Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
367/2002.P1.S
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
DOCUMENTO AUTÊNTICO
REGISTO PREDIAL
VALOR PROBATÓRIO
PRESUNÇÃO
Data do Acordão: 02/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS.
DIREITO DOS REGISTOS E NOTARIADO - OBJECTO E EFEITOS DO REGISTO PREDIAL - MEIOS DE SUPRIMENTO DO REGISTO PREDIAL - JUSTIFICAÇÕES NOTARIAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA - RECURSOS.
Doutrina:
- Borges Araújo, Prática Notarial, 4ª ed., p. 339.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 371.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 668.º, N.º1, AL. C), 722.º, 729.º, N.º2.
CÓDIGO DO NOTARIADO (CNOT): - ARTIGOS 89.º, 93.º, 96.º, N.º1.
CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL (CRGP): - ARTIGOS 7.º, 116.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-PROCESSO N.º. 80/2004 – 1.ª;
-DE 20/1/2009, PROCESSO N.º 3681/08.
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ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA, PROCESSO N.º 2464/07 – 6.ª.
Sumário :

I - A justificação notarial não passa de um expediente técnico simplificado destinado a obter uma titulação excepcional que sirva de base ao registo predial de um imóvel, não garantindo, com a necessária segurança, a realidade efectiva do direito afirmado, não obstante a intervenção de três declarantes, sabida como é a pouca fiabilidade da prova testemunhal, sobretudo quando não submetida a qualquer contraditório (cf. arts. 116.º, n.º 1, do CRgP, 89.º e 96.º, n.º 1, do CN).

II - Sem prejuízo de se admitir que alguns elementos essenciais da descrição predial poderão ser abrangidos pela presunção registral é ponto assente, na jurisprudência, que a dita presunção não se estende à área do prédio registado (cf. art. 7.º do CRgP), pelo que não será pelo facto de o registo se ter fundado em escritura de justificação notarial, que a presunção legal ficará alargada à área do prédio constante da descrição.

III - Uma vez efectuado o registo definitivo, com base na escritura de justificação notarial, surge então a presunção legal estabelecida no art. 7.º do CRgP, nos termos gerais. A presunção emerge daquele registo e não da escritura de justificação que tenha estado na sua base; assim, uma vez efectuado o registo, este ganha autonomia em relação ao título a partir do qual foi efectuado.

IV - A recorrente não beneficia directamente da presunção registral dos restantes antepossuidores registados. Beneficia, sim, da presunção decorrente do registo definitivo da sua própria aquisição, pelo que as presunções anteriores, quando muito, poderiam ser invocadas para demonstrar que o direito de propriedade sobre o prédio em causa existia na titularidade dos antecessores (transmitentes), sendo irrelevantes para fazer presumir a área do prédio.

Decisão Texto Integral:

Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia,

AA, intentou a presente acção declarativa em processo ordinário, contra

1. BB e marido CC,

2. DD e marido EE e

3. FF e marido GG,

peticionando a condenação dos RR.

a) a reconhecer que a autora é dona do prédio identificado no n.° 1 da petição inicial, o qual tem a área de 600 m2;

b) a retirar a rede e postes que colocaram nesse prédio, deixando-o livre na sua área íntegra de 600 m2, sendo que os 400 m2 que os réus ocuparam se situam do lado sul-poente;

c) a indemnizar a autora nos custos de reversão do prédio para o anteproprietário e de honorários que o mandatário forense da autora vai cobrar desta, o que tudo se liquidará em execução de sentença .

Alega para o efeito e, em síntese, que é dona e legítima proprietária de um terreno de pastagem, situado no lugar de M......, em Gulpilhares com a área de 600 m2, cuja aquisição por compra se encontra registada a seu favor, além de que também o adquiriu por usucapião. Acontece que por volta de Novembro de 2000, os réus apropriaram-se de cerca de 400 m2 do terreno da autora que integraram no deles, que é contíguo, e colocaram uma vedação de rede com postes de madeira, a separar os dois prédios, deixando, assim, o da autora com a área de 200 m2.

