Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1069/14.6TBOER.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DE PRAZOS
PRESSUPOSTOS
REPARAÇÕES URGENTES
BENFEITORIAS NECESSÁRIAS
INFILTRAÇÕES
CONDOMÍNIO
REGULAMENTO DO CONDOMÍNO
PARTES COMUNS
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
LOCATÁRIO
PROPRIETÁRIO
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. A obrigação legal do condomínio estabelecida no artigo 1424º do Código Civil, constitui fonte directa de obrigação legal que legitima por si a reclamação dos custos pelo condómino que suportou na realização de obras urgentes e necessárias em partes comuns do prédio,

II. Obrigação de conteúdo positivo, qualificável como uma obrigação propter rem, de estrutura creditícia, que não difere, no tocante à obrigação do pagamento dos valores custeados pelo condómino que executou obras urgentes nas partes comuns, perante a omissão do condomínio e, cujo prazo de prescrição do exercício do direito de reclamação perante o condomínio -os demais condóminos - corresponde ao prazo ordinário de 20 anos.

III. No que se prende com a indemnização dos danos que as infiltrações provindas da zona comum causaram no interior da sua fracção enquadra-se no regime da responsabilidade por facto ilícito, com base no incumprimento por omissão da obrigação do Condomínio de custear as despesas de conservação e reparação para fruição das partes comuns, com referência do regime do artigo 493º, nº 1, do CC, que respeita aos denominados deveres de segurança no tráfego.

IV. A Autora convive na sua habitação com as consequências de insalubridade provenientes das infiltrações que embora com o conhecimento pelos Réus, omitiram o dever de reparação adequada do terraço, não se iniciando a contagem do prazo de prescrição; a despeito da lei prever o início do prazo de prescrição independente do conhecimento da extensão integral dos danos pelo lesado, tendo em consideração a possibilidade de formular um pedido genérico de indemnização, tal pressuporá a verificação dos inerentes pressupostos.

V. São indispensáveis as reparações realizadas, sem as quais a parte comum não desempenharia a sua função - o terraço não isolava as águas pluviais- permitindo infiltrações de água na fracção; e urgentes, face ao estado de degradação avançada do interior da fracção com origem nas infiltrações provindas daquela zona, e necessárias, não se compadecendo com as delongas da intervenção do administrador, que se manteve passivo apesar das sucessivas comunicações da Autora.

VI. os custos e despesas de conservação e reparação dos terraços intermédios que servem de cobertura a outra fracção, seguem a regra da repartição proporcional entre os condóminos, e ainda que afecto ao uso exclusivo de uma das fracções.

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. Da acção

AA intentou em 3/3/2014 acção declarativa de condenação em processo comum, contra Condomínio do prédio urbano situado na Rua Bernardo Santareno, n.º 21,..., Banco Comercial Português, S.A., T..., Lda, BB, CC São DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, N...., Lda, XX, YY, ZZ, AAA, BBB, CCC e DDD, pedindo a condenação dos RR. no pagamento da quantia de € 59.351,20, acrescida de juros, desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento, sendo o R. condomínio no pagamento da totalidade dessa quantia e os restantes RR. na proporção do valor das fracções de que são proprietários no prédio correspondente àquele condomínio, de acordo com a respectiva permilagem.

Em fundamento do seu pedido, alegou em síntese que, perante as infiltrações existentes na sua fracção, provenientes de partes estruturais do prédio, detectadas no ano de 2001, agravadas ao longo do tempo, que sempre comunicou à administração do condomínio, sucessivas vistorias da Câmara dando o local como insalubre, o condomínio não actuou, vindo apenas em 2010 a realizar algumas obras que logo se revelaram inadequadas, mantendo-se a situação na casa da autora.

Face à natureza urgente e necessária da intervenção na zona comum para tornar a sua casa habitável, procedeu a Autora a suas expensas às obras e, também no interior da sua fracção, no valor de € 33.351,20, cujo pagamento reclama dos Réus, acrescendo a quantia de € 26.000,00, a título de compensação pelo sofrimento que enfrentou.

Na contestação os condóminos invocaram a prescrição do direito da Autora.

O Réu Banco Comercial Português, SA contestou, invocando, por um lado, a prescrição do direito da Autora e, por outro, impugnou os factos alegados, bem como que a eventual responsabilidade no pagamento da indemnização não lhe poder ser imputada, uma vez que, sendo locador financeiro da fracção de que é proprietário, apenas a respectiva locatária dela frui.

A Ré N...., Lda, invocou a sua ilegitimidade por ter vendido a fracção e também a ilegitimidade do Réu Condomínio.

Todos os demais Réus, com excepção do Réu Condomínio, contestaram e arguiram a prescrição do direito da autora nos mesmos termos do Réu Banco, alegaram que foram feitas obra no terraço pelo condomínio em 2012, não tendo, porém, a Autora procedido à imediata colocação do soalho no interior da casa, provocando os danos e impugnaram parte da factualidade alegada.

A autora respondeu, separadamente, a cada uma das contestações defendendo a improcedência das excepções de ilegitimidade passiva por a ré N...., Lda e por o réu condomínio ter personalidade judiciária.

No que se refere à excepção de prescrição, sustentou não poder esta operar por ter havido o reconhecimento da existência de responsabilidade pelo condomínio pelas infiltrações e a sua obrigação de reparação, tendo, inclusive, realizado obras, pelo que tal importa a interrupção do prazo de prescrição, nos termos do artigo 325.º do CC.

Sustentou, ainda, que os danos patrimoniais se referem às obras urgentes realizadas em 2013, pelo que os factos não se reportam exclusivamente a 2001, constituindo abuso do direito a invocação de prescrição atentas as inúmeras trocas de correspondência e apresentação de orçamentos, tendo os réus sempre adiado a realização das obras necessárias.

Verificaram-se, posteriormente, as seguintes alterações subjectivas da instância, a saber. Em virtude da procedência de incidente de habilitação de adquirente, que correu termos sob o apenso A, foram, por sentença de 14/3/2016, julgados habilitados EEE e FFF, para ocuparem a posição processual da R. N...., Lda, por terem adquirido, por compra, a fracção P do prédio em causa nos autos.

Ocorrido o óbito da R. JJ, veio a ser proferida nestes autos, em 8/1/2018, sentença de habilitação de herdeiros, que julgou habilitados, para prosseguir a acção, na posição daquela R., II, GGG, HHH e III.

Atenta a declaração de insolvência da R. T..., Lda, foi julgada extinta a instância, em relação àquela R., por inutilidade superveniente da lide, mediante decisão de 25/10/2018.


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Dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador a fixar o valor da causa, julgando improcedentes as excepções de ilegitimidade passiva deduzidas pela ré N...., Lda, e o réu condomínio, relegando-se para final o conhecimento da excepção de prescrição.

Seguidos os demais trâmites da instância, teve lugar a audiência de discussão e julgamento e proferida sentença, a acção foi julgada improcedente, em consequência, absolveram-se os RR dos pedidos.

2. Da apelação

Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação, pugnando pela revogação do julgado, devendo os RR serem condenados conforme peticionou.

O Réu BCP, SA, em contra-alegações, requereu a ampliação do objecto do recurso, para o conhecimento da excepção invocada da prescrição, atenta a improcedência da acção e o não conhecimento da excepção pelo tribunal recorrido, na hipótese de procederem os fundamentos do recurso da Autora, por cautela de patrocínio.


