sobre a questão de saber se é constitucionalmente conforme “interpretar o artigo 400.º, n.º 1, alínea f) , no sentido de que havendo uma pena única superior a 8 anos de prisão, não pode ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal.» O acórdão recorrido veio a ser revogado pelo acórdão n.º 186/2013, de 4 de Abril de 2013, tirado em Plenário, proferido no processo n.º 543/12, da 1.ª Secção, com cinco votos a favor, três declarações de voto e cinco votos de vencido, onde se inclui a relatora do acórdão n.º 590/2012, tendo sido decidido: «Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão».
Na mesma linha, o acórdão n.º 659/2011, de 21 de Dezembro, proferido no processo n.º 670/11, da 2.ª Secção, decidiu: “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não ser admissível o recurso de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, que confirma a decisão de 1.ª instância e aplique pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo no caso de terem sido arguidas nulidades de tal acórdão”. Através deste Acórdão n.º 659/2011, esclareceu-se que: «Também no caso dos autos, tendo sido assegurado aos arguidos um duplo grau de jurisdição (uma vez que tiveram a possibilidade de, face à mesma imputação penal, defender-se perante dois tribunais: o tribunal de 1." instância e o tribunal da Relação), a questão que se coloca é a de saber se, tendo sido arguidas nulidades do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, é inconstitucional limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, por aplicação da regra da dupla conforme, prevista na alínea f) do n.° 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal. (…) Importa, antes de mais, ter em consideração o regime de arguição e conhecimento das nulidades em processo penal, que garante, mesmo em caso de irrecorribilidade, a possibilidade de serem arguidas nulidades da decisão perante o tribunal que a proferiu (como, aliás, aconteceu no presente caso), tendo este poderes para suprir as eventuais nulidades cuja existência reconheça (cfr. artigos 379º nº 2, e 414°, n.° 4, do Código de Processo Penal). Ora, sendo certo, conforme se disse, que o artigo 32.° n.º 1, da Lei Fundamental, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, resta verificar se, nos casos em que o Tribunal da Relação profere acórdão em que mantém a decisão condenatória da 1.ª instância e é arguida a nulidade de tal acórdão, se mostra cumprida a garantia constitucional do direito ao recurso, quando exige que o processo penal faculte à pessoa condenada pela prática de um crime a possibilidade de requerer uma reapreciação do objeto do processo por outro tribunal, em regra situado num plano hierarquicamente superior. Com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional. E o facto de, na sequência dessa reapreciação, terem sido arguidas nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não constitui motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso. Com efeito, a circunstância de os recorrentes terem arguido nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não modifica o objeto do processo uma vez que, tal como a decisão da 1ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa. O Acórdão do Tribunal da Relação constitui, assim, já uma segunda pronúncia sobre o objeto do processo, pelo que não há que assegurar a possibilidade de aceder a mais uma instância de controle, a qual resultaria num duplo recurso, com um terceiro grau de jurisdição. Por outro lado, existindo sempre a possibilidade de arguir as referidas nulidades perante o tribunal que proferiu a decisão, mesmo quando esta seja irrecorrível, a apreciação de nulidades do acórdão condenatório não implica a necessidade de existência de mais um grau de recurso, tanto mais em situações, como a dos autos, em que existem duas decisões concordantes em sentido condenatório (uma vez que o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª instância nesse sentido). Acresce que, se fosse entendido que a arguição da nulidade de um acórdão proferido em recurso implicaria, sempre e em qualquer caso, com fundamento no direito ao recurso em processo penal, a abertura de nova via de recurso, ter-se-ia de admitir também o recurso do acórdão proferido na terceira instância, com fundamento na sua nulidade, e assim sucessivamente, numa absurda espiral de recursos. Impõe-se, pois, concluir que não é constitucionalmente censurável, neste caso, a exclusão do terceiro grau de jurisdição e que a interpretação normativa objeto de fiscalização não viola o disposto no artigo 32. °, nº 1, da Constituição.». Este acórdão n.º 659/2011 foi corroborado pelo acórdão n.º 194/2012 da 3.ª Secção e acórdão n.º 399/2013, de 15 de Julho de 2013, processo n.º 171/13 da 2.ª Secção, este respeitante à alínea c) do n.º 1 do artigo. 400.º do CPP, mas seguindo de perto o acórdão n.º 659/2011. (Os dois acórdãos estão disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.).
A decisão sumária n.º 114/2014, proferida no processo n.º 139/14-2.ª Secção, de 12 de Fevereiro de 2014 (proferida no âmbito do processo n.º 1027/11.2PCOER.L1.S1 desta 3.ª Secção), transpondo as razões expostas no acórdão n.º 659/2011, decidiu “não julgar inconstitucional a norma extraída da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de determinar a irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação ao qual seja imputada uma nulidade”. O recorrente reclamou para a conferência, tendo o acórdão n.º 290/2014, de 26 de Março de 2014, indeferido a reclamação.
Em suma, tendo-se alterado o paradigma de «pena aplicável» para «pena aplicada», o regime resultante da actual redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal tornou inadmissível o recurso para o STJ de acórdãos condenatórios proferidos pelas Relações quando, confirmando decisão anterior, apliquem pena não superior a 8 anos de prisão. No sujeito caso concreto, como vimos, a pena aplicada ao recorrente pelo crime de incêndio foi a de 6 anos de prisão, acontecendo que a confirmação pelo tribunal de recurso é total, integral, completa, absoluta. No caso em apreciação estamos perante uma identidade total de decisão, uma dupla conforme total, pois que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou o acórdão condenatório do Colectivo de Sintra na totalidade, mantendo-se exactamente a factualidade assente, a qualificação jurídico-criminal e as penas aplicadas. Está-se, pois, perante dupla conforme condenatória total – o acórdão da Relação de Lisboa é confirmativo da deliberação então reaprecianda, na totalidade, estando-se perante uma situação de identidade total, em que a confirmação integral é alcançada de modo expresso, com conhecimento do mérito. O princípio da dupla conforme, impeditivo de um terceiro grau de jurisdição e segundo grau de recurso, que não pode ser encarado como excepção ao princípio do direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, como revelação ou indício de coincidente bom julgamento nas duas instâncias, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais. Como se refere no acórdão de 16 de Setembro de 2008, processo n.º 2383/08-3.ª, subjaz a tal instituto a ideia de que a concordância de duas instâncias quanto ao mérito da causa é factor indiciador do acerto da decisão, o que, em casos de absolvição ou de condenação em pena de prisão de pequena ou média gravidade, prévia e rigorosamente estabelecidos pelo legislador, justifica a limitação daquele direito. Resulta do exposto que o acórdão da Relação é irrecorrível na parte em que confirma a pena aplicada pelo crime de incêndio, ficando fora do recurso quaisquer questões relativas a tal crime, maxime, a pena aplicada, que é assim definitiva. Assim sendo, resta apreciar as penas aplicadas aos crimes de homicídio qualificado e a pena conjunta.
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A pretensão de requalificação jurídico – criminal
Esta pretensão é apresentada pelo recorrente, de forma absolutamente inopinada, na conclusão 2.ª. Como vimos, de forma completamente fora do quadro temático conclusivo expectável em função do teor da narrativa da motivação, eis que o recorrente, de forma inesperada e surpreendente, leva às conclusões matéria acerca da qual a motivação, nada, mas rigorosa e absolutamente nada, contribuiu para a asserção apresentada a final. Como ensinava José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV volume, pág. 359, as conclusões visam habilitar o tribunal a conhecer quais as questões postas e quais os fundamentos invocados. Como refere Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III Volume, Editorial Verbo, 1994, págs. 320/1, o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Nas conclusões da motivação o recorrente tem de indicar concretamente os vícios da decisão impugnada e essa indicação delimita o âmbito do recurso. São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem de apreciar. Segundo o acórdão de 4 de Fevereiro de 1993, CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 140, proferido em sede de acção cível, mas com pleno cabimento aqui, as conclusões são proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo das alegações; sem a indicação concisa e clara dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas alegações não há conclusões. Como refere o acórdão do STJ de 11 de Março de 1998, in BMJ n.º 475, pág. 488, as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação. As conclusões servem para resumir as razões do pedido, para condensar a matéria tratada no texto da motivação – cfr. acórdão de 15-07-2009, processo n.º 103/09-3.ª. Acontece que o recorrente no presente recurso leva às conclusões matéria completamente nova, não versada antes, sem qualquer suporte na motivação. Relembrando o teor das conclusões 1.ª e 2.ª: «1 - Ora, certo é que o princípio in dubio pro reo, quando constitucionalmente consagrado, não prevê apenas o sentido da dúvida da prova que está escrito, mas sim qualquer dúvida que em benefício do arguido possa surgir, qualquer facto cuja certeza não seja justificada, qualquer pormenor mal explicado; 2 - Pelo que sempre deveria o recorrente ter sido condenado por 3 (três) crimes de homicídio por negligência ainda que grosseira, p.p. art.° 137° do Cód. Penal, bem como por um crime de incêndio por negligencia, p.p. pelo n.º 3 do art.° 272° do Cód. Penal».
O recorrente nestas conclusões repete ipsis verbis as conclusões 9.ª e 10.ª do anterior recurso, embora a questão da qualificação jurídica estivesse então presente nas conclusões 1.ª, 2.ª e 3.ª. No anterior recurso o recorrente impugnou a matéria de facto, mas não invocando de forma sustentada e convicta a verificação de qualquer vício decisório (apenas na conclusão 7.ª se referia ao vício da alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP), nem lançando mão da via mais ampla e abrangente de impugnação, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do CPP, limitando-se a manifestar a sua discordância com o decidido, limitando-se a glosar as afirmações feitas na motivação da decisão de facto, o que fez de fls. 1248 a 1254, e logo de seguida, prescindindo de apresentação de mínima argumentação de sustentação, defende que deveria ter sido condenado por 3 crimes de homicídio por negligência, além do incêndio, mas sem fundamentar minimamente o salto qualitativo patente na pretendida requalificação. Afirmava o recorrente ser de afastar a premeditação no cometimento dos crimes de homicídio, pois teria havido premeditação de apenas pretender pregar um valente susto. O recorrente teoriza como se bastasse afastar a premeditação, fazendo desde logo tábua rasa dos demais exemplos-padrão presentes na acusação e no acórdão recorrido (e são outros quatro!), ignorando-os olimpicamente, e passando, sem explicar, sem o mínimo argumento, não, como seria normal, caso presente fosse apenas aquele facto-índice, para o tipo base do artigo 131.º, mas “per saltum” regressivo, para o patamar da negligência – “ainda que grosseira”, concede – e o tipo do artigo 137.º, como aquele do Código Penal. E o ponto a colocar é o seguinte: não podendo ser considerada esta desmesurada pretensão de requalificação, por extravasar de todo a motivação, ainda assim poderá o Supremo Tribunal intervir a este nível? A questão da acertada ou errada interpretação e aplicação de preceitos incriminadores à facticidade adquirida, enfim, a qualificação jurídica, o tratamento subsuntivo, tem a sua sede própria na fundamentação de direito.
Certo é que de entre as várias questões de que o Supremo Tribunal pode tomar conhecimento, encontra-se a da qualificação jurídica, a efectuar de modo oficioso, conforme jurisprudência pacífica. Na verdade, o tribunal superior não está inibido de proceder a requalificação jurídica, quando o entender necessário. A questão, aliás, pode ser analisada nesta perspectiva. A intervenção oficiosa do Supremo Tribunal de Justiça em sede de fixação de matéria de facto é possível, é admitida, pontualmente, de acordo com jurisprudência consolidada. Assim, o Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, Acórdão n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, publicado no Diário da República, Série I-A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito), para além do Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”. Ora, se reconhecidamente, o Supremo Tribunal pode intervir ex officio na fixação da matéria de facto, podendo inclusive, alterá-la, se dispuser dos elementos imprescindíveis para a modificação, porque disponíveis, por exemplo, em sede de prova vinculada, ou na hipótese contrária, determinar o reenvio para remediar os vícios de confecção do texto, de forma a evitar decisões falhas ou insuficientes de fundamentação, ou incongruentes, em contradição e em desarmonia com o texto e contexto global, mal pareceria, mas mais do que isso, mal seria, que não pudesse intrometer-se no decisivo campo da matéria de direito, que, reconhecidamente, é o seu. É que, a não ser assim, colocar-se-ia a questão de saber como reconhecer ao Supremo Tribunal uma possibilidade de intervenção no campo temático da matéria de facto (possibilidade, aliás, afirmada para além dos dois citados acórdãos de fixação de jurisprudência, em variadíssimos acórdãos) e não reconhecê-la, depois a juzante, exactamente no campo de intervenção própria. A entender-se de forma contrária, estaríamos decididamente confrontados com um perfeitamente escusado exercício de non sense.
Certo é que, nada impede este Supremo Tribunal de Justiça de indagar, por iniciativa própria, da correcção e justeza da subsunção jurídica feita no acórdão recorrido, como tem sido entendido em vários arestos, sem olvidar, desde logo, o Acórdão n.º 4/95, de 7 de Junho de 1995, proferido no processo n.º 47.407, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série, de 6 de Julho de 1995, e no BMJ n.º 448, pág. 107, que então decidiu: “O Tribunal Superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus”. Neste particular, há que convocar a norma do artigo 424.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, aditada aquando da 15.ª alteração ao referido Código, operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o qual estabelece: 3 - Sempre que se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida ou da respectiva qualificação jurídica não conhecida do arguido, este é notificado para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias. Este normativo terá aplicação no caso de o tribunal verificar, por iniciativa própria, que, face aos factos provados, o enquadramento jurídico – criminal se deveria fazer por modo diverso, integrando a conduta em outro preceito incriminador e face a essa alteração, não prevista, desconhecida do arguido, a fim de se evitar uma decisão surpresa, a exemplo do que ocorre no processo cível com o artigo 3.º do Código de Processo Civil, mas aqui com raízes e razões mais ponderosas e visando a salvaguarda de interesses mais profundos e assegurar as garantias de defesa constitucionalmente acauteladas, haverá a necessidade de dar a conhecer a possível alteração de qualificação. Assim se entendeu no acórdão de 18 de Junho de 2009, por nós proferido, no processo n.º 106/09.0YFLSB, em caso de recurso contra jurisprudência fixada nos termos do artigo 446.º do CPP (no caso a fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2008, publicado no Diário da República n.º 146, 30 de Julho de 2008, relativo ao crime do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e ao artigo 358.º, n.º 1 e 3 do CPP), o qual segue de muito perto, o acórdão igualmente por nós proferido no processo n.º 314/09, da Comarca do Seixal, versando burla tributária, convocando a doutrina do Assento n.º 2/93, de 27 de Janeiro de 1993, publicado in Diário da República - I Série - A, n.º 58, de 10 de Março de 1993 e no BMJ n.º 423, págs. 47 e segs., mais tarde reformulado pelo “Assento” n.º 3/2000, de 15 de Dezembro de 1999, prolatado no processo n.º 43.073, publicado in Diário da República - I Série - A, n.º 35, de 11 de Fevereiro de 2000, bem como do referido Acórdão n.º 4/95 e jurisprudência do Tribunal Constitucional.
(Foi efectivado o mecanismo do artigo 424.º, n.º 3, do CPP, no processo n.º 4730/07, que conduziu ao acórdão de 02-04-2008, por nós relatado em que estava em causa um crime de homicídio qualificado, com vista a afastar a frieza de ânimo e integração da conduta em homicídio qualificado atípico; no processo n.º 2507/08, em caso de duplo homicídio, face a eventual alteração de qualificação jurídica e que conduziu ao acórdão de 04-12-2008; e no processo n.º 18/07.2GAAMT.P1.S1, que em caso de tráfico de estupefacientes, em causa estava a requalificação do crime de associação criminosa para a qualificativa integração em bando, que conduziu ao acórdão de 27-05-2010, igualmente por nós relatado, como o anterior).
(Sobre a evolução do entendimento sobre a questão de alteração de qualificação jurídica e as disposições dos artigos 358.º, n.º 3 e 424.º, n.º 3, do CPP, pode ver-se o acórdão de 25 de Março de 2009, por nós proferido no processo n.º 314/09, versando burla tributária; o acórdão de 18 de Junho de 2009, proferido no processo n.º 106/09, que visava afirmação contra jurisprudência fixada no AUJ n.º 7/2008, de 25-06-2008, Diário da República - I Série, n.º 146, de 30-07-2008, relativa à pena acessória prevista no artigo 69.º do Código Penal e o acórdão de 13 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 451/05.4JABRG.G1.S1, em que se anota a evolução da questão desde o CPP de 1929, jurisprudência do Tribunal Constitucional, origem do artigo 424.º, n.º 3, em que no concreto, na 1.ª instância o arguido foi condenado por sete crimes de abuso sexual, a Relação de Guimarães optou por um único crime de trato sucessivo e no Supremo foi afastada esta figura, bem como a de crime continuado e reposta a tese da 1.ª instância, do concurso real de sete crimes).
Como tem sido decidido, mesmo quando o recorrente não ponha operativamente em causa a incriminação definida pelas instâncias, não pode, nem deve, o STJ dispensar-se de reexaminar a correcção das subsunções, como tem sido decidido, por exemplo, nos acórdãos seguintes: de 2 de Maio de 1996, processo n.º 171, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 179 – “O tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos, podendo mesmo alterar a que foi dada na acusação ou pronúncia, devendo, porém, a pena conter-se no limite máximo da incriminação dos factos atribuída na acusação ou pronúncia, sob pena de alteração substancial. Ainda que o recurso seja interposto pelo Mº Pº a pedir a agravação da pena aplicada e o tribunal superior entenda que o crime é não o de menor gravidade de que o arguido vinha acusado e condenado, mas o de tráfico do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, não pode condenar em pena superior ao limite máximo previsto no art. 25.º, a)”; de 19 de Outubro de 2000, processo n.º 2803/00-5.ª (citado no acórdão de 17-01-2002) - “Ainda que o recorrente não ponha concretamente em causa a incriminação definida pelo Colectivo (circunscrevendo-se o objecto do recurso à questão da medida da pena aplicada), não pode nem deve o STJ – enquanto tribunal de revista e órgão, por excelência e natureza, mentor de direito – dispensar-se de reexaminar a correcção das subsunções”; de 8 de Fevereiro de 2001, processo n.º 2745/00-5.ª, SASTJ, n.º 48, pág. 62; de 4 de Outubro de 2001, processo n.º 1091/01-5.ª, CJSTJ 2001, tomo 3, pág. 178 - “No caso o arguido fora pronunciado por crime de associação criminosa, p. p. pelo artigo 28.º, em concurso real com um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. p. pelo artigo 24.º, alíneas b), c) e i), como aquele do Decreto-Lei n.º 15/93, e após julgamento, foi absolvido desses crimes e condenado por um crime de tráfico, p. p. pelo artigo 21.º, na pena de 7 anos de prisão. O condenado recorreu, pretendendo o enquadramento no artigo 25.º do mesmo Decreto-Lei. Considera o acórdão que o entendimento do colectivo não vincula o STJ que, sem prejuízo da proibição da reformatio in pejus tem, como tribunal de revista que é, plena liberdade de julgar de direito, ou seja, in casu, de qualificar juridicamente os factos, mesmo divergindo da qualificação operada no tribunal a quo, no caso o de 1.ª instância, e que tal qualificação não venha directamente posta em causa. E, até, sem necessidade de observância de quaisquer formalidades adicionais, se se tratar, a final, de repor uma qualificação já objecto do direito de contraditório do recorrente, por ter sido a perfilhada no despacho de pronúncia”. E acrescenta: “Sendo a determinação da concreta medida da pena decorrência jurídica da qualificação dos factos, não faria qualquer sentido, e seria, mesmo, absurdo, que tal (des)qualificação (inatacada pelo recorrente) levada a cabo pelo tribunal recorrido manietasse o tribunal de revista naquilo que é a sua natural área de actuação: dizer o direito em última instância”. Defendendo o tráfico agravado pelas alíneas c) e d) do artigo 24.º, assim divergindo da qualificação levada a cabo no tribunal recorrido, e confrontando-se com a impossibilidade de modificação da pena imposta por força da proibição da reformatio in pejus, num quadro em que caberia uma pena de prisão entre os 8 e os 12 anos, confirma nesse ponto a decisão recorrida; de 13 de Dezembro de 2001, processo n.º 3745/01-5.ª; de 17 de Janeiro de 2002, processo n.º 3132/01-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 183 – “Ainda que o recorrente não ponha em causa a incriminação definida – circunscrevendo - se o recurso à questão da medida da pena – não pode nem deve o STJ dispensar-se de reexaminar a correcção da incriminação efectuada. Sendo o STJ um tribunal de revista, só conhece de direito e estando em causa medida da pena irá sindicar a aplicação da lei punitiva curando saber da sua legalidade. Mas para poder exercer esse controlo necessário se torna saber se a lei aplicada ou cuja aplicação é solicitada é a que cabe ao caso. O mesmo é dizer que só pode apreciar da subsunção dos factos ao direito se a norma em causa for a aplicável. Se chegar à conclusão que não é a norma aplicável não pode ficcionar a sua aplicabilidade para apreciar a aplicação que teve em concreto lugar”; de 20 de Março de 2003, processo n.º 504/03-5.ª; de 2 de Outubro de 2003, processo n.º 2606/03-5.ª, in CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 194, no caso requalificando um crime continuado de coacção sexual agravado e um crime continuado de violação agravado, num único crime de trato sucessivo de violação agravada; de 5 de Fevereiro de 2004, processo n.º 151/04 - 5.ª, CJSTJ 2004, tomo 1, 195 - altera a qualificação de dano com violência do artigo 214.º, como entendeu o acórdão recorrido, para o crime de dano simples, p. p. pelo art. 212.º do CP, justificando: “embora o recorrente não tenha levado esta questão às conclusões da sua motivação, o certo é que o Supremo Tribunal, como órgão judicial que é, é soberano na aplicação da lei, não estando subordinado à perspectiva jurídica dos diversos sujeitos processuais, seguindo nesse caminho pelo seu próprio pé. Isto não significa que o tribunal de recurso queira, possa ou deva, por seu alvedrio, alterar o objecto do recurso traçado pelo recorrente. Apenas, que o caminho para se enfrentar a discussão proposta por ele, não é necessariamente o decorrente da sua perspectiva jurídica do caso”; de 12 de Maio de 2004, processo n.º 4220/03-3.ª; de 4 de Dezembro de 2004, processo n.º 3293/03-5.ª; de 17 de Novembro de 2005, processo n.º 2527/05-5.ª, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 212 - Indagando da correcção da qualificação como tráfico de estupefacientes agravado pelas alíneas c) e j) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, confirmando e mantendo a primeira (integração de ou pertença a um “bando”) e afastando a segunda (obtenção de avultada compensação remuneratória), justificando a “intromissão” nestes termos: «Embora os recorrentes não tenham colocado a questão da qualificação jurídica dos factos, este Supremo Tribunal de Justiça tem sempre o dever de a reavaliar, não só porque faz parte das suas atribuições zelar por uma melhor aplicação do direito, mas porque de uma eventual alteração pode resultar uma diminuição da medida concreta da pena»; de 7 de Dezembro de 2005, processo n.º 2894/05-5.ª, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 233 – “O recurso para o STJ é um recurso de revista que visa o reexame da matéria de direito. Ao proceder a esse reexame, não está o STJ impedido de alterar a qualificação jurídico-penal dos factos, embora esteja limitado pelo princípio da reformatio in pejus”; de 12 de Julho de 2006, processo n.º 1709/06-3.ª, in CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 239, onde se pode ler “Assiste a este STJ enquanto tribunal de revista (art. 434.º, do CPP) o poder - dever de reexaminar, sem reservas, ressalvada a proibição da reformatio in pejus, o direito aplicado, melhorando a decisão, se se colocar, oficiosamente, e esse é o caso, a questão de saber se a conduta do agente configura uma unidade ou pluralidade de infracções, ajustada, como se mostra, à imagem global do facto a qualificação criminosa adoptada, respeitando ao tipo legal de tráfico de menor gravidade”; de 24 de Janeiro de 2007, processo n.º 3647/06-3.ª; de 15 de Fevereiro de 2007, processo n.º 15/07-5.ª, onde se pode ler: “Constitui, pois, núcleo essencial da função de julgar, o enquadramento jurídico dos factos apurados, a determinação do direito, pelo que não está limitada por errado enquadramento que haja sido feito pelos interessados ou pelas partes”; de 23 de Janeiro de 2008, processo n.º 4560/07-3.ª; de 2 de Abril de 2008, processo n.º 4197/07-3.ª - caso de tráfico de estupefacientes considerado abrangido em conduta já apreciada em anterior julgamento, com verificação de caso julgado; de 12 de Junho de 2008, processo n.º 4375/07-3.ª – convolação do crime de incêndio previsto no n.º 1 para o previsto no n.º 2 do artigo 272.º do Código Penal; de 12 de Junho de 2008, processo n.º 1228/08-5.ª; de 22 de Outubro de 2008, processo n.º 215/08-3.ª – por estar em causa o afastamento de moldura penal abstracta mais gravosa, conheceu-se oficiosamente da (in)verificação da circunstância modificativa da reincidência; de 21 de Janeiro de 2009, processo n.º 4029/08-3ª; de 5 de Fevereiro de 2009, processo n.º 2381/08-5.ª – O STJ, como tribunal de revista, pode alterar a qualificação dos factos feita pelas instâncias, mesmo que a questão da qualificação não constitua fundamento do recurso; de 11 de Fevereiro de 2009, processo n.º 4132/08-3.ª – sendo a qualificação dos factos incontestavelmente matéria de direito, essa matéria é sempre susceptível de apreciação por este STJ, oficiosamente; de 27 de Maio de 2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 24 de Fevereiro de 2010, processo n.º 59/06.7GAPFR.P1.S1-3.ª, em caso de tráfico de estupefacientes, referindo-se que sempre seria possível conhecer oficiosamente da alteração de qualificação jurídica, estando em causa matéria de direito, a permitir pronúncia desde logo pelas implicações que pode ter na medida da pena; de 27 de Maio de 2010, processo n.º 18/07.2GAAMT.P1.S1-3.ª, requalificando em caso de tráfico de estupefacientes, o crime de associação criminosa para a qualificativa integração em bando, fazendo uso do mecanismo do artigo 424.º, n.º 3, do CPP; de 13 de Julho de 2011, processo n.º 451/05.4JABRG.G1.S1-3.ª, em que se alterou a qualificação feita na Relação de um único crime de trato sucessivo de abuso sexual de criança por sete crimes de abuso sexual de criança, qualificação da primeira instância; de 31 de Janeiro de 2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª, em que estava em discussão a qualificação como crime único de roubo, como defendera a primeira instância, tendo sido afastada esta figura, bem como a de crime continuado, afirmando-se a verificação de dois crimes de roubo em concurso real; de 15 de Fevereiro de 2012, processo n.º 468/08.7GCAVR.C1.S1-5.ª, onde se afirma: “Não há obstáculo a que o STJ altere oficiosamente a qualificação jurídica dos factos, sem prejuízo do disposto no art. 409.º, n.º 1, do CPP – proibição de reformatio in pejus – nos termos do n.º 3 do art. 424.º do CPP, accionando-se a notificação prevista nesta norma quando as garantias de defesa do arguido o exijam”. de 26 de Abril de 2012, processo n.º 293/10.5JALRA.C1.S1-5.ª, onde se lê: “Na esteira do que o TC decidira no Ac. N.º 445/97, o legislador consagrou na norma do n.º 3 do artigo 358.º do CPP, introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25-08, a admissibilidade da livre qualificação jurídica dos factos pelo tribunal de julgamento, desde que seja feita prévia comunicação ao arguido dessa alteração e lhe seja concedido o prazo estritamente necessário para preparação da defesa”. de 24 de Maio de 2012, processo n.º 281/09.4JAAVR.C1.S1-5.ª, versando o artigo 358.º do CPP. de 31 de Maio de 2012, processo n.º 1031/10.8GAFAF.G1.S1-5.ª, CJSTJ 2012, tomo 2, pág. 197 – O STJ, como tribunal de revista, pode corrigir a qualificação dos factos feita pelas instâncias, mesmo que a questão da qualificação não constitua fundamento do recurso (no caso integra a situação na alínea h), quando a 1.ª instância referira o artigo 132.º, n.º 2, mas sem menção de alínea, e afastando a qualificação como homicídio atípico). de 24 de Outubro de 2012, processo n.º 2965/06.0TBLLE.E1.S1-3.ª (discutida a existência do crime de roubo previsto no artigo 210.º, n.º 3, ou a existência de um crime de roubo, p. p. pelo artigo 210.º, n.º 2, em concurso com um crime de homicídio qualificado, p. p. pelo artigo 132.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal). Abordando o tema, podem ver-se ainda os acórdãos de 17 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 237/11.7JASTB.S1-3.ª Secção; de 12-12-2013, processo n.º 1721/09.8JAPRT.P1.S2-5.ª (não carece de ser previamente comunicada aos arguidos a alteração da qualificação jurídica que seja decorrente dos recursos por eles interpostos); de 6 de Fevereiro de 2014, processo n.º 411/12.9JAFUN.L1.S1-3.ª; de 13 de Fevereiro de 2014, processo n.º 160/13.0TCLSB.L1.S1-5.ª; de 6 de Março de 2014, processo n.º 766/12.5GAMTA.L1.S1-5.ª e de 11 de Junho de 2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1-3.ª, este abordando caso de branqueamento de capitais. Concluindo: o juiz, em matéria criminal, como na matéria cível, é livre no plano da qualificação jurídica, desde que observados os impedimentos decorrentes da proibição da reformatio in pejus.
