Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERREIRA LOPES | ||
Descritores: | ASSUNÇÃO DE DÍVIDA PRESSUPOSTOS DEVEDOR TERCEIRO DEPÓSITO BANCÁRIO LEGITIMIDADE PROCESSUAL FACTOS ESSENCIAIS ÓNUS DE ALEGAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 05/28/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - A assunção de dívida prevista na alínea b) do nº1 do art. 595º do Código Civil pressupõe que a dívida do devedor originário seja assumida por um terceiro, com base num acordo entre este e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor; II - Se esta assunção ocorre sem a liberação do devedor originário, verifica-se uma co-assunção de dívida, ou assunção cumulativa (art. 595º, nº2); III – É o que sucede quando um terceiro assume perante o credor a responsabilidade pela devolução de uma determinada importância em dinheiro, solidariamente com o devedor originário. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e BB, intentaram a presente acção de condenação sob a forma de processo comum contra CC, DD e EE, peticionando que estes sejam condenados a pagar-lhes, solidariamente, a quantia de €52.500,00, acrescidos de € 2.050,00 a título de juros de mora vencidos e dos que à taxa legal se vierem a vencer, até integral pagamento. Alegaram para tanto e em síntese: No dia 10 de Setembro de 2012, faleceu FF, no estado de viúvo, em ..., ..., onde residia; O FF era pai do autor AA, casado com BB em regime de comunhão de adquiridos e da ré CC, que com o co-réu DD é também casada no regime de comunhão de adquiridos, sendo os dois os únicos e universais herdeiros do falecido FF; O FF era titular de três contas, na Caixa Geral de Depósitos – Agência de ..., cujo saldo, três meses antes da sua morte, ascendia a €175.003,19; O FF, associou às mesmas contas, sua neta, a Ré EE, (filha dos primeiros Réus), para as movimentar, de acordo com as suas instruções; Após o óbito do FF, o Autor e esposa reuniram-se com os Réus CC e marido, estando também presente a filha destes e ora Ré, EE, com vista à realização da partilha dos bens deixados pelo de cujus, designadamente o dinheiro que os AA sabiam ascender a cerca de €175.000,00; Nessa reunião, a Ré EE confirmou ter sido associada pelo avô às contas, e que havia movimentado a totalidade do dinheiro depositado, tendo ficado acordado que os Réus iriam restituir ao Autor, em várias tranches, a metade que lhe cabia no dinheiro que existia nas contas - € 87.500,00 - descontando a esse valor as despesas suportadas com a herança até à celebração da escritura; Posteriormente à escritura de partilhas e na sequência do acordado quanto à aludida divisão do dinheiro, ao Autor foram pagos, duma vez € 20.000,00 e de outra vez, mais €15.000,00, num total de € 35.000,00 – pelo que, dos acordados 87.500,00 – lhe falta ainda receber € 52.500.00; Apesar das interpelações do Autor, os Réus não lhe entregaram o dinheiro em falta nos temos acordados. Citados, os Réus apresentaram contestação, excepcionando erro na forma de processo, e impugnando os factos invocados pelos Autores, referindo que as partilhas do acervo hereditário já foram realizadas, e o valor em numerário, cujo montante o Autor arroga-se titular, já foi entregue ao autor AA, deduzido todas as despesas e encargos da herança. Mais referem que o valor depositado na conta do Autor AA, aprovado e aceite por este, deduzido o valor das despesas que elenca, teve em consideração a compensação e preenchimento dos quinhões dos herdeiros. Houve resposta. Autores e Réus acusam-se mutuamente de litigância de má fé, pugnando pela condenação da parte contrária em multa e indemnização. No despacho saneador foi a instância julgada válida, tendo sido desatendida a excepção de erro na forma de processo deduzida pelos RR. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que culminou com a seguinte decisão: “Pelo exposto, decide-se: a) Julgar parcialmente procedente a presente ação e condenar os Réus, CC, DD e EE, solidariamente, a pagar aos Autores, AA e BB, a quantia de € 36.618,26, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento. b) Absolver os Réus do restante pedido. c) Absolver o Autor e Réus do pedido de condenação como litigantes de má fé.” Os Réus interpuseram recurso de apelação, mas sem sucesso pois que o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 19 de Fevereiro de 2023, julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença. Ainda inconformados, os RR interpuseram recurso de revista, que designaram como excepcional, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: A) O Tribunal da Relação do Porto (doravante Tribunal a quo) através de acórdão proferido nos presentes autos, decidiu contra legem, primeiro, por não admitir a inclusão de factos não alegados em articulados, mas resultantes da instrução da causa, nos termos do art.º 5 n.