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O tribunal da Relação deu provimento parcial ao recurso da Autora, deliberando conforme o dispositivo final do acórdão - «Pelo exposto, acorda-se em: A) Aditar aos factos provados na sentença o seguinte ponto: “82. Uma das principais causas das infiltrações verificadas na fracção da A. é o facto de a cota do piso interior da fracção ser mais baixa do que a do piso do terraço exterior, quando devia ser o contrário, tendo existido um erro de projecto e de construção do edifício”;B) Eliminar a alínea M) dos factos não provados; C) Eliminar a alínea Q) dos factos não provados;D) Revogar parcialmente a decisão recorrida, na parte em que absolve os RR. de todos os pedidos, a qual se substitui pela seguinte:

1 – Condena-se o R. Condomínio a entregar à A. a quantia de € 21.909,48, por esta despendida em obras nas partes comuns, descontada da quota que couber à A. nessa quantia, de acordo com a permilagem da sua fracção;2 – Condena-se o R. Condomínio a pagar à A. juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia que foi condenado a entregar, referida em 1, desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento;3 – Condenam-se os restantes RR., solidariamente com o R. condomínio, a entregarem à A. a quantia referida em 1, na proporção das quotas que lhes couberem nessa quantia, de acordo com a permilagem das suas respectivas fracções;4 –Condenam-se os restantes RR. a pagarem à A. juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia que foram condenados a entregar, referida em 3, desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento;5 Condena-se o R. Condomínio a entregar à A. a quantia de € 8.590,58; 6 –Condena-se o R. Condomínio a pagar à A. juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia referida em 5, desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento;7 – Condenam-se os restantes RR., solidariamente com o R. condomínio, a entregarem à A. a quantia referida em 5, na proporção das quotas que lhes couberem nessa quantia, de acordo com a permilagem das suas respectivas fracções;8 – Condenam-se os restantes RR. a pagarem à A. juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia que foram condenados a entregar, referida em 7, desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento;9 –Condena-se o R. Condomínio a entregar à A. a quantia de € 5.000,00;10 – Condena-se o R. Condomínio a pagar à A. juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia referida em 9, desde a data da presente decisão, até efectivo e integral pagamento;11 – Condenam-se os restantes RR., solidariamente com o R. condomínio, a entregarem à A. a quantia referida em 9, na proporção das quotas que lhes couberem nessa quantia, de acordo com a permilagem das suas respectivas fracções;12 – Condenam-se os restantes RR. a pagarem à A. juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia que foram condenados a entregar, referida em 11, desde a data da presente decisão, até efectivo e integral pagamento”. E) Manter a decisão recorrida quanto à absolvição do demais peticionado.»

3. Da Revista

Inconformados, os Réus condóminos interpuseram recurso de revista.

As suas alegações finalizam com as conclusões que se transcrevem:

«I – O termo inicial do prazo de prescrição aplicável é a data a partir da qual lesado tem conhecimento do direito que lhe compete, nos termos do art. 498.º do Cód. Civil, não aquela a partir da qual o lesado tem conhecimento da extensão dos danos.

II – A Autora, aqui recorrida, tinha conhecimento do direito que lhe competia desde 2001, vindo a acção a ser proposta apenas em 2014, mais (muito mais) de 3 anos depois da data em que teve conhecimento do direito que lhe competia.

III - Ao decidir fixar o termo inicial do prazo de prescrição em 2013, quando a Autora pagou as despesas decorrentes das obras que efetuou, o douto Acórdão recorrido violou, por inadequada interpretação e aplicação, o disposto no art. 498.º, nº 1 do Cód. Civil.

IV - O direito da Autora, aqui recorrida, estava e está prescrito, ao abrigo do disposto no art. 498.º do Cód. Civil, e ao julgar improcedente a excepção peremptória de prescrição o douto Acórdão recorrido violou, por inadequada aplicação e interpretação, o disposto nos arts. 309.º, 498.º, 1424.º e 1427.º, todos do Código Civil.

V - Recai sobre os Condóminos a obrigação de indemnizar nos termos gerais do art.º

483.º do Código Civil, o condómino que sofra prejuízos decorrentes dos danos produzidos na sua fração autónoma e provenientes de partes comuns.

VI -Esta obrigação de indemnizar pressupõe a verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual.

VII - No caso de indemnização por danos causados a condómino, na sua fracção (sejam directos, sejam derivados ou sucedâneos), decorrente de infiltrações de águas pluviais de parte comum do prédio, a responsabilidade civil do condomínio é extracontratual.

VIII – Resulta da matéria de facto provada que a detecção das infiltrações data de 2001, tendo a aqui Recorrida solicitado durante anos a reparação e realização de obras no interior e no exterior, continuando a residir na fracção de que é proprietária e a ter aí a sede da sua empresa.

IX – Os anos que a Recorrida esperou até realizar obras em substituição do Condomínio não são compatíveis com a urgência a que se refere o art. 1427.º, nº 2 do Cód. Civil.

X - Por não se tratar de obras urgentes, a recorrida não podia substituir-se ao Condomínio e realizar as obras, imputando os custos ao Condomínio.

XI - As dificuldades sentidas no interior da fracção foram consequência do levantamento do soalho, em 2012, por iniciativa da condómina, aguardando meses até que o soalho voltasse a ser colocado.

XII – Ao decidir que estamos perante obras urgentes, o douto Acórdão recorrido violou, por inadequada aplicação e interpretação, o disposto no art. 1427.º do Cód. Civil.

XIII - Resultado art. 8.º, n.º 4, do Regulamento Estatutário do Condomínio, sob a epígrafe

“Despesas com coisas comuns” O condómino que estiver no uso exclusivo departe de coisa comum responderá pelas deteriorações inerentes e pelas correlativas despesas.”.

XIV- As obras igualmente realizadas pela Recorrida com respeito ao interior da fracção, na medida em que decorreram ou foram realizadas em consequência das infiltrações provenientes de parte comum do edifício, em relação à qual a responsabilidade pela respectiva reparação recaia sobre a Recorrida, não pode ser assacada sobre os réus condóminos.

XV - O regime relativo aos encargos de conservação e fruição constante do art. 1424.º do CC, é de natureza supletiva, podendo as partes dispor negocialmente de forma distinta no que se refere à repartição das despesas inerentes às partes comuns.

XVI - O princípio geral aplicável à repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum é o do recurso à estipulação das partes. Valerá para o efeito o critério que tiver sido estabelecido pelos interessados, no título constitutivo ou em estipulação adequada.

XVII - Ao decidir julgar a acção parcialmente procedente, o douto Acórdão recorrido violou, por inadequada interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 236.º, 238.º, 1418.º, 1420.º, 1424.º e 1427.º, todos do Código Civil. Termos em que, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o douto Acórdão recorrido, julgando procedente a excepção de prescrição e absolvendo os Recorrentes do pedido; caso assim não seja entendido, deve ser revogado o douto Acórdão recorrido, proferindo-se em sua substituição douto Acórdão que absolva os Recorrentes dos pedidos, com o que farão V. Exas, Colendos Conselheiros, a costumada JUSTIÇA!»


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O Réu BCP, SA. interpôs recurso autónomo, sustentando a revogação do acórdão e a repristinação do julgado da primeira instância, absolvendo-se o(s) Réu(s) dos pedidos.

Finaliza as suas alegações com as conclusões que seguem transcritas:

«1 - Não assiste razão, pelos fundamentos invocados nas motivações da Alegações, ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, ao revogar a Sentença do tribunal a quo, ao considerar parcialmente procedente a apelação apresentada pela Autora;

2 - Na fundamentação do Acórdão que ora se coloca em crise, pela Veneranda Relação de Lisboa, foi decidido que “Por outro lado, atendendo a que o pagamento das reparações efectuadas pela A. não se funda em responsabilidade civil extracontratual, mas em obrigação decorrente para os condóminos dos arts. 1427º e 1424º nº1 do Código Civil, o prazo de prescrição aplicável não é o do art. 498º nº1, mas sim o do art. 309º, desse diploma e de todo o modo, mesmo a aplicar-se um prazo de prescrição de três anos, o certo é que tal prazo não decorreu ainda.”

3 -O que se encontra em causa nos autos, relativamente ao tema da indemnização - e da conexa e invocada prescrição - peticionada pela A. é uma questão de indemnização dos danos provocados na fracção da A. (e respetivos danos não patrimoniais por esta sofridos), e não meramente da imputação das despesas efetuadas pela A. nas invocadas reparações dos referidos danos, quer no terraço, quer no interior da sua fracção.

4 - Pois, uma coisa será a ocorrência, existência e verificação desses danos, outra a sua extensão integral, ou seja, o apuramento patrimonial do resultado que importou na reparação do prejuízo patrimonial que a A. sofreu ao reparar esses mesmos danos, e ainda outro, os custos que a A. teve de suportar com as alegadas reparações urgentes efetuadas no terraço.

5 -In casu, a responsabilidade civil é extracontratual, ou aquiliana, ainda que aplicável o regime do artigo 493º, n.º 1 do Código Civil

6 – Com efeito, quando o proprietário de uma fracção autónoma integrada num prédio constituído em propriedade horizontal pede que o condomínio proceda a obras de reparação dos danos causados na sua fracção por infiltrações de água provocadas por falta de conservação e reparação de zona comum ou ao pagamento do custo dessa reparação está em causa uma situação susceptível de gerar responsabilidade civil extracontratual, subsumível ao regime geral dos artigos 483º e seguintes do Código Civil.