A ocupação abusiva por parte dos réus dos 400 m2 do terreno fizeram a autora perder nele o interesse por no mesmo não poder edificar, como é seu escopo estatutário. Por isso, logo que seja obtida sentença transitada, fará reverter o imóvel para o antepossuidor, o que implica o pagamento de sisa, escritura de reversão e registo na Conservatória.

Os réus, FF e marido, GG contestaram, sustentando que a autora não é dona de terreno confinante com o deles, pelo que não ignora ela a falta de fundamento da pretensão que contra eles deduz.

Concluem, assim, estes réus, pela improcedência da acção que lhes é deduzida e, em consequência, pela sua absolvição dos pedidos e pela condenação da autora como litigante de má fé.

Os réus, BB e marido, CC, DD e marido, EE, também contestaram e reconvieram, tendo-se defendido por impugnação, sustentando que o prédio que a autora adquiriu não tem nem nunca teve a área e as confrontações que vêm descritas na petição inicial, concluindo pela improcedência da acção; e, no âmbito da reconvenção que deduziram pedem que seja:

a) Declarado que os réus/reconvintes são legítimos donos do prédio identificado nos artigos 146.° e 147.° da contestação, o qual após a sua divisão, operada pela escritura pública de partilha, deu origem a 3 prédios, os identificados nos artigos 151.°, 152.°, 154.°, 155.°, 156.°, 157.°, 158.° e 159.° da contestação, que os réus reconvintes pretendem ver-lhes reconhecido o direito de propriedade sobre os mesmos, o que requerem, quer por via do justo título de aquisição que possuem (escritura pública), quer por via do instituto da usucapião que por mera cautela invocam;

b) Condenada a autora/reconvinte a reconhecer o direito de propriedade invocado na alínea a) do pedido reconvencional;

c) Julgado provado e procedente que a vedação que os réus/reconvintes colocaram no terreno de que são donos e legítimos possuidores está aquém do limite da área que efectivamente lhes pertence, devendo, em consequência, proceder-se à demarcação dos limites/estremas nos termos mencionados no artigo 171.° da contestação.

c) Condenada a autora/reconvinda a reconhecer o direito dos réus/reconvintes à demarcação dos limites/estremas nos termos mencionados no art.º 171.° da contestação/reconvenção;

d) Condenada a autora/reconvinda a reconhecer o direito dos réus/reconvintes à demarcação nos termos mencionados na alínea c) do pedido reconvencional.

A autora veio replicar, impugnando tudo quanto os réus afirmam em oposição à versão dos factos apresentada na petição inicial e pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.

Os réus/reconvintes apresentaram tréplica, concluindo como na contestação/reconvenção.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e a que constitui a base instrutória, selecção esta objecto de reclamação que veio a ser apreciada e decidida nos termos do despacho de fls. 276-277.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo, na sua sessão de 14 de Maio de 2007, a autora declarado desistir quanto aos pedidos formulados contra os réus, FF e marido, GG, vindo tal desistência a ser homologada por sentença que já transitou em julgado. Decorreu a audiência de discussão e julgamento com várias sessões, vindo em 01.07.2010 a ser proferida decisão sobre a matéria de facto nos termos constantes de fls. 499 a 504 dos autos.

Foi proferida sentença, cujo segmento decisório é do seguinte teor:

«Nestes termos e nos mais direito, julgando totalmente improcedente por não provada a presente acção, e em consequência vão os RR., absolvidos dos pedidos.

Mais, julgo parcialmente procedente por provado o pedido reconvencional, e em consequência condeno a A.:

a) A ver declarado que os RR. reconvintes são legítimos donos do prédio identificado nos artigos 146.°, 147.° da contestação, o qual após a sua divisão operada pela escritura pública de partilha deu origem a 3 prédios, os identificados nos artigos 151.°, 152.°, 154.°, 155.°, 156.°, 157.°, 158.° e 159. ° da contestação, que os RR. reconvintes pretendem ver-lhes reconhecido o direito de propriedade sobre os mesmos, o que requerem, quer por via do justo título de aquisição que possuem (escritura pública), quer por via do instituto da usucapião que por mera cautela invocam.

No mais, vai a A. absolvida dos pedidos.

Custas a cargo da A. e RR., fixando o decaimento em ½ , respectivamente, para cada uma das partes - artigo 446. ° do Código de Processo Civil».