º 2 do CPC, e, em segundo, por ter negado provimento a invocação da ilegitimidade passiva dos RR EE e seu Pai DD, questões, que pela sua natureza e relevância jurídica, merecem e impõem apreciação para uma boa aplicação do Direito. B) Emana dos presentes autos em litígio, uma relação subjetiva de natureza contratual, por via da celebração de um contrato de partilha de bens de acervo hereditário, sucedendo os seus dois únicos e universais herdeiros do defundo casal, CC e AA, respetivamente Ré e Autor. C) A questão jurídica em confronto, é absolutamente relevante, porquanto a relação contratual assenta na celebração de um contrato de partilha de bens de acervo hereditário dos finados ascendentes de Ré CC e do Autor AA, não sendo permitido pelo nosso ordenamento jurídico, que a relação contratual seja vinculativa a terceiros alheios à partilha de bens, e que nem sequer são herdeiros dos de cujus. D) A violação de normativos de natureza imperativa é de tal forma evidente, que coloca em crise vários institutos jurídicos, não sendo apenas um problema de interpretação da lei, mas antes sim, de uma aplicação que se desloca abruptamente do raciocínio lógico da estrutura edificantes dos institutos jurídicos em causa. E) De que forma pode alguém, que não tendo a qualidade de herdeiro, a através da celebração de um contrato de partilha de bens, poder ficar vinculado e obrigado ao seu cumprimento? F) Para além dos Tribunais inferiores terem decidido que terceiros alheios à relação contratual, ficassem vinculados ao cumprimento da obrigação, não conseguiram explicar e/ou fundamentar o iter lógico-jurídico para sustentar a condenação, solidária, destes a cumprirem o que a Ré CC se obrigou por via da celebrou em contrato de partilha. G) Neste conspecto, o que está em causa é aplicação do Direito de forma saudável e consentânea com o pensamento do legislador. H) Ainda que o Tribunal a quo tenha dado como facto provado que foi “assegurado pelos Réus CC e marido, bem como pela Ré EE filha destes, que podia confiar neles (Pais e Filha) eram gente séria e família dele, que estivesse descansado que eles os três assumiam o encargo de lhe pagar os acordados 87.500€”, não pode ser exigível aos restantes recorrentes, EE e DD a obrigação de qualquer cumprimento, pois não era possível àqueles cumprir, pelo simples facto de não serem herdeiros e aquela primeira recorrente, nem sequer ter participado na celebração do contrato de partilha. I) Se o que está em causa é a violação de um contrato de partilha, conforme, aliás, expõe o Autor/Recorrido, invocando, designadamente o seu incumprimento, não se percebe como o recorrido, sem alegar qualquer facto constitutivo, consegue ver a Ré EE, a ser condenada por incumprimento, e ainda solidariamente responsável pelo pagamento do valor em depósito. J) O mesmo aconteceu com o Réu DD, para além de ser condenado, ainda é solidariamente responsável pelo seu pagamento. K) Os Recorrentes EE e DD, são partes ilegítima na presente ação, do lado passivo, devendo ser absolvidos do pedido, posição que o Tribunal “a quo” não seguiu, mas que confirmou a sentença, negando provimento. L) Em nenhum momento estes Recorrentes se vincularam, contratualizaram ou assumiram qualquer obrigação de natureza contratual ou de outra natureza. M) A decisão do Tribunal “a quo”, é temerária nesta parte, viola os princípios constitucionais da segurança, confiança e certeza jurídica. N) O Tribunal “a quo”, enquadrou e confirmou a condenação dos Recorrentes EE e DD, socorrendo-se da aplicação do preceituado nos artigos 405º, 406º, e ainda 804º, 805º e 806º do CC para um contrato de partilha de bens. O) Tribunal “a quo”, entende que o contrato não exige forma contratual e como tal, qualquer promessa que seja feita de forma verbal vincula os declaratórios, assim se justificou a vinculação dos restantes Recorrentes, por via de contrato verbal, no valor de 87.500,00€. P) O Tribunal a quo com a sua fundamentação periga com os alicerces fundamentais do nosso ordenamento e cultura jurídica. Q) O Tribunal “a quo” deveria ter dado provimento em recurso interposto, em consequência declarado a ilegitimidade dos Recorrente CC e João, por ser uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 577º al. e) e 578º, 1ª parte, e que obsta ao conhecimento do mérito da causa, e dá lugar à absolvição. R) Uma coisa é a legitimidade processual, constituindo um pressuposto processual relativo às partes, que se afere, na falta de indicação da lei em contrário, face à relação material controvertida tal como configurada pelo A., e cuja falta, determina a verificação da correspondente exceção dilatória, dando lugar à absolvição do réu da instância. Outra, a legitimidade substancial ou substantiva, que tem que ver com a efetividade de tal relação material, interessando já ao mérito da causa. Ac. TR Lisboa de 19-02-2015, processo n.º 1431148/13.0yiprt.L1-2. S) Os Recorrentes EE e DD são partes ilegítimas na presente ação, devendo, assim, serem declarados e absolvido. T) Pois, confere o art.º 1722º do CC, que são bens próprios dos cônjuges: os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão, por sua vez, o art.º 1693º n.º 1 do CC, as dívidas que onerem doações, heranças ou legados são da exclusiva responsabilidade do cônjuge aceitante, ainda que a aceitação tenha sido efetuada com o consentimento do outro. U) Em conjugação com o art.º 1696º n.º 1 CC, pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios dos cônjuges devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns. V) Como se percebe do regime ínsito, e em suma, a responsabilidade pelas dívidas de herança, são da recorrente CC e não, de forma solidária, do seu cônjuge DD. W) O Tribunal “a quo”, deveria ter aplicado o regime imperativo consignados nos artigos 1722º, 1693º e 1696º n.