7 - “Não existe na regulamentação da propriedade horizontal norma legal que directamente imponha, mesmo em relação às partes comuns, de forma clara a obrigação do condomínio de reparar as partes comuns. Por outro lado, a alínea a) do nº 2 do artigo 1422º do Código Civil, apenas impede os condóminos de prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício.

8 - Por sua vez a alínea f) do artigo 1436º do Código Civil define como função do administrador, não propriamente a execução de obras de reparação das partes comuns, mas apenas a realização dos actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns.”

9 - E mesmo que se considere que, atentas as demais disposições legais passives de aplicação, que o condomínio estava vinculado ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do edifício, e que incumpriu esse dever por omissão negligente do zelo que lhe era exigível e possível na perspectiva e segundo o critério do bom pai de família, e que por isso está obrigado a indemnizar, sempre essa indemnização se deverá enquadrar no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, subsumível ao regime geral dos artigos 483º e seguintes do Código Civil.

10 - “Relativamente ao dever de proceder à reparação dos danos existentes no interior da fracção ocupada pela autora, está em causa uma situação susceptível de gerar responsabilidade civil extracontratual, como tal subsumível ao regime geral dos art. ºs 483º e seguintes do Código Civil.”

11 - Admitindo-se que se pretende convocar a norma do art. 498º, n.º 1 do Código in casu, sempre se terá de considerar, por um lado, que está demonstrado que as infiltrações já ocorriam três anos antes da interposição da acção, ou seja, desde 2001 e desde as várias datas posteriores, referidas na factualidade assente, pelo menos até 2010, tendo ficado provado que os estragos verificados foram ocorrendo pelo menos desde o início do ano de 2001, sendo a A. conhecedora da existência de tais danos, ou seja, a prescrição inicia, pois, a sua contagem, na data do conhecimento pela Autora dos factos geradores do direito à indemnização, isto é, na data em que tomou efectivo e inquestionável conhecimento dos pressupostos da responsabilidade civil.

12 - Tal prazo, de 3 anos começou assim contar, a partir do momento em que a Autora teve conhecimento da produção efetiva dos danos na sua fracção - as alegadas infiltrações e humidades, uma vez que o facto só se torna danoso quando o dano efetivamente se produz -e não apenas a partir de 2012, quando, por sua iniciativa, levantou o soalho.

13 - Ou seja, terá prescrito o direito da A. ao abrigo da disposição legal supra invocada, pelo menos referente aos danos ocorridos desde 2001, e desde as várias datas posteriores, referidas na factualidade assente, pelo menos até 2010, concedendo-se hipoteticamente e apenas para efeitos de raciocínio, que, apenas as infiltrações verificadas após as obras realizadas pelo condomínio, em 2010, (referentes às…?)

14 - No entanto, salvo melhor e douto entendimento, dúvidas não existem que, no referente aos danos ocorridos na fração da Autora, os mesmos tiveram ocorrência, na sua quase totalidade, no período compreendido entre 2001 até 2010, pelo que a quantia pretendida pela Autora, referente ao ressarcimento das obras feitas no interior da fracção, no valor € 9.788,22, deveram-se aos danos provocadas, ao longo de tais anos, “provocados pelas infiltrações provenientes das partes comuns do prédio, mais designadamente pelas circunstancias melhor referidas nos autos referente ao terraço de cobertura”.

15 - Tendo assim decorrido mais de 3 anos a contar desde que a A. teve conhecimento do seu direito, ou seja, do conhecimento da verificação dos pressupostos, que condicionam a responsabilidade civil, nos termos do disposto no nº 1 do art. 498º do CC. Civil razão pela qual, quando a presente acção foi proposta, em 9 de março de 2014, se encontrava, prescrito o direito da autora.

16 - Sendo certo que o art. 325º, nº 1, do C. Civil estabelece que a prescrição é interrompida pelo reconhecimento do direito efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido, não se concede que tal seja o caso dos autos, no referente ao condomínio, pois não podemos deixar entender que o reconhecimento a que alude o referido nº 1 do art. 325º tem que se reportar ao direito concreto que o lesado pretende vir a exercer e não existem nos autos elementos que nos permitam considerar ter havido da parte de qualquer dos réus reconhecimento do direito a indemnização por parte da autora.

17 - Com efeito, nos termos do art. 325º do C. Civil, apenas o concreto reconhecimento do direito efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido, constitui motivo de interrupção da prescrição, o que não se verifica, in casu.

18 - Face ao exposto, não se aplicando assim o disposto o prazo de prescrição aplicável não do art. 309, mas sim o do art. 498º nº1, contrariamente ao decidido no acórdão do qual ora se recorre, prescreveu totalmente o direto de indemnização pedido ela autora, ou, se assim doutamente não se entender, pelo menos ocorreu a prescrição de tal direito, referente ao período compreendido entre 2001 até 2010, data em que ocorreu a realização de obras efetuadas pela administração do condomínio.

19 - A fundamentação aduzida pela Veneranda Relação de Lisboa, não é de molde a afastar quer a fundamentação, quer a decisão de mérito proferida em sede de 1ª instância, a qual não foi devidamente apreciada pelo tribunal ad quem, nem por esta juridicamente rebatida nem afastada a fundamentação de direito produzida pelo tribunal a quo, à qual inteiramente se adere e deve ser integralmente mantida.

20 –Com efeito, bem esteve o tribunal a quo ao decidir do título constitutivo da propriedade horizontal como acto modelador do estatuto da propriedade horizontal e tendo as suas determinações natureza real e, portanto, eficácia erga omnes.

21 - Como é jurisprudencial e doutrinariamente aceite, ao lado do regulamento contido no título constitutivo da propriedade horizontal, pode ser elaborado pela assembleia ou pelo administrador um regulamento do condomínio, a que se refere o mencionado art. 1418.º, n.º 2, al. b) e o art. 1429.º-A, do CC, podendo ambos coexistir, porque têm, em princípio, conteúdos diferentes.

22 -Como bem é referido na douta sentença do tribunal a quo, ambos os mencionados regulamentos são uma expressão da autonomia privada na definição concreta do estatuto real do direito real de propriedade horizontal, completando e adaptando o regime legal, ou substituindo-o naquilo que ele tem de supletivo. No mais, o regulamento tem eficácia propter rem, porque disciplina as relações internas no grupo dos condóminos, prescindido dos indivíduos que o compõe, sendo certo que, estruturalmente, o regulamento inserido no título constitutivo participa da natureza deste.

23 -A respeito dos encargos de conservação e fruição, dispõe o art. 1424.º, n.º 1, do CC, que “Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas frações.”

24 - O regime relativo aos encargos de conservação e fruição constante do art. 1424.º do CC, é de natureza supletiva, podendo as partes dispor negocialmente de forma distinta no que se refere à repartição das despesas inerentes às partes comuns (cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 13-03-2008, Proc. n.º 1353/2007-6, disponível em www.dgsi.pt).

25 - Ainda que o princípio subjacente ao regime supletivo que decorre do art. 1424.º do CC, seja o das mencionadas despesas serem suportadas de acordo com o critério da proporcionalidade, em função, nomeadamente, da permilagem atribuída a cada fracção, calculada de acordo com a respectiva área própria, nada impede que os condóminos, por negócio jurídico, no título constitutivo da propriedade horizontal disponham de forma diferente, podendo tal diferente distribuição dos encargos com despesas justificar-se, precisamente, por estarem em causa áreas comuns de uso exclusivo de um dos condóminos.

26 - Pode, pois, o título constitutivo da propriedade horizontal dispor sobre as despesas de conservação e fruição e respectiva responsabilidade, em termos distintos do que decorre do art. 1424.º do CC, podendo tal encontrar justificação em função do benefício conferido a determinados condóminos e com referência à natureza das despesas.

27 – In casu, os condóminos pretenderam dispor a respeito das despesas relativas a partes comuns afectas apenas a parte dos condóminos. No caso cabe, em particular, interpretar o que consta do respectivo título constitutivo da propriedade horizontal a respeito das despesas com os terraços afectos ao uso exclusivo das fracções que têm o seu uso exclusivo, complementado pelo regulamento estatutário do condomínio que, conforme referimos, disciplinam as relações em causa com efeitos reais e erga omnes.