Inconformada recorreu a A. de facto e de direito.

Apreciada a apelação a Relação manteve a decisão de facto inalterada, tendo decidido pela parcial procedência da apelação e consequentemente, revogou parcialmente a sentença recorrida, condenando os RR/recorrentes a reconhecer que a autora é dona de um terreno de pastagem situado no lugar de M......, freguesia de Gulpilhares, Vila Nova de Gaia, a confrontar do Norte com a Rua das M...... e do Nascente com a Travessa ............e com o prédio dos réus/reconvintes pelo sul e poente, que anteriormente pertencia ao pai e sogro desses réus, HH, inscrito a favor da autora, na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, absolvendo os réus do mais pedido pela autora e no mais confirmando-se a sentença recorrida.

Novamente inconformada, volta a A. a recorrer, agora de revista e para este S.T.J.

Conclusões

Oferecidas tempestivas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões:

1- Foi articulado (cfr. artº 5º e ss da petição inicial) e provado com a junção do respectivo documento - Escritura de Justificação de fls 13 a 17, e dado como assente na Alínea B) da Matéria de Facto Assente e alínea B) dos Factos Provados da Fundamentação da sentença a quo, que o prédio reivindicado é propriedade da autora - Pedido que teve provimento pelo douto acórdão a quo.

2- A autora beneficia da presunção de registo de propriedade, registo este efectuado em 15 de Fevereiro de 1993 pela sua antepossuidora a sociedade, II, Lda.

3- A aquisição derivada da aqui recorrente AA e da sua antepossuidora, a referida II, estriba-se na aquisição originária de JJ e mulher KK titulada pela Escritura de Justificação de 12 de Novembro de 1992.

4-  Esta aquisição originária titulada pela Escritura de Justificação supra referida, foi devidamente e legalmente publicitada pela publicação do seu extracto publicado no dia 25 de Novembro de 1992 no Jornal de Gaia n° 909, cfr. Averbamento constante da referida escritura a fls. 16.

5- Esta Escritura de Justificação titula a aquisição originária dos referidos JJ e mulher KK.

6- Posse esta dada como Assente por provada al. Q) e R) da Matéria Assente e Artigos 2° e 3º  da Base instrutória.

7- Quanto à área de 600m2 que o referido prédio tem e seus limites, não teve a douta sentença a quo em atenção o facto dessa área ter sido justificada (pela escritura de Justificação de 12 de Novembro de 1992) devidamente publicada num jornal local "Jornal de Gaia" em 25 de Novembro de 1992 e posteriormente registada.

8- Desta Escritura de Justificação não houve qualquer acção de impugnação por parte dos aqui réus ou seus antepossuidores, porquanto aceitaram a mesma.

9- Face ao que supra articulado foi dever-se-á dar como provado que a autora e seus antepossuidores possuíram o prédio em questão em toda a sua extensão ou seja numa área de 600m2 que se situa para além da rede colocada pelos réus em Novembro de 2000, cfr. alínea S dos Factos Assentes e art.º 3°, 4 e 5 da Base instrutória, dado que a aquisição originária devidamente publicitada, titulada e registada não foi posta em causa pelos réus, ónus esse que lhe cabia.

11- Violou assim a douta decisão recorrida além do supra referido o art.° 342°, 344° e 799° do Código Civil, violou ainda a douta decisão recorrida o disposto no art.° 668° n° 1 c) e d) do CPC.

12- Devendo dar-se como provados os factos constantes da base instrutória sob os números 3, 4 e 5, ao abrigo do disposto nos art.ºs 712° al. a) e 690°-A do CPC

Termos em que provido o presente recurso se deverá revogar o douto Acórdão e substituído por outro que julgue a acção totalmente provada por procedente.

Fundamentação

Como é sabido, são as conclusões que definem o âmbito do recurso.

Assim, compulsadas as oferecidas neste recurso de revista, pode concluir-se que a questão central suscitada será a de saber, segundo a própria recorrente “... se celebrada uma escritura de justificação notarial de onde consta a área do prédio, não tendo esta (escritura) sido objecto de impugnação judicial a área nela constante e levada a registo faz presumir a propriedade após efectuado o seu registo”.