No caso concreto, como já se referiu, a alteração da qualificação jurídica não é versada na motivação, nada se dizendo a propósito, apenas se repetindo nas conclusões 1.ª e 2.ª o que constava das conclusões 9.ª e 10.ª do primeiro recurso. Aliás, no primeiro recurso o recorrente apenas visava o afastamento da premeditação, defendendo alteração de matéria de facto, não devendo ser dados como provados os pontos n.º 10 a 16, 20, 21 e 39 a 46 da matéria de facto dada por provada no que concerne à premeditação e à intenção de matar. Atenta a matéria de facto definitivamente assente, sem que haja que convocar o princípio in dubio pro reo, nada há a alterar, sendo de manter a qualificação dos homicídios nos termos fixados nas instâncias. Impor-se-á in casu adiantar algo sobre a matéria, pois que o Colectivo de Sintra praticamente prescindiu de efectuar qualquer trabalho subsuntivo. Na verdade, como facilmente se retira da leitura do texto de fls. 1215 a 1218, o acórdão analisa as circunstâncias qualificadoras, mas não explica a razão porque é cada uma integrada no caso concreto, isto é, jamais desce ao concreto. E num registo que nos conduz a trecho não revisto, afirma, a fls. 1218: “No caso concreto, os factos provados acima descritos integram, à partida, os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime de homicídio simples acabado de enunciar, na forma tentada, uma vez que se provou que o arguido provocou intencionalmente um incêndio no interior da cabine do elevador para desse modo matar as vítimas DD, EE e GG que seguiam no respectivo interior”. Como óbvio é, a primeira parte deve-se a manifesta falta de revisão do texto, que não era suposto acontecer. De seguida, ainda a fls. 1218, limita-se a afirmar, sem nada justificar: “No caso concreto, ficaram provadas e preenchidas todas as circunstâncias de facto qualificadoras do homicídio imputadas na acusação pública”. Por seu turno, a este nível, o acórdão recorrido apenas concretiza referência ao motivo fútil e frieza de ânimo, como se colhe de fls. 1374 e 1375.
Como é consabido, as circunstâncias contempladas no n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal não são taxativas nem implicam só por si a qualificação do crime; tais circunstâncias não são elementos do tipo e antes elementos da culpa, não sendo o seu funcionamento automático. Como referia o acórdão de 13-03-1997, processo n.º 1138/96-3.ª, SASTJ n.º 9, pág. 74, a enumeração das circunstâncias com “qualidade” para revelarem especial censurabilidade ou perversidade é exemplificativa e não taxativa. Por si mesmo não determinam a qualificação do crime, uma vez que elas afirmam-se de modo vivencial e essencial como elementos da culpa e não do tipo. Para Margarida Silva Pereira, Direito Penal II - Os Homicídios, AAFDL, 2008, págs. 40 e 41, “quem preenche uma das alíneas do art. 132º não «entra» automaticamente no âmbito da norma”, só entrando quando, sujeito ao «crivo normativo» do nº 1, se ajuíze que “há mesmo uma culpa especial”.
Vejamos se são de dar por preenchidas as circunstâncias previstas nas alíneas d), e), h), i) e j) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal.
Crueldade
É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a circunstância de o agente: d) Empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima.
Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Coimbra Editora, 1999, tomo I, pág. 31, comentando este exemplo-padrão, então previsto na alínea c), refere estarem aqui em consideração aquelas situações em que o agente se serve de uma forma de actuação causadora da morte em que o sofrimento físico ou psíquico infligido, pelo acto de matar ou pelos actos que o antecedem, ultrapasse sensivelmente, pela sua intensidade ou duração, a medida necessária para causar a morte; com a precisão, em todo o caso, de que o acto de crueldade tem de ter lugar para aumentar o sofrimento da vítima: relação meio/fim. Para Heleno Fragoso, Lições de Direito Penal, Parte Especial, 11.º, pág. 42 “Tortura é o meio cruel por excelência revelando culpabilidade extrema”, consistindo na inflição de suplícios ou tormentos que obrigam a vítima a sofrer antes da morte. Fernando Silva, Direito Penal Especial, Crimes Contra as Pessoas, Quid Juris, 2.ª edição, 2008, sobre esta qualificativa, a págs. 73, afirma: “Aqui está em causa o modo de actuação do agente. A forma como ele comete o crime manifesta um acentuado desrespeito pela vítima, ao mesmo tempo que revela uma personalidade profundamente maquiavélica. Consubstancia-se em actos que envolvem alguma violência, ou mesmo brutalidade, sendo fruto de actos por natureza mais graves. A crueldade é, nesta circunstância, a principal causa do juízo de censura maior. Podem considerar-se meios cruéis: o afogamento, os choques eléctricos, a morte provocada lentamente, o queimar a vítima com fogo ou com ácidos. No fundo, formas em que se sujeita a vítima a um sofrimento físico ou psíquico excessivo. No seu comportamento o agente acaba por demonstrar desumanidade, mostrando-se alheio ao sofrimento que inflige na vítima, e, mais grave, sendo mesmo determinado a matar através destes processos. O agente actua de modo mais desvalioso quando programa matar a vítima através deste processo. A conduta manifesta-se especialmente desviante em relação aos padrões normais, havendo um desrespeito maior pela vítima quando a morte é produzida de forma a fazê-la sofrer de modo particular”. Para Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 2010, pág. 401, o emprego de tortura ou crueldade consiste na utilização de meios de provocação de dor para além da necessária para causar a morte. A tortura está descrita no artigo 243.º, n.º 3, podendo, portanto, incluir o tratamento degradante e desumano. Como se extrai do acórdão deste Supremo de 30 de Outubro de 2003, proferido no processo n.º 3252/03-5.ª, in SASTJ, n.º 74, pág. 198 e CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208, em caso de homicídio agravado atípico “Tortura ou acto de crueldade é todo o meio que produz padecimento físico inútil ou mais grave do que o necessário e suficiente para consumação do homicídio. É o meio bárbaro, martirizante, denotando da parte do agente, a ausência de elementar sentimento de piedade”. Maria Margarida Silva Pereira, Direito Penal II, Os Homicídios, AAFDL, 2008, refere a págs. 93 que “a crueldade não integra o tipo de ilícito de modo a poder ser autonomamente valorada; o homicídio cruel só releva como tal se for especialmente culposo, e por isso teremos de haver-nos com ela na aferição da especial censurabilidade ou perversidade do agente”. No caso em apreciação, ressalta evidente o preenchimento da qualificativa, pois que queimando vivas as três vítimas em espaço exíguo, sem qualquer possibilidade de fuga, num cenário dantesco de fogo e horror, até à completa carbonização, o recorrente fez aumentar de forma absolutamente desmesurada o sofrimento da cunhada, da sobrinha e do segurança que as acompanhava.
Motivo fútil
Este exemplo padrão está previsto na alínea e) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, que diz: «e) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil. Figueiredo Dias, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, § 13, págs. 32/33, começa por considerar que o exemplo-padrão em causa é estruturado com apelo a elementos estritamente subjectivos, relacionados com a especial motivação do agente (assim correctamente entendido pela jurisprudência dominante, de que cita como exemplo o acórdão do STJ de 23-07-86, BMJ 359º 395), afirmando depois: «Ser determinado a matar (…) por “qualquer motivo torpe ou fútil” significa que o motivo da actuação, avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito (equívoca a repetida afirmação da nossa jurisprudência de que motivo fútil “é o que não é ou nem sequer chega a ser motivo”: cf. Por outros o Ac. do STJ de 6-6-90, BMJ 398.º 269), de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana». Tem sido entendido que motivo torpe ou fútil é aquele que não chega a ser motivo ou que não tem qualquer relevância, que não pode razoavelmente explicar e, muito menos, justificar a conduta do agente – acórdão de 24-11-1998, BMJ n.º 481, pág. 149, ensinando este acórdão que é no subjectivismo do agente que terá de ser encontrada a natureza da motivação do crime para efeitos de apreciação da futilidade do motivo (seguido de perto no acórdão de 03-10-2002, processo n.º 2709/02-5.ª). O acórdão de 16-02-2005, processo n.º 3131/04-3.ª, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 196, (seguido de perto pelo acórdão de 13-03-2008, processo n.º 2589/07-5.ª) depois de afirmar que o “motivo fútil” em Bettiol encontra explicação sempre que se perfile uma desproporção manifesta entre a gravidade do facto e o motivo que impeliu à acção, refere que o STJ tem vindo a fixar jurisprudência no sentido de que para que se preencha a circunstância qualificativa é necessário que se verifique uma desproporção manifesta entre a gravidade do facto e o motivo que impeliu à acção, acrescida ainda da mais alta insensibilidade moral, manifestada na brutal malvadez do agente, traduzida em motivos subjectivos ou em antecedentes psicológicos que, pela sua insignificância ou frivolidade, sejam desproporcionadas com a acção, citando acórdãos de 31-10-1995, processo n.º 48311, de 12-06-96, de 11-12-97, BMJ n.º 472, 163, de 24-11-98, BMJ n.º481,144 e de 7-12-99, BMJ n.º 492, 175. Para o acórdão de 15-12-2005, processo n.º 2978/05-5.ª, citando vários acórdãos e doutrina e seguido de perto pelo acórdão de 17-01-2007, processo n.º 3845/06-3.ª e de 05-12-2007, processo n.º 3879/07-3.ª, “motivo fútil é o motivo de importância nenhuma, o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida, o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime de que se trate, o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e o que impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática”. Diz ainda: “O vector fulcral que identifica o motivo fútil não é pois tanto o que passe por dizer-se que, sendo ele de tão pouco ou imperceptível relevo, quase que pode nem chegar a ser motivo, mas sim, aquele que realce a inadequação e faça avultar a desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que ela se objectivou: no fundo, em essência, o que prefigure a especial censurabilidade que decorre da futilidade, sendo que esta pressupõe um motivo por ela rotulável e que dela e por ela se envolva (Ac. do STJ de 4/10/2001, proc. n.º 1675/01-5.ª)” – cfr. os acórdãos de 27-05-2010, processo n.º 58/08.4JAGDR.C1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 2, pág. 206 e de 27-06-2012, processo n.º 127/10.0JABRG.G2.S1, ambos da 3.ª Secção e do mesmo relator e de 18-01-2012, processo n.º 306/10.0JAPRT.P1.S1-3.ª, CJSTJ 2012, tomo 1, pág. 202. Sobre esta qualificativa referiu o acórdão recorrido, a fls. 1374: “Por “qualquer motivo torpe ou fútil” significa que o motivo de actuação, avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerada pesadamente repugnante, baixo ou gratuito, de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana. Todo o homicídio tem na sua actuação uma carga de desvalor que nos leva a interrogarmo-nos sobre se não será todo ele qualificado logo que é homicídio. Mas, na verdade o qualificado exige não só a vontade de tirar a vida a outrem mas um motivo que, por não ser justificável aos olhos de uma cultura, por ter em si uma carga de egoísmo elevado e inexplicavelmente perverso se diz fútil. Existe na actuação do agente, ainda que a sua vitima tenha tido comportamentos censuráveis e que levaram ao cometimento dos factos uma desproporção manifesta entre a gravidade do facto e a intensidade da actuação do agente. Desenha-se como que uma insensibilidade moral materializada num egoísmo incontrolável que é reflectido na conduta daquele que pratica o acto ilícito sem justificação possível, sem ser possível ao entendimento humano abarcar tanta perversidade e energia criminosa”. No caso presente, o arguido para além da brutalidade chocante com que actuou e de forma tão desproporcionada com o motivo que lhe deu causa (desentendimentos entre o arguido e as vítimas suas familiares), revelou um total desprezo pela vida humana, tornando-se merecedor de um especial juízo de censura, quer pelo enorme desvalor do facto, traduzido na forma da sua realização, quer pelo especial desvalor da sua conduta, a revelar uma personalidade desviada de valores comunitários tão fundamentais como o da vida humana.
Utilização de meio particularmente perigoso
Vejamos da integração do exemplo padrão previsto na alínea h) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, que estabelece: «h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum». No caso concretamente estará em causa a “utilização de meio particularmente perigoso”. Percorrida a matéria de facto este exemplo-padrão só pode ser integrado pelo uso do etanol, pois que “meio” abrange instrumento, método, processo, no caso sendo escolhida substância altamente inflamável. Como diz Figueiredo Dias, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, § 24, pág. 37, “Utilizar meio particularmente perigoso é (…) servir-se para matar de um instrumento, de um método ou de um processo que dificultem significativamente a defesa da vítima e que (não se traduzindo na prática de crime comum) criem ou sejam susceptíveis de criar perigo de lesão de outros bens jurídicos importantes”. Expende ainda o Autor dever ponderar-se que “a generalidade dos meios usados para matar são perigosos e mesmo muito perigosos. Exigindo a lei que eles sejam particularmente perigosos, há que concluir duas coisas: ser desde logo necessário que o meio revele uma perigosidade muito superior à normal nos meios usados para matar (não cabem seguramente no exemplo-padrão e na sua estrutura valorativa revólveres, pistolas, facas ou vulgares instrumentos contundentes); em segundo lugar, ser indispensável determinar, com particular exigência e severidade, se da natureza do meio utilizado – e não de quaisquer outras circunstâncias acompanhantes – resulta já uma especial censurabilidade ou perversidade do agente. Sob pena, de outra forma – aqui, sim! –, de se poder subverter o inteiro método de qualificação legal e de se incorrer no erro político-criminal grosseiro de arvorar o homicídio qualificado em forma-regra do homicídio doloso”. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 13.ª edição, 1999, a págs. 454, na mesma linha opina: “A utilização de meio particularmente perigoso significa que o meio utilizado deve exceder a perigosidade dos meios que normalmente são utilizados no cometimento do crime de homicídio; de outro modo, o homicídio qualificado transformar-se-ia no homicídio - regra. Não cabem aqui armas vulgares, paus, pedras, facas, etc., mas já cabe, v. g., a gasolina incendiada”. Augusto Silva Dias, Crimes contra a vida e a integridade física, 2.ª edição, AAFDL, 2007, pág. 36, diz: “Por meio particularmente perigoso deve entender-se aquele meio que, não estando tipificado no artº 272º e ss. ou em legislação avulsa como meio de perigo comum, todavia, pela forma como é usado, não só diminui as possibilidades de defesa da vítima, como ainda ameaça bens jurídicos pessoais de um conjunto indeterminado de pessoas. É o caso, por exemplo, da utilização de um automóvel a alta velocidade numa rua da cidade para provocar a morte a uma pessoa por atropelamento”. Fernando Silva, Direito Penal Especial, Crimes Contra as Pessoas, Quid Juris, 2.ª edição, 2008, a propósito desta situação expende a págs. 78: «A perigosidade do meio concretiza-se não apenas pelo meio em si, mas também pela forma como ele é empregue. Por vezes verifica-se a tendência para considerar que meio perigoso é aquele que se manifesta apto para produzir a morte, correndo-se o risco de considerar todos. Recorrendo ao exemplo das armas de fogo, é inegável a perigosidade que apresentam, e a possibilidade forte do seu emprego conduzir à morte, mas não se pode aceitar que este motivo seja suficiente para a considerar um meio particularmente perigoso e revelador de maior grau de censurabilidade. Faz sentido pensar em meios que apresentam uma perigosidade para além do comum comprometendo, não apenas a vida daquele que se pretende atingir, como a de outros bens quer daquela pessoa quer de outras. Um exemplo que encaixa perfeitamente neste padrão é o de um atentado à bomba, em que se armadilha a viatura de uma pessoa, para que esta, ao ligar a ignição do carro, provoque uma explosão. Neste caso, a forma de execução do facto apresenta uma perigosidade para além do normal, justificando uma maior censura ao agente. Deve atender-se aos meios empregados, bem como à forma como os mesmos são utilizados». Na jurisprudência, podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 03-10-2002, processo n.º 2709/02-5.ª; o já citado acórdão de 30-10-2003, processo n.º 3252/03-5.ª, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208 (facas de cozinha – armas proibidas? crime de perigo comum?); de 15-12-2005, processo n.º 2978/05-5.ª; de 13-03-2008, processo n.º 2589/07-5.ª, onde se afirma que esta circunstância qualifica o crime de homicídio quando e apenas quando o meio usado tenha uma gravidade acentuada em relação ao comum dos meios usados para matar. De contrário, o crime seria quase sempre qualificado por esta circunstância. Citando o Comentário Conimbricense e Maia Gonçalves, afasta a caracterização de arma caçadeira (de um só cano, calibre 36 (12 mm), com o comprimento de 1,125 metros, carregada com um cartucho com chumbos) como meio particularmente perigoso, por não fugir ao normal dos meios procurados para causar a morte de uma pessoa; a forma da utilização da arma - a uma distância inferior a 3 m, apontada em direcção à cabeça do assistente, que fora surpreendido e não dispunha de qualquer hipótese de defesa - é uma circunstância que não pertence à natureza da arma, assim não a tornando particularmente perigosa; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07-3.ª; de 04-12-2008, processo n.º 2507/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 30-10-2011, processo n.º 238/10.2JACBR.S1-3.ª; de 07-12-2011, processo n.º 830/09.8PBCTB.C1.S1-5.ª, CJSTJ 2011, tomo 3, pág. 227 (insusceptível de integrar o exemplo-padrão o uso de uma faca da marca Boker Jim Wagner com lâmina de 9,5cm de comprimento, tipo de faca pesquisado pelo arguido na internet); de 23-02-2012, processo n.º 123/11.0JAAVR.S1-5.ª (uso de machada, afecta ao trabalho agrícola). Como se refere neste último, o exemplo-padrão consistente na utilização de meio particularmente perigoso implica o uso de um instrumento que, pelas suas características, traduz um perigo acentuado, qualitativamente superior ao perigo inerente a qualquer meio usado para causar a morte de outrem, sendo considerado como tal, pela jurisprudência, aquele meio que acarreta dificuldades acrescidas para a defesa da vítima e que, além disso, constitui perigo para outros bens jurídicos pessoais (citando aqui os acórdãos de 02-03-2006, processo n.º 472/06-5.ª e de 5-09-2007, processo n.º 2430/07-3.ª) e que reverteu em caso de homicídio simples, não se levando em conta a agravação específica do artigo 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23-02. No acórdão de 17-04-2013, proferido no processo n.º 237/11.7JASTB.L1.S1-3.ª, é afastada da integração neste exemplo-padrão a utilização pelo arguido da técnica de luta conhecida como “chave mata leão”. Ora, no caso presente, o arguido utilizou cerca de 3 litros de etanol, substância altamente inflamável, lançando para o interior do elevador uma das embalagens de plástico abertas que continham álcool, chegando fogo, provocando ignição imediata, após o que fechou a porta do elevador tendo deixado a segunda embalagem aberta no patamar do cubículo a verter álcool, fechando a porta daquele e impregnando com álcool e ateando fogo a um trapo, conforme narrado nos pontos 20 e 21. Conclui-se que no caso presente o uso pelo recorrente de cerca de três litros de etanol em espaço circunscrito, exíguo e mesmo fechado, como era o elevador, representa utilização de meio especialmente perigoso, para se poder concluir por uma censurabilidade especialmente relevante em termos de tipicidade dos crimes em causa.