º 1 todos do CC, e, concomitante, ter absolvido o Recorrente DD do pedido, dando provimento ao recurso. X) Uma herança consiste no conjunto dos bens, dos direitos e das obrigações que, à morte de uma pessoa, são transmitidos aos respetivos herdeiros ou legatários, pela via da sucessão. Y) Conforme consta do n.º 1 do art.º 2133 do CC, “A ordem por que são chamados os herdeiros, sem prejuízo do disposto no título da adoção, é a seguinte: a) Cônjuge e descendentes, b) Cônjuge e ascendente (…). Z) A lei prevê que os filhos, tal como o cônjuge, estejam na linha da frente para receber a herança. No entanto, quando não existe cônjuge e outros herdeiros legítimos, apenas se faz a partilha de herança entre irmãos. AA) Segundo consta o n.º 2 do art.º 2139º do CC “se o autor da sucessão não deixar cônjuge sobrevivo, a herança divide-se pelos filhos em partes iguais”. BB) No caso de não existir litígio, a partilha de herança entre irmãos, a divisão é feita informalmente mediante acordo entre as partes, ou através da realização de contrato de partilha. CC) No que concerne a alienação de herança, o nosso ordenamento jurídico, fixa o regime a partir do art.º 2124º e ss do Código Civil, prescrevendo o artigo 2126º n.º 1 “Sem prejuízo do dispositivo da lei especial, a alienação de herança ou quinhão hereditário é feita por escritura pública ou por documento particular autenticado se existirem bens cuja alienação deva ser feita por uma dessas formas. O n.º 2 prevê “Fora dos casos previstos no número anterior, a alienação deve constar de documento particular”. DD) O Tribunal “a quo”, entendeu aplicar, à referida relação contratual de partilha de bens de acervo hereditário, o regime do Direito das Obrigações, aplicando os art.ºs 405º, 406º, e ainda, consequentemente artºs 804º, 805º e 806º do CC, para vincular e obrigar os recorrente EE e DD, quando o regime em causa, em virtude da causa de pedir, uma relação jurídica subjetiva típica e inserida no Direito das Sucessões. EE) Enquanto aqueles Tribunais entendem que existe liberdade de forma, por força dos art.ºs 405º e 406º do CC, o que se impõe in casu sub judice, é o enquadramento desta relação jurídica no Direito das Sucessões, isto porque, para além da obrigatoriedade da qualidade dos contraentes, que têm de ser herdeiros, ainda é exigida forma ao contrato, por força dos art.ºs 2133º, 2124º 2126º do CC. FF) O facto do Tribunal “a quo”, ter enquadrado a relação jurídica nos termos supra, erradamente, como se tentou expor, põe em causa uma questão de especial relevância jurídica, cuja a apreciação é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito. GG) O Tribunal da Relação do Porto, através de acórdão proferido nos presentes autos, ao não admitir a inclusão/aditamento de factos não alegados em articulados, mas resultantes da instrução da causa, nos termos do art.º 5 n.º 2 do CPC, na parte de factos provados e não provados, decidiu contra legem, salvo melhor doutrina. HH) A recorrente EE, em sede de depoimento de parte, confessou a sua versão dos factos, designadamente que o finado FF, seu avô, quis doar a favor da sua neta EE o valor em depósito bancário. II) Como refere a Sentença, “esta versão apenas foi corroborada pela Ré, CC”, no entanto entendeu o tribunal de primeira instância não dar credibilidade, uma vez que não foi alegado na sua contestação. JJ) “A doação de coisas móveis, não depende de qualquer formalidade externa, quando acompanhada da coisa doada (art. 947 do C.Civil). A assinatura pela donatária, a pedido dos doadores e de acordo com as suas instruções, dos documentos de transferência de uma conta bancária destes para conta daquela, configura doação manual e simultaneamente aceitação da doação”. KK) “A doação assim efectuada configura-se como doação manual, acto pelo qual o tradens, com animus donandi, entrega bem móvel, no caso determinada quantia em dinheiro ao accipiens que revela com a sua actuação aceitá-la- arts 940, nº1, 945, nº1, 947, nº2, do C. Civil”. vide TR Lisboa de 28-05-2015, processo n.º 207/11.5TBVFC. LL) Todos estes factos, apesar de não terem sido invocados nos articulados, foram invocados em sede de discussão e julgamento, aquando o depoimento das partes, todavia, foi entendimento do tribunal “a quo” que os Recorrentes não respeitaram os pressupostos contidos no art.º 640º do CPC. MM) O tribunal “a quo” decidiu pela inadmissibilidade do recurso na parte da impugnação da matéria de facto, escudando-se na tese segundo a qual os recorrentes não respeitaram as exigências do art.º 640º do CPC. NN) Entende o tribunal “a quo” que o facto dos Recorrentes não terem invocado a doação na fase dos articulados, e por esse motivo, não podiam impugnar matéria, por não estar contida na parte de factos provados e não provados, não foram respeitados os pressupostos contidos no art.º 640º do CPC, assim se depreende da fundamentação quando refere “os recorrentes ao não elencarem no corpo das alegações a decisão alternativa pretendida não cumpriram sequer aquele ónus mínimo de alegação que o AUJ, ao que acresce o facto de tão pouco terem sido identificados os concretos prontos de facto impugnados. OO) O tribunal “a quo” ao não ter admitido o recurso nesta parte, não teve em linha de conta o Ac. do STJ de 07-12-2023, processo n.