28 - No que respeita à interpretação do regulamento contido no título constitutivo, devem seguir-se as regras gerais em matéria dos negócios jurídicos, ou seja, as declarações negociais aí vertidas valem com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, nos termos do art. 236.º do CC.

29 - No mais, refere a doutrina que a interpretação do título constitutivo do condomínio desenvolve-se na especificação de um condomínio historicamente determinado, devendo o intérprete ter presentes todas as circunstâncias caracterizantes do condomínio importando ter em consideração que, em termos supletivos e ao abrigo da sua autonomia privada, mediante o negócio jurídico que constitui a constituição da propriedade horizontal, in casu, dispõe o documento complementar à mencionada escritura que são partes comuns, com referência ao rés-do-chão, “Os terraços existentes ao nível deste piso relativamente às fracções autónomas que a eles respectiva e exclusivamente tenham acesso (…), correndo por sua conta todos os encargos com a sua conservação e reparação.”.

30- Por sua vez, consta do art. 8.º, n.º 4, do Regulamento Estatutário do Condomínio, sob a epígrafe “Despesas com coisas comuns”, o seguinte: O condómino que estiver no uso exclusivo de parte de coisa comum responderá pelas deteriorações inerentes e pelas correlativas despesas.”., pelo que, recorrendo às mencionadas regras de interpretação constantes dos arts. 236.º e 238.º do CC, assinala-se que o documento complementar recorre, por um lado, e a respeito dos encargos a suportar pelo condómino que tenha o uso exclusivo dos terraços, a uma expressão comum ao que consta do art. 1424.º do CC., ou seja, “conservação”.

31- No entanto, logo de seguida, utiliza um vocábulo totalmente distinto e com um sentido muito próprio, correspondente a encargos com a “reparação”, o que, em termos comuns e para um destinatário comum, implica um plus que não se limita ao âmbito material objectivo que resultaria apenas da conservação.

32 - Entende-se, assim, face à distinta e impressiva redacção que consta do documento complementar à escritura de constituição da propriedade horizontal, que um declaratário normal, nas condições dos arts. 236.º e 238.º do CC, interpretaria que os encargos com obras a realizar nos terraços em causa, ainda que sejam parte comum afecta ao uso exclusivo da fracção a que tem acesso exclusivo (ou por causa disso), ficariam a cargo do condómino em causa.

33 - A redacção adoptada pelos condóminos no regulamento estatutário reforça esta interpretação, porquanto vinca a responsabilidade do condómino que estiver no uso exclusivo de parte de coisa comum, como é o caso do terraço em causa nos autos, pelas deteriorações inerentes e pelas correlativas despesas.

34- Tais deteriorações incluirão realidades que compreendem estragos, degradação, perda de integridade ou valor dessa parte comum, e atribui, consequentemente, a responsabilidade do condómino em causa pelos estragos e respectivas implicações quanto à sua reparação, verificadas nos terraços por força de infiltrações de água.

35 - Por estas razões entende-se que, interpretando os referidos regulamentos, que, conforme se referiu constituem o acto modelador do estatuto da propriedade horizontal, com implicações de natureza real e eficácia erga omnes, e na medida em que regem supletivamente as relações em causa nos autos, afastando e sobrepondo-se ao regime que decorreria do art. 1424.º, n.º 1, do CC, forçoso é concluir que a responsabilidade pelos encargos em causa nos autos relativos às intervenções efectuadas no terraço devem ser atribuídos à autora.

36 - Antes resulta da interpretação dos referidos instrumentos disciplinadores da relação real decorrente da propriedade horizontal, que as despesas em que a autora incorreu com as obras por si realizadas nas partes comuns do edifício, no caso, no mencionado terraço com uso exclusivo afecto à sua fracção, não são da responsabilidade dos réus, mas antes da autora.

37 - Consequentemente, as obras igualmente realizadas pela autora, mas agora com respeito ao interior da fracção, na medida em que decorreram ou foram realizadas em consequência das infiltrações provenientes dessa parte comum do edifício, em relação à qual a responsabilidade pela respectiva reparação recaia sobre a autora, não pode ser assacada sobre os réus condóminos.

38 - Como decorre com clareza da pormenorizada e exaustiva fundamentação produzida pelo tribunal a quo, que nenhum reparo merece, o disposto no n.º 1 do art. 1424 do Código Civil – relativo às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, nelas se podendo incluir as despesas com as reparações e demais encargos, –pode ser afastado por disposição em contrário, permitindo-se o afastamento da regra da proporcionalidade por disposição do regulamento de condomínio.

39 – O tribunal ad quem deveria ter aplicado e interpretado o disposto nas disposições legais suprarreferidas, mais designadamente os artºs arts. 236.º e 238.º do CC e 1424.º, n.º, 1 do CC, com o sentido e a interpretação que lhes foi dada pelo tribunal a quo.

40 - Pelo não merece reparo a douta decisão de mérito proferida pelo tribunal a quo, pelo que deve manter-se a Douta Sentença proferida, nos defendidos termos.

41- In casu, entende-se que deve ser o locatário o exclusivo responsável pelo pagamento das quantias referentes a quaisquer pagamentos a efetuar pelo condomínio, mais designadamente no âmbito do estipulado no contrato de locação financeira celebrado, no referente às despesas extraordinárias, invocando-se o próprio regime da locação financeira, entendendo-se que este deve prevalecer sobre o regime geral do artigo 1424º do Código Civil, e que ao mesmo deve ser atribuída eficácia erga omnes, impondo-se dessa forma ao condomínio e a terceiro, ainda que este seja um terceiro relativamente ao contrato de locação financeira.

42 - A norma da referida alínea b) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 149/95 tem carácter erga omnes e a terceiros, relativamente ao contrato de locação financeira, incluindo-se aqui, salvo melhor e douto entendimento, as referidas despesas extraordinárias e de conservação.

43 - Enfermando assim, a decisão recorrida de erro de julgamento, nos termos do n.º 2 do art. 639.º do CPC e estando em clara violação do disposto na al. b) do art. 10. ° do Decreto-Lei. n.° 149/95, de 24 de junho e do n.º 1 do art. 1424.º do Código Civil. 44 - Questão que deverá ser apreciada por Vossas Excelências, caso não seja revogada a decisão do tribunal ad quem, nos seus precisos termos. Termos em que deve revogar-se, in totum, o acórdão do tribunal da Relação de Lisboa e confirmar-se a douta decisão recorrida, nos defendidos termos, como é de JUSTIÇA!»


*


Na resposta, a Autora, acolhendo-se no julgado da Relação, pugnou pela improcedência da revista.

II. Admissibilidade e Objecto do recurso

Estão reconhecidos os pressupostos gerais de recorribilidade e atestados os fundamentos da admissibilidade da revista, conforme o que dispõem os artigos 629º, nº1, 671º, nº1 e 673, nº1, al) a do CPC.

Percorrendo as conclusões dos recorrentes, em interface com o acórdão impugnado, identificam-se as seguintes questões a decidir:

- O direito em exercício pela Autora e a prescrição;

- A natureza das obras realizadas;

-O Regulamento do Condomínio do prédio e o disposto no artigo 1424º do CC;

- O proprietário da fracção e o locatário em regime leasing.

III. Fundamentação

A. Os Factos

Vem assente das instâncias que:

1. A autora AA é a única proprietária e possuidora da fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao rés-do-chão, letra A, destinado a habitação, do prédio urbano situado na Rua Bernardo Santareno, n.º 21, em ..., concelho de ..., inscrita na matriz de tal freguesia sob o art. ..64-B e descrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial de ... com o n.º ..72 da freguesia de ....

2. Os réus, com excepção do réu condomínio, eram, à data de entrada da acção em juízo, os proprietários das restantes fracções autónomas que compõem o prédio, de acordo com as letras “A” a “T” constantes da sua identificação, sendo que quanto à fracção “A” era a ré “T..., Lda”, entretanto declarada insolvente, locatária em regime de locação financeira, sendo locador financeiro o réu Banco Comercial Português, S.A.

3. O prédio, de que o primeiro réu é o condomínio, foi constituído em propriedade horizontal por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de ... em 06-12-1990, encontrando-se a propriedade horizontal registada na Conservatória do Registo Predial pela Ap. 5 de 21-12-1990.

4. Quer a fracção de que a autora é proprietária, quer as fracções designadas pelas letras “C” e “D” do mesmo prédio, situadas no rés-do-chão, têm adjacente um terraço que serve de cobertura a parte da fracção designada pela letra “A”, correspondente a uma loja, e garagem.