Passando ao exemplo-padrão previsto na alínea i) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal
Utilização de meio insidioso
Na versão originária do Código Penal, de 1982, o exemplo-padrão em causa estava previsto na alínea f) do n.º 2 do artigo 132.º nestes termos: “Utilizar veneno, qualquer outro meio insidioso ou quando o meio empregado se traduzir na prática de um crime de perigo comum”. Com a alteração de 1995 manteve-se a previsão na alínea f), mas com nova redacção: f) “Utilizar veneno, qualquer outro meio insidioso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum”. Com a alteração introduzida pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, passou para a alínea h), com o texto que ainda hoje se mantém: “Utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso”. Com a revisão operada pela Lei n.º 59/2007, de 04-09, entrada em vigor em 15-09-2007, por força da introdução da inovação da alínea b), passou a ocupar o lugar seguinte, e assim a actual alínea i) comporta a previsão constante da anterior alínea h).
Sabido que o exemplo ora em causa é circunstância atinente à forma como o agente executa o facto, vejamos se no cometimento dos três crimes de homicídio será de ter-se, de per si, ou atendendo às concretas circunstâncias do caso, como utilizado um “meio insidioso”.
Como se colhe dos acórdãos de 15-05-2002, processo n.º 1214/02-3.ª e de 11-07-2007, processo n.º 1583/07-3.ª, a noção de meio insidioso, embora tenha recebido contributos úteis da doutrina e jurisprudência, não é unívoca, girando sempre à volta de uma ideia que envolve elementos materiais e circunstanciais, estes ligados a uma certa imprevisibilidade da acção. Por outras palavras, como referimos no acórdão de 30-11-2011, processo n.º 238/10.2JACBR.S1, poderá dizer-se que a subsunção não pode ficar-se por uma interpretação que se quede pela consideração apenas do meio utilizado, da forma como é executado o facto, atendendo à natureza do instrumento, mas antes tendo em consideração uma visão mais abrangente, completa, em que entra a imagem global do facto, o que é dizer no caso, apreciar os factos na sua globalidade, analisar a conduta no seu conjunto, avaliar a atitude do agente, o que será avaliado em função das específicas nuances do evento e do pleno das circunstâncias enformadoras do concreto sucesso submetido a juízo. Há que avaliar a conduta global do recorrente com vista a perscrutar uma especial censurabilidade da sua culpa, que o faça distinguir dos casos vulgares - acórdãos de 03-04-1991, CJ1991, tomo 2, pág. 15 e BMJ n.º 406, pág. 314; de 18-10-1991, processo n.º 42116, BMJ n.º 410, pág. 367. Como se extrai do acórdão de 27-09-2000, processo n.º 280/00-3.ª, in CJSTJ 2000, tomo 3, pág. 179, e BMJ n.º 499, pág. 122 «Para a verificação de especial censurabilidade da culpa do agente na prática do crime de homicídio voluntário, é necessário avaliar a sua conduta global». Como se pode ler nos acórdãos de 15-10-2003, processo n.º 2024/03, SASTJ, n.º 74, pág. 126; de 28-09-2005, processo n.º 2537/05, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173 e de 21-01-2009, processo n.º 4030/09, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, “A decisão sobre a integração do crime de homicídio qualificado exige que se proceda à definição da imagem global do facto, de modo a logo aí detectar a particular forma de culpa que justifica a qualificação do homicídio, sem esquecer, na dimensão da integração diferencial, a circunstância de que o tipo geral de homicídio constitui já, por si mesmo, um crime de acentuada gravidade que protege o bem vida como valor essencial inerente à pessoa humana. A qualificação do homicídio releva essencialmente do especial juízo de censura que deve ser feito ao agente, sendo as cláusulas-padrão modos ou meios, exemplificativos, de avaliar e surpreender o especial juízo de censura, que, todavia, se não esgota nem se confunde com estas cláusulas (cfr.v. Acórdão deste Supremo, de 30/Out/03,cit).”. Segundo o acórdão de 16-02-2005, processo n.º 3131/04-3.ª, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 196, para detecção de qualquer dos efeitos-padrão enumerados no n.º 2 do artigo 132.º usa-se o método que atende ao princípio da ponderação global do facto e do autor. Por seu turno, o acórdão do STJ de 15-05-2008, processo n.º 3979/07- 5.ª Secção, refere a “imagem global do facto agravada”, podendo resultar da frieza de ânimo posta na actuação. Figueiredo Dias, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 26, refere: «…a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: a “especial censurabilidade ou perversidade” do agente referida no n.º 1; verificação indiciada por circunstâncias ou elementos uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados no n.º 2». Adianta que a verificação desses elementos, por um lado, não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; por outro lado, a sua não verificação não impede que se verifiquem outros elementos substancialmente análogos (não deve recear-se o uso da palavra “análogos”!) aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador. E finaliza: “Deste modo devendo afirmar-se que o tipo de culpa supõe a realização dos elementos constitutivos do tipo orientador - o Leitbildtatbestand (…) – que resulta de uma imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa tido em conta no art. 132º- 2”. Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Almedina, 1990, pág. 63, refere “Dominantemente entende-se que só se pode decidir que a morte foi causada em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente através de uma ponderação global das circunstâncias externas e internas presentes no facto concreto”, reportando ainda a necessidade da apreciação global das circunstâncias relativas ao facto e ao autor presentes no caso concreto, a págs. 56, 105 e 106. Como refere Augusto Silva Dias, Crimes contra a vida e a integridade física, 2.ª edição, AAFDL, 2007, págs. 24 e 29, o indício de presença de um caso de especial censurabilidade ou perversidade dado pela verificação de um exemplo padrão tem de ser confirmado através de uma ponderação global das circunstâncias do facto e da atitude do agente nelas expressa, uma ponderação final da atitude do agente.
Na análise a efectuar há que ter presente, por um lado, a “natureza do meio/instrumento /arma, que é utilizado”, e por outro, averiguar as “circunstâncias acompanhantes”, isto é, o real, o naturalístico modo de execução do facto, e o conjunto concreto de circunstâncias em que aquela concreta arma/meio/instrumento de agressão, no caso de bens eminentemente pessoais, foi utilizada: a distância a que o agressor se encontrava da vítima (a curta distância, com disparo à queima roupa, ou não), a situação em que esta se encontrava (prevenida ou desprevenida, desprotegida, descuidada, indefesa, com possibilidade de resistência ao agressor ou não), a zona do corpo atingida, o momento e o local escolhido para a agressão, com actuação em espaço fechado, ou aberto, com ou sem espera, com ou sem emboscada, com ou sem estratagema, com ou sem traição, com ou sem perfídia, disfarce, surpresa, dissimulação, engano, abuso de confiança, ou distracção da vítima, ou não, de forma subreptícia, ou não, de forma imprevista ou não, com ataque súbito, inesperado, sorrateiro, ou não, com ou sem possibilidade de a vítima oferecer resistência, enfim, todo o conjunto de factores envolventes e circunstâncias acompanhantes/determinantes do evento letal, ou quase letal, no traço de um desenho panorâmico, de uma imagem multifacetada, de supervisão, de síntese, a final, de um retrato vivencial, de uma fotografia, guardadora de eventos ocorridos, condensada, definida, a juzante, com todos os contornos e pormenores, independentemente dos retoques, e que mais do que a natureza da arma ou instrumento utilizado, indiciam o meio utilizado naquele analisado concreto agir, como particularmente perigoso ou insidioso. Daí que, a análise da jurisprudência não se possa ficar apenas pelo que é dito a propósito da (ir)relevância configuradora do instrumento utilizado, de per si, desligado do contexto da, por vezes, complexa, acção em que determinado meio é empregado. Como resulta das Actas das Sessões Parte Especial, 21/26, no seio da Comissão Revisora do Código Penal, a propósito desta circunstância, então prevista na alínea e) do n.º 2 do artigo 138.º do Anteprojecto da Parte Especial, foi proposto pelo Dr. Fernando Lopes que deveriam aditar-se ao adjectivo “insidioso” os adjectivos “traiçoeiro” ou “desleal”, com o fundamento de que mereciam a mesma previsão. O Autor do Anteprojecto, Professor Eduardo Correia, em resposta, referiu que a proposta podia retirar elasticidade à estrutura da circunstância pelo que não era aconselhável, na sequência do que a Comissão se pronunciou contra tal proposta, tendo concluído que o sentido da expressão “meio insidioso” contém em si o sentido da expressão “meio insidioso traiçoeiro ou desleal”. Atendendo ao modo de execução do facto, rectius, quanto ao instrumento utilizado na agressão, a doutrina e a jurisprudência afastam, de forma uniforme, a qualificação de “meio particularmente perigoso”, circunstância integrante do exemplo padrão previsto na alínea h) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, quando está em causa o uso de armas de fogo ou outras. Já quanto à qualificação do instrumento utilizado como integrando a expressão de “meio insidioso”, há diferenças no enquadramento.
No sentido de que a arma ou outro instrumento utilizado na prática do crime não constitui só por si um meio insidioso, pronunciou-se este Supremo Tribunal por várias vezes. Como se refere no acórdão de 11-06-1987, processo n.º 39009, BMJ n.º 368, pág. 312, em caso em que a mulher mata marido batendo-lhe com um pé de cabra “Quando a lei (artigo 132.º, n.º 2, alínea f), do Código Penal) fala em «meio insidioso» não quer necessariamente abarcar os instrumentos usuais de agressão (o pau, o ferro, a faca, a pistola, etc.), ainda que manejados de surpresa, mas sim aludir tanto às hipóteses de utilização de meios ou expedientes com uma relevante carga de perfídia, como aos que são particularmente perigosos e que, não pondo em risco o agente, do mesmo passo tornam difícil ou impossíveis a defesa da vítima. A título exemplificativo e enquanto extravasam o que se prevê no âmbito dos crimes de perigo comum, estão previstos na referida alínea f) a utilização de certas armadilhas, as instalações eléctricas em casas de banho adrede preparadas para matar logo que se ligue o chuveiro, a introdução de ar ou de vírus mortais no sistema venoso sob o pretexto de se injectar um medicamento, a narcotização do paciente para depois o matar, o acto de conduzir enganosamente a futura vítima a local isolado para aí ser abatida, etc. Esses e outros “meios” similares não deixarão de ser insidiosos e susceptíveis de revelarem a especial censurabilidade do arguido ou a sua perversidade”. 11-12-1991, processo n.º 42286, BMJ n.º 412, pág. 183 – O meio insidioso previsto na al. f) do n.º 2 do art. 132.º do Código Penal, abrange a espera, a emboscada, o disfarce, a surpresa, a traição, a aleivosia, o excesso de poder, o abuso de confiança, ou qualquer fraude. O uso de uma navalha – instrumento traiçoeiro – no cometimento do crime de homicídio não implica necessariamente a qualificação de perversidade ou maior censurabilidade. 08-01-1992, processo n.º 42205, BMJ n.º 413, pág. 161 – Em caso de pacto de suicídio de dois jovens é afastada a qualificação de faca de cozinha (com 16 cm de lâmina e comprimento total de 28 cm) como meio insidioso. 04-02-1993, processo n.º 42873, CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 186 – Em caso de participação em rixa, em que o arguido foi condenado pelo crime de perigo comum do artigo 260.º do Código Penal, é afastada a qualificativa, sufragando-se a posição da decisão recorrida, quando afirma que no meio de uma refrega generalizada em que eram usados, de um lado e do outro, os mais diversos instrumentos de agressão (vassoura, um tubo de ferro, garrafas, um martelo de cozinha, grades vazias e mesmo uma pistola de pressão de ar), a navalha de ponta e mola utilizada pelo arguido era apenas mais um instrumento (porventura o mais perigoso) que, no circunstancialismo concreto de grande alvoroço e de perigo comum de cada grupo antagonista, não faz inculcar, só por si, a especial censurabilidade ou perversidade. 04-05-1994, processo n.º 45661, BMJ n.º 437, pág. 154 - A arma (no caso, uma pistola de calibre 7,65) não pode ser considerada meio insidioso, porque não tem as características de dissimulação na sua influência maléfica, no sentido de meio traiçoeiro e desleal em que a vítima nada desconfia e é apanhada desprevenida. 11-01-1995, processo n.º 46631, BMJ n.º 443, pág. 54 - No mesmo sentido, seguindo os acórdãos de 11 e 26 de Junho de 1987, in BMJ n.º 368, págs. 312 e 340. 17-05-1995, processo n.º 46965, CJSTJ 1995, tomo 2, pág. 201 – Caso em que é considerado verificado o meio insidioso, não pelo uso de navalha, que é considerado e punido como crime autónomo, mas pelo uso de meio traiçoeiro e pérfido, que ocorre quando se distrai a vítima apresentando-lhe um cenário que a esta inspire confiança, por forma a que neutralize as suas possibilidades de reagir àquilo que pretende fazer. 13-12-1995, processo n.º 48590, in BMJ n.º 452, pág. 248 e CJSTJ 1995, tomo 3, pág. 255 - Citando o referido acórdão de 11-06-1987, diz: “a pistola - semi-automática de calibre 7,65, “Browning” - de que o arguido se serviu é um tipo de arma usualmente empregada no cometimento de homicídios; por outras palavras, a sua vulgarizada utilização não revela, por si só, especial censurabilidade ou perversidade de quem usa esse género de armas para matar alguém”. 17-10-1996, processo n.º 634/96 – 3.ª - Uma pistola de 6,35 mm é um meio usualmente empregue no cometimento de homicídios e um instrumento usual de agressão, pelo que não constitui um meio insidioso para efeitos do artigo 132.º do CP, ainda que manejado de surpresa. 13-02-1997, processo n.º 986/96, SASTJ, n.º 8, pág. 92 – A expressão meio insidioso, embora tenha uma grande amplitude, não abarca necessariamente o homicídio com uma pistola (no caso de calibre 6,35 mm) ou outra arma. (Só merecem qualificar o meio como insidioso, os “instrumentos incomuns de agressão, como por exemplo faca de ponta e mola, gadanha, machado, etc. que praticamente não deixam margem de defesa para a vítima”). 10-12-1997, processo n.º 1207/97-3.ª, SASTJ, n.ºs 15 e 16, pág. 203 e BMJ n.º 472, pág. 142 - Uma navalha não constitui, em si mesma, meio insidioso de produzir a morte, e no caso concreto, não permitindo a forma como a mesma foi utilizada pelo arguido classificá-la como tal, deu-se por não configurada a agravante (citados aqui os acórdãos de 11-06-1987 e de 13-12-1995). 18-02-1998, processo n.º 1086/97-3.ª - Uma pistola de calibre 6,35 mm não constitui só por si, um meio insidioso. 21-01-1999, processo n.º 1099/98, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 198 – Em caso de tentativa de homicídio, com dolo necessário, de esposa, a viver separadamente, com pistola de calibre 6,35 mm, é seguido o acórdão de 18-02-1998, citado anteriormente. (Lê-se no acórdão: o uso da pistola referida, ainda que com elevada persistência e até com alguma inépcia… não constitui, só por i e em si mesmo, o uso de um meio insidioso). 29-09-1999, processo n.º 184/98-3.ª, SASTJ n.º 33, pág. 88 - Meio insidioso é aquele que torna especialmente difícil a defesa da vítima, por traiçoeiro, desleal, enganador, dissimulado, subreptício, em si mesmo ou na forma da sua concreta utilização. Um machado, composto de cabo de madeira, com 74 cm de comprimento, tendo a lâmina, de ferro, 10 cm de comprimento, não é em si mesmo um meio insidioso, no sentido de traiçoeiro ou desleal, sendo normalmente bem visível e de previsível efeito agressivo grave. (Caso de ofensa à integridade física, no âmbito de discussão entre dois irmãos, por causa de estremas de propriedades). 23-02-2000, processo n.º 1187/99-3.ª, SASTJ, Edição anual 2000, pág. 34 e BMJ n.º 494, pág. 123 - Em caso de uxoricídio, estando os cônjuges separados, considera-se que não utiliza um meio insidioso o arguido que, na sequência de um encontro dos dois, tira do bolso uma pistola de calibre 6,35 mm, por si usada frequentemente para defesa pessoal, já que era soldado da GNR, e dispara seis tiros seguidos, à distância de cerca de 1 m, sobre a mulher. Afastada a qualificativa com estas considerações: “Se é certo que o meio insidioso abrange não só os meios materiais perigosos, mas também um processo enganador, dissimulado, elegendo o agente as condições favoráveis para apanhar a vítima desprevenida, implícita está também no exemplo padrão em causa uma componente subjectiva ao nível da representação e da vontade por forma a que possa fundamentar uma atitude do agente susceptível de um juízo de maior censurabilidade, entenda-se ou não essa componente como integrando dolo em relação aos elementos do exemplo padrão”, concluindo que no caso essa componente subjectiva não existe nos factos provados. 01-03-2000, processo n.º 17/2000, SASTJ, Edição Anual 2000, pág. 43 - Em caso de ofensa à integridade física sequente a roubo, entende-se que a utilização da navalha não constitui, por si só, nas circunstâncias descritas, um meio insidioso, porque, tendo ela sido usada imediatamente antes para constranger o ofendido a entregar o dinheiro, não se traduziu para este num meio de carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto, caracterizador da insídia que a agravante pressupõe. 17-01-2001, processo n.º 2843/00-3.ª, SASTJ 2001, n.º 47, pág. 68 – Um canivete é um objecto de uso corrente e, como arma branca que também é, pode servir, frequentemente, como arma letal de agressão. Mas, não pode integrar-se no conceito jurídico-penal de meio insidioso. (Em declaração de voto, refere-se que meio insidioso não tem a ver exclusivamente com o instrumento utilizado, mas essencialmente, com o modo e as circunstâncias com que foi usado). 21-11-2001, processo n.º 2447/01-3.ª – Afastada a qualificativa em caso de uso de arma de fogo de calibre 6,35. 15-05-2002, processo n.º 1214/02 – 3.ª – Segue a orientação do supra referido acórdão de 18-02-1998, processo n.º 1086/97-3.ª. 16-10-2003, processo n.º 3280/03-5.ª, SASTJ n.º 74, págs. 183/5 – Em situação em que o sogro mata o genro com um tiro de caçadeira na cabeça, num quadro de violência doméstica exercido pela vítima sobre a filha e netos do arguido, refere-se: “A circunstância de, no caso, a arma do crime ter sido uma espingarda de caça, reforça a ideia de total desajustamento ao conceito de “meio insidioso”, pois uma arma desse tipo, quando comparado com uma pistola ou um revólver, pela sua maior dimensão – para mais usada nos confins necessariamente acanhados de uma casa de habitação, no caso, de um quarto de dormir - torna-se, notoriamente, num instrumento de muito mais difícil manuseamento, e ainda de mais difícil dissimulação. Por mais abrupta que seja ou tivesse sido a intervenção do agressor, jamais se pode equiparar, para efeitos de capacidade de dissimulação do meio e correspondente inconsciência de necessidade de defesa da vítima, essa utilização com a de um outro que, pelo seu carácter dissimulado, oculto, subreptício, enganador, assuma características análogas às do veneno, a ponto de, como regra, a vítima nem sequer suspeitar que está a ser atingida”.
Noutros casos não se atende apenas à natureza do meio utilizado. Como pode ler-se no acórdão de 19-06-1996, processo n.º 203/96-3.ª, SASTJ n.º 2, pág. 51, na jurisprudência do STJ sobre o assunto é detectável uma concepção segundo a qual, não é o instrumento em si que constitui o “meio insidioso”, mas antes o seu uso em determinadas circunstâncias, que revelam uma carga de perfídia e tornam difícil ou impossível a defesa da vítima. E são precisamente essas circunstâncias, as decisivas para conduzir a um juízo sobre a verificação do requisito de agravação especial contemplado no tipo de homicídio agravado. E de acordo com o acórdão de 13-12-2000, processo n.º 2753/00-3.ª, CJSTJ 2000, tomo 3, pág. 241, após referir-se que “Uma pistola de calibre 6,35 mm, o usual nas pistolas de defesa, não constitui, em si mesmo, um meio particularmente perigoso; sendo perigoso, não corresponde ao nível de exigência qualificativa pressuposto na alínea g); mas adianta que a utilização de uma pistola, em certas circunstâncias, como ocorre no caso aí em apreciação, pode constituir meio insidioso”, salienta-se: “ É que, por vezes, a insídia não se situa no tipo de arma que é utilizada na acção, mas no conjunto de circunstâncias que envolvem tal utilização, residindo aí sim, a especial censurabilidade ou perversidade do agente”.
Vejamos essa outra abordagem acerca dos meios utilizados, nos acórdãos de: 25-06-1987, processo n.º 39061, BMJ n.º 368, pág. 340 – Em caso em que foi utilizada caçadeira, pode ler-se: A expressão “meio insidioso” contem um conceito amplo ou elástico por forma a abranger as hipóteses de uso de meio que, nas circunstâncias concretas, revele a especial censurabilidade ou perversidade do agente que estão na base da qualificação do crime. Por conseguinte, só o apelo a essas circunstâncias pode conduzir ao juízo, positivo ou negativo, sobre a verificação da agravação especial. (Critério adoptado no acórdão de 10-10-2002, processo n.º 2577/02 – 5.ª). 25-09-1997, processo n.º 611/97-3.ª, SASTJ 1997, n.º 13, pág. 141 e BMJ n.º 469, pág. 359 – Em caso de uxoricídio, após considerar-se que a jurisprudência e a doutrina têm considerado que o meio insidioso tem uma grande amplitude, compreendendo os meios aleivosos, traiçoeiros e desleais, mas que tem-se defendido que tal amplitude não abarca desde logo as formas comuns de agressão, só devendo considerar-se como meio insidioso o instrumento incomum de agressão que deixa à vítima uma margem de defesa reduzida, afirma-se: “Tratando-se de um meio incomum de agressão que deixa à vítima uma margem de defesas reduzida, o uso de um martelo de orelhas, em ferro, como arma deve considerar-se meio insidioso, qualificando o crime de homicídio (art. 132.º, n.º 2, alínea f) do Código Penal). 10-10-2002, processo n.º 2577/02 – 5.ª - Com várias referências jurisprudenciais, adopta o critério do acórdão de 25-06-1987, em situação em que o arguido, sem que nada o fizesse prever, sem qualquer aviso, quando o assistente se encontrava em cima de um telhado a trabalhar, especialmente exposto, vulnerável e indefeso, disparou contra ele um tiro de caçadeira e como este amedrontado se tivesse refugiado agachado atrás de uma porta, o arguido perseguiu-o com a caçadeira e uma pistola e com esta desferiu-lhe dois tiros de cima para baixo na cara e pescoço, socorrendo-se de meio insidioso.