º 2017/11.0TVLSB.L1.S1, 2ª Secção, onde foi relator o Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro João Curo Mariano. PP) Apesar do Tribunal de primeira instância, em Sentença, ter referido o facto alegado pelas partes, o mesmo deveria ter sido aditado aos factos não provados, um a vez que impõe o art.º 5º n.º 2 b) do CPC, que prescreve “Para além dos factos articulados pelas partes são ainda considerados pelo juiz: (…) b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar”. QQ) O Tribunal “a quo” com base na argumentação do STJ, deveria ter admitido a impugnação da matéria de facto por estarem respeitados os pressupostos e exigências contidas no art.º 640º do CPC. RR) Acompanhando-se a posição do STJ, que nos ensina “Nestas situações, como ocorre no presente caso, deve a Relação, caso entenda que o facto é complementar dos factos já alegados, se evidenciou na instrução da causa e é relevante para o seu desfecho, utilizar o poder que lhe é conferido pelo art.º 662 n.º 2 al. c) do CPC para ampliação da matéria de facto”. SS) Os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções (isto é, todos os factos de que depende o reconhecimento das pretensões deduzidas) devem ser vertidos nos articulados das partes, a isso respeitando o ónus de alegação imposto pelo n.º 1. TT) No entanto, a eventual incompletude no cumprimento desse ónus relativamente a factos complementares ou concretizadores dos inicialmente alegados não tem efeitos preclusivos, já que os factos omitidos podem ainda ser introduzidos nos autos, seja através de um articulado de aperfeiçoamento (art.º 590º n.º 4), seja em face do que resulte da instrução (art.º 5º n.º 2 al.b)). Cfr. Código de Processo Civil, Vol I Parte Geral e Processo de Declaração, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Almedina p.31. UU) Para Teixeira de Sousa “a solução de prescindir da concordância da parte “é orientada pela busca da verdade em processo, entendendo-se que nada pode justificar que a parte possa impedir o tribunal de utilizar na sua atividade decisória um facto de que o tribunal tem conhecimento”. Ibidem. VV) Os factos que sejam confessados por alguma das partes (em depoimento de parte ou em declarações de parte) serão obviamente considerados, tal como o devem ser os resultantes de outros meios de prova. Unicamente se exige que sobre os mesmos ou sobre a atendibilidade na sentença seja exercido o contraditório, atendo o disposto nos art.º 3º n.º 3 e 5º n.º 2 al. b). Ibidem WW) A interpretação do Tribunal “a quo” relativamente a factos não alegados pelas partes que resultaram da instrução da causa, nos termos do artigo 5º n.º 2 do CPC, impunha a aplicação do art.º 662º n.º 2 al. c) do CPC. XX) O Tribunal “a quo” ao ter decido pela inadmissibilidade do recurso na parte da impugnação da matéria de facto, com fundamentado no não cumprimento dos pressupostos e exigências contidas no art.º 640º do CPC, não teve em consideração a jurisprudência seguida pelo STJ, e violou os deveres contidos nos art.º 5º n.º 2 do CPC e art.º 662º n.º 2 al c) do CPC. YY) Interpretação que põe em causa uma questão de especial relevância jurídica, cuja apreciação é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito.” Não foram apresentadas contra-alegações. /// A revista foi interposta como excepcional, pressupondo a existência de dupla conforme (art. 671º, nº3 do CPC) Sucede que no recurso de apelação os RR suscitaram a excepção dilatória de ilegitimidade dos RR DD e EE, não suscitada perante a 1ª instância, excepção que o acórdão apreciou negando-lhe provimento, o que descaracteriza a dupla conforme, não havendo, pois, obstáculo à admissão da revista. Objecto do recurso. Visto as conclusões da alegações do recorrente, que definem o objecto do recurso, cumpre apreciar as seguintes questões: - legitimidade dos RR DD e EE; - violação pela Ré do poder/dever de alterar a matéria de facto (art. 662º do CPC); - condenação dos RR DD e EE no pagamento da quantia de €36.618,2 aos Autores. /// Fundamentação. Vem dada como provado que: 1. Em ... de 2008, faleceu GG, na freguesia e concelho de ..., onde residia, no estado de casada com FF. 2. Em .../.../2012, em ..., ..., faleceu, no estado de viúvo, FF, residente que foi na mesma freguesia de .... 3. O Autor, AA, casado com BB em regime de comunhão de adquiridos e a ré CC, que com o co-réu DD é também casada no regime de comunhão de adquiridos, são os dois únicos e universais herdeiros daquele defunto casal. 4. O “de cujus” FF, era titular de três contas, na Caixa Geral de Depósitos – Agência de ...: a) .... ...........00; b) .... ...........20; c) .... ...........61. 5. Tendo o de cujus associado às mesmas contas, sua neta, a Ré EE, (filha dos primeiros Réus), para as movimentar, de acordo com as suas instruções. 6. Três meses antes do óbito do FF, a soma dos saldos das referidas contas ascendia a € 175.003,19. 7. A ré EE, no dia .../.../2012, cerca um mês antes de seu avô morrer, sacou da conta referida supra no ponto 4 a), a quantia de € 20.000,00, que transferiu para uma conta em seu exclusivo nome, que possuía na mesma Agência, com o Nº .... ...........00, ficando, consequentemente, a sacada, com um saldo de, apenas, € 4.903,19. 