5. No caso da fracção autónoma da autora, tal terraço situa-se a Nascente e a Sul de toda a fracção, dando para o terraço, nomeadamente, a sala e os quartos.

6. Tal terraço apenas tem acesso pela fracção da autora e encontra-se afecto ao uso exclusivo desta.

7. Consta do Documento Complementar à escritura de constituição da propriedade horizontal referida em 3., que são partes comuns, com referência ao rés-do-chão, “Os terraços existentes ao nível deste piso relativamente às fracções autónomas que a eles respectiva e exclusivamente tenham acesso (…), correndo por sua conta todos os encargos com a sua conservação e reparação.”.

8. Consta do art. 8.º, n.º 4, do Regulamento Estatutário do Condomínio, sob a epígrafe “Despesas com coisas comuns”, o seguinte: “O condómino que estiver no uso exclusivo de parte de coisa comum responderá pelas deteriorações inerentes e pelas correlativas despesas.”.

9. No ano de 2001, a autora detectou a existência de diversas infiltrações no interior da sua habitação, em especial na sala e quarto, com humidade nas respectivas paredes e surgimento de fungos e degradação, descolagem, empolamento e perda de cor do pavimento.

10. Por carta datada de 04-10-2001, dirigida à então Administração do Condomínio, a autora comunicou ter observado na sua casa problemas de infiltrações nas paredes exteriores periféricas à sala e ao quarto, que atribuía a fissuras na pedra de assento da janela e infiltrações nas betonilhas do terraço, relatando como consequências: “paredes de estuque degradadas, rodapés em madeira degradados, pavimento em lamparquêt de madeira de metro com bastantes problemas, tais como descolagem do pavimento, empolamento e perda de cor”, solicitando, com urgência os trâmites necessários para observação do problema, sua resolução e apuramento das responsabilidades.

11. Foi dirigido pela empresa “U...., Lda”, à então Administração do Condomínio, um Relatório, datado de 28-11-2001, sobre os problemas de infiltrações na casa da autora, do qual consta, nomeadamente, o seguinte:

“2 – Observam-se manchas de humidade nas paredes contíguas aos terraços, em ambos os alçados, e também nas paredes que separam as divisões dos terraços, assim como numa extensa área dos pavimentos internos. Estes factos devem-se à entrada de humidade/água nas paredes, por fenómenos de saturação e capilaridade. A água entra pelas pendentes dos terraços e por panos de alvenaria vertical que se encontram degradados; Pelos terraços deve-se ao facto de a cota inferior do Fogo estar muito próxima da do terraço, e provavelmente as telas impermeabilizantes do terraço não estarem rematadas até ± 15 cm da altura das paredes e por baixo das pedras das soleiras, ou se por estas se existirem, terem deixado de funcionar.A – Na sala: nas duas frentes da mesma observam-se manchas de humidade nas pareces periféricas de estuque. A totalidade do rodapé encontra-se afectado. O pavimento de madeira c/ ± 50% da área ovalizada e descolada em virtude da observação de humidade e água. B – No quarto principal, conforme ponto A c/ menos intensidade no pavimento.C – Nos dois quartos intermédios notam-se problemas de humidade nos rodapés e por baixo das soleiras das portas que dão para o terraço. Nota_ fica desde já saliente que todas estas anomalias têm tendência a agravar-se de uma forma exponencial com a entrada do Inverno.

3 – Acção correctiva” 3.1. Zonas dos terraços (…)

3.2. Zonas internas - Conforme os pontos A, B e C. Os pavimentos internos que se encontram degradados e manchados devido aos problemas c/ as humidades têm de ser levantadas e substituídas. Os rodapés levantados e substituídos. - Trabalhos de renovação de paredes acabadas a estuque. - Trabalhos finais de pintura inerentes aos revestimento e acabamentos a verniz dos pavimentos.”

12. Desde 2001 que o exterior do prédio apresentava evidências de anomalias, como água a escorrer pelas paredes exteriores, “escamas” ou pontas de ferro oxidadas que rebentavam nas paredes e manchas de humidade circulares por baixo das floreiras e na parte frontal.

13. A oxidação das armações de ferro no betão provoca uma degradação na estrutura do prédio.

14. Entre o ano de 2001 e 2005, a autora insistiu, de várias formas, designadamente, através de missivas enviadas para a Administração do Condomínio para que fosse solucionada a situação das infiltrações, sem que tal tenha ocorrido.

15. Perante o agravamento dos danos provocados pelas infiltrações, no dia 20-05-2005, a autora comunicou à Administração do Condomínio o agravamento da situação, designadamente atendendo à ovalização e quebra do pavimento cerâmico do terraço, afirmando que tal “já provocou no quarto igual ovalização do pavimento de madeira, empenamento das aduelas de madeira da porta de acesso ao terraço e deterioração da porta contígua, com separação visível da aduela à mesma.”.

16. Por carta de 07-07-2005, dirigida à Administração do Condomínio, a autora comunicou ter ouvido um estrondo no terraço e observado que num local onde já se verificava o levantamento do pavimento cerâmico, este estalou e partiu-se a todo o comprimento, contendo o pavimento a descoberto uma camada de água. Referiu, ainda que tal deu-se meia hora após ter estado a regar as plantas.

17. Foi dirigido pela empresa “A.., Lda”, à Administração do Condomínio, e a pedido desta, um Relatório, datado de 02-07-2005, sobre os problemas de infiltrações na casa da autora, do qual consta um relato das anomalias semelhante ao constante do relatório referido em 11.

18. A autora, no dia 27-07-2005, enviou à Administração do Condomínio um documento contendo uma “proposta para obras de melhoramento” que lhe havia sido enviada pela “A.., Lda” com respeito à sua casa, no valor total de € 24.280,00, sem IVA, ficando a aguardar que fosse tomada uma decisão com carácter de urgência.

19. Por tal não acontecer, no dia 06-10-2005, a Autora, por email, expressou à Administração do Condomínio a sua preocupação com o agravamento da situação que ocorreria pela inexistência de reparações durante a época estival e a aproximação de novo período de chuvas.

20. Por carta recebida pela Administração do Condomínio em 01-02-2006, a autora manifestou perante esta a sua oposição a que constasse que tinha sido aprovada por unanimidade a proposta apresentada pela administração para a realização de trabalhos de conservação das partes comuns do edifício e do interior das frações indicadas nessa proposta, por ter votado contra.

21. Por nenhuma obra começar, no exterior ou interior, em 2006, a autora requereu à Câmara Municipal de ... (“CM...”) uma vistoria à sua fracção e ao terraço, a qual veio a ser realizada em 28-06-2006.

22. Em 17-08-2006, a Administração do Condomínio recebeu uma notificação da CM... para que fizesse obras no prazo de 90 dias, com cópia do auto de vistoria realizada em 28-06-2006.

23. Em face de tal notificação, no dia 30-08-2006, a Administração do condomínio solicitou à autora que procedesse à actualização do orçamento anteriormente apresentado tendo em vista a realização das obras.

24. Pedido a que a autora acedeu, remetendo em 15-09-2006 três orçamentos actualizados.

25. Em face da inexistência de resolução concreta do problema, a autora continuou a insistir pela realização de diligências para pela Administração do Condomínio.

26. Em 22-10-2008, a CM... fez nova vistoria e constatou que não tinha havido qualquer intervenção na fracção da autora nem nas zonas comuns e levantou as respectivas participações por contra-ordenação.

27. No dia 26-01-2009, a autora comunicou à Administração do Condomínio o agravamento da situação, nomeadamente a existência de risco de incêndio na sua fracção atendendo às consequências das infiltrações no sistema eléctrico.

28. No dia 28-01-2009, na sequência da vistoria efectuada, foi proferido despacho pelos serviços da CM... a determinar, a respeito da fracção da autora, a comunicação à autora e à Administração do Condomínio que “foram detectadas anomalias que conduzem ao seu estado de insalubridade”.

29. No início de 2010, após solicitação para o efeito, a empresa “A...” remeteu à Administração do Condomínio um orçamento, tendo este orçamento ficado sujeito a esclarecimentos.

30. A Administração do condomínio remeteu a todos os condóminos um mapa com as quotizações extraordinárias a pagar por cada fracção para as obras no terraço do rés-do-chão e respectivas floreiras.

31. A autora informou a Administração do Condomínio que apenas pagaria a sua contribuição após os esclarecimentos solicitados.