A jurisprudência do STJ tem considerado abrangidos nesta alínea os casos particulares de disparos à traição ou quase à queima roupa, onde a surpresa somada à posição tomada pelo arguido tornam praticamente impossível qualquer defesa da vítima. Assim, a título de exemplo, nesta vertente, nos acórdãos seguintes. 11-05-1983, processo n.º 36693, BMJ n.º 327, pág. 458 – Caso de arguido que interceptado por patrulha da GNR, sendo mandado entrar na viatura onde os soldados se deslocavam para os acompanhar ao posto, logo que se sentou, sacou da pistola Walter e inclinando-se sobre o encosto do banco do condutor, disparou a uma distância inferior a quinze centímetros do condutor, concluindo-se ter o arguido utilizado um meio insidioso por ter disparado à traição (género de que são espécies a emboscada e a surpresa), não deixando à vítima qualquer possibilidade de defesa. 02-05-1996, processo n.º 148/96, SASTJ n.º 1, pág. 34 – O conceito de meio insidioso para qualificar o homicídio é amplo, e pode abranger a traição, a emboscada e a simulação, ou seja, os meios aleivosos, traiçoeiros e desleais. Ele não resulta do mero uso de espingarda caçadeira, mas de todo o conjunto de circunstâncias em que ela foi utilizada, designadamente disparos à traição e quase à queima roupa e surpresa pelos disparos, tudo tornando quase impossível qualquer defesa. Assim, é desta forma qualificado o homicídio praticado pelo arguido, que à porta do quarto de dormir da vítima apontou uma arma carregada, a cerca de dois metros de distância desta e disparou 4 vezes, sendo a vítima amigo da família, cuja residência o arguido costumava frequentar. 21-05-1997, processo n.º 188/97 – A utilização de uma pistola de defesa pode ser considerada instrumento insidioso, se o agente a usou de maneira insidiosa. Age à traição e sem piedade, o arguido que puxa de uma pistola, reduz a distância que o separa da vítima e com ela dispara quando esta se encontrava de costas, tendo a vítima se baixado após o primeiro disparo e sido atingida na cabeça com um segundo que lhe causou a morte. 24-02-1999, processo n.º 1365/98-3.ª, SASTJ n.º 28, pág. 86 – Caso de arguido que surge repentinamente junto da vítima e por trás, com uma navalha de ponta e mola com a respectiva lâmina já aberta, que media 10,5 cms, desfere um golpe no abdómen, e de seguida outro, atingindo-a no flanco esquerdo. Considera-se que o arguido ao utilizar um instrumento traiçoeiro, provocando a oportunidade e o momento para a agressão, surpreendendo a vítima por forma repentina e traiçoeira e insistindo na actuação criminosa, actuou de modo insidioso intenso. 20-05-1999, processo n.º 1455/98-3.ª, SASTJ n.º 31, pág. 88 - Sob o conceito de insídia visa-se abranger todo aquele conjunto de situações em que, no fundo, a traição e a surpresa estão subjacentes. Em caso em que o marido, encontrando-se com a mulher no interior do carro, de repente, sacou do porta luvas uma pistola e que empunhando-a e apontando-a em direcção à cabeça daquela, desferiu um tiro, que lhe veio a provocar a morte, considera-se que esta dissimulação da pistola no porta luvas e o repentismo da actuação são de molde a consubstanciar a insídia. 07-12-1999, processo n.º 1034/99-3.ª, CJSTJ 1999, tomo 3, pág. 234, e BMJ, n.º 492, pág. 168 - São meios insidiosos aqueles que possam rotular-se de traiçoeiros, desleais ou perigosos, ou em que haja a ideia de estratagema, de disfarce ou artimanha daquele que o usa. Faz uso de meio insidioso aquele que, ao procurar a vítima, com a qual altercara por duas vezes, munido de uma espingarda de pressão de ar, transformada, não saindo de dentro da sua viatura, com a arma ocultada deitada sobre os joelhos e com o cano virado para a direita, tendo chamado a vítima para logo de seguida disparar à “queima-roupa”, de tal forma inesperada que o tiro já estava consumado quando a vítima esboçava o gesto de afastar de si o cano da arma.
Vejamos agora outras decisões em que são fornecidos contributos para a definição e enquadramento da qualificativa em causa.
Assim, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de: 19-12-1989, processo n.º 40392, BMJ n.º 392, pág. 243 – Quando na alínea f) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, se fala em meio insidioso, a lei quer aludir não só às hipóteses de utilização de meios ou expedientes com uma relevante carga de perfídia, mas também aos que são particularmente perigosos, e que não pondo em risco o agente, do mesmo passo torna difícil ou impossível a defesa da vítima. O conceito abrange os meios aleivosos, traiçoeiros ou desleais, abarcando, atentas a sua latitude e elasticidade, os crimes cometidos com emboscada, traição, aleivosia ou estratagema. 06-06-1990, processo n.º 41009, CJ 1990, tomo 3, pág. 19 e BMJ n.º 398, pág. 269 – Em caso de tentativa de homicídio, refere-se: Aquele que, num lar de idosos, tendo havido anteriores discussões, inopinadamente sem que alguém se apercebesse das suas intenções, levantando-se da sua mesa e aproximando-se da mesa da vítima, colocando-se atrás desta – que dormitava com a cabeça apoiada nos braços e sobre a mesa – desfere com uma navalha três golpes na cabeça do ofendido, actua utilizando um meio insidioso que se traduz num meio traiçoeiro e desleal com um instrumento gravemente perigoso. Considera-se que a agressão foi ainda cometida com motivo fútil, utilizando instrumento gravemente perigoso, com frieza de ânimo e reflexão sobre os meios empregados. 14-04-1994, processo n.º 46437, CJSTJ 1994, tomo 1, pág. 263 – Comete o crime de homicídio qualificado tentado, o arguido que, sem qualquer troca de palavras, de noite, golpeou o ofendido, no peito e na face, com uma faca de que estava munido, com o propósito de lhe retirar a vida, visto se ter socorrido de meio insidioso, que é sinónimo de traiçoeiro. 26-06-1996, processo n.º 533/96, SASTJ n.º 2, pág. 60 – A utilização pelo arguido de uma arma de fogo, tirando a vida à vítima com ela, sem lhe dar qualquer possibilidade de defesa, integra a agravante da alínea f) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal. 4-07-1996, processo n.º 48774, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 222 – Em caso de homicídio qualificado tentado, decide-se: “Age à traição, utilizando meio insidioso, o arguido que, munido de uma faca de cozinha, se dirige para o quarto da ofendida, sua esposa, e quando esta se encontrava deitada a dormir, desferiu um golpe com esse instrumento, atingindo-a no abdómen”. Considera-se que “a surpresa e a deslealdade do ataque deram origem à completa desprotecção da ofendida, aumentando seriamente as probabilidades de lesão do bem jurídico vida”. (Seguem-se aqui os acórdãos de 11-06-1987 e de 19-12-1989, publicados no BMJ, n.º s 368 e 392, a págs. 312 e 243). 31-10-1996, processo n.º 725/96, BMJ n.º 460, pág. 444 – Considera-se preenchida a circunstância em caso em que, decidido a vingar-se, o arguido muniu-se de uma caçadeira, escondeu-se na berma da estrada e aguardou a passagem do veículo. Depois, de forma traiçoeira, efectuou vários disparos a curta distância do automóvel do assistente de modo que este nem sequer se apercebesse que estava a ser objecto de um atentado, tornando impossível a sua defesa, a tudo acrescendo a perigosidade da arma utilizada, o local escolhido e a desprotecção do ofendido. Pelo crime de homicídio qualificado tentado é aplicada a pena de 10 anos de prisão. (Com o mesmo relator do acórdão anterior que é citado, bem como os aí citados). 9-10-1997, processo n.º 1319/96, BMJ n.º 470, pág. 217 – Em caso de ofensa à integridade física corporal qualificada, considera-se que “Uma pedra, mesmo utilizada na mão, porque meio objectivamente apto a provocar ferimentos ou lesões graves, é de considerar insidioso”. 29-10-1997, processo n.º 647/97-3.ª, SASTJ n.º 14, pág. 162 – Meio insidioso é o que utiliza a insídia. Esta é aleivosia, traição, o mesmo é dizer, ataque súbito e sorrateiro, atingindo a vítima descuidada, antes de perceber o gesto criminoso. Revela especial censurabilidade ou perversidade, na medida em que utiliza meio insidioso, a conduta do arguido que, transportando uma arma de fogo (espingarda caçadeira) embrulhada num saco de papel, sem a exibir à vítima nem trocar com esta qualquer palavra, apanhando-a desprevenida, disparou com aquela arma sobre esta, causando-lhe a morte. 29-10-1997, processo n.º 1081/97-3.ª, SASTJ n.º 14, pág. 166 – Constitui meio insidioso, revelando uma espacial censurabilidade e perversidade, o seguinte quadro de circunstâncias: - Se o arguido, munido de uma arma de fogo, se aninhou entre giestas, junto a uma estrada, esperando que outra pessoa ali passasse, como o fazia habitualmente; - Se, quando a pessoa se aproximou, conduzindo a sua motorizada, na qual transportava a sua mulher, o arguido se levantou, fez pontaria na direcção e à altura da cabeça daquela e, à distância de cerca de dois metros, disparou voluntariamente um tiro com a arma referida, com intenção de atingir e tirar a vida da mesma; - Se o arguido disparou a arma de fogo sem qualquer troca de palavras com a vítima, que se encontrava desarmada, desprevenida e indefesa, pretendendo vingar-se da imputação por esta feita acerca dos ferimentos ocasionados num cão. 12-11-1997, processo n.º 1203/97-3.ª, SASTJ n.º 15 e 16, pág. 164, e BMJ n.º 471, págs. 47 a 114 – Em caso de arguidos ligados ao movimento de skinheads em Portugal, afirma-se: “Constitui meio insidioso de provocar a morte, revelando uma especial censurabilidade e perversidade, o seguinte quadro de circunstâncias: - se onze homens, cinco dos quais calçando botas com biqueira em aço, pontapeiam e dão murros a um único homem; - se, ainda por cima, um dos onze homens pega na base de cimento de um sinal de trânsito e dá com ela duas vezes na cabeça da vítima: - se, para além daquilo, três dos onze homens voltam depois atrás para darem ainda mais pontapés na vítima já agonizante, tudo numa rua que parece deserta e cerca da 1 H 30 M”. 11-12-1997, processo n.º 1050/97-3.ª, SASTJ, n.ºs 15 e 16 (Novembro e Dezembro de 1997) pág. 209 – No conceito de meio insidioso – cuja amplitude visa especialmente flexibilizar o conceito ou evitar que se lhe retire elasticidade – cabem todos aqueles que possam rotular-se de traiçoeiros e desleais ou perigosos e, gravemente perigosos, enquanto instrumentos de agressão, nele se devem considerar em atenção à experiência comum as armas brancas (facas, punhais, navalhas, etc.), que mais difícil (ou mesmo impossível) tornam a defesa da vítima e de consequências mais graves (ou irreparáveis) a agressão. Comete o crime de homicídio qualificado, p. p. pelas alíneas c) e f), do n.º 2 do art. 132.º, o arguido que desfere ao ofendido uma navalhada, atingindo-o em zona do corpo que apanhasse (“onde calhasse”), mesmo que aí tivesse órgãos vitais, conformando-se com qualquer resultado que daí adviesse, designadamente a morte que representou como possível, desferindo-lha pelo simples facto de o ofendido se recusar a acompanhá-lo à discoteca. 5-02-1998, processo n.º 1159/97, BMJ n.º 474, pág. 300 (citado no acórdão de 02-04-2009, CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 186) - Age com especial censurabilidade e perversidade o arguido que agiu através de um meio traiçoeiro e desleal, com uma arma e diversos cartuchos de zagalote, esperando a vítima, acoitado pelos arbustos e sem que este pudesse contar com a emboscada e assim, defender-se em igualdade de armas ou com alguma possibilidade de resistência. 1-10-1998, processo n.º 673/98, CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 180 – O recurso a uma navalha ou canivete, como arma branca que é, que fica quase escondida na mão, tem sido considerado como utilização cobarde e insidiosa de uma arma de corte, isto é, (no caso) como comissão de um crime de ofensas à integridade física com utilização de meio insidioso. 14-11-1998, processo n.º 732/98 – A alínea f) do n.º 2 do art. 132.º, do CP, ao falar em meio insidioso quer aludir não só às hipóteses de utilização de meios ou expedientes com uma relevante carga de perfídia, mas também aos que são particularmente perigosos e que, não pondo em risco o agente, do mesmo passo tornam difícil ou impossível a defesa da vítima. 28-10-1999, processo n.º 843/99-5.ª, SASTJ 1999, n.º 34, pág. 84 - O arguido, ao disparar uma caçadeira, alta noite, contra uma pessoa que assoma a uma janela, a cerca de 10 metros de distância, utiliza, para ferir, um meio particularmente perigoso e insidioso. 27-09-2000, processo n.º 292/00-3.ª, SASTJ, Edição Anual 2000, pág. 126 - Meio insidioso é aquele que, tal como o veneno, a que a lei actual o equipara, tem, em si mesmo ou na forma por que é utilizado, um carácter enganador, dissimulado, imprevisto, traiçoeiro, desleal para a vítima, constituindo para esta uma surpresa ou colocando-a em situação de especial vulnerabilidade ou desprotecção que torna para ela especialmente difícil a sua defesa. Resultando da matéria de facto que o arguido, quando caminhava à frente da vítima – para fazer a entrega, a esta, das vacas, com o que havia concordado – virou-se de forma repentina e inesperada, e sem aviso, empunhando uma faca, com ela vibrou um golpe na região anterior do hemitorax esquerdo do ofendido, é manifesto que o uso da faca, em tais circunstâncias, constitui meio insidioso. 28-02-2002, processo n.º 226/02-5.ª – Meio insidioso é aquele “cuja forma de actuação sobre a vítima assuma características análogas às do veneno – do ponto de vista do seu carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto”. 15-05-2002, processo n.º 1214/02 – 3.ª – É meio insidioso aquele que tem em si mesmo ou na forma por que é utilizado um carácter enganador, dissimulado, imprevisto, traiçoeiro, desleal para a vítima, constituindo para esta uma surpresa ou colocando-a em situação de especial vulnerabilidade ou desprotecção que lhe dificulta a defesa. 15-10-2003, processo n.º 2451/03-3.ª , SASTJ n.º 74, pág. 133 – A atitude do arguido, ao usar uma arma de guerra (pistola semiautomática de calibre 9 mm Parabellum, previamente municiada com sete balas), e que quando se encontrava a cerca de um metro da vítima, apontou a arma à cabeça desta e sem sequer lhe ter dirigido a palavra, efectuou um disparo, atingindo-o na zona frontal média, sem qualquer hipótese de defesa ou de sobrevivência da vítima, foi traiçoeira e pérfida, revelando uma particular perversidade e uma especial censurabilidade. 30-10-2003, processo n.º 3252/03-5.ª, SASTJ, n.º 74, pág. 198, e CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208 – Em caso de uxoricídio, punido como homicídio agravado atípico, diz-se: O meio insidioso, justamente por sê-lo, não poderá deixar de ser também, «especialmente perigoso», justamente por causa da dissimulação e, portanto, da sua acrescida capacidade de eficiência por via da natural não oposição de qualquer resistência por parte da vítima que, em regra, perante a insídia, nem sequer suspeitará de que está a ser atingida. Adita-se o seguinte “ Se, no caso, não se conhece a razão por que se precipitou a cena violenta de que o arguido e a vítima foram os protagonistas, se, não obstante a surpresa, não foi, naturalmente, possível ao arguido, ocultar o uso das facas com que cometeu o uxoricídio, se, enfim, com conhecimento do arguido havia pessoas no exterior da casa, cuja presença impediria, decerto, qualquer hipótese de o acto criminoso passar despercebido, então só pode concluir-se pela não verificação daquela agravante-padrão. 20-05-2004, processo n.º 1127/04-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 195 (com uma declaração de voto) - O meio é insidioso quando corresponde a um processo enganador, dissimulado, elegendo o agente as condições favoráveis para apanhar a vítima desprevenida. Age de forma desleal e traiçoeira, apanhando a vítima desprevenida, quem, utilizando uma arma de fogo que apenas exibiu junto desta última, logo efectuando o correspondente disparo, não permitiu à mesma qualquer tipo de reacção. 17-03-2005, processo n.º 546/05 – 5.ª, SASTJ, n.º 89, pág. 106 - No conceito de meio insidioso cabem todos aqueles meios que possam rotular-se de traiçoeiros, desleais ou perigosos. A traição constitui um meio insidioso e pode ser definida como um ataque súbito e sorrateiro, atingindo a vítima descuidada ou confiante, antes de perceber o gesto criminoso. 13-07-2005, processo n.º 1833/05-5.ª, CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 244 – Tendo-se tão só provado que a vítima – namorada do arguido, com quem tinha uma relação marcada por ciúmes mútuos – estava na cama quando foi atingida pelo disparo da arma do arguido, não se pode concluir, a partir de tão escassos factos, que foi usado um meio insidioso e/ou que foi utilizado um meio particularmente perigoso. 20-12-2005, processo n.º 2887/05-5.ª, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 238 – Em situação em que encontrando-se a vítima, sozinha no quarto, o marido sem que aquela se apercebesse, entrou no quarto e, empunhando o revolver, dispara sobre a mulher, atingindo-a na cabeça. Considera-se que o agir subreptício, oculto e traiçoeiro do arguido, aproveitando um momento de alguma descontracção e indefesa da vítima quando se preparava para se deitar, configura meio insidioso. 13-07-2006, processo n.º 1926/06-5.ª, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 244 – O disparo de uma arma de fogo, que o arguido sacou de forma subreptícia de uma mochila, de surpresa, quando as vítimas estavam desprevenidas sentadas, uma num sofá e outra numa cama, consubstancia um meio insidioso para efeitos do artigo 132.º, n.º 2, alínea h), do Código Penal (cita anteriores acórdãos de 20-05-2004 e 17-03-2005). 26-03-2008, processo n.º 292/08 – 3.ª - Actuação do arguido com espera da ex-companheira, surpresa e dissimulação apanhando a vítima inteiramente desprevenida, encurralando-a no veículo e colocando-a completamente à sua mercê, sobre ela disparando sucessivamente quatro tiros à queima roupa. 27-05-2010, processo n.º 58/08.4JAGDR.C1.S1-3.ª, CJSTJ 2010, tomo 2, pág. 210 – O meio insidioso, conceito de difícil definição, tem subjacente uma ideia de utilização de meio dissimulado em relação ao qual se torna mais precária ou ténue, uma reacção defensiva. É uma forma de praticar o crime de homicídio que, normalmente, está associado a uma prévia determinação do meio ou instrumento do crime tornando particularmente difícil uma atitude preventiva pela vítima, ou eventualmente, a própria detecção da existência do crime. Não configura esta circunstância, nem a de motivo fútil, o culminar de uma desavença em que as paixões destiladas pelo ódio levaram o arguido a desferir golpes na vítima com uma roçadora na região tempo-occipital, dando além disso murros e pontapés na vítima, tendo de seguida colocado a mesma num poço com água, aí acabando por se afogar. 09-09-2010, processo n.º 30/08.4PEHRT.S1-5.ª – Afasta a verificação do meio insidioso, em caso em que o arguido depois de uma emboscada à vítima e de lhe tapar a boca e o nariz, impedindo que a vítima respirasse e fazendo com que ela desmaiasse, o arrasta para o interior de uma mata, e inanimada, foi procurar uma pedra, vibrando com a mesma pancadas na face e cabeça, matando-a. Por em rigor não se conseguir estabelecer a conexão entre o crime de homicídio e o meio insidioso usado pelo arguido: este emboscou-se, é certo, e apanhou a vítima desprevenida, mas desconhece-se com que objectivo. Mantida a qualificativa da alínea c) – “praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa” - e confirmada a pena de 19 anos de prisão. 02-02-2011, processo n.º 1375/07.6PBMTS.P1.S2-3.ª – Considerada integrada a alínea i) em situação em que o arguido atinge o ofendido na parte superior das costas ao nível do tórax com uma faca de mato, desferindo o golpe com violência, de modo imprevisto, sem que a vítima - ex-colega de trabalho no local - se apercebesse e tivesse tempo de reagir. 04-05-2011, processo n.º 1702/09.1JAPRT.P1.S1-3.ª - A traição como meio insidioso deve ser definida como sendo o ataque súbito e sorrateiro, atingindo a vítima descuidada ou confiante antes de perceber o gesto criminoso. 13-07-2011, processo n.º 758/09.1JABRG.G1.S1-3.ª – Meio insidioso é o que se apresenta como enganador, dissimulado, imprevisto, traiçoeiro, desleal para com a vítima, constituindo uma surpresa para a vítima ou colocando-a numa situação de vulnerabilidade ou desprotecção em termos de defesa se tornar difícil: é o ataque súbito e sorrateiro, atingindo a vítima descuida ou confiante antes de se aperceber o gesto criminoso. 07-09-2011, processo n.º 356/09.0JAAVR-3.ª – O arguido de 72 anos, munindo-se de uma arma de fogo e de uma arma branca, introduziu-se na residência dos ofendidos (anexo à sua residência), e entrou no quarto de dormir onde ambos se encontravam deitados, disparando sobre ambos, esfaqueando-os de seguida. Considera que o a arguido agiu insidiosa e traiçoeiramente, pois procurou as condições em que os factos poderiam ser cometidos de forma mais eficaz, sem possibilidade de reacção das vítimas, tendo-se munido de meios materiais particularmente perigosos, factores que conjugadamente colocaram as vítimas em situação de extrema vulnerabilidade. Procedeu à convolação do homicídio tentado simples para qualificado (e apenas este por a assistente não ter legitimidade para representar a filha dela e do falecido, tendo sido rejeitado o recurso e em atenção à proibição de reformatio in pejus), sendo aplicada a pena de 9 anos de prisão, em vez da pena de 7 de prisão aplicada na primeira instância, e em cúmulo jurídico com a pena de 12 anos pelo homicídio simples, foi fixada a pena de 17 anos de prisão. 18-10-2012, processo n.º 735/10.0JACBR.C1.S1-5.ª – Para efeitos da al. i) do n.º 2 do art. 132.º do C.P., meio insidioso não tem só a ver com o meio empregado, mas essencialmente com o modo e as circunstâncias com que foi usado. O desvalor acrescido da actuação pauta-se pela situação de especial vulnerabilidade em que se encontra a vítima, o que se deve ao facto de o agente ter actuado à traição, de surpresa, de modo que a vítima não podia prever.