8. Aquele saldo residual de € 4.903,19 também foi, por ela, posteriormente, levantado, deixando a respetiva conta, - à data do óbito do antedito FF, - a zero. 9. E sacou, no mesmo dia .../.../2012, da conta referida no ponto 4 b) as quantias de € 100. 000,00 e 50.000,00, deixando-a, também ela, a zero. 10. Relativamente à conta referida supra em 4 c), à data do óbito do dito titular, apresentava ela um saldo positivo de €100,00. 11. No dia ...-...-2013, no Cartório Notarial ..., sito na Rua ..., ..., foi celebrada escritura de partilha onde ambos os herdeiros constituíram em Propriedade horizontal, um prédio urbano partilhando, de que resultaram duas frações autónomas, de valor equivalente, A e B, que foram adjudicadas, uma a cada um deles - e, no mesmo ato, procederam à Partilha dos restantes bens (imóveis), dividindo-os em dois lotes também equivalentes – sendo adjudicado um a cada deles, -assim dando por concluídas as Partilhas, nelas incluída uma sepultura perpétua em nome do falecido FF, -que foi adjudicada a ambos os partilhantes, em partes iguais– sempre sem direito a tornas, por tudo terem partilhado em iguais valores, - em tudo aquiescendo, mais uma vez, os respetivos cônjuges. 12. Após o óbito de FF, os Autores pediram e lograram uma reunião, com a co-herdeira CC e marido, estando igualmente presente a filha destes e ora Ré, EE, visando partilhar, desde logo, o dinheiro que ascenderia a € 175.000,00, tendo ficado acordado que os Réus iriam restituir ao Autor, em várias tranches, tal quantia, na proporção de metade - € 87.500,00, descontando a esse valor as despesas suportadas com a herança até à celebração da escritura a que se alude no ponto 11. 13. O Autor acreditou e aceitou fazer a referida Escritura de Partilhas, antes de receber o seu quinhão do dinheiro. 14. Após a celebração da Escritura de Partilhas a que se alude no ponto 11 e na sequência do acordado quanto à aludida divisão do dinheiro em partes iguais, a Ré EE transferiu para o Autor, em várias tranches, a quantia total de € 44.980,00. 15. O Autor e Ré, por acordo de ambos, recolocaram um tanque, em local que permite o seu acesso a ambos. 16. O Autor e Ré, CC, no âmbito das partilhas, acordaram verbalmente que aquele ficaria com um trator, uma carroçaria, o veículo automóvel Opel Corsa, uma moto-cultivadora e todas as ferramentas, de valor não concretamente apurado e aquela ficaria com o ouro, de valor não concretamente apurado. 17. A Ré EE, com autorização e aprovação de todos os herdeiros, liquidou o montante de € 900,00 referente à divisão dos prédios (bens relacionados) e constituição em propriedade horizontal. 18. Para se proceder à partilha extrajudicial, foi necessário a Ré EE pagar os honorários à advogada, que ascendeu ao montante de € 8.047,60. 19. Antes da partilha a que se alude no ponto 11, a Ré EE liquidou de imposto às finanças de dívidas de IMI de todos os imóveis a partilhar, a quantia de, pelo menos, € 2.689,62. 20. A Ré EE liquidou, pelo menos, os montantes de 71,97€, € 14,26, € 72,58 e € 7,46, no valor total de € 166,27, referente a despesas com água e luz de todos os imóveis a partilhar. 21. O Autor interpelou, várias vezes, os Réus para que cumpram o prometido, pagando-lhe a totalidade do montante a que se alude no ponto 12. Foi julgado não provado que: a) A restituição do dinheiro a que se alude no ponto 12 iria ser efetuada imediatamente. b) Para além do referido no ponto 12, que o Autor advertiu os Réus que não lhes perdoava os juros, correspondentes ao atraso no pagamento. c) Na quantia total de € 44.980,00 a que se alude no ponto 14, já estava incluído metade do valor de € 4.950,00, relativo à recolocação do tanque a que se alude no ponto 15. d) Para além do referido no ponto 19, a Ré EE liquidou de imposto às finanças de dívidas de IMI de todos os imóveis, no montante de 7.857,65€. e) Para além do referido no ponto 20, a Ré EE liquidou o montante de 752,55€, referente a despesas com água, luz e despesas com exéquias fúnebres, no valor de 1.600,00€. f) - A Ré EE liquidou pelo processo de licenciamento, de construção civil e limpeza dos terrenos, o valor global de 2.127,80€. g) - Para além do referido no ponto 14 que ao Autor apenas foram pagos, duma vez € 20.000,00 e de outra vez, mais €15.000,00, num total de € 35.000,00. h) A quantia transferida pelos Réus para o Autor a que se alude no ponto 14, no montante de 44.980,00€, corresponde ao valor em numerário resultante da partilha de seus pais, deduzido todas as despesas e encargos da herança e tendo, ainda, em consideração a compensação e preenchimento dos quinhões dos herdeiros. i) O Autor ficou com um lote de madeira no valor de 3000,00€, 2 aparelhos de solda, duas televisões no valor de 100,00€, conteúdo da mala de enxoval com lençóis em linho no valor de 700,00€, uma bicicleta no valor de 50,00€, uma máquina fotográfica de fole anos 60 no valor de 500,00€, vários materiais agrícolas no valor de 150,00€, um Alfinete em ouro no valor de 750,00€. j) O Autor AA, para além das edificações, ficou com um prédio urbano de 1.528m2 a 80€/m2, contra um prédio rústico que ficou para a Ré CC de 1.428m2 de 16€/m2, isto é, o autor AA ficou com um imóvel que vale cerca de 122.240,00€ contra os 22.848,00€ da Ré CC. l) Quando o finado ascendente esteve doente, o autor AA ficou com este durante duas semanas e cobrou ao seu pai 3.000,00€. m) Para além do referido no ponto 15 que o Autor efetuou o pagamento da despesa de recolocação do tanque, no valor de € 4.950,00. Fundamentação de direito. Da legitimidade dos RR DD e EE. Sustentam os Recorrentes que aqueles RR devem ser julgados “parte ilegítimas na presente acção, do lado passivo, devendo ser absolvidos dos pedido” (conclusão k). Vejamos. A legitimidade é um pressuposto processual cujo conceito consta do art. 30º do CPCivil: 1. O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesses directo em contradizer. 2. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. 3.Na falta de indicação em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeitos da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor. Consagra-se aqui o critério de legitimidade das partes em função da alegada titularidade do objecto do processo. Ou seja, a legitimidade processual, constituindo uma posição do autor e do réu em relação ao objecto do processo, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como o autor a desenhou. Distingue-se da legitimidade substantiva, ou material, que tem a ver com a prova dos factos que integram a causa de pedir. Com consequências processuais diferentes num caso e noutro. A ilegitimidade processual é uma excepção dilatória que conduz à absolvição da instância (arts. 577º, alínea c) e 576º, nº1 do CPCivil). A legitimidade material prende-se com o mérito da causa, isto é, não se provando os factos que constituem a causa de pedir, ou se se julgar que não permitem o efeito jurídico pretendido, o réu será absolvido do pedido. No caso, os AA na petição inicial para fundamentarem a responsabilidade dos RR alegaram que todos eles se comprometeram a devolver-lhes parte do dinheiro que a R. EE levantou das contas do avô. É quanto basta para concluir pela legitimidade dos RR, por ser manifesto o seu interesse em contradizer o alegado pelos AA.. Com o que nesta parte improcede a revista. Nas conclusões GG) e seguintes, os Recorrentes insurgem-se por o acórdão recorrido por não ter “admitido a inclusão/aditamento de factos não alegados nos articulados, mas resultantes da instrução da causa”, assim infringindo o disposto no art. 5º, nº2 do CPCivil. Sem qualquer razão, todavia. No recurso de apelação, os Recorrentes não impugnaram a decisão sobre a matéria de facto nem pugnaram pelo aditamento de factos não alegados e resultantes da instrução da causa. Insurgiram-se contra a decisão que os condenou a devolver aos AA o dinheiro que a Ré EE retirou das contas do avô, sustentando que esta, em depoimento de parte, confessou que o finado FF, seu avô, quis doar-lhe o valor dos depósitos bancários, e que apesar da doação “entendeu dar ao seu tio o valor de €44.980,00.” A alegação de que o dinheiro foi doado à Ré EE pelo avô é um facto essencial, por nela assentar o fundamento da oposição à pretensão dos Autores. Resulta do art. 5º do CPC a distinção entre factos essenciais, instrumentais e complementares. Os primeiros constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções, devendo ser alegados pelas partes; os factos instrumentais tem uma função meramente probatória; os complementares são factos que concretizam os factos essenciais que as partes hajam alegado. A alegada doação do dinheiro, como facto essencial da defesa dos RR, carecia de ser alegado por estes na contestação; só os factos probatórios, ditos instrumentais, e os complementares que resultem da instrução da causa, é que são considerados pelo juiz, nos termos do art. 5º, nº2 do CPC. Não tendo sido alegado, ainda que tivesse resultado da instrução da causa, não podia ser aditado em sede julgamento. Acresce que as declarações da Ré em sede de depoimento de parte no sentido de que o dinheiro lhe foi dada pelo avô não constitui confissão, por não representar o reconhecimento da realidade de um facto que lhe é desfavorável e que favorece a parte contrária (art. 352º do CCivil). Com o que improcede também este fundamento da revista. /// Insurgindo-se contra o acórdão confirmatório da sentença de 1ª instância que os condenou solidariamente a pagar aos AA a quantia de €36.618,2, os Recorrentes opõem no essencial: i) nada têm que devolver por o dinheiro ter sido doado pelo falecido FF à Ré EE sua neta; ii) ainda que assim não fosse, nunca os RR DD e EE poderiam ser condenados por não terem a qualidade de herdeiros do falecido FF, sendo a Recorrente CC a única responsável pelas dívidas da herança. Não têm qualquer razão, como se vai procurar demonstrar. Da matéria de facto apurada emerge o seguinte quadro factual: em ........2012, faleceu no estado de viúvo FF, pai do Autor AA e da Ré CC; o FF era titular de três contas bancárias, às quais estava associada a sua neta EE, com autorização para as movimentar, de acordo com instruções daquele; três meses antes do FF falecer as três contas tinham um saldo global de €175.003,19; no dia ........2012, um mês antes do falecimento do FF, a Ré EE levantou das referidas contas um total de €170.000,00. O depósito