Apesar da deficiente formulação, entende-se que o que se pretende é estender a dita presunção à área atestada na escritura de justificação.

Na verdade, uma vez que o acórdão recorrido reconheceu à recorrente a propriedade do prédio em lide, a única questão que se coloca é a área desse prédio, isto é, saber se ele possui os 600 m2 alegados pela recorrente. Área essa que não foi tida por provada.

Por isso mesmo, pretende a recorrente que nesta sede de revista o S.T.J. altere a matéria de facto, ao que se depreende, com base na dita escritura de justificação, que se encontra documentada nos autos, além de que imputa ao acórdão o vício de nulidade, quer por oposição entre a fundamentação e a decisão, quer por falta de pronúncia.

Começando pelas arguidas nulidades, esqueceu-se a recorrente de as concretizar, visto que em parte alguma das suas alegações aponta qualquer contradição, nem as questões sobre as quais o acórdão não se tenha pronunciado, devendo fazê-lo.

De qualquer modo, sempre se dirá que toda a fundamentação do acórdão sob censura, está em perfeita coerência com a decisão a que chegou não se surpreendendo qualquer contradição ou quebra lógica no raciocínio que conduz à decisão, pelo que não ocorre, seguramente, a nulidade prevista no Art.º 668º n.º 1 c) do C.P.C.

A respeito da falta de pronúncia, também não se vê qual a questão que a recorrente tivesse suscitado e que não tenha sido apreciada.

Da alegação parece depreender-se que a recorrente se refere à questão da área de 600m2, matéria em que o acórdão não teria dado atenção à referida escritura de justificação notarial, na qual a dita área se encontra atestada.

Se é esta a omissão geradora da nulidade, então a recorrente não terá lido com a necessária atenção o acórdão recorrido, visto que a questão foi expressamente equacionada e apreciada, como facilmente se verifica da argumentação contida a fls. 654 (a partir do 2º§) até 661.

Aí se apreciou o valor da escritura de justificação para efeitos probatórios, aliás de forma correcta e que, diga-se desde já, subscrevemos.

Assim sendo, pode a recorrente não concordar com tal argumentação, o que já não poderá é dizer que falta pronúncia sobre essa matéria.

Em suma, não se verifica qualquer nulidade por falta de pronúncia (Art. 668º n.º 1 d)).

Vejamos agora o que dizer sobre a pretendida alteração da matéria de facto.

Está por demais assente que o S.T.J. não conhece da matéria de facto, a não ser que ocorra violação de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (Art.ºs 722º n.º 2 e 729º n.º 2 do C.P.C.).

No caso, se bem se entende a alegação da recorrente, o que está em questão, é a força provatória da escritura de justificação notarial, a qual, na sua opinião, faria presumir a área nela declarada, desde que não impugnada.

Cair-se-ia, assim, no domínio da prova vinculada porquanto existiria uma presunção legal, que, não obstante não ter sido ilidida, não teria sido atendida pelo tribunal.

Pode e deve, por consequência, apreciar-se em sede de revista a questão central suscitada, isto é, averiguar qual o valor probatório da escritura de justificação notarial, bem com o valor probatório do registo efectuado com base nela.

Com interesse para a boa compreensão da questão sabe-se que o prédio reivindicado pela A/recorrente não estava registado na Conservatória do Registo Predial, embora se encontrasse inscrita na matriz sob o artigo 79, rústico, inicialmente em nome de JJ.

Por escritura de justificação notarial e compra e venda, datada de 12/11/1992, o referido JJ e esposa KK, justificaram nos termos do Art.º 89 do C. Notariado e Art.º 116º n.º 1 do C. Registo Predial, o seu direito de propriedade sobre o prédio em causa, que fundaram em aquisição originária, baseada no instituto da usucapião, sendo certo que, na identificação e caracterização do prédio que aí fizeram, declararam, além do mais, que ele tinha a área de 600 m2.

No mesmo acto notarial, efectuada a declaração de justificação, os justificantes declararam vender o prédio, pelo preço de 200.000$00 a “II – ” (Art.º 93 do C. Notariado).

A mencionada justificação foi publicada nos termos legais e não foi objecto de impugnação.