Passando aos contributos da Doutrina.
Dentro da elasticidade do conceito, Nelson Hungria, in Comentário ao Código Penal Brasileiro, volume V, págs. 167 a 169, refere que meio insidioso é uma expressão com grande amplitude, que pode ser um “meio dissimulado na sua influência maléfica”, podendo também ser um “meio fraudulento ou subreptício por si mesmo”, que inclui traição (“ataque súbito e sorrateiro, atingida a vítima descuidada ou confiante, antes de perceber o gesto criminoso”), emboscada (“dissimulada espera da vítima em lugar onde terá de passar”), ou simulação (“ocultação da intenção hostil, para acometer a vítima de surpresa e para lhe diminuir e retirar toda a possibilidade de defesa”). Para Fernanda Palma, Direito Penal Especial, Crimes Contra as Pessoas, 1983, pág. 65, a possibilidade de qualificação deriva da circunstância de os meios utilizados, dado o seu carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto, tornarem especialmente difícil a defesa da vítima ou arrastarem consigo o perigo de lesão de uma série indeterminada de bens jurídicos. Defende a delimitação do outro meio insidioso por referência à utilização do veneno, afirmando: “O insidioso tem a função de exprimir aqueles meios que actuam com a mesma intensidade, facilidade e dificuldade de serem descobertos que o veneno, não tendo pois a função de exprimir uma atitude do agente, mas a eficácia objectiva de um meio”. Para Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, § 27, págs. 38-39, meio insidioso será “todo o meio cuja forma de actuação sobre a vítima assuma características análogas à do veneno - do ponto de vista pois do seu carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto”. Teresa Serra, in Homicídios em Série, conferência integrada em Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal (de 1995), CEJ, 1998, volume II, págs. 153-154, e Jornadas sobre a revisão do Código Penal, em edição da AAFDL, 1998, págs. 131 a 133, a propósito da questão de saber em que medida o desamparo da vítima pode ou não apresentar uma estrutura valorativa próxima da imagem do exemplo padrão então contido na alínea f), ao contrário de Fernanda Palma para quem o insidioso tem a função de apenas exprimir a eficácia objectiva de um meio, propende a efectuar uma interpretação com sentido amplo, de modo a incluir a função de exprimir uma atitude do agente, que explora e aproveita a vulnerabilidade física e ingenuidade da vítima, revelando uma personalidade especialmente perversa. Refere que “… reconhece-se geralmente que a noção de meio insidioso abrange não apenas meios materiais especialmente perigosos de execução do facto, mas também a eleição das condições em que o facto pode ser cometido de modo mais eficaz, dada a situação de vulnerabilidade e de desprotecção da vítima em relação ao agressor: é o caso da facada traiçoeira pelas costas ou do disparo de arma de fogo em emboscada, meios que retiram à vítima qualquer capacidade de protecção. Aliás, o fundamento da qualificação contida nesta alínea reconduz-se precisamente à utilização de meios pelo agente, por forma a aproveitar-se dessa desprotecção da vítima” (realces nossos). Maria Margarida Silva Pereira, in Textos, Direito Penal II. Os Homicídios, volume II, AAFDL, 1998, pág. 42, ao referir-se ao homicídio por traição ou por insídia, para usar a expressão do Código, diz que “Trair é aproveitar distracção, enganar a vítima, criar uma situação que a coloque em posição de não poder resistir com a mesma facilidade”. Fernando Silva, Direito Penal Especial, Crimes contra as pessoas, 2.ª edição, Quid Juris, 2008, pág. 79, diz a propósito: “Está em causa o modo de execução do crime, nomeadamente através de uma actuação insidiosa. Ou seja, o agente utiliza um meio traiçoeiro, enganador, que expõe a vítima para que se reduzam as suas possibilidades de defesa. A vítima desconhece que o agente está a empreender um processo casual com vista à produção da sua morte, por isso torna-se numa “presa” fácil e desprotegida, sem hipótese de defesa. (…) A pedra de toque que nesta circunstância faz pressupor a maior censurabilidade é a traição, por esse motivo o envenenamento da vítima surge apenas para demonstrar o espírito que a norma pretende alcançar, abrindo a hipótese de utilização de outros meios insidiosos. A análise do meio insidioso passa por abordar a forma como a vítima se encontrava, e o modo como o agente empreendeu a sua conduta. Assim, por exemplo, um faca pode ser utilizada de forma insidiosa, se, no meio de uma multidão, alguém atingir outro pelas costas, ou se a vítima se encontrar a dormir”. Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, 18.ª edição, 2007, pág. 517, reportando-se ao meio insidioso entende que se trata de um conceito amplo, onde caberia o próprio veneno, e que abarca os meios aleivosos, traiçoeiros e os desleais. Acrescenta que “não foram particularizados quaisquer meios para não retirar elasticidade ao conceito”, devendo haver, devido a esta elasticidade, “um particular cuidado na concreta indagação e constatação da especial censurabilidade ou perversidade que estão na base da agravação, e que são sua condição sine qua non”.
Revertendo ao caso concreto, dir-se-á que face à facticidade apurada, dúvidas não há de que, atendendo ao modo e conjunto de circunstâncias em que actuou, o recorrente visou executar o seu plano, sem qualquer possibilidade de defesa para os ocupantes do elevador, agindo de forma inesperada, traiçoeira, sorrateira e subreptícia, pelo que é de ter a conduta do arguido como especialmente censurável e agindo de modo perverso, ao cometer os crimes de homicídio. O recorrente agiu com surpresa, começando por fazer, logo pela manhã, parar o elevador no piso intermédio, entre o r/c e o 1.º andar, trancar as vítimas no elevador, quando se preparavam para mais um dia de trabalho, ocupando despreocupadamente o elevador para saírem com destino às suas ocupações diárias, encurralando as vítimas sem hipóteses de saírem, certificando-se de que não poderiam sair, o que manifesta insídia. Conclui-se assim que será de manter a qualificativa da alínea i) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal em relação aos três homicídios em causa.
Frieza de ânimo
Estabelece-se na alínea j) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, na redacção actual: j) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas.
Esta formulação foi introduzida, substituindo a redacção inicial, originária de 1982, então plasmada na alínea g), pela terceira alteração do Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03, entrada em vigor em 1 de Outubro de 1995 [conferir a alínea 88) do artigo 3.º- B, da Lei n.º 35/94, de 15-09 - Lei de autorização legislativa para revisão do Código Penal -, de que emanou aquele Decreto-Lei, e da qual consta, i. a., “… substituir a redacção da alínea g) por «Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de 24 horas»”], assim se mantendo o seu conteúdo desde então, apenas se alterando a inserção em diversa alínea do n.º 2 do artigo 132.º, passando o teor dessa alínea g) para a alínea i) em 1998 (mais exactamente aquando da quarta alteração do Código Penal, operada pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, entrada em vigor para o território continental, no 5.º dia após a publicação, ou seja, em 7-09-1998), e encontrando-se actualmente prevista na seguinte alínea j), ocupando o lugar subsequente, uma vez que com a reforma de 2007 (Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, entrada em vigor em 15 de Setembro), apenas foi alterada a ordem das alíneas, por força do aditamento do novo índice então introduzido, que passou a partir de então a substanciar a actual alínea b).
Vejamos o que entender por “frieza de ânimo”.
Na redacção originária do Código Penal actual, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1983 (artigo 2.º), a qualificativa em exame era prevista na alínea g) do n.º 2 do artigo 132.º, então com o seguinte teor: “Agir com premeditação, entendendo-se por esta a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados ou o protelamento da intenção de matar por mais de 24 horas”. Como em 1984 acentuava Maia Gonçalves, no Código Penal Português Anotado e Comentado, Almedina, 2.ª edição, pág. 224, na formulação da alínea [a ao tempo alínea g), repete-se] teve manifesta influência a lição do Professor Eduardo Correia, autor do Projecto, expressa in Direito Criminal, II, 1965, a págs. 301/3, onde expendia: «…É que, diz-se, tal firmeza, tenacidade e irrevogabilidade de uma resolução previamente tomada revela uma forte intensidade da vontade criminosa. Efectivamente, a circunstância de mediar um grande intervalo de tempo entre o momento em que, definitivamente, a resolução criminosa se formou e a sua execução, ou seja a pertinácia da resolução, a mora habens, mostra não só que o criminoso teve uma larga oportunidade, que não aproveitou, para se deixar penetrar pelos contra-motivos sociais e ético-jurídicos de forma a, pelo menos transitoriamente, desistir do seu desígnio, mas ainda que a paixão lhe endureceu totalmente a sensibilidade e sobretudo que a força de vontade criminosa é de tal forma intensa que o agente sem hesitação, como mero “déclancher” da decisão tomada prévia e longinquamente». O citado Autor não deixou de clarificar que «o critério referido envolve uma relativa margem de incerteza, na medida em que o tempo de permanência de uma resolução previamente tomada, até à sua execução, considerado necessário para revelar uma especial perigosidade ou a possibilidade de uma normal intervenção de contra - motivos, só pode ser fixada por apelo às regras da experiência. Mas isto corresponde à natural fragilidade de todos os conceitos que se relacionam com os factos humanos e pode ser corrigido pela exigência formal da fixação de um certo lapso de tempo, especialmente quando à premeditação correspondam efeitos agravantes particularmente graves». Figueiredo Dias, no Comentário Conimbricense…, § 29, a págs. 39/40 (a obra é de 1999 e já ao tempo a qualificativa mudara de alínea, situando-se então na alínea i) do n.º 2 do artigo 132.º) refere que o Código Penal de 1982 reuniu sob o conceito de premeditação alguns dos entendimentos conferidos por diversos ordenamentos: a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados e o protelamento da intenção de matar por mais de 24 horas, tratando-se de concepção, que (para lá da alteração de redacção de 1982 para 1995, diríamos nós), continuou a ser sufragada pela Reforma de 1995, esta apenas eliminando o conceito englobante de premeditação, mas deixando subsistir os seus possíveis entendimentos. Aplaude esta decisão de política criminal, lamentando, porém, a manutenção, vazia de sentido, do limite fixo “de mais de 24 horas” (e se a persistência da intenção de matar se quedar pelas 23 horas?) Refutando uma exigência “unitária”, ou seja, a concepção de que a função da circunstância da alínea exige que aquilo que se torna susceptível de revelar especial censurabilidade seja redutível a um único fundamento, defende a possibilidade de uma total harmonização de soluções pela utilização alternativa dos três critérios, ou seja, a afirmação de que qualquer das aludidas manifestações da “premeditação” – e outras estruturalmente análogas (incluída a persistência da intenção de matar por 23 horas!) – é, por si mesma, susceptível de indiciar um tipo de culpa agravado, sem todavia o determinar por necessidade. Alerta ainda o Autor para que a hipótese desta alínea será uma daquelas em que mais frequentemente poderá ser ilidido o efeito qualificador do exemplo-padrão (citado neste passo no acórdão de 15-05-2008, processo n.º 3979/07-5.ª, supra referenciado). Para Fernando Silva, Direito Penal Especial, Crimes contra as pessoas, 2.ª edição, revista e actualizada de acordo com a Lei n.º 59/2007, Quid Juris, 2008, pág. 80, (retomando o tema já abordado na edição de 2005, a págs. 73), “A ideia fundamental nesta circunstância é a da premeditação. Pressupondo uma reflexão da parte do agente. O que acontece é a influência do factor tempo, e o facto de se ter estudado a forma de preparar o crime, demonstram uma atitude de maior desvio em relação à ordem jurídica. O decurso do tempo deveria fazer o agente cessar a sua vontade de praticar o crime, quanto mais medita sobre a sua prática mais exigível se torna que não actue desse modo”. “Nestes casos o agente prepara o crime, pensa nele, reflecte sobre o acto, e mesmo assim decide matar, combatendo a ponderação que se lhe impunha. A premeditação surge materializada em três situações: 1 - frieza de ânimo - traduzido numa actuação calculada, em que o agente toma a sua deliberação de matar, e firma a sua vontade de modo frio, denotando um sangue frio e alguma indiferença ou insensibilidade perante a vítima. No fundo, o agente teve oportunidade de reflectir sobre o seu plano, e ponderou toda a sua actuação mostrando-se indiferente perante as consequências do seu acto”. (…).
Vejamos agora o que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado relativamente a esta qualificativa.
Acórdãos de 08-02-1984 e de 15-02-1984, BMJ n.º 334, págs. 251 e 274 - “O novo Código alargou o conceito de premeditação, estendendo-o ao agir «frigido pacatoque animo» (doutrina considerada de origem puramente italiana) e ao agir com reflexão sobre as actividades ou meios necessários para a execução, para o alcance do fim que o agente se propôs atingir, tendo, assim em linha de conta o wie, o como da resolução”. Acórdão de 18-06-1986, processo n.º 38491, BMJ n.º 358, pág. 260 - Age com frieza de ânimo o réu que sem o mínimo de exaltação provada abate friamente a vítima depois de lhe dizer, cerca de quatro minutos antes, “que ela ainda se sairia mal”, “que a trazia debaixo de olho”, traduzindo uma actuação calma ou imperturbada reflexão no assumir o agente a resolução de matar. (O segmento «frieza de ânimo» reporta-se directamente à resolução criminosa e foi introduzido para abarcar situações especialmente graves de insensibilidade, de calculismo, de indiferença ou de desinteresse pela vida de outrem, que não cabiam na formulação excessivamente redigida do art 351.º, n.º 1, do Código de 1886). Acórdão de 03-06-1987, BMJ n.º 368, pág. 295 - A exaltação é incompatível com a serena reflexão ou frieza de ânimo requerida para integrar a circunstância agravante qualificativa do art. 132.º, n.º 2, alínea g). Acórdão de 07-10-1992, BMJ n.º 420, pág. 203 - A frieza de ânimo traduz uma conduta insensível, de indiferença, sendo incompatível com estados afectivos e emocionais que podem conduzir a uma resolução precipitada. Acórdão de 14-10-1992, processo n.º 42918 - A frieza de ânimo traduz uma actuação insensível, de indiferença, incompatível com estados emocionais. Acórdão de 04-05-1994, BMJ n.º 437, pág. 154 – Afastada a qualificativa, por estar em causa actuação “de cabeça quente” em contraponto à frieza de ânimo, cuja característica é a formação do projecto de actuação de forma lenta e reflectida. Acórdão de 22-03-1995, BMJ n.º 445, pág. 123 – A propósito da qualificativa diz: actuação eivada de sangue frio, insensibilidade e desrespeito pela vida alheia preenche este requisito. Acórdão de 17-05-1995, processo n.º 46965, in CJSTJ 1995, tomo 2, pág. 201 – Em caso em que predomina a análise de crimes passionais, é analisado o ciúme (manifestação inacabada de amor ou frustração pelo perdimento de que, independentemente do amor, se sente que faz falta), considerando-se que não é incompatível com a frieza de ânimo no crime de homicídio voluntário, salvo nos casos de flagrante delito de infidelidade. Isto porque a motivação pode levar o agente a uma reflexão sobre as circunstâncias de execução do projecto criminoso. Acórdão de 01-06-1995, processo n.º 47164, CJSTJ 1995, tomo 3, pág. 178 – Segue de perto o acórdão de 18-06-1986, BMJ n.º 358, pág. 260, afastando a qualificação de crime passional em caso de homicídio do amante da arguida, que ela e seu marido planearam previamente. Acórdão de 16-04-1997, processo n.º 68/97-3.ª, SASTJ 1997, n.º 10, pág. 98 – A frieza de ânimo a que alude a al. c) do n.º 2 do art. 132.º do Código Penal traduz-se na persistência da vontade de matar. Acórdão de 30-04-1997, processo n.º 1400/96-3.ª, SASTJ, n.º 10, pág. 113 - O STJ vem caracterizando a frieza de ânimo, como sangue frio, insensibilidade, indiferença, calma ou imperturbada reflexão no assumir a resolução de matar. Acórdão de 21-05-1997, processo n.º 107/97, SASTJ, n.º 11, pág. 82 – A frieza de ânimo é um conceito que pressupõe uma vontade formada de modo lento, reflexivo, cauteloso, deliberado, calmo na preparação e na execução e persistente na resolução. Para tanto, há que provar que um agente decidiu definitivamente tirar a vida à vítima, antes dos factos, aguardando apenas o momento propício para o fazer. Acórdão de 25-09-1997, processo n.º 611/97-3.ª, SASTJ 1997, n.º 13, pág. 141 e BMJ n.º 469, pág. 359 – Em caso de uxoricídio, refere-se que a actuação frigido pacatoque animo foi em tempos identificada com a premeditação, depois, considerou-se que todo o crime tinha a sua dose de actuação passional, pelo que tal identificação foi afastada; cremos que são coisas e conceitos distintos, devendo a actuação com frieza de ânimo corresponder a uma actuação a sangue frio, de forma insensível, com indiferença pela vida humana. Acórdão de 02-10-1997, processo n.º 689/97-3.ª, SASTJ n.º 14, pág. 129 - Frieza de ânimo é uma calma ou imperturbada reflexão no assumir o agente a resolução de matar. Acórdão de 11-12-1997, processo n.º 970/97, SASTJ, n.ºs 15 e 16, pág. 208 e BMJ n.º 472, pág. 154 – Caso em que a insídia e a frieza de ânimo a revelar uma especial censurabilidade, no dizer do acórdão, são patentes. Diz: Revela frieza de ânimo, para além de a respectiva conduta ser traiçoeira, desleal e insidiosa, o arguido que sai do veículo que conduzia, dirige-se à bagageira onde guardava a sua caçadeira, municia-a, leva-a à cara e, apontando ao peito da vítima que caminhava na sua direcção, e estava a cerca de 4 metros, prime o gatilho e dispara, atingindo-o na região torácica (pulmão e coração), com a intenção de lhe causar a morte. O segmento «frieza de ânimo» reporta-se directamente à resolução criminosa e foi introduzido para abarcar situações especialmente graves de insensibilidade, de calculismo, de indiferença ou de desinteresse pela vida de outrem, que não cabiam na formulação excessivamente redigida do art 351.º, n.º 1, do Código de 1886 – cfr. acórdão de 18-06-1986, BMJ n.º 358, pág. 260. Acórdão de 5-02-1998, processo n.º 1159/97, BMJ n.º 474, pág. 300 – Para além de meio insidioso (cfr. supra), refere-se que age ainda com frieza de ânimo, reveladora de especial perversidade, o arguido que não desistiu de atirar sobre a vítima mesmo depois de a ver mortalmente caída, quando havia persistido na intenção de a matar, formulada na véspera, usando de todo esse tempo para melhor preparar a acção. Acórdão de 15-04-1998, processo n.º 74/98-3.ª, BMJ n.º 476, pág. 238 – O autor de um crime de homicídio voluntário age com frieza de ânimo, se antes dos factos decidiu definitivamente tirar a vida à vítima, aguardando apenas o momento propício para o fazer, e manifestou, além disso, uma vontade formada de modo lento, reflexivo e cauteloso, na preparação e execução do crime. (No caso é afastada a qualificação). Acórdão de 30-09-1999, processo n.º 36/99-3.ª, SASTJ n.º 33, pág. 94 - A frieza de ânimo está relacionada com o processo de formação da vontade de praticar o crime e é entendida como a conduta que traduz calma, reflexão e sangue frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença, e persistência na sua execução. Acórdão de 15-12-1999, processo n.º 1022/99-3.ª, BMJ n.º 492, pág. 221 - Traduz frieza de ânimo a conduta que revela “grande brutalidade, sem qualquer justificação ou perturbação de ânimo”. A frieza de ânimo traduz a formação da vontade de praticar o facto de modo frio, pressupondo um lento, reflexivo, cauteloso, deliberado, calmo e imperturbado processo na preparação e execução do crime, persistente na resolução, por forma a denotar insensibilidade e profundo desrespeito pela pessoa e vida humanas; trata-se assim de uma circunstância agravante relacionada com o processo de formação da vontade de praticar o crime, devendo reconduzir-se às situações em que se verifica calma, reflexão ou sangue frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução – Acórdão de 09-02-2000, processo n.º 990/99-3.ª, SASTJ Edição anual 2000, pág. 27 e BMJ n.º 494, pág. 207 - O agir frigido pacatoque animo (com frieza de ânimo) tem sido relacionado pela jurisprudência mais com a conduta prévia do homicida, que de forma calma mas determinada decide tirar a vida a outrem, do que com o seu comportamento posterior aos factos criminosos. Acórdão de 28-06-2001, processo n.º 1568/01-5.ª, SASTJ 2001, n.º 52, pág. 65 - “Verifica-se frieza de ânimo quando se age a sangue frio, de forma insensível, com indiferença pela vida humana”. Acórdão de 28-02-2002, processo n.º 226/02-5.ª - O exemplo padrão da alínea i) do n.º 2 é o herdeiro da tradicionalmente chamada premeditação, ligada à censurabilidade da reflexão mais ou menos aturada que precede e acompanha a execução e o protelamento da intenção de matar. Acórdão de 18-04-2002, processo n.º 847/02-5.ª - A frieza de ânimo exprime uma situação pautada pela firmeza, tenacidade e irrevogabilidade de uma resolução tomada, ou pela indiferença ou insensibilidade, do agente. Acórdão de 15-05-2002, processo n.º 857/02-3.ª – Considera que o arguido agiu com frieza de ânimo, tendo em atenção a persistência, a violência e todo o circunstancialismo concreto que rodeou e em que se desenvolveu a agressão demonstrativo de que o arguido teve o intuito de massacrar a vítima e de lhe aumentar a angústia e a dor, sendo que o sofrimento físico e psíquico causados, pela sua duração e intensidade, revelam crueldade, resultando também de modo inequívoco que este teve lugar para aumentar o sofrimento da vítima. Acórdãos de 16-05-2002, processo n.º 585/02-5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02-5.ª e de 30-10-2003, processo n.º 3281/03-5.ª, este in SASTJ n.º 74, pág. 201 (todos do mesmo relator com recensão de vária jurisprudência sobre o tema, sendo o último em caso de arguido filho adoptivo da vítima e da ofendida) - Há frieza de ânimo quando se age a sangue frio, de forma insensível, com indiferença pela vida humana e reflecte-se sobre os meios empregados quando a escolha, o estudo ponderado dos meios de actuação que facilitam a execução do crime ou pelo menos diminuam acentuadamente as possibilidades de defesa da vítima, mercê do modo frio, indiferente, calmo e imperturbadamente reflectido como foi planeada a morte. Consta ainda do último: A frieza de ânimo exprime uma situação pautada pela firmeza, tenacidade e irrevogabilidade de uma resolução tomada, ou pela indiferença ou insensibilidade, do agente, quando se age a sangue frio, de forma insensível, com indiferença pela vida humana. Acórdão de 20-11-2002, processo n.º 2818/02-3.ª - Considera-se em caso de uxoricídio, que tendo o arguido actuado motivado pelo ciúme obsessivo que o dominava desde há vários anos, tal situação não indicia frieza de ânimo, mas antes uma atitude fortemente emotiva. Acórdão de 15-10-2003, processo n.º 2024/03-3.ª, SASTJ n.º 74, pág. 126 – A “frieza de ânimo” deve entender-se como um estado ou uma atitude interna do agente, que manifesta forte insensibilidade e pensado domínio sobre o desvalor da acção, praticando o facto sem qualquer sentimento de inibição ou de apreensão de carácter perante o sofrimento da vítima, traduzindo uma deficiência de carácter, com manifestações acentuadamente desvaliosas na composição e revelação da personalidade. (Acórdão invocado pelo Colectivo de Santa Comba). Acórdão de 14-07-2004, processo n.º 1889/04-3.ª – A frieza de ânimo pode definir-se como o agir de forma calculada, com imperturbada calma, revelando indiferença e desprezo pela vida. Acórdão de 16-02-2005, processo n.º 3131/04-3.ª, CJSTJ 2005, 1, pág. 196 – Em caso de uxoricídio, após afastar-se o motivo fútil, considera-se funcionar, em pleno, o exemplo padrão da persistência, por mais de 24 horas, da intenção de matar, de uma vivência pensada, pré-ordenada a um fim, o que exclui um dolo de ímpeto, antes fundante de um dolo de acção, estado de espírito preenchido pela firmeza, tenacidade e irrevogabilidade de resolução criminosa que torna mais censurável o agente, revelando forte intensidade criminosa, que, tendo, oportunidade para se deixar penetrar, influenciar, por contra-motivos ético–sociais e jurídicos, se deixou contaminar pela paixão, endurecendo-lhe a sensibilidade e, sobretudo, a força de vontade. Acórdão de 10-03-2005, processo n.