bancário é o contrato pelo qual uma pessoa (depositante) entrega certa quantia em dinheiro a um banco o qual pode dela dispor como coisa própria, mediante retribuição (juros), obrigando-se o depositário a restituí-la, mediante solicitação e de acordo com as condições estabelecidas (acórdão do STJ de 24.10.2013, P. 2/11.1TVPRT.P1.S1. Importa distinguir entre a propriedade (jurídica) do dinheiro depositado e a titularidade da conta. Isso mesmo foi realçado no acórdão deste STJ de 04.06.2013, P. 226/11.1TVLSB.L1.S1: “Como vem sendo assinalado na doutrina e na jurisprudência, apesar de qualquer dos contitulares do depósito ter, perante o banco, o direito de dispor da totalidade do dinheiro que constitui objecto do depósito, na respectiva esfera patrimonial só se radica um direito próprio sobre o numerário se, efectivamente lhe couber, como proprietário, qualquer parte no saldo de depósito, e só dentro dos limites dessa parte. Inconfundíveis e independentes, pois, a legitimidade para movimentação da conta, inerente à qualidade de contitular inscrito no contrato de depósito e dela diretamente decorrente, e a legitimidade para dispor livremente das quantias que a integram, esta indissociável do direito de “propriedade”. No mesmo sentido, decidiu o acórdão do STJ de 06.10.2005, P. 04B2753: “O simples facto de se consentir na constituição de um depósito bancário solidário, em nome simultaneamente do dono do dinheiro e de um terceiro, não permite, sem mais, concluir mo sentido da ocorrência de “animus donandi” do primeiro.” Também assim decidiu o acórdão de 05.06.2008, P. 08A1361 em que se escreveu “a titularidade da conta pode nada ter a ver com a propriedade do montante monetário nela depositado. Essa titularidade dá aos beneficiários a possibilidade de movimentar, no todo ou em parte, os fundos objectos do depósito. Mas já não atribui aos mesmos a propriedade do numerário depositado. Este pode pertencer a todos ou apenas a um dos titulares”. Revertendo ao caso dos autos. É incontroverso que o dinheiro depositado nas contas bancárias em nome do falecido FF pertencia-lhe e que ao associar a Ré EE às mesmas visou apenas permitir que ela também as pudesse movimentar de “acordo com as suas instruções”. A Ré EE movimentou-as a seu favor, nos termos supra referidos. Sustenta na revista que o avô lhe fez a doação do dinheiro, mas não há qualquer prova de que tal tenha sucedido. Donde, é inevitável concluir que a Ré se apropriou de dinheiro que lhe não pertencia, em prejuízo do falecido (os levantamentos ocorreram em vida daquele), e após a morte desde, dos respetivos herdeiros, o Autor AA e a Ré CC. Tendo ela incorrido num acto ilícito, ficou constituída na obrigação de restituir o dinheiro aos herdeiro FF, designadamente ao Autor. A questão da obrigação de restituir a cargo dos restantes Réus. Da matéria de facto provada no ponto 12 decorre que entre os AA e os RR foi celebrado um acordo com o seguinte sentido: 1. Os AA e os RR reconheceram que a quantia de €175.000,00 apropriada por EE pertencia à herança do FF; 2. Os herdeiros do FF acordaram partilhar tal quantia entre eles, cabendo metade a cada um deles. 3. Os Réus - todos os Réus – obrigaram-se entregar aos AA metade daquela quantia, descontadas as despesas suportadas com a herança até à celebração da escritura a que se alude no ponto 11. O acordo, na parte em que os RR CC e DD assumem a obrigação de entregar aos AA metade de tal quantia, descontadas as despesas acima referidas, configura uma assunção de dívida que se ajusta à hipótese prevista na alínea b) do art. 525º do CCivil. Vejamos. Nos termos desta alínea, a transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor. A este propósito, escreve Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, pag. 769: “À transmissão singular de dívidas corresponde o instituto da assunção de dívida, que consiste pelo qual um terceiro (assuntor) se vincula perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem. A ideia subjacente é a da transferência da dívida do antigo para o novo devedor, mantendo-se a relação obrigacional. Observe-se, porém, que a assunção de dívida pode configurar-se de duas maneiras, no que toca as seus efeitos quanto ao antigo devedor. Se este resulta exonerado pelo compromisso que o novo devedor assume, trata-se de uma assunção liberatória ou privativa da dívida. Mas, se a responsabilidade do novo devedor vem apenas juntar-se à do antigo, que continua vinculado a par dele, fala-se de assunção cumulativa ou co-assunção de dívida (art. 595º, nº2).” No mesmo sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, pag. 378, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, III, pag. 54 e Vaz Serra, RLJ, ano 110, pag. 306. O acórdão do STJ de 24.11.2009, (CJ/STJ), ano XVII, tomo 3, pag. 158, decidiu um caso de assunção de dívida nestes termos: “Subsume-se à co-assunção de dívida a comprovação factual de que o réu assumiu também ele, pessoalmente e com a anuência do credor, a responsabilidade do pagamento da quantia mutuada.” A assunção de dívida prevista na alínea b) do art. 595º do CC pressupõe, pois que a dívida do devedor originário seja assumida por um terceiro com base num acordo entre este e o credor originário, com ou sem consentimento