32. Nessa sequência, no dia 12-03-2010 a empresa “A...” remeteu à Administração um orçamento com a descrição detalhada da obra a realizar e respectivo material, tendo por objecto uma intervenção na fachada tardoz do prédio e terraço/varanda do rés-do-chão referente à fracção da autora.

33. Em face do que, no dia 17-05-2010, a autora procedeu ao pagamento para o efeito da quantia de € 3.432,34, correspondente quota extraordinária que lhe competia.

34. A Administração do Condomínio informou que as obras nas partes comuns do edifício e no interior das fracções que delas necessitassem seriam efectuadas após a realização das obras exteriores.

35. A empresa “A...”, por email de 13-08-2010, dirigido à Administração do Condomínio e com conhecimento da autora, comunicou ter apreciado a proposta de intervenção sugerida pela empresa “S...”, mas entender que, sendo uma das soluções tecnicamente possível, considerou “não ser necessário um esquema de impermeabilização tão complexo/completo”. 36. A empresa “A...”, apresentara um orçamento muito inferior ao que a autora fornecera, entretanto ao Condomínio, da empresa “S...”.

37. Antes da contratação pelo condomínio da empresa “A...” e perante o impasse nas obras do terraço, a autora disponibilizou ao condomínio um estudo que mandara efectuar, elaborado pela empresa “S...”.

38. Em 2010, por intermédio da empresa “A...”, o condomínio, efectuou obras na parte exterior do prédio, bem como no terraço afecto ao uso exclusivo da autora e nas floreiras.

39. Apesar da intervenção realizada, em 2012, aquando da remoção pela autora do soalho para substituição, a autora verificou existirem infiltrações na sua fracção provenientes do terraço.

40. Em 06-09-2012, a autora, no seguimento de ter iniciado a substituição do pavimento de madeira, comunicou à Administração do Condomínio ter verificado existirem novas infiltrações, e solicitou que reclamassem junto da empresa “A...” pela ineficácia das obras realizadas.

41. A administração do Condomínio respondeu à autora agendando uma visita a casa da autora para o dia 14-09-2012.

42. Por email de 09-11-2012, a autora, no seguimento da comunicação de 07-11-2112 pelo Condomínio a todos os condóminos da adjudicação da pintura interior do prédio, a autora, simultaneamente com o alerta para a necessidade de proceder a desratização no prédio, comunicou que continuava à espera desde Agosto da solução das obras exteriores por forma a prosseguir com a colocação do pavimento e que não poderia esperar mais tempo dados os problemas de saúde que a situação da casa se encontrava a causar-lhe.

43. No dia 05-12-2012, a CM... comunicou à autora que realizaria uma vistoria à sua fracção no dia 07-01-2013.

44. Tendo o relatório da vistoria sido comunicado à Autora em 23-04-2013 e ao Condomínio, o qual concluiu, em suma:- que foram realizadas obras no terraço exterior e respectivas floreiras, as quais consistiram em impermeabilização e revestimento do pavimento;- que existem dúvidas quanto à boa execução dos trabalhos no que respeita aos remates com o plano de fachada e com os vãos exteriores de acesso ao terraço; - que não foram realizadas obras de reparação e pintura da base inferior da laje (tecto da garagem comum);- que no interior da fracção da Autora não foram realizadas obras de reparação dos compartimentos contíguos ao terraço;- que a fachada Sul apresenta uma fissuração do revestimento e suporte do alçado, junto ao vão da janela da sala da Autora; - que não foram retirados os aparelhos de ar condicionado existentes no exterior e que comprometem a estética do edifício.

45. No dia 27-05-2013, a Autora, através do seu mandatário, interpelou a Administração do condomínio para a realização das obras, por serem urgentes, devendo as mesmas iniciar-se até ao dia 07-06-2013, sob pena de ser instaurada de imediato a acção competente, sem novo aviso.

46. Consta, nomeadamente da referida carta: “Exmos. Senhores, fui contactado pela minha constituinte acima identificada no sentido de patrociná-la no assunto relativo às obras na fracção autónoma de que é proprietária. (…). Este assunto iniciou-se em 2001 e desde então o condomínio sempre agiu de forma a não assumir as suas responsabilidades; assim, não obstante tratarem-se de obras de carácter indispensável, cuja falta tem provocado à minha constituinte prejuízos patrimoniais e não patrimoniais elevadíssimos, a verdade é que, mesmo tendo sido notificados para a realização das mesmas pela Câmara Municipal de ... (…) e até terem pago coimas anteriores, até à presente data não existiu qualquer contacto que manifeste a intenção de cumprirem com a v/ obrigação. A minha constituinte não consegue mais aguardar a realização das obras por v/ iniciativa uma vez que no último Inverno a situação degradou-se de tal forma que, neste momento, são urgentes, pelo que não consente em qualquer prorrogação do prazo para o efeito além dos 30 dias úteis que vos foram conferidos, ou serão insusceptíveis de ser realizadas durante este Verão. Assim, serve a presente para comunicar-vos que a minha constituinte reclama a realização das obras, com início no máximo até ao dia 7 de junho de 2013 (considerando o prazo que vos foi concedido pela Câmara Municipal), sem o que se reserva o direito de exigir do condomínio indemnização de valor correspondente às mesmas, atendendo a que são urgentes. O condomínio está na posse de todos os elementos necessários para a realização das obras em causa, porquanto já tiveram por diversas vezes acesso à fracção, estão na posse de orçamentos anteriormente apresentados e os trabalhos necessários constam também discriminados no relatório da Câmara Municipal de ... que vos foi remetido. A minha constituinte manifesta total disponibilidade, directamente ou por meu intermédio, para toda e qualquer diligência que considerem necessária ou conveniente no sentido de serem realizadas as obras em causa, nomeadamente o acesso ao andar. (…).

Caso as obras não de iniciem até ao dia 7 de junho de 2013, inclusive, ou me transmitam a v/ posição por escrito no sentido de as obras serem efectuadas, nos termos estabelecidos pela Câmara Municipal, a minha constituinte instaurará de imediato a acção competente, sem novo aviso. Com os melhores cumprimentos, atentamente”

47. Por ofício de dia 26-06-2013, a CM... informou a autora que havia concedido ao condomínio uma prorrogação do prazo para o efeito até ao mês de agosto, inclusive, tendo em vista a resolução definitiva do assunto.

48. A autora tornou a dirigir-se à Administração do Condomínio, por carta do seu mandatário datada de 02-07-2013, alertando para a necessidade de a obra ser supervisionada pelo engenheiro por si indicado, por qualquer solução das obras a executar ter de ser previamente discutida e aprovada por este, considerando a solução e execução das obras anteriores.

49. Nesta altura, a autora encontrava-se sem chão, pelo menos na sala, em virtude de o ter mandado levantar em agosto de 2012, tendo na altura da remoção do pavimento nas divisões adjacentes ao exterior, verificado que, devido às infiltrações provenientes do terraço e a não terem as obras efectuadas pelo condomínio solucionado definitivamente o problema, ser o índice de humidade superior ao adequado para instalação de qualquer pavimento.

50. Foi elaborado pelo Eng. JJJ, em outubro de 2013, o relatório junto como doc. n.º 51, apresentado pela autora com a p.i., que se dá por reproduzido, e do qual consta, nomeadamente, uma análise do estado da fracção da autora e do terraço e um convite à apresentação de proposta de orçamento de recuperação da fracção, do terraço e das floreiras, remontando tais anexos a julho de 2013.

51. Foi apresentada pela empresa “M..., Lda”, o orçamento junto ao referido relatório técnico, para a realização da referida obra, com referência a 17-07-2013, no valor de € 28.886,30, sem IVA, e um prazo de execução da obra previsto de 60 dias.

52. A autora procedeu, por intermédio da empresa “M..., Lda” à realização das obras previstas no referido orçamento, mas apenas com respeito à intervenção no espaço exterior, que incluíram, nomeadamente: - recuperação do terraço exterior; - recuperação do parapeito semi-circular exterior, junto às janelas da sala; - trabalhos descritos como “Diversos”, respeitantes a floreiras existentes no terraço;

53. A autora pagou por tais obras a quantia de € 21.909,48, correspondente a € 17.812,58 acrescidos de IVA à taxa legal de 23%, tendo sido emitida a factura n.º 356 de 10-10-2013 e respectivo recibo da mesma data.

54. Concluída a obra exterior, a autora, tendo por referência o relatório técnico elaborado, solicitou a duas empresas orçamentos para a realização da obra interior.