º 224/05-5.ª - A frieza de ânimo indica firmeza, tenacidade e irrevocabilidade da resolução criminosa. Acórdão de 20-12-2005, processo n.º 2887/05-5.ª, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 238 (igualmente em caso de uxoricídio) - A frieza de ânimo significa uma calma ou imperturbada reflexão no assumir, o agente, a resolução de matar. Consiste em a vontade se formar de modo frio, lento, reflexivo, cauteloso, deliberado, calmo na preparação e execução e persistente na resolução. Acórdão de 02-03-2006, processo n.º 472/06-5.ª - A frieza de ânimo deve rever-se na reflexão sobre os meios empregados ou na persistência na intenção de matar por mais de 24 horas. Acórdão de 09-03-2006, processo n.º 4420/05-5.ª, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 212 – Considera-se que há frieza de ânimo quando o agente age com sangue frio, revelando insensibilidade e indiferença pela vida humana e que a reflexão sobre os meios empregues se exterioriza na escolha dos meios mais idóneos a atingir o resultado “morte” com maior capacidade de êxito, diminuindo as possibilidades de defesa da vítima. No caso entendeu-se que a execução de um plano pré determinado de matar as vítimas, o anúncio do propósito de as matar, não vacilando quando uma das vítimas (sua irmã) o tentou chamar à razão e ainda o disparo de novo sobre ela, já caída a curtíssima distância e depois de ter recarregado a arma, porque aquela mexia as pernas, justifica a circunstância agravativa referida no artigo 132.º, alínea i), do C. P. Acórdão de 06-04-2006, processo n.º 362/06-5.ª – A formação do propósito de matar a vítima com antecedência e a sua persistência ao longo de várias horas, em suma, o calculismo e a frieza revelados no planeamento e execução de um crime não são incompatíveis com o surgimento e/ou a provocação de uma discussão entre aquela e o agressor, momentos antes do crime ter lugar. Acórdão de 17-01-2007, processo n.º 3845/06- 3.ª, CJSTJ 2007, tomo 1, pág. 170 (seguido de muito perto pelo acórdão de 23-05-2007, processo n.º 1495/07-3.ª) A frieza de ânimo terá lugar sempre que intercede um hiato temporal entre a ideação do meio a usar e a passagem à acção, por seu intermédio. A frieza de ânimo titula firmeza, propósito, tenacidade, irrevogabilidade da decisão, indiciada pela persistência durante um apreciável espaço de tempo, e, como tal, uma forte vontade criminosa, preenchendo o campo da consciência. Corresponde à premeditação prevista no CP de 1886, atribuindo-lhe a jurisprudência um sentido uniforme, de processo reflexivo, lento, ponderado e calmo na preparação do projecto criminoso; o agente age com frieza de ânimo quando selecciona os meios a utilizar na agressão; quando reflecte na opção pelo meio mais adequado, repudiando o que menos probabilidade de êxito se lhe oferece de um posto de vista pragmático, por ter em mente o que menos possibilidade de defesa se lhe representa para a pessoa da vítima. Acórdão de 14-11-2007, processo n.º 3163/07, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 244 – com definição de frieza de ânimo em caso de “homicídio de mercenário”. Acórdão de 02-04-2008, processo n.º 4730/07-3.ª (por nós relatado) - No caso considerou-se ser de afastar a qualificativa, por a mesma não ser compatível com estado de irritação (justificado do ponto de vista do arguido, na sequência da expressão injuriosa), devendo por outro lado, a acção sobrevir a uma ideia, a uma tomada de posição pensada, com um mínimo de reflexão antecipada, meditada, amadurecida, a algo que segue a necessário planeamento, a uma previsão e predisposição no sentido de levar por diante a intenção homicida, o que não acontecia no caso. Acórdão de 19-06-2008, processo n.º 2043/08-5.ª - Frieza de ânimo é uma circunstância relacionada com o processo de formação da vontade de praticar o crime, reconduzindo-se às situações em que se verifica calma, reflexão e sangue frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução, em suma, um comportamento traduzido na «firmeza, tenacidade e irrevocabilidade da resolução criminosa» (cf. ac. de 15-05-2008, proc. n.º 3979/07-5.ª e jurisprudência ali citada). Acórdão de 29-10-2008, processo n.º 3379/08 - 3.ª - A frieza de ânimo está relacionada com o processo de formação de vontade de praticar o crime e é entendida como a conduta que traduz calma, reflexão e sangue-frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução – cf. acórdão do STJ de 30-09-1999, proc. n.º 36/99-3.ª, SASTJ, n.º 33, pág. 94 - , ou consiste em a vontade se formar de modo frio, lento, reflexivo, cauteloso, deliberado, acalmo na preparação e execução persistente na resolução – cfr. acórdão do STJ de 17-02-2005, processo n.º 4216/04-5.ª, SASTJ, n.º 88, pág. 123). Acórdão de 12-11-2008, processo n.º 2826/08 - 3.ª - A frieza de ânimo está relacionada com o processo de formação de vontade de praticar o crime, reconduzindo-se às situações em que se verifica calma, reflexão e sangue-frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução, em suma, um comportamento traduzido na «firmeza, tenacidade e irrevocabilidade da resolução criminosa» – cf. acs. do STJ de 15-05-2008, proc. n.º 3979/07 (da 5.ª Secção e supra referido, a propósito da “imagem global do facto agravada”), e jurisprudência ali citada, e do supra referido acórdão de 19-06-2008, processo n.º 2043/08-5.ª. Acórdão de 11-02-2009, processo n.º 4132/08-3.ª - Versando caso de uxoricídio com frieza de ânimo (reunindo o arguido informações inclusivamente junto das filhas, que lhe permitissem escolher o dia e a hora propícios para o crime) e subsequente transporte do cadáver e acto de se desfazer dele, com simultânea simulação e meticulosa encenação de um assalto. Acórdão de 14-05-2009, processo n.º 389/06.8GAACN.C1.S1-3.ª - Considera a presença de frieza de ânimo com uso por parte de arguido com avançada idade, de forquilha e pau em vítima com 76 anos (Acórdão invocado pelo Colectivo de Santa Comba). Acórdão de 27-05-2009, processo n.º 58/07.1PRLSB.S1-3.ª - Considerando que o tempo de formação e a permanência da intenção, no caso, «pelo menos em momento anterior a uma semana antes» da data dos factos, revelam especial censurabilidade, a caber na actual al. j). Acórdão de 09-06-2010, processo n.º 862/09.6TBFAR.E1.S1-5. ª – Para efeito da al. j) do n.º 2 do art. 132.º do C. Penal, agir com frieza de ânimo significa actuar com serenidade, com o espírito límpido de emoções. E agir com reflexão sobre os meios empregados significa actuar depois de escolher e preparar cuidadosamente o modo de praticar o facto, revelando uma vontade especialmente determinada de cometer o crime e uma maior perigosidade, pela significativa diminuição das possibilidades de defesa da vítima. Acórdão de 14-10-2010, processo n.º 494/09.9GDTVD.L1.S1-5.ª - Afastada a qualificação em caso em que os arguidos actuaram no rescaldo de um confronto físico com a vítima, depois de esta lhes fazer uma grave ameaça e após terem ingerido várias bebidas alcoólicas, o que aponta em sentido contrário ao de actuação com frieza de ânimo, que remete para um estado de serenidade e calma aberto à ponderação. Acórdão de 20-10-2010, processo n.º 651/09.8PBFAR.E1.S1-3.ª - Em caso de parricídio tentado agindo o arguido com premeditação e frieza de ânimo. Sobre o tema podem ver-se ainda os acórdãos de 08-04-1987, BMJ n.º 366, pág. 280; de 12-07-1989, BMJ n.º 389, pág. 310; de 01-03-1990, processos n.º 40601 e n.º 40667, BMJ n.º 395, págs. 210 e 218; de 24-04-1991, processo n.º 41624, BMJ n.º 406, pág. 381; de 26-06-1996, processo n.º 533/96, SASTJ n.º 2, pág. 60; de 17-04-1997, processo n.º 1407/96-3.ª, SASTJ n.º 10, pág. 101 (englobando igualmente meio insidioso); de 13-11-1997, processo n.º 499/97, SASTJ n.º s 15/16, pág. 169; de 12-05-2005, processo n.º 1439/05-5.ª; de 21-06-2006, processos n.ºs 913/06 e 1559/06-3.ª; de 11-07-2007, processo n.º 1583/07-3.ª; de 26-09-2007, processo n.º 2591/07-3.ª; de 21-05-2008, processo n.º 1224/08-5.ª. Mais recentemente podem ver-se os acórdãos de 7-12-2011, processo n.º 830/09.8PBCTB.C1.S1-3.ª, CJSTJ 2011, tomo 3, pág. 227 (frieza de ânimo e reflexão sobre os meios) e de 29-05-2013, processo n.º 132/07.4JBLSB.L2.S1-5.ª, CJSTJ 2013, tomo 2, pág. 196 (afastando a integração da alínea). Revertendo ao caso em apreciação, o acórdão recorrido, a fls. 1374/5, teceu as seguintes considerações: “Age com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados e persistência na intenção de matar por mais de 24 horas, quem com insistência, determinação ainda que aparentemente doentia, e irrevocabilidade da resolução, iniciada pela persistência durante um apreciável lapso de tempo, revela forte intensidade da vontade criminosa. Aquele que prepara a sua actuação comprando álcool, armazenando-o, estudando os horários da vitima, os hábitos, o funcionamento do elevador, as chaves a utilizar, premedita por mais de 24 horas a forma de pôr fim á vitima do objecto do seu descontentamento. Para além disso demonstra uma intensidade dolosa indiscutível. Não pode o recorrente invocar negligência e ainda por cima grosseira, quando reúne uma enorme quantidade de álcool etílico, escolhe o elevador para fechar as suas vitimas, ou seja escolhe a forma e o local de lhes por termo. Se queria apenas assustá-las não precisava fazê-lo naquele local, não precisava de tanta quantidade de álcool etílico, não precisava parar o elevador a meio nem precisava da chave para manobrar as portas e os mecanismos do cubículo em que encerrou a cunhada, a sobrinha e o segurança destas.” A conduta provada do recorrente configura sem qualquer dúvida uma actuação com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios a empregar e modo de actuação, incluindo o momento, o local da prática dos crimes, municiando-se atempadamente dos materiais e objectos de que carecia para executar o plano, fazendo-o ao longo de duas semanas, sendo conhecedor das rotinas diárias das vítimas, pois morava no 2.º andar, fracção M, e a cunhada e sobrinha, no 3.º andar, fracção M, sabendo que diariamente eram acompanhadas pelo segurança. Após a formulação do plano para por termo à vida da cunhada e sobrinha procedeu à aquisição de duas embalagens de plástico para transporte de combustível, que foi enchendo com cerca de 3 litros de etanol adquiridos ao longo de duas semanas, agindo com sangue frio, como demonstra a experiência dias antes no elevador com a chave sextavada, fazendo o elevador parar no piso intermédio e verificando que conseguia abrir a porta, procedendo à guarda das embalagens de plástico com álcool etílico e os isqueiros no cubículo existente junto ao elevador no piso intermédio entre o r/c e o 1.º piso, onde iria actuar, tudo conforme os factos dados por provados nos pontos 12, 13 e 17. Como ressalta dos factos dados por provados, o arguido começou por “… engendrar um plano para por termo à vida de EE e DD” - FP 10 -, “decidiu matá-las” - FP 11 -, “Com tudo preparado, o arguido, que já sabia as rotinas das vítimas, uma vez que vivia no mesmo prédio que elas, decidiu executar o plano gizado” - FP 14 -, sendo que nessas rotinas se incluía o acompanhamento das vítimas pelo segurança GG - FP 8. Conclui-se estar igualmente preenchido o exemplo-padrão do artigo 132.º, n.º 2, alínea j), do Código Penal.
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Antes de abordarmos a questão da dosimetria da pena, quer no que toca aos crimes de homicídio qualificado, quer no que tange à pena conjunta, atenta a motivação ora apresentada e segmento conclusivo serem simétricos com os anteriormente apresentados no recurso para a Relação, é de colocar uma questão prévia relacionada com a rejeição ou não de recurso em tais condições.
Questão Prévia II – (In)Admissibilidade do recurso por reedição/renovação na íntegra no presente recurso da motivação e das conclusões apresentadas no anterior recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa
Como se referiu supra, o recorrente no segmento da medida da pena, repete ipsis verbis, em jeito de segunda edição não revista nem ampliada, o alegado no anterior recurso, defendendo a redução das penas aplicadas, entendendo que se deveriam situar mais próximas dos seus mínimos legais, como expõe nas conclusões 13.ª e 14.ª. Vindo o presente recurso interposto de acórdão da Relação de Lisboa, ao cotejarmos a motivação e as conclusões ora apresentadas com as que foram formuladas no recurso dirigido ao acórdão de Sintra, ressalta à evidência a quase total coincidência entre umas e outras, estando-se perante um mero decalque, uma cópia, uma “nova edição”, praticamente não revista, e não melhorada, do recurso anterior, uma reprodução quase integral, em que nada de novo se acrescenta. O recorrente no recurso interposto da decisão de primeira instância apresentou uma motivação - de fls. 1246 a 1259 verso - com 23 conclusões. No presente recurso - fls. 1396 a 1404 – o recorrente sintetiza as suas pretensões recursivas em 15 conclusões. Como vimos, ao longo da motivação o recorrente reporta apenas a questão da medida da pena, apenas “intrometendo” nas conclusões 1.ª e 2.ª, questões diversas, como o princípio in dubio pro reo e alteração da qualificação jurídica.
Ora, no que respeita à questão da medida da pena, o presente recurso mais não é do que a mera repetição do anterior, repetindo o recorrente o que então alegara, o que com toda a clareza se alcança da leitura da motivação anterior, correspondendo a actual, constante de fls. 1396 a 1402, ao que constava a fls.1255 a 1257, incluindo versos e fls. 1258 do anterior recurso, reproduzindo inclusive os mesmíssimos realces (sublinhados, negrito e itálico) e a repetição dos três acórdãos invocados, a fls. 1255 a 1257 do anterior e no novo de fls.1397 a 1400. Comete-se inclusive no presente recurso o mesmo lapso cometido no primeiro, consistente no facto de repetir à distância de uma página a transcrição de parte do mesmo acórdão do STJ de Janeiro de 2000, processo n.º 1193/99, 3.ª Secção e igualmente a transcrição de sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3-02-99, recurso n.º 978/98 (parte da transcrição na mesma página), de fls. 1255 verso a 1257 no anterior recurso e no presente recurso de fls. 1397 a 1400. Percorrendo o segmento conclusivo, no que toca à matéria que ora nos ocupa, as conclusões 3.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ª, 7.ª, 8.ª, 9.ª, 10.ª, 11.ª, 12.ª, 13.ª, 14.ª e 15.ª do presente recurso - fls. 1403/4 - são a reprodução letra a letra do que se continha nas conclusões 11.ª, 12.ª, 13.ª, 14.ª, 15.ª, 16.ª, 17.ª, 18.ª, 19.ª, 20.ª, 21.ª, 22.ª e 23.ª do anterior recurso - fls. 1528 verso e 1259. Uma transposição pura e simples, sem o mínimo esforço inovador e mesmo sem qualquer revisão de texto. O recorrente age como se estivesse de novo, em segundo “round”, a reagir contra o acórdão do tribunal de Sintra, olvidando por completo a reapreciação realizada pela Relação de Lisboa. Em termos globais, o presente recurso mais não é do que a mera repetição do recurso anterior, sem qualquer inovação, melhoria ou acrescento, sem introduzir o recorrente qualquer mais valia, elemento novo, diversa perspectiva de observação e análise, esquecendo que o acórdão a impugnar é agora outro. Sendo os argumentos agora utilizados, na sua totalidade, exactamente os mesmos que foram dirigidos ao acórdão da primeira instância (incluída a alusão à comunicação social e referência ao “monstro de ...” nas conclusões 7.ª a 10.ª e antes conclusões 15.ª a 18.ª, tal significa que, em rigor, o recorrente não impugna o acórdão da Relação, fazendo tábua rasa do aí decidido, esquecendo-se que a decisão agora em reexame é esta e não a da 1.ª instância. Reeditando agora os argumentos e as questões anteriormente postas à consideração da Relação, limita-se o recorrente a devolver ao Supremo Tribunal, exactamente as mesmas questões que colocadas foram à Relação de Lisboa, que sobre elas se pronunciou, agindo como se estivesse a recorrer, afinal, uma outra vez, em segunda via, da deliberação do tribunal de Sintra. A discordância nesta sede só fará sentido se dirigida à solução perfilhada pela Relação, com argumentos novos, específicos, dirigidos ao novo acórdão, com outros enquadramentos, explicitando razões jurídicas novas, dirigidas à nova decisão, agora recorrida, que infirmem os fundamentos nesta apresentados, pois agora é o acórdão da Relação o objecto de recurso e não a já reapreciada decisão da 1.ª instância. Tendo esta sido objecto de conhecimento e decisão na Relação, o recurso com tais características só poderá ser entendido como mera repristinação do inconformismo com o deliberado pela 1.ª instância. No caso presente, não há um novo esforço argumentativo, limitando-se o recorrente a repetir a linha argumentativa explanada junto do Tribunal da Relação, ignorando a existência do acórdão da Relação de Lisboa, e as respostas por este dadas, relativamente ao qual, no fundo, não diz rigorosamente nada de novo, ou diverso. Nestes casos é de colocar a questão de saber se o recurso é de rejeitar por manifesta improcedência. Para uma corrente jurisprudencial o recurso nestas condições é de rejeitar. Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 14 de Novembro de 2002, proferido no processo n.º 3092-5.ª “Quando o STJ é confrontado com um recurso da Relação, são os fundamentos do decidido em 2.ª instância que importa verificar e, não, os da decisão de 1.ª instância já sufragados pelo tribunal recorrido. Daí que quando o recorrente se limita a uma espécie de recauchutagem (…) dos fundamentos de recurso que apresentou perante a Relação, sem nada de novo trazer à discussão, verdadeiramente não apresenta motivação. O recurso que em tudo reedita o pretenso inconformismo do recorrente perante o deliberado em 1.ª instância não pode ser conhecido - não deveria, mesmo, ter sido admitido – por carência absoluta de motivação - arts. 411.º, n.º 3 , 414.º, n.º 2, e 417.º, n.º 3, al. a), do CPP”. No mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos de 17-10-2002, processo n.º 2815/02, de 12-12-2002, processo n.º 3221/02, de 22-05-2003, processo n.º 1672/03 e de 27-05-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209, onde se pode ler “é de rejeitar o conhecimento do recurso interposto para o STJ, no qual o recorrente se limita a reeditar toda a argumentação já expendida no recurso antes interposto para o Tribunal da Relação e à qual aí se deu a necessária resposta”. E igualmente no sentido de falta de motivação se pronunciou o acórdão de 22-09-2004, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 158, onde se sintetiza: “No recurso interposto do Tribunal da Relação para o STJ devem-se especificar as razões de discordância com o ali decidido, pelo que a renovação da argumentação da impugnação interposta inicialmente para aquele Tribunal, sem qualquer novidade, equivale a falta de motivação, conducente à sua rejeição liminar”. Ou, como se extrai do acórdão de 24-01-2007, processo n.º 4812/07- 3.ª : «A repetição das conclusões ante as instâncias de recurso, particularmente as da Relação perante o STJ, ignorando o teor da decisão proferida na Relação, a qual subsiste inimpugnada e não contrariada em ordem à reparação do erro, conduz à rejeição do recurso por manifesta improcedência, tudo se passando como se a motivação estivesse ausente». Ainda neste sentido, podem ver-se os acórdãos de 12-04-2007, nos processos n.ºs 255/07 e 516/07, ambos da 5.ª secção, e de 02-10-2008, processo n.º 4725/07 – 5.ª, onde se afirma: «Quando, no recurso para o STJ, o recorrente nada acrescentou ao que já havia alegado quando se dirigiu à Relação, limitando-se a repetir a motivação, à qual, nesse anterior recurso, já fora dada cabal resposta, que o recorrente ignorou em absoluto, o recurso apresenta-se como manifestamente infundado, por isso sendo rejeitado». Como se disse no acórdão deste Supremo e desta 3.ª Secção, de 7 de Novembro de 2007, processo n.º 3990/07: «Quando a questão objecto do recurso interposto para o Supremo seja a mesma do recurso interposto para a Relação, tem o recorrente de alegar (motivando e concluindo) como fundamento do recurso, as razões específicas que o levam a discordar do acórdão da Relação: - É que o acórdão recorrido é o acórdão do tribunal superior – o tribunal da Relação-, que decidiu o recurso interposto e, não o acórdão proferido na 1ª instância. Não aduzindo o recorrente discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, que infirme os fundamentos apresentados pela Relação, no conhecimento e decisão da mesma questão já suscitada no recurso interposto da decisão da 1ª instância, há manifesta improcedência do recurso assim interposto para o Supremo». Em sentido oposto pode citar-se, v. g., o acórdão de 10-10-2007, proferido no processo n.º 3315/07-3.ª (com um voto de vencido), aí se defendendo que a hipótese de rejeição em caso de reprodução da argumentação do recurso dirigida à Relação não está prevista na lei, explicitando, a propósito: “…os casos de rejeição do recurso, atenta a sua finalidade de reparação de eventual erro judiciário, de melhor decisão no plano substancial, ultrapassando o fim de mero “refinamento” teórico, levam a que se tenha presente que o recorrente pode discordar da decisão da Relação, repetindo os fundamentos antes invocados, por estar convicto de que aquela lhe não deu resposta, justificando a sua duplicação para o STJ e que, sem mais, se não lance mão daquele expediente radical”. No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do mesmo dia e secção, no processo n.º 2684/07, conhecendo-se, ainda, por obviamente admitidos, de recursos nestas condições, nos acórdãos de 17-10-2007, no processo n.º 3265/07 e de 17-04-2008, nos processos n.ºs 677/08 e 823/08, todos da 3.ª secção, podendo ainda ver-se o acórdão de 22-10-2008, processo n.º 3274/08-3.ª. No acórdão de 19 de Janeiro de 2011, processo n.º 376/06.6L1.S1, desta Secção, após citar-se o acórdão de 7-11-2007, consta: «Porém, se nos afastarmos dessa perspectiva um tanto redutora ou restritiva, de ordem processual formal, e esgrimirmos numa vertente quiçá mais garantística da ratio do artº 32º nº1 da Constituição da República, poderá dizer-se que embora o recorrente reedite no presente recurso para o Supremo, as mesmas conclusões apresentadas no recurso interposto para a Relação - e, por isso, as questões ventiladas no recurso são as mesmas, e, embora não aduza discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, não explicitando razões jurídicas novas perante o acórdão da Relação, que infirmem os fundamentos apresentados pela Relação no conhecimento e decisão das mesmas questões -, não significa, contudo, que fique excluída a apreciação dessas mesmas questões mas agora relativamente à dimensão constante do acórdão recorrido, o acórdão da Relação, no que for legalmente possível em reexame da matéria de direito perante o objecto do recurso interposto para o Supremo, pois que o recurso enquanto remédio, é expediente legal para correcção da decisão recorrida (não seu mero aperfeiçoamento), como meio de impugnar e contrariar a mesma, embora, sem prejuízo de, se nada houver, de novo, a acrescentar relativamente aos fundamentos já aduzidos pela Relação na fundamentação utilizada para o julgamento dessas mesmas questões, e que justifique a alteração das mesmas, seja de concluir por manifesta improcedência do recurso, pois que caso concorde com a fundamentação da Relação, não incumbe ao Supremo que justifique essa fundamentação com nova argumentação». Acolhemos esta orientação nos acórdãos de 30-04-2008, no processo n.º 4723/07, de 25-06-2008, no processo n.º 449/08, de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07, de 21-01-2009, no processo n.º 2387/08, de 06-07-2011, no processo n.º 774/08.0JFLSB.L1.S1, de 11-12-2012, processo n.º 951/07.1GBMTJ.E1.S1, e revendo-se, a partir do primeiro citado, a posição assumida nos acórdãos de 10-10-2007, no processo n.º 3197/07 e de 12-03-2008, no processo n.º 112/08, por a repetição/renovação de motivação não dever ser equiparada à sua falta e não estar prevista a possibilidade de rejeição de recurso para os casos em que o recorrente se limita a repetir a argumentação já apresentada no recurso interposto para o Tribunal da Relação. Mais recentemente, neste sentido se pronunciou o acórdão de 29-05-2013, processo n.º 1264/11.0PCSTB.E1.S1-3.ª, CJSTJ 2013, tomo 2, pág. 185. Pelo exposto, entende-se não ser de rejeitar o recurso, não sendo de colocar o óbice da inadmissibilidade do recurso por esta razão.