do antigo devedor. Foi o que se passou no caso. EE estava constituída na obrigação de restituir aos AA metade da quantia de que se apropriou. Obrigação que procedia do facto de se ter apropriado de bens do autor da herança. Era, pois, a devedora originária. Os RR CC e DD, que não estavam originariamente constituídos em tal obrigação, acordaram, no entanto, com o Autor (credor da obrigação de restituição) e com a mulher deste em vincular-se a tal obrigação, ou seja, obrigaram-se a restituir-lhe metade de tal valor, descontadas as despesas acima referidas. Assumiram, pois, a obrigação que originariamente vinculava exclusivamente a Ré EE. É justamente uma situação deste tipo, de co-assunção de dívida que se verifica na situação dos autos ficando assim os AA com o direito de exigirem também dos RR CC e DD, vinculados solidariamente com a Ré EE, a satisfação da dívida. Com o que improcedem na totalidade as conclusões da revista. Sumário: I - A assunção de dívida prevista na alínea b) do nº1 do art. 595º do Código Civil pressupõe que a dívida do devedor originário seja assumida por um terceiro, com base num acordo entre este e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor; II - Se esta assunção ocorre sem a liberação do devedor originário, verifica-se uma co-assunção de dívida, ou assunção cumulativa (art. 595º, nº2); III – É o que sucede quando um terceiro assume perante o credor a responsabilidade pela devolução de uma determinada importância em dinheiro, solidariamente com o devedor originário. Decisão. Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido. Custas pelos RR. Lisboa, 28.05.2024 Ferreira Lopes (relator por vencimento). Nuno Ataíde das Neves Fátima Gomes (vencida, nos termos da declaração que segue).
Teria concedido parcialmente a revista, absolvendo o Réu (marido) do pedido. As razões desse entendimento eram, em síntese: 1. Numa situação em que os A. alega que a Ré EE estava associada às ditas contas do falecido avô FF, pai do Autor e da Ré CC, tendo levantado o saldo das referidas contas que ascendia a cerca de € 175.000,00.; que Após o óbito do FF, o Autor, acompanhado da sua referida esposa, pediram e lograram uma reunião, com a co-herdeira CC e marido, estando igualmente presente a sobredita filha destes e ora Ré, EE, visando partilhar, desde logo, os móveis e dinheiro, ficando acordado que a Ré EE após a celebração da escritura da partilha iria entregar ao Autor a sua parte, na proporção de € 87.500,00.; que posteriormente a tal Escritura de Partilhas e na sequência do acordado quanto à aludida divisão do dinheiro, ao Autor apenas foram pagos, duma vez € 20.000,00 e de outra vez, mais €15.000,00, num total de € 35.000,00 – pelo que, dos acordados 87.500,00 – lhe falta ainda receber € 52.500.00.; que, apesar das interpelações do Autor, os Réus não lhe entregaram o dinheiro em falta nos temos acordados – a existência de acordo de assunção de responsabilidades não é apenas matéria de facto, mas sobretudo de direito, pelo que o facto provado 12. não é decisivo, comportando mais um sentido conclusivo do que de facto; o facto 13. É do foro interno do A., não necessariamente conexo com o existência de acordo; a existência do acordo e o seu incumprimento é aqui a questão essencial e sobre ela, retirando a parte conclusiva do ponto 12 dos factos provados, não seria a acção procedente em relação ao Réu, marido; 1. O réu devia ser absolvido da acção porque: - No que respeita à intervenção na situação em discussão não há dúvidas de que não é herdeiro; - Segundo consta dos autos, é casado em regime de comunhão de adquiridos com a 1ª R – ela sim herdeira; - Não movimentou as contas, nem tem à sua disposição ou ordem o dinheiro delas levantado ou outros bens da herança. Isto é, tudo aponta para que não exista motivo para ser condenado a pagar uma dívida que não é sua. E a sua intervenção na partilha terá sido apenas necessária para dar cumprimento à lei que exige a intervenção do cônjuge, sem que daí derive que passe a ser titular dos bens adjudicados ou prometidos adjudicar, ou que tenha o dever de pagar ao A. qualquer valor relativo à herança do de cujus. - A sua intervenção na promessa de partilha a indicar que serão pagos ao A. os valores que lhe são devidos não configura tão pouco uma intervenção em contrato, podendo, no máximo, haver aqui uma declaração unilateral, mas que não pode ser configurada como promessa unilateral de prestação em favor do A. pois não tem uma causa justificativa que se possa considerar como motivo válido e lícito para a sua vinculação (não vem invocado um caso previsto na lei, como exigiria o art.º 457.º do CC), nem o referido compromisso assume carácter de liberalidade – art.º 457.º CC (Artigo 457.º - Princípio geral - A promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei.) - Não estaremos igualmente numa situação que caia no âmbito do art.º 458.º do CC, ou sendo-o, não estariam cumpridas as exigência do n.º2 do citado artigo (Artigo 458.º - Promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida 1. Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário. 2. A promessa ou reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se outras formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental.) |