Com base na aludida justificação notarial e compra simultânea, a adquirente “II” registou o prédio na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, - descrição n.º 0000000000 –, sendo que a inscrição da aquisição ficou provisória por dúvidas, tendo posteriormente caducado. Porém em 3/1/96, a mesma adquirente inscreveu a dita aquisição, agora definitivamente.

Seguem-se novos registos de aquisição, o último dos quais, em nome da A.

Qual, então, o valor probatório da escritura de justificação notarial e do registo com base nela efectuado definitivamente?

Resulta do disposto no Art.º 116º n.º 1 do C.R.P. que o adquirente que não disponha de documento para provar o seu direito pode obter a primeira inscrição mediante escritura de justificação notarial, como foi o caso dos autos.

Tal justificação, como determina o Art. 89 do C.N., consiste na declaração, feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de o comprovar pelos meios normais, sendo que, quando for alegada a usucapião, baseada em posse não titulada, devem mencionar-se expressamente as circunstâncias de facto que determinam o início da posse, bem como as que consubstanciam e caracterizam a posse geradora da usucapião.

As declarações do justificante devem ser confirmadas por três declarantes/testemunhas (Art.º 96 n.º 1 da C.N.).

Como observa Borges Araújo (- Prática Notarial – 4ª ed. – 339 - ) “... na génese do sistema em que assenta a justificação notarial está o princípio do trato sucessivo.

Partindo da ideia de que, respeitando este princípio se poderia criar um documento que substituísse, para efeitos de registo, títulos faltosos, criou-se um sistema em que nos aparece a nova escritura, de natureza excepcional, para apoiar e servir as necessidades do registo obrigatório, que se pretendia estabelecer.

O novo título foi buscar ao princípio do trato sucessivo a sua razão de ser, servindo não só o registo obrigatório como o registo predial em geral, ao possibilitar registos que de outro modo seriam impossíveis”.

É assim fácil concluir que a justificação notarial não passa de um expediente técnico simplificado destinado a obter uma titulação excepcional, para não dizer anormal (como refere o preâmbulo do D.L. 40603 de 18/5/56), que sirva de base à efectivação do registo.

Assim sendo, é evidente que a escritura de justificação, assentando exclusivamente nas declarações do próprio interessado, sem qualquer controlo do notário ou de qualquer outra autoridade independente, não garante, com a necessária segurança, a realidade efectiva do direito afirmado, não obstante a intervenção dos três declarantes exigidos por lei, sabido como é a pouca fiabilidade da prova testemunhal, sobretudo  quando não submetida, como é o caso, a qualquer contraditório.

Trata-se, todavia, de uma escritura pública, portanto de um documento autêntico, que, por isso há-de ter valor probatório igual à de qualquer outra escritura pública visto que a lei não faz qualquer distinção.

O que não poderá é atribuir-se-lhe valor probatório superior, não só pela aludida falta de segurança, como porque não existe preceito legal que tal determine, ou que estabeleça qualquer presunção legal a favor do declarante.

Consequentemente, como resulta do disposto no Art.º 371º n.º 1 do C.C., a escritura de justificação notarial (como qualquer outra escritura pública) apenas faz prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público (no caso, o notário), assim como dos factos que nela são atestados com base nas percepções da entidade documentadora, mas não prova, porém, que sejam verdadeiras as afirmações do justificante perante o notário.

Quer isto dizer que, no caso concreto, a escritura de justificação de 12/11/1992, prova plenamente que os justificantes JJ e esposa KK, declararam perante o notário o que consta do documento, isto é, em resumo e no que aqui interessa, que eram os legítimos proprietários do prédio em causa por o terem adquirido por usucapião e que esse prédio tinha a área de 600 m2.

Mas, como do documento não consta que o notário tenha procedido à medição do prédio ou por outra via percepcionado ele próprio a correcção da área declarada, a escritura não prova plenamente a mencionada área de 600 m2.

Assim, a referida área pode ser livremente impugnada pela parte contrária, pertencendo então ao A. o ónus de a provar, nos termos gerais, visto que não dispõe de qualquer presunção legal a seu favor, quanto à veracidade das suas declarações documentadas na escritura.

No entanto, é certo que, com base na aludida escritura de justificação notarial, a aquisição simultânea do prédio pela compradora “II”, se encontra definitivamente registada (inscrita) em seu nome.