Questão I - Medida das penas aplicadas pelos homicídios qualificados.
Em causa apenas as medidas das penas aplicadas a cada um dos três homicídios qualificados, atenta a irrecorribilidade quanto à pena parcelar aplicada pelo crime de incêndio. A moldura abstracta penal cabível ao crime de homicídio qualificado é de prisão de doze a vinte e cinco anos. Dentro desta moldura funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente: - O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; - A intensidade do dolo ou da negligência; - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; - As condições pessoais do agente e a sua situação económica; - A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; - A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
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No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição os acórdãos de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 19-12-1994, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 38627 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42. Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 277, págs. 210/211. A refutação de tal critério foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e Alfredo Gaspar, em anotação ao acórdão de 2 de Maio de 1985, in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, in Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73. Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255. E no acórdão de 27-02-1991, in A. J., n.º 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar. Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g., os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de 17-10-1991, BMJ n.º 410, pág. 360.
Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.
Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial). A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena. A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40.º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado. Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa». Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP). Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida: 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
No dizer de Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição 1998, AAFDL, pág. 25, «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».
Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção. Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa. Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito. Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar. O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena. Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.
Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 218 (e pág. 224 na 4.ª edição actualizada de Abril de 2011), defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito.
Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista.
Figueiredo Dias, em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. Ainda de acordo com o mesmo Professor, na mesma obra de 1993, § 280, pág. 214 e repetido nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»). As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena». Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”. Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética: “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”. E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.
Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão de 10-04-1996, processo n.º 12/96, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “ O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa (juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito) a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva. Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”. Ainda do mesmo relator, e a propósito de caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, processo n.º 356/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social” - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial». Uma outra formulação, em síntese, na esteira de Figueiredo Dias, “As consequências jurídicas do crime 1993”, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do STJ de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos publicados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização. Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”. No sentido deste último segmento, ver do mesmo relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.
A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de 09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00-5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01-5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01-5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5.ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª; de 10-11-2010, processo n.º 145/10.9JAPRT.P1.S1-3.ª; de 29-06-2011, processo n.º 21/10.5GACUB.E1.S1-3.ª; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1; de 05-12-2012, processo n.º 250/10.1JALRA.E1.S1; de 5-06-2013, processo n.º 7/11.2GAADV.E1.S1-3.ª; de 11-06-2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1-3.ª. Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se no entanto de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido. O limite mínimo da pena a aplicar é assim determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e ss.. Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou como diz o acórdão de 22-09-2004, processo n.º 1636/04-3.ª, in ASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”. Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste STJ de 16-01-2008, processo n.º 4565/07 - 3.ª: «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento. O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição. O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente».
Revertendo ao caso concreto.
Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão de primeira instância, que recolheu os elementos necessários e suficientes para o efeito e teve em vista os parâmetros legais a observar, bem como o contexto de actuação do arguido, e que foram acolhidas pelo acórdão recorrido, havendo apenas que considerar algumas especificidades do caso ora submetido a reapreciação. Sobre a questão da determinação da medida concreta da pena, discorreu o acórdão recorrido, de fls. 1377, in fine, a 1380, nos termos que seguem (incluídos os realces): “Vejamos agora no que respeita à pena: O quantum da pena sempre apaixonou e estimulou os criminalistas, ao longo dos tempos e das civilizações. A pena não deve ser brutal ou desumana (Bettiol), mas também não pode ser insuficiente. Ela tem de corresponder ao que o homem comum aceita como meio idóneo para atingir os fins de ressocialização (artº 40º CP) e de prevenção (geral e especial). Ela tem de ter a medida da culpa do que viola a norma jurídica e os valores comuns. A função da culpa encontra-se consagrada no artº 40º nº 2 do Código Penal que estabelece: Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Ela será o montante justo e proporcional do desvalor da acção, com a dosimetria bastante para contribuir para a pacificação social, e que dê confiança aos cidadãos de que a Justiça funciona para tutelar a paz e a tranquilidade públicas. Aceita-se que a pena deve ser o mais eficaz possível, funcionando como inibidora de violação futura, do que penosa para quem a sofre e tem de cumprir (primado da prevenção geral. Protege o legislador o bem mais precioso da nossa cultura - a Vida o objecto mais relevante da tutela penal, o bem jurídico supremo. Não a protege o Estado apenas por obséquio ao indivíduo, mas, como diz Nelson Hungria, por indeclinável interesse público ou atinente a elementares condições de vida em sociedade. O bem Vida está ainda e não poderia deixar de ser assim, constitucionalmente acautelado ao fazer-se a clara condenação da pena de morte. A protecção da Vida Humana tem desafiado as mais íntimas preocupações da Humanidade levando as Nações a subscrever acordos com tal objectivo como a Convenção Universal dos Direitos do Homem a Convenção Europeia e a Inter- americana. Conotados de forma inequívoca com a culpa os exemplos, ou qualquer dos exemplos contidos no artº 132º contem em si, ou devem necessariamente conter em si, a especial censurabilidade e perversidade necessária ao elevar da pena. Nesta qualificação pune-se um grau mais elevado de culpa, um especialmente elevado grau de culpa. Só ponderando as circunstâncias externas e internas do caso concreto no seu conjunto, se pode chegar com serenidade e certeza, à conclusão da existência da especial censurabilidade e da perversidade da conduta do agente. A culpa é sempre o grau de censurabilidade que se faz do facto ao agente, ou seja a censura que se lhe faz de se poder ter determinado de acordo com a norma neste ou naquele caso concreto e, não o ter feito. O artº 132º trata não uma censurabilidade normal do agente mas de uma censurabilidade especial. Ou seja, as circunstâncias em que a morte ocorreu, são de tal forma violentas e portanto graves que reflectem uma conduta ou uma atitude por parte do agente profundamente distanciada dos valores que regem uma sociedade. Como diz Teresa Serra "a especial censurabilidade refere-se às componentes da culpa relativas ao facto, ou seja, funda-se naquelas circunstâncias que podem revelar um maior grau de culpa como consequência de um maior grau de ilicitude". No mesmo sentido Sousa Brito na sua lição proferida em 23.11.87 no âmbito do Curso de Direito Penal II. Mais não necessita dizer-se para além do que bem disse o tribunal a quo. Dentro dos limites da pena abstracta aplicável a determinação da sua medida far-se-á em função da culpa do agente, tendo em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e considerando todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (artº 71º do C.P.). Na decisão recorrida foram devidamente ponderadas todas circunstâncias, pelo que nos dispensamos de voltar a repetir o aí referido. Acresce que a pena resulta de um cumulo necessariamente jurídico por imposição legal. Na verdade apesar de serem 3 as vitimas da sua actuação, a pena limita-se à pena aplicada a um só crime de homicídio como se só de uma vitima se tratasse. No entanto esta discussão não será aqui feita já que a mesma pertence ao legislador fazer e, assim sendo confirma-se a pena encontrada para a pratica ocorrida. A opção pela pena fixada está devidamente fundamentada e encontra-se delimitada à medida da culpa do recorrente. O acórdão recorrido está de tal forma bem elaborado que não é passível de qualquer reparo. Tanto na ponderação da medida concreta da pena como na sua determinação o Tribunal foi minucioso fundamentando passo a passo a decisão tomada. Também não se vislumbra qualquer possibilidade de recorrer ao in dubio pro reo. (…)
Ao arrepio da lógica de análise e apreciação, após tratamento da questão “final” da medida da pena, que pressupõe necessariamente o definitivo assentamento da facticidade apurada e do tratamento subsuntivo, passa o acórdão recorrido, de imediato, acto contínuo, sem qualquer separador, a tratar questões que têm a ver com prova e respectiva apreciação, dizendo não haver lugar ao princípio in dubio pro reo, o que faz a fls. 1380 a partir do quarto parágrafo, continuando a fls. 1381. Após abordar a violação do princípio in dubio pro reo e antes de passar para considerações sobre apreciação da prova e o artigo 127.º do CPP, sobre o tema intromete-se um parágrafo, a fls. 1381, do seguinte teor: “Tenha-se em conta ainda ao repensar a medida da pena, o infeliz comentário do recorrente quando diz que todo o sofrimento das vítimas é pouco comparado ao que o fizeram sofrer. O dolo directo e intenso, a premeditação, a censurabilidade, a ausência de qualquer hesitação quanto aos factos que cometeu, são de tal forma evidentes e estão de tal forma consubstanciados que o triplo homicídio em causa só pode ser censurado como o foi”. (…).
Por seu turno, o acórdão do Colectivo de Sintra, pronunciando-se sobre a medida concreta da pena, de fls. 1221 a 1225, e após introdução, a partir de fls. 1222, versando o caso concreto, afirma (incluídos os negritos): “No que respeita à execução dos factos, o triplo homicídio dos autos evidencia uma elevadíssima ilicitude e culpa pois mostra-se invulgarmente qualificado pela cumulação de cinco circunstâncias qualificadoras cujo alcance já foi acima analisado. Entre as características extra-típicas dos crimes de homicídios e de incêndio em presença sobressaem as circunstâncias nada despiciendas de o arguido ter ceifado a vida a duas familiares próximas, e de o arguido ter executado o seu plano criminoso para ajustar contas com as referidas vítimas, no próprio prédio em que residia e a uma hora em que a maioria dos condóminos ainda não se tinha ausentado, com recurso a métodos a fazer lembrar a pena mais grave aplicada em tempos idos pelos Tribunais da Inquisição do Santo Ofício – a morte pelo fogo sem direito a estrangulamento prévio pelo garrote –, havendo assim a manifestação de uma profunda malvadez e de um total desrespeito pela vida e integridade física das pessoas que bem conhecia e com quem cruzava quotidianamente. Por outro lado, a acção típica do arguido surge no contexto de um conflito arrastado no tempo, pois aquele mantinha com as vítimas suas familiares uma relação societária atribulada há mais de uma década a respeito da gestão e da divisão da sociedade. O dolo deste arguido foi directo e intenso, como sucede naturalmente neste tipo de criminalidade. No confronto com as lesões efectivas de bens jurídicos pessoais como a vida de três pessoas, o crime de incêndio constitui obviamente a infracção criminal menos grave cometida pelo arguido, mas não se pode perder de vista que o fogo posto pelo arguido no elevador n.º 2 do prédio onde residia danificou os dois elevadores – contíguos entre si – e os respectivos poços de elevador, assim como fez propagar fumos tóxicos pelas áreas comuns do prédio com afectação do sistema respiratório de alguns condóminos. No que respeita à personalidade do arguido, importa ter presente que arguido Francisco Ribeiro tinha 58 anos de idade quando praticou os factos sob julgamento e que apenas tinha antecedentes criminais recentes traduzidos na comissão de crimes contra a honra da vítima DD. O arguido desenvolveu-se num contexto familiar aparentemente ajustado e fez um percurso pessoal, familiar e profissional linear e investido, conseguindo reunir boas condições de vida para si e para a família, até um período de vida recente. Esta estabilidade vivencial viria a sofrer alterações com o agravamento da situação económica após o seu afastamento, por via judicial, da gerência da empresa da qual era sócio há vários anos e que constituía a sua principal fonte de sustento. Uma situação económica deficitária e limitações nas competências de auto-gestão e de resolução de problemas constituíram-se como factores de risco, que aliados à dificuldade em assumir as suas fragilidades pessoais e a características psicológicas de introversão, bem como à necessidade de manter um nível de vida desafogado, contribuíram para que Francisco Ribeiro não lograsse encontrar uma solução pró-social alternativa para os seus problemas. Conhecidas as consequências do seu comportamento, o arguido não confessou o seu plano criminoso nem manifestou qualquer arrependimento pelo mal praticado durante o julgamento. As necessidades de prevenção geral são elevadíssimas relativamente aos crimes de homicídio cometidos, pois o crime em questão afecta o bem jurídico mais valioso e provoca invariavelmente forte alarme social, reclamando assim uma forte resposta de reposição da eficácia da norma jurídica e dos bens jurídicos afectados. Menores preocupações ditarão o crime de incêndio mas a verdade é que os resultados só não foram piores no plano da propagação do fumo resultante da combustão do elevador mercê da pronta intervenção dos bombeiros. Não obstante o arguido ter antecedentes criminais apenas em matéria de crimes contra a honra, contar actualmente 59 anos de idade e apresentar integração familiar, as necessidades de prevenção especial são elevadíssimas, pois o arguido matou três pessoas numa mesma ocasião em virtude de um litígio societário ainda pendente e a relação entre o arguido e a assistente BB – a única sócia-gerente sobreviva da FF – é necessariamente duradoura e não se mostra pacificada.
Conforme já se referiu antes, a culpa do arguido é elevadíssima relativamente ao triplo homicídio tendo por vítimas familiares muito próximas do arguido, não obstante o litígio existente relativamente à gerência e divisão da sociedade. Tudo ponderado, entende-se como ajustada a aplicação ao arguido das penas de 22 anos de prisão por cada um dos três crime de homicídio qualificado – uma pena situada um pouco abaixo do limite máximo da moldura penal, mercê do preenchimento simultâneo de múltiplas circunstâncias qualificadoras do homicídio e da ausência de arrependimento, mas também em virtude da idade do arguido e do seu carácter primário em matéria de crimes contra a vida. E entende-se como ajustada a aplicação ao arguido da pena de 6 anos de prisão pelo crime de incêndio – uma pena situada no topo da metade inferior da moldura penal em virtude das concretas circunstâncias pessoais e patrimoniais do incêndio dolosamente causado pelo arguido num dos elevadores do prédio onde o próprio arguido residia, sendo que os fumos tóxicos se propagaram pelo poço do elevador e afectaram a integridade física dos condóminos”.
**** Vejamos se no caso em reapreciação é de manter, ou antes reduzir, as penas aplicadas pelos crimes de homicídio qualificado, como defende o recorrente que, pretendendo redução substancial da medida das penas, não concretiza a pretensão, apenas defendendo deverem situar-se próximo dos mínimos legais, como se expressa na conclusão 13.ª. Há que assinalar desde já que o presente caso assume alguma especificidade, atendendo a que a qualificação dos três homicídios assenta na verificação de cinco exemplos-padrão – como vimos, o recorrente foi condenado por homicídio qualificado, por se terem por presentes os factos - índice previstos nas alíneas d), e), h), i) e j) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, com relevo para a qualificação da conduta do recorrente como especialmente censurável ou perversa. Concorrem, pois, para a qualificação, no caso sujeito, cinco exemplos-padrão.
Vejamos em que medida interfere, ou não, a presença certificada de mais do que uma qualificativa, numa moldura abstracta penal, agravada por verificação de mais do que um exemplo-padrão, no caso quíntupla, a nível da determinação da medida concreta da pena.
Princípio da proibição de dupla valoração na medida da pena (parcelar).
De acordo com o n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, «na determinação concreta da pena, não devem ser tomadas em consideração as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime». Abordando a questão, a montante, ou seja, perante um quadro que configure concurso de circunstâncias qualificativas, modificativas, fixadas pelo legislador, por si só determinantes, mas bastando uma apenas, de uma moldura penal agravada. A propósito da figura do concurso neste específico conspecto, refere Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, no § 42, pág. 45, citando Teresa Serra, Homicídio Qualificado. Tipo de Culpa e Medida da Pena, 1990, 50, que no caso de concurso de elementos constitutivos de mais de um exemplo-padrão, ambos com relevo para a qualificação da atitude do agente como especialmente censurável ou perversa, um tal concurso só poderá ter efeito, se dever tê-lo, na determinação da medida da pena. Por seu turno, afirma a citada Autora, na aludida obra, Livraria Almedina, 1990, no ponto 3.7.4, a págs. 101/2, a propósito do concurso em equação, que “não pode aceitar-se a existência de problemas de concurso nem entre a verificação de diversos exemplos-padrão, nem entre tipo fundamental (artigo 131.º) e regra de determinação da moldura penal do grupo valorativo de homicídios especialmente graves, nem entre esta e a regra de determinação da moldura penal contida no artigo 133.º (homicídio privilegiado). E isto é assim, em virtude destes preceitos não conterem verdadeiros tipos de crimes, mas apenas regras modificativas da moldura penal do homicídio”. E avança: “Daí que não possa encarar-se como concurso ideal o caso do homicídio qualificado em que se verifica o preenchimento de dois ou mais exemplos-padrão. Aqui, quando muito, poderá verificar-se a ocorrência do efeito de indício numa medida ainda mais intensa, mas nunca considerar-se como uma questão de concurso. Mais correcta será, contudo, a eleição de uma das circunstâncias como decisiva para a determinação da moldura penal aplicável, enquanto a outra será tomada em consideração, como agravante, na fixação da medida concreta da pena». (Realces nossos). Num outro plano, a juzante, a fazer actuá-lo, mesmo que se esteja perante uma única qualificativa, há que ter em conta o princípio da proibição da dupla valoração da culpa nestes casos, sob pena de violação do princípio in bis in idem, impedindo que esta actue como factor de ponderação da medida de pena, uma vez que já foi considerada na própria qualificação do crime. De acordo com Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 314, pág. 234, a propósito do princípio da proibição de dupla valoração vertido no n.º 2 do então artigo 72.º (actual artigo 71.º) do Código Penal, enuncia como sua justificação que “não devem ser utilizadas pelo juiz para determinação da medida da pena circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto; e portanto não apenas os elementos do tipo de ilícito em sentido estrito, mas todos os elementos que tenham sido relevantes para a determinação legal da pena”; por outras palavras, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime não devem ser tomadas em consideração na medida da pena; ou seja, os factos que consubstanciam um crime de homicídio qualificado não podem ser novamente valorados na quantificação da culpa para efeitos da medida da pena. Teresa Serra, na citada obra Homicídio Qualificado, agora no ponto 3.7.5, versando sobre “A proibição da dupla valoração”, a págs. 103/4, especifica a propósito da proibição do duplo aproveitamento ou da dupla valoração de elementos do tipo de crime na determinação da medida concreta da pena, prevista no n.º 2 do artigo 72.º (actual 71.º), dizendo: «Nestes termos, é proibido aproveitar mais uma vez circunstâncias que levaram à formação da moldura penal, e que são pressupostos da sua aplicação, na fixação da medida da pena no caso individual». E explica: «A fundamentação desta proibição é evidente: os elementos do tipo de crime foram já ponderados no âmbito da determinação da moldura penal e, desse modo, constituem já pressupostos da medida concreta da pena, que há-de ser escolhida dentro dos limites daquela moldura, sem que os referidos elementos a possam voltar a influenciar”. Assim, nem sequer se torna necessário o recurso ao princípio ne bis in idem, como tradicionalmente se entendia, cuja aplicação neste contexto é duvidosa, dada a natureza “logicamente inimpugnável”, de uma proibição como esta”, dizendo ainda que “a proibição do duplo aproveitamento constitui (…) “uma verdade jurídico-penal banal e um princípio cuja violação é considerado um erro crasso”». Como refere o acórdão deste Supremo Tribunal de 25 de Fevereiro de 2010, proferido no processo n.º 108/08.4PEPDL.L1.S1-5.ª, as circunstâncias que serviram para a qualificação do crime (de homicídio) – no caso alíneas b) e j) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal – não podem ser novamente consideradas na graduação da pena. Mas acrescenta: “são circunstâncias agravantes para o efeito da graduação da pena, dentro da moldura já de si especialmente agravada do crime, a surpresa com que o arguido agiu, a sua superioridade física, o meio de agressão utilizado, bem como a reiteração das pancadas, a presença no local da filha menor de 14 anos de idade e ainda os sentimentos revelados nas frases que proferiu durante e já após a sua actuação”. Fazendo aplicação destes princípios, podem ver-se os acórdãos, por nós relatados, de 24 de Março de 2011, no processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1, de 29 de Junho de 2011, no processo n.º 21/10.5GACUB.E1.S1 (em ambos presentes dois exemplos-padrão); de 30 de Novembro de 2011, no processo n.º 238/10.2JACBR.S1 (no caso com verificação de apenas um exemplo-padrão, o da alínea j), após afastamento da alínea b), considerada não preenchida); de 12 de Setembro de 2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1 (presentes dois exemplos-padrão, os das alíneas b) e j)), de 26 de Setembro de 2012, processo n.º 460/10.1JALRA.C1.S1, com os exemplos padrão das alíneas d), h) e j) e ainda o acórdão de 16 de Junho de 2011, proferido no processo n.º 600/09.3JAPRT.P1.S1, da 5.ª Secção, em que em caso de uxoricídio, aplicando pena de 16 anos, e não a pena de 20 anos, aplicada na primeira instância, e a de 18 anos, fixada na Relação, se entende que o preenchimento da alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º já não será ponderado para efeitos da determinação da medida da pena pelo crime, como é imposto pela proibição da dupla valoração. Em caso de homicídio qualificado com a presença das qualificativas das alíneas a) - parricídio - e j), do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, pondera o acórdão de 13-11-2013, proferido no processo n.º 2032/11.4JAPRT.P1.S1-3.ª: “O n.º 2 do artigo 71.º do CP exclui a valoração, na determinação da pena, das circunstâncias que fazem parte do tipo, impedindo assim que a mesma circunstância seja valorada duas vezes: como elemento do tipo de ilícito; e subsequentemente como circunstância agravante na determinação da medida concreta da pena. Não haverá dupla valoração quando as circunstâncias que preenchem um elemento típico ultrapassam, em razão da intensidade ou dos efeitos, a normalidade, adquirindo um carácter superlativo. Nesse caso, podem tais circunstâncias ser valoradas em sede de medida da pena, sem que tal importe a violação da regra da proibição da dupla valoração. No caso, a decisão recorrida revela como as circunstâncias que qualificaram o crime de homicídio foram consideradas na medida da pena somente enquanto expressão extremamente desvaliosa e censurável da personalidade do arguido. Foi a extrema perversidade e censurabilidade da conduta, o seu carácter excessivo, que o tribunal (justamente valorou)”. E conclui: “Essa ponderação não viola a regra da proibição da dupla valoração”.