55. Por parte de “KKK” foi apresentado à autora um orçamento para a realização fornecimento, afagamentos, envernizamento e colocações de pavimentos, sem data nem valor global.

56. Por parte da empresa “Y..., Lda” foi apresentado um orçamento de trabalhos de pintura de 3 quartos, 2 salas e hall com reparação de alguns pontos de vestígios de salitre, com material incluído, no valor de € 2.480,00, sem IVA.

57. Pela realização dos trabalhos efectuados por “KKK” no interior da habitação e relativos ao pavimento, a autora pagou, pelo menos, a quantia total de € 5.837,00, tendo sido apenas emitidas parte das facturas relativas a esses pagamentos.

58. Pela realização dos trabalhos efectuados empresa “Y..., Lda” no interior da habitação e relativos a pinturas nas zonas da casa referidas no orçamento, a autora pagou a quantia de € 2.753,58, conforme factura de 27-05-2014.

59. Na altura em que a autora adquiriu a sua casa, a pavimento era em madeira nobre de marca “Listone Giordano”, e o rodapé em madeira colada ao estuque, sendo um dos aspectos que valorizava a sua casa.

60. Tal pavimento foi descontinuado pelo fabricante, sendo muito difícil encontrar outro igual que possa ser colocado por forma a ficar com o mesmo aspecto.

61. Tal circunstância causa à autora bastante tristeza, pois o valor de qualidade e estética que o pavimento acrescentava à sua casa não foi recuperado com o novo pavimento que foi colocado em substituição.

62. A autora foi assistindo, ao longo dos anos, ao apodrecimento do pavimento, apresentando-se este no seu quarto e na sala e nas zonas junto às janelas mais degradado, chegando a soltar-se algumas tábuas.

63. A autora colocou tapetes por cima das tábuas levantadas do soalho por forma a circular com mais facilidade.

64. A autora, no seguimento de ter decidido levantar o pavimento em agosto de 2012, passou a ter parte do chão da casa em betonilha e com muitos dos seus pertences encaixotados pela casa, com muita da mobília “empilhada” na própria sala.

65. A autora tem como hobby a pintura e, desde que levantou o pavimento no ano 2002, não mais pôde utilizar uma zona da sala que havia preparado especificamente para esse efeito.

66. Ao nível exterior, a autora esteve durante alguns anos sem mosaicos em duas áreas do terraço, o que condicionava a utilização que pretendia dar ao terraço, nomeadamente para fins de convívio social.

67. A autora tem muito gosto pela jardinagem, e a situação do terraço e das floreiras impediu que disfrutasse daquele espaço da forma que gostaria e havia idealizado.

68. A autora, com toda a situação relativa às infiltrações e ao pavimento, sofreu um forte desgaste emocional e psicológico, tendo sentido preocupações, desgosto e tristeza.

69. A autora, desde fevereiro de 2009, que sofre de diabetes (tipo II), tendo maior necessidade em controlar os níveis de glicémia, em situação prolongadas de stress.

70. A autora sofre de asma brônquica controlada e com baixas recidivas, tendo necessidade de utilizar uma bomba de asma, principalmente na época fria e das chuvas, sendo tal agravado em caso de exposição contínua a um elevado grau de humidade.

71. Ao longo destes anos, e em particular quando o terraço ficou sem parte dos mosaicos e o pavimento do interior da habitação foi levantado, a autora ficou condicionada na possibilidade de receber visitas em sua casa e partilhá-la com os amigos. 72. Em consequência do litígio que se gerou devido à situação das infiltrações, a autora granjeou

alguma animosidade com a vizinhança, sendo vista como uma condómina quezilenta.

73. A autora andou, com frequência, em reuniões e audiências na Câmara Municipal, acompanhamentos de vistorias realizadas pela edilidade, cartas sucessivas para o condomínio e todos os demais intervenientes, peritagens, estudos, consultou diversos advogados, etc.

74. A autora, durante algum tempo exerceu funções no departamento de qualidade da Santa Casa da Misericórdia de ..., tendo o seu desempenho nessas funções sido qualificado como negativo ou abaixo do esperado, designadamente, por estar preocupada com a situação da casa e a tratar dos assuntos relativos às obras, em especial, pela preocupação que o tempo sem parte do pavimento lhe causou.

75. A autora nem sempre esteve disponível para facultar o acesso à sua fracção a fim de serem verificadas as anomalias.

76. Entre a autora e o Condomínio existiu um litígio por a autora se ter recusado a liquidar as contribuições até a situação das obras estar resolvida, a qual deu origem a um processo executivo instaurado pelo Condomínio para liquidação desses valores, no âmbito do qual a autora deduziu oposição à execução.

77. Na altura em que a autora efectuou as obras, ainda se encontrava a decorrer o “prazo de garantia” para exigir à empreiteira que, em 2010, realizou as reparações no exterior do prédio, a correcção de defeitos que viessem a ser detectados.

78. A realização de obras no terraço pela autora implica que o empreiteiro não se responsabilize pela intervenção anterior que efectuou nessa área.

79. A autora continuou sempre a residir ininterruptamente na sua fracção desde 2001 e tem aí a sede de uma sociedade de que é titular.

80. Entre os réus T..., Lda, entretanto declarada insolvente, e o Banco Comercial Português, S.A., foi celebrado um contrato de locação financeira, datado de 20-04-2007, com referência à fracção “A”, correspondente à loja do prédio referido em 1., pelo prazo de 15 anos.

81. Consta do art. 4.º, n.º 2, das Condições Gerais do contrato celebrado entre os referidos réus que seriam por conta da ré T..., Lda, na qualidade de locatária, todos os encargos com “condomínios, incluindo despesas, extraordinárias ou não, com a conservação, fruição e inovação das partes comuns do imóvel, benfeitorias ou outras despesas que recaiam sobre o imóvel locado (…)”.

82. Uma das principais causas das infiltrações verificadas na fracção da A. é o facto de a cota do piso interior da fracção ser mais baixa do que a do piso do terraço exterior, quando devia ser o contrário, tendo existido um erro de projecto e de construção do edifício”. (aditado pela Relação)

B.O Direito

1. Em sinopse, o desenvolvimento do litígio.

O quadro factual prende-se, com as obras que a Autora realizou a suas expensas no terraço contíguo à sua fracção, parte comum do prédio, em regime de propriedade horizontal, para impedir as infiltrações provenientes de águas pluviais que atingiam o interior da casa há vários anos, causando degradação crescente e, também as obras efectuadas no seu interior para reparação dos estragos provocados; custos que assumiu e reclama agora dos Réus, proprietários e condóminos das restantes fracções, bem como a compensação monetária pelo seu sofrimento, respectivamente, as quantias de € 33.351,20 e € 26.000,00.

Obras que, segundo alegou, se viu impelida a realizar a seu cargo, perante as condições de insalubridade da sua habitação e, a inércia persistente do condomínio e dos condóminos, sendo que a intervenção levada a cabo no terraço pelo Condomínio em 2012 revelou-se inadequada, continuando as infiltrações na sua fracção e o agravamento dos danos.

Os Réus declinaram qualquer responsabilidade pelo pagamento.

Em sua defesa, invocaram de relevante: a prescrição do alegado direito de reembolso dos custos das obras que realizou; as obras que efectuaram eram aptas a evitar as infiltrações, sendo imputável à autora o que sucedeu na sua fracção; as obras realizadas por iniciativa da autora não têm carácter de urgência; e por fim , de acordo com o Regulamento do Condomínio, cabe à Autora suportar os custos da manutenção e reparação na zona comum em questão, dada a sua utilização exclusiva, e as consequentes obras na sua fracção.

A primeira instância configurou a demanda no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos – a não realização de obras na zona comum do prédio – causadora dos danos reclamados pela Autora, e atenta a factualidade apurada, v.g., a data inicial da verificação das infiltrações na fracção e as demais intercorrências , considerou verificada a excepção da prescrição do direito por decorrido à data da petição o prazo legal de três anos previsto no artigo 498º, nº2, do CC, julgando em consequência, improcedente a acção.

A Relação, neste segmento decisório, alicerçou a responsabilidade imputável aos Réus no domínio do regime das obrigações da propriedade horizontal e, nessa medida, não decorrido o prazo ordinário de prescrição aplicável e previsto no artigo 309º do CC; e considerou, também, na hipótese da responsabilidade civil extracontratual, verificaram-se factos interruptivos do prazo de exercício do direito previsto no artigo 493º, nº2, do CC e ainda não decorrido.