Pode então perguntar-se qual o valor probatório dessa inscrição registral.

Decidiu já este S.T.J., em acórdão uniformizador de jurisprudência, tirado na revista ampliada 2464/07 – 6º que “na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos art.ºs 116º n.º 1 do Código do Registo Predial e 89º e 101º do Código de Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram, a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do art.º 7º do Código do Registo Predial”.

No caso concreto não estamos perante acção de impugnação da mencionada escritura de justificação, nem há notícia de qualquer impugnação. Assim sendo, e uma vez que com base na aludida escritura, a então adquirente registou definitivamente a aquisição do prédio, pode afirmar-se, sem contradizer a mencionada jurisprudência uniformizada, que o titular do registo definitivo beneficia da presunção prevista no Art.º 7º do C.R.P. .

Mas, como é sabido e a recorrente aceita, tal presunção não abrange a descrição predial, que se destina apenas à identificação física, económica e fiscal do prédio.

Abrange tão somente os factos jurídicos inscritos de onde se deduz a situação jurídica publicitada pelo registo.

Assim, sem prejuízo de se admitir que alguns elementos essenciais da descrição poderão ser abrangidos pela presunção registral, nos termos explicados no Ac. deste S.T.J., proferido no Proc. 80/2004 – 1º, ou no Ac., também deste S.T.J., de 20/1/2009, proferido no Proc. n.º 3681/08 – 1ª (ambos desta conferência), é ponto assente na jurisprudência, que a dita presunção não se estende à área do prédio registado.

(Sobre esta questão conf. os Acs. citados, e o acórdão recorrido, que, quanto à questão do valor probatório do registo reproduz, no essencial, o aludido no nosso Ac. de 20/1/2009).

Ora, se a presunção derivada do registo definitivo (Art.º 7º do C.R.P.) não inclui, no seu âmbito, a área do prédio registado, não será pelo facto de o registo se ter fundado em escritura de justificação notarial, que a presunção legal fica alargada à área do prédio constante da descrição, como parece pretender a recorrente.

Como resulta do que acima se expôs, a escritura de justificação notarial esgotou o seu valor (que é apenas o referido no Art.º 371º do C.C.) ao servir de base ao registo definitivo do prédio justificado, uma vez que se destina, exclusivamente, a suprir a falta de título, permitindo efectuar o registo que de outro modo não seria possível efectuar.

Portanto, uma vez efectuado o registo definitivo, surge então a presunção legal estabelecida no Art.º 7º do C.R.P., nos termos gerais (sem qualquer âmbito especial que a lei não comporta). Repetindo, para que nenhuma dúvida se suscite: a presunção emerge do registo definitivo e não de escritura de justificação que tenha estado na sua base.

Uma vez efectuado o registo, este ganha autonomia em relação ao título a partir do qual foi efectuado.

Convém ainda notar que a recorrente não beneficia directamente da presunção registral da antepossuidora “II”, nem das dos restantes antepossuidores registados.

Beneficia, sim, da presunção decorrente do registo definitivo da sua própria aquisição.

As presunções anteriores, quando muito, poderiam ser invocadas para demonstrar que o direito de propriedade sobre o prédio em causa existia já na titularidade dos antecessores (transmitentes).

Terá sido essa a ideia da recorrente.

Simplesmente, essas presunções registrais têm a abrangência já referida (isto é, no que aqui exclusivamente interessa, não fazem presumir que o prédio tem a área de 600 m2) daí que, não tendo maior valor probatório do que a presunção de que directamente beneficia a recorrente, são absolutamente irrelevantes para o efeito pretendido.

Concluindo, não tendo sido violado prova vinculada, não pode o S.T.J. sindicar a reapreciação da matéria de facto efectuada pelo acórdão recorrido.

Deste modo, reduzido o valor probatório da escritura de justificação notarial e do registo definitivo efectuado com base nela, à sua real dimensão, é manifesta a improcedência da revista.

Decisão




Termos em que se acorda, neste S.T.J., negar revista, confirmando o acórdão recorrido.



Custas pela recorrente.



Lisboa, 19 Fevereiro de 2013

Moreira Alves (Relator)                     

Alves Velho

Paulo de Sá