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Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal - definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal em causa. O bem jurídico tutelado nas normas incriminadoras de homicídio é a vida humana inviolável, reflectindo a incriminação a tutela constitucional da vida, que proíbe a pena de morte e consagra a inviolabilidade da vida humana - Parte I, Título II, Direitos, liberdades e garantias, Capítulo I, Direitos, liberdades e garantias pessoais - artigo 24.º da Constituição da República – estando-se face à mais forte tutela penal, sendo a vida e a sua inviolabilidade que conferem sentido ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito à liberdade que estruturam e densificam o Estado de direito. Como se extrai da Constituição da República Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 2007, volume I, págs. 446/7, “O direito à vida é um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais, sendo material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto”. O direito à vida é a conditio sine qua non para gozo de todos os outros direitos. Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, 1.ª parte, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei, tratando-se essencialmente de um direito a não ser privado da vida, um direito a não ser morto – neste sentido, Vera Lúcia Raposo, O direito à vida na jurisprudência de Estrasburgo, in Jurisprudência Constitucional, n.º 14, pág. 59 e ss.
Analisando a conduta do recorrente.
No caso presente é elevadíssimo o grau de ilicitude dos factos, atenta a gravidade das consequências da conduta do arguido, no que respeita às vítimas mortais. O grau de culpa é muito acentuado, com elevada intensidade do dolo, na modalidade de directo, pela manifestação da vontade firme dirigida ao facto, à concretização do resultado final. Não se está perante um dolo de ímpeto, antes face a algo pensado, reflectido, intenso, que o decurso de duas semanas, após o início da formulação do desígnio criminoso, não esbateu ou fez esmorecer. É, pois, muito elevado o grau de culpa no quadro da especial censurabilidade própria do tipo qualificado. O recorrente actuou com surpresa, logo de manhã, quando as familiares se dirigiam para o trabalho, agindo com superioridade, pois que fechadas, encurraladas as vítimas, sem qualquer possibilidade de se defenderem, actuando ele com completa liberdade de movimentos, sem oposição. A actuação do arguido foi extremamente censurável. Em consequência da sua conduta, as vítimas sofreram dores físicas intensas e insuportáveis, com asfixia progressiva, causando enorme desespero e pânico, tendo a DD presenciado o sofrimento e aproximação da morte da filha EE e esta o sofrimento e aproximação da morte de sua Mãe, sem que se pudessem ajudar mutuamente. O recorrente ultrapassou as barreiras do parentesco, pondo termo à vida de duas familiares, da irmã de sua mulher e de sua sobrinha, agindo por vingança, com inteira e ostensiva indiferença pela vida alheia. Ao tirar a vida a sua cunhada DD e sobrinha EE, e por outro lado, a GG, para além da perda da vida destes, e exactamente em resultado dessa definitiva privação de vida, o comportamento desviante do arguido conduziu à produção de efeitos colaterais, com intenso grau de lesividade de direitos de personalidade de outrem, no caso, da assistente BB, filha e irmã das primeiras, que ficou privada de sua Mãe e irmã, sozinha sem parentes directos (FP 100), com todo o extenso rol de nefastas e devastadoras consequências a nível pessoal, descritas nos FP 101 a 109 e da mulher do referido ..., ..., conforme decorre dos FP 132 a 138. Com a sua conduta, o arguido privou-as, definitiva e irremediavelmente, da companhia dos entes queridos. São intensas as necessidades de prevenção geral. Na realização dos fins das penas as exigências de prevenção geral constituem nos casos de homicídio uma finalidade de primordial importância. A função de prevenção geral que deve acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial tem de ser eminentemente assegurada, sobrelevando, decisivamente, as restantes finalidades da punição. Como expende Figueiredo Dias, em O sistema sancionatório do Direito Penal Português, inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”. Como se expressou o acórdão do STJ de 04-07-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 225, com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos. Versando a forte necessidade de prevenção geral nestes casos, no acórdão do STJ, de 17-03-1994, BMJ n.º 435, pág. 518, dizia-se: pode afirmar-se sem exagero que o homicídio voluntário se banalizou, constituindo, com o tráfico de droga, o tipo de ilícito que este Supremo Tribunal mais vem julgando ultimamente. E como referido no acórdão deste Supremo Tribunal de 11-07-2007, processo n.º 1583/07-3.ª, a criminalidade violenta, em que se integra o crime de homicídio, assume alguma preocupação comunitária em crescendo, pelo que, para confiança da colectividade na lei, em nome de uma desejável tranquilidade e segurança de respeito pela vida humana, as necessidades de prevenir a prática de tal crime são muito presentes. Trata-se de crime gerador de grande alarme social e repúdio das pessoas em geral, face à enorme intranquilidade que gera no tecido social, que vem assumindo uma prática frequente, sendo elevadas as exigências de reafirmação da norma violada. Noutra perspectiva, o homicídio qualificado integra o conceito de “criminalidade especialmente violenta”, na “definição” do artigo 1.º, alínea l), do Código de Processo Penal (alínea intocada na alteração operada no preceito pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto), tendo no caso presente sido cometido mediante o recurso álcool etílico inflamado, sem qualquer hipótese de defesa para as vítimas, que tiveram uma morte absolutamente horrorosa, pelo que se impõe uma pena com efeito dissuasor, em nome de fortes e sentidas necessidades de prevenção geral.
No que toca a prevenção especial avulta a personalidade do arguido na forma como actuou, de forma pensada e imperturbada, encurralando as vítimas num elevador, queimando-as vivas, actuando com absoluta indiferença e insensibilidade pelo valor da vida e dignidade da pessoa humana, não mostrando qualquer arrependimento, não se esgotando na mera prevenção da reincidência, sendo indiscutível que carece de socialização. Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir. E no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial. No que toca a antecedentes criminais do recorrente, há a registar a ausência de antecedentes criminais à data dos factos, pois a condenação em multa por difamação e injúria transitou em julgado em 19 de Novembro de 2012, conforme FP 150. Teremos a considerar ainda as condições pessoais e vivência do arguido expressas nos FP 151 a 195. Por último, ter-se-ão em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a especificidade do caso sujeito. E na sequência, haverá que equacionar a necessidade ou desnecessidade de intervenção correctiva deste Supremo Tribunal. A este propósito, dir-se-á que a necessidade de adequação da pena às concretas circunstâncias do caso não dispensa a necessidade de observância das exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios e a necessidade de atender, por razões de justiça relativa aos padrões geralmente adoptados na jurisprudência. Neste sentido, a título informativo, remete-se para o que consta do acórdão de 12-09-2012, proferido no processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1-3.ª.
Concluindo.
Nestas condições e tendo em conta todo o exposto, tendo sido respeitados os parâmetros legais, cremos que se não justificará no caso intervenção correctiva deste Supremo Tribunal, no que toca às penas aplicadas pelos crimes de homicídio qualificado, cometidos pelo recorrente, pelo que será de manter a pena de 22 anos de prisão para cada crime de homicídio qualificado, que atenta a moldura penal abstracta a ter em conta, de 12 a 25 anos de prisão, não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da CRP –, nem as regras da experiência comum, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico e não ultrapassa a medida da culpa do recorrente.
II Questão – Medida da pena conjunta
O recorrente pede redução da pena conjunta aplicada, que considera “excessivamente elevada” - conclusão 12.ª - e diz dever “ser menor a pena única aplicada em cúmulo jurídico” em decorrência de penas parcelares fixadas mais próximo dos seus limites mínimos legais - conclusão 13.ª -, mas sem adiantar qualquer concretização. O acórdão do Colectivo de Sintra, a fls. 1225, quanto a este específico ponto, expendeu: “Cúmulo jurídico Importa agora proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1, in fine). Não tendo o legislador optado pelo sistema de acumulação material no apuramento da pena no concurso de crimes, é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente. No caso concreto, a moldura abstracta do cúmulo apresenta um intervalo relevante entre o mínimo de 22 anos de prisão e o máximo de 72 anos de prisão, não podendo ultrapassar 25 anos (art. 77.º, n.º 2). Reproduzindo aqui tudo o que se deixou escrito a respeito das penas parcelares, em especial a instrumentalidade do incêndio na economia da execução dos homicídios tentado (SIC), afigurar-se-ia adequada, necessária e proporcional a aplicação da pena única não inferior a 40 anos de prisão, mas a mesma deve ser imperativamente fixada no aludido limite máximo legal, ou seja, na pena única de 25 anos de prisão”. O acórdão recorrido, por seu turno, sobre o tema limitou-se a sufragar a pena aplicada, dizendo: “Acresce que a pena resulta de um cúmulo necessariamente jurídico por imposição legal. Na verdade apesar de serem 3 as vítimas da sua actuação, a pena limita-se à pena aplicada a um só crime de homicídio como se só de uma vítima se tratasse. No entanto, esta discussão não será aqui feita já que a mesma pertence ao legislador fazer e, assim sendo confirma-se a pena encontrada para a prática ocorrida”. ******* Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que operou a terceira alteração ao Código Penal, em vigor desde 1 de Outubro de 1995 (e inalterado pelas subsequentes vinte e seis modificações legislativas, operadas, nomeadamente, e mais recentemente, pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de Setembro, n.º 61/2008, de 31 de Outubro, n.º 32/2010, de 2 de Setembro, n.º 40/2010, de 3 de Setembro, n.º 4/2011, de 16 de Fevereiro e n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro), que: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. O que significa que no caso presente, a moldura penal do concurso é de 22 anos a 25 anos de prisão. A soma material das penas aplicadas atinge os 72 (22+22+22+6) anos.
No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso. Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado e Comentado, 15.ª edição, pág. 277, salientava que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”. Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1, estabelecida a moldura penal do concurso, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º-1 (actual 71.º-1), um critério especial: o do artigo 78.º (actual 77.º), n.º 1, 2.ª parte, segundo o qual na determinação concreta da pena do concurso serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso. E no § 421, págs. 291/2, acentua o mesmo Autor que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Acrescenta ainda: “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”. Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Maio de 2004, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 191, a propósito dos critérios a atender na fundamentação da pena única, nesta operação o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, a dar indícios de projecto de uma carreira, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido, mas antes numa conjunção de factores ocasionais, sem repercussão no futuro – cfr. na esteira da posição do citado Autor, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-1998, CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 246; de 24-02-1999, processo n.º 23/99-3.ª; de 12-05-1999, processo n.º 406/99-3.ª; de 27-10-2004, processo n.º 1409/04-3.ª; de 20-01-2005, processo n.º 4322/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo I, pág. 178; de 17-03-2005, no processo n.º 754/05-5.ª; de 16-11-2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 210; de 12-01-2006, no processo n.º 3202/05-5.ª; de 08-02-2006, no processo n.º 3794/05-3.ª; de 15-02-2006, no processo n.º 116/06-3.ª; de 22-02-2006, no processo n.º 112/06-3.ª; de 22-03-2006, no processo n.º 364/06-3.ª; de 04-10-2006, no processo n.º 2157/06-3.ª; de 21-11-2006, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228; de 24-01-2007, no processo n.º 3508/06-3.ª; de 25-01-2007, nos processos n.ºs 4338/06-5.ª e 4807/06-5.ª; de 28-02-2007, no processo n.º 3382/06-3.ª; de 01-03-2007, no processo n.º 11/07-5.ª; de 07-03-2007, no processo n.º 1928/07-3.ª; de 14-03-2007, no processo n.º 343/07-3.ª; de 28-03-2007, no processo n.º 333/07-3.ª; de 09-05-2007, nos processos n.ºs 1121/07-3.ª e 899/07-3.ª; de 24-05-2007, no processo n.º 1897/07-5.ª; de 29-05-2007, no processo n.º 1582/07-3.ª; de 12-09-2007, no processo n.º 2583/07-3.ª; de 03-10-2007, no processo n.º 2576/07-3.ª; de 24-10-2007, no processo nº 3238/07-3.ª; de 31-10-2007, no processo n.º 3280/07-3.ª; de 09-04-2008, no processo n.º 686/08-3.ª (o acórdão ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares não elucida, porque não descreve, o raciocínio dos julgadores que orientou e decidiu a determinação da medida da pena do cúmulo); de 25-06-2008, no processo n.º 1774/08-3.ª; de 02-04-2009, processo n.º 581/09-3.ª, por nós relatado, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 187; de 21-05-2009, processo n.º 2218/05.0GBABF.S1-3.ª; de 29-10-2009, no processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224 (227); de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.S1-5.ª; de 10-11-2010, no processo n.º 23/08.1GAPTM-3.ª. Na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2008, proferido no processo n.º 4733/07 e de 8-10-2008, no processo n.º 2858/08, desta 3.ª Secção, na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade.
******* Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso - cfr., i. a., acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-03-2004, 03P4431; de 20-01-2005, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178; de 08-06-2006, processo n.º 1613/06 – 5.ª; de 07-12-2006, processo n.º 3191/06 – 5.ª; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3.ª; de 18-04-2007, processo n.º 1032/07 – 3.ª; de 03-10-2007, processo n.º 2576/07-3.ª, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 188; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181; de 06-02-2008, processos n.º s 129/08-3.ª e 3991/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, processo n.º 2428/07 – 5.ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07 – 5.ª; de 02-04-2008, processos n.º s 302/08-3.ª e 427/08-3.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1011/08 – 5.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 – 3.ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08 – 5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1305/08 – 3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2891/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08– 3.ª; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08 – 3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09 – 3.ª; de 14-05-2009, processo n.º 170/04.9PBVCT.S1 – 3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAVFR.C1.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 577/06.7PCMTS.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8253/06.1TDLSB-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 274/07-3.ª, CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 251 (a decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá de demonstrar fundamentando que foram avaliados o conjunto dos factos e a interacção destes com a personalidade); de 21-10-2009, processo n.º 360/08.5GEPTM.S1-3.ª; de 04-11-2009, processo n.º 296/08.0SYLSB.S1-3.ª; de 18-11-2009, processo n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 490/07.0TAVVD-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª (citado no acórdão de 23-06-2010, processo n.º 862/04.2PBMAI.S1-5.ª), ali se referindo: “Na determinação da pena única do concurso, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva a avaliação e conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”; de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.L1.S1-5.ª; de 10-03-2010, no processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1-3.ª; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 28-04-2010, no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª; de 05-05-2010, no processo n.º 386/06.3SLSB.S1-3.ª; de 12-05-2010, no processo n.º 4/05.7TDACDV.S1-5.ª; de 27-05-2010, no processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª; de 23-06-2010, no processo n.º 666/06.8TABGC-K.S1-3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 400/08.8SZLB.L1-3.ª; de 03-11-2010, no processo n.º 60/09.9JAAVR.C1.S1-3.ª; de 16-12-2010, processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª; de 19-01-2011, processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª; de 02-02-2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1-3.ª; de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 06-02-2013, processo n.º 639/10.6PBVIS.S1-3.ª; de 14-03-2013, processo n.º 224/09.5PAOLH.S1 e n.º 13/12.0SOLSB.S1, ambos desta secção e do mesmo relator; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 04-06-2014, processo n.º 186/13.4GBETR.P1.S1-3.ª.
Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente. A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.
******* Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso. Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 1 de Outubro de 1995, com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - o que significa que este específico dever de fundamentação de apli parricídio cação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, sendo que, in casu, a ordem de grandeza de lesão dos bens jurídicos tutelados e sua extensão não fica demonstrada pela simples enunciação, sem mais, do tipo legal violado, o que passa pela sindicância do efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta. Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, processo n.º 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228 (a decisão que efectue o cúmulo jurídico não pode resumir-se à invocação de fórmulas genéricas; tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido); de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1-5.ª, seguido de perto pelo acórdão de 09-06-2010, no processo n.º 493/07.5PRLSB.S1-3.ª, ali se referindo que “Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1- 5.ª, onde se afirma, para além da necessidade de uma especial fundamentação, que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e apara além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 21-04-2010, no processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1-3.ª; e do mesmo relator, de 28-04-2010, no processo n.º 4/06.0GACCH.E1.S1-3.ª. Com interesse para o caso, veja-se o acórdão de 28-04-2010, proferido no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª, relativamente a onze crimes de roubo simples a agências bancárias.
Como se refere no acórdão de 10-09-2009, processo n.º 26/05.8.SOLSB-A.S1, 5.ª Secção “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas. Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta. (Asserção repetida no acórdão do mesmo relator, de 23-09-09, no processo n.º 210/05.4GEPNF.S2 -5.ª). A preocupação de proporcionalidade a que importa atender resulta do limite intransponível absoluto dos 25 anos de prisão estabelecido no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras. Como referimos nos acórdãos de 23-11-2010, processo n.º 93/10.2TCPRT.S1, de 24-03-2011, processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1 e de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1 “A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza, e sobretudo, a proporcionalidade, entre a avaliação conjunta daqueles dois factores e a pena conjunta a aplicar e tendo em conta os princípios da necessidade da pena e da proibição de excesso. Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena. Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes ”. Como se extrai dos acórdãos de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª e de 16-12-2010, no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª, a pena única deve reflectir a razão de proporcionalidade entre as penas parcelares e a dimensão global do ilícito, na ponderação e valoração comparativas com outras situações objecto de apreciação, em que a dimensão global do ilícito se apresenta mais intensa. Reportam ainda a ideia de proporcionalidade os acórdãos de 11-01-2012, processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.-A.S1-3.ª; de 18-01-2012, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1-3.ª; de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 05-07-2012, processo n.º 246/11.6SAGRD.S1-3.ª e os supra referidos de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 22-01-2013, processo n.º 651/04.4GAFLTG.S1-3.ª; de 27-02-2013, processo n.º 455/08.5GDPTM.S1-3.ª; de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1-3.ª; de 19-06-2013, processo n.º 515/06.7GBLLE.S1-3.ª; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 3-10-2013, processo n.º 522/01.6TACBR.C3.S1-5.ª, onde pode ler-se: «O equilíbrio entre os efeitos “expansivo” e “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da “personalidade do arguido”».
Como se refere no acórdão de 2 de Maio de 2012, processo n.º 218/03.4JASTB.S1-3.ª, a formação da pena conjunta é uma solução para o problema de proporção resultante da integração das penas singulares numa única punição e o «restabelecimento do equilíbrio» entre crime isolado e pena singular, pelo que deve procurar-se que nas sucessivas operações de realização de cúmulo jurídico superveniente exista um critério uniforme de avaliação de tal proporcionalidade”. Como se pode ler no acórdão de 21 de Junho de 2012, processo n.º 38/08.0GASLV.S1, “numa situação de concurso entre uma pena de grande gravidade e diversas penas de média e curta duração, este conjunto de penas tem de ser objecto de uma especial compressão para evitar uma pena excessiva e garantir uma proporcionalidade entre penas que correspondem a crimes de gravidade muito díspar; doutro modo, corre-se o risco de facilmente se poder atingir a pena máxima, a qual deverá ser reservada para as situações de concurso de várias penas muito graves”. Focando a proporcionalidade na perspectiva das finalidades da pena, pode ver-se o acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, onde consta: “A medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)”. (Sublinhados nossos). Sobre o princípio da proporcionalidade, proibição de excesso e princípio da legalidade na elaboração de pena única pode ver-se o acórdão de 10-09-2014, processo n.º 455/08-3.ª.
Revertendo ao caso concreto.
A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções. Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, em todas as suas facetas. Como vimos, o acórdão ora recorrido limitou-se a sufragar o texto da primeira instância, nada referindo relativamente à conexão entre os factos cometidos e a presença de ocasionalidade, pluriocasionalidade ou tendência criminosa ou não. ******* Na elaboração da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou. Importa ter em conta a natureza e diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a dimensão de lesividade da actuação global do arguido. E como referiu o supra citado acórdão de 27 de Junho de 2012, a pena única não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente em função da sua maior ou menor duração. No mesmo sentido os acórdãos de 22 de Janeiro de 2013, processo n.º 651/04.4GAFLG.S1-3.ª, de 4 de Julho de 2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1-3.ª sobre o ponto e, citando neste particular os acórdãos do mesmo relator, de 9 de Fevereiro de 2011, processo n.º 19/05.5GAVNG.S1-3.ª e de 23 de Fevereiro de 2011, processo n.º 429/03. 2PALGS.S1-3.ª. No mesmo sentido, o acórdão de 2 de Fevereiro de 2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1, igualmente da 3.ª Secção, citando expressamente Figueiredo Dias no passo assinalado (§ 421 págs. 291/2).
No caso presente estamos perante um quadro de quatro crimes cometidos com acentuada gravidade, não se indiciando propensão ou inclinação criminosas. Na verdade, a facticidade dada por provada não permite formular um juízo específico sobre a personalidade do arguido que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, não se mostrando provada tendência radicada na personalidade, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa do agente, antes correspondendo no singular contexto ora apreciado, a um episódio isolado de vida, circunscrito à manhã de 13 de Agosto de 2012, restando a expressão de uma mera ocasionalidade procurada pelo arguido. No caso presente é evidente a conexão e estreita ligação entre os crimes de homicídio qualificado e de incêndio, cometidos na mesma ocasião, sendo este instrumental daqueles. Em suma: A pena unitária tem de responder à valoração, no seu conjunto e inter conexão, dos factos e personalidade do arguido. Ponderados todos os elementos disponíveis, considerando a dimensão e a gravidade global do comportamento delituoso do arguido, não se estando perante uma situação que espelhe uma “carreira criminosa”, a sequência da prática dos crimes, o carácter instrumental do incêndio, estando em causa violação de bens jurídicos com diferente natureza, a evidente conexão entre as infracções, a forma intensa de dolo nos homicídios, ponderando o contexto em que tudo se passou, procedendo a uma avaliação da gravidade do ilícito global e a personalidade do arguido evidenciada pelas condutas analisadas, atendendo a que a prática dos factos revela desconformidade aos valores tutelados pelo direito, embora não sendo de reconduzi-la a uma tendência desvaliosa, mas antes dentro de um quadro de acidentalidade de cometimento, procedendo-se a uma ponderação da gravidade do ilícito global, não havendo que introduzir factor de compressão, mantém-se a pena conjunta fixada em vinte e cinco anos de prisão, que não se mostra contrária às regras da experiência, sendo proporcional à dimensão do ilícito global.
Decisão
Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril e pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro), o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal, uma vez que de acordo com os artigos 26.º e 27.º daquele Decreto-Lei, o novo regime de custas processuais é de aplicar aos processos iniciados a partir de 20 de Abril de 2009, e o presente processo teve início em Agosto de 2012. Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Lisboa, 24 de Setembro de 2014
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