Em apreciação do mérito do pedido e face ao quadro factual provado, o acórdão qualificou de urgentes e necessárias as obras efectuadas pela Autora, na zona comum e no interior da casa, e legítima a reclamação dos custos que suportou perante os Réus condóminos, na proporção da permilagem das fracções, em consonância com o disposto no artigo 1424º do Código Civil.

Na revista, em linha com a argumentação expendida na contestação, os Réus recorrentes reiteram a prescrição do direito de reembolso reclamado pela Autora, dentro do regime da responsabilidade civil por facto ilícito, talqualmente decidiu o tribunal de primeiro grau, e a revogação do acórdão da Relação.

A não vingar a extinção do direito peticionado, defendem que as obras realizadas não são urgentes, e respeitando a zona comum da exclusiva utilização pela Autora, prevalece o disposto no Regulamento do Condomínio, sendo a própria que suportará os encargos e despesas de reparação.

O Réu BCP, além do mais, sustenta que não é da sua responsabilidade o eventual pagamento das obras, na qualidade de locador financeiro da fracção, de acordo o regime legal do contrato de locação financeira imobiliária.

Posto isto, apreciemos as questões trazidas à revista, percorrendo os tópicos recursivos que se enunciaram em II.

2. Da excepção da prescrição

Importa em subquestão prévia, conformar o pedido de pagamento dos custos suportados pela Autora com as obras realizadas.

Começando pelas obras de reparação ditas urgentes e necessárias no terraço, origem das infiltrações na sua fracção, na tese dos recorrentes, à responsabilidade civil por facto ilícito imputável ao Condomínio, formado pelo conjunto dos condóminos, obrigação sujeita ao prazo de prescrição de três anos - artigo 498.º, n. º1º e nº2 e artigo 483º do Código Civil.

Ou, convergente com o acórdão impugnado, ter por fonte a obrigação legal dos condóminos de suportarem os encargos com a conservação e reparação para a fruição das partes comuns - artigos 1424º nº1 e 1427º do Código Civil- 1 e a aplicação do prazo de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309º do Código Civil.

Igual aproximação se imporá no que concerne ao custo das obras que a Autora efetuou no interior da sua fracção, ao nível do soalho e paredes, destinadas a reparar os estragos causados pelas infiltrações advindas daquela zona comum, no exterior do edifício.

O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou-se em situações com paralelismo à descrita nos autos e preconizou o caminho sufragado pelo acórdão recorrido que igualmente seguiremos na solução e fundamentação alcançadas.

Explicita com acuidade o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 14.03.2019, num quadro fáctico análogo à situação em juízo, que a obrigação dos condóminos, estabelecida no artigo 1424º do Código Civil, constitui fonte directa de obrigação legal que legitima por si a reclamação dos custos pelo condómino que suportou na realização de obras urgentes e necessárias em partes comuns do prédio.

Estavam em causa, à semelhança do caso em juízo, as obras levadas a cabo pelo condómino para a reparação e eliminação das causas das infiltrações de águas pluviais em parte comum confinante com a sua fracção , e perante a inércia e incumprimento pelo condomínio de as realizar (ou realização de modo eficaz ) – «(..) obrigação que tanto abrange as obras necessárias à estrita manutenção do estado de conservação das partes comuns do prédio, como as obras de reparação necessárias para garantir a fruição dessas partes comuns.

Tal obrigação deve ser concretizada mediante a intervenção dos órgãos próprios do condomínio, isto é, a assembleia de condóminos e o administrador, dentro do âmbito das respectivas competências (cfr., designadamente, o art. 1430º, nº 1, e o art. 1436º, alínea f), ambos do CC). Trata-se de uma obrigação legal, inerente ao regime específico da propriedade horizontal previsto nos arts. 1414º e segs. do Código Civil, cujo cumprimento pode ser exigido a qualquer momento, se e enquanto as obras de conservação/reparação não tiverem tido lugar; ou até mesmo se tais obras já tiverem sido realizadas, mas não tiverem sido eficazes para assegurar os objectivos de conservação e fruição das partes comuns do edifício.»2

Em relação à subquestão da indemnização do condómino demandante pelos danos que aquelas infiltrações causaram no interior da sua fracção (e ao recheio , além de consequências danosas de outra natureza), o acórdão enveredou pelo regime da responsabilidade por facto ilícito, com base no incumprimento por omissão da obrigação do Condomínio de custear as despesas de conservação e reparação para fruição das partes comuns, vindo a concluir « (..) no que se refere à obrigação legal em causa, e tal como entendeu a 1ª instância, da factualidade provada resulta a existência de um facto ilícito continuado, que permanece à data da propositura da acção, pelo que – e independentemente da determinação de qual o prazo legal de prescrição aplicável ao caso – o direito do A. não prescreveu, pois, não tendo cessado a respectiva violação, não teve sequer início a contagem do prazo

E, mais adiante «(..) convoca-se aqui, como fez a sentença, o regime do art. 493º, nº 1, do CC, pelo qual se responsabiliza “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar” relativamente aos danos causados pela coisa, “salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”. No que se refere às partes comuns do edifício dos autos, o dever de vigilância incide naturalmente sobre o R. Condomínio.

Aquele regime legal corresponde a uma hipótese em que, tal como naquelas outras previstas nos arts. 491º, 492º, e 493º, nº 2, do CC, se consagraram os denominados deveres de segurança no tráfego (da terminologia germânica Verkehrssicherungspflicten) ou deveres de prevenção do perigo, que permitem concretizar a responsabilidade civil por omissões, na medida em que neles se consubstancia a exigência do art. 486º do CC, no sentido de que, para além dos requisitos gerais da responsabilidade civil por facto ilícito e culposo (previstos no art. 483º, nº 1, do CC), exista o dever de praticar o acto omitido (..)»

Prosseguindo idêntica solução final, o recente acórdão de 25.01.2024, o Supremo Tribunal de Justiça considerou, no quadro factual (com contornos análogos ao caso espécie) – de obras urgentes e necessárias realizadas pelo condómino a expensas própria que a demanda tem por fonte o incumprimento da obrigação de os condóminos pagarem as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e os serviços de interesse comum.

Obrigação de conteúdo positivo, qualificável como uma obrigação propter rem, de estrutura creditícia, que não difere, no tocante à obrigação do pagamento dos valores custeados pelo condómino que executou obras urgentes nas partes comuns, perante a omissão do condomínio e, cujo prazo de prescrição do exercício do direito de reclamação perante o condomínio -os demais condóminos - corresponde ao prazo ordinário de 20 anos.

Fundamentando como se transcreve «(..). A obrigação de os condóminos pagarem as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e os serviços de interesse comum é uma obrigação de conteúdo positivo, qualificável como uma obrigação propter rem (..). Ora, as obrigações propter rem são estruturalmente relações creditórias — e, “por serem, estruturalmente, relações creditórias, devem considerar-se aplicáveis, com as adaptações impostas pela natureza e pelo regime da relação jurídica de que derivam, os princípios dos direitos do crédito”

(..). Entre os princípios dos direitos de crédito aplicáveis às obrigações propter rem dos condóminos está o prazo de prescrição de 20 anos do artigo 309.º do Código Civil.

(..) Os Réus, agora recorrentes, alegam que o facto constitutivo do direito do Autor, agora Recorrido, é a responsabilidade civil extracontratual e que o direito que o Autor, agora Recorrido, pretende exercer é um direito de regresso.

Ora, não se encontra nenhuma razão para qualificar o direito do autor como um direito de regresso ou a responsabilidade dos condóminos como uma responsabilidade extracontratual — em lugar de uma responsabilidade extracontratual existirá sim uma responsabilidade contratual pelo não cumprimento de uma obrigação propter rem.

Esclarecida a natureza da responsabilidade dos condóminos, deve subscrever-se, sem qualquer reserva, a fundamentação do acórdão recorrido no sentido de que

“o prazo de prescrição aplicável ao direito do autor é o ordinário de vinte anos (Artigo 309º do Código Civil), o qual se inicia ‘quando o direito puder ser exercido’ (nº1 do Artigo 306º do Código Civil). A expressão «quando o direito puder ser exercido tem de ser interpretada no sentido de a prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular poder exercitá-lo, portanto, desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação. O critério adotado é, pois, o da exigibilidade da obrigação’ […]. Considerando que está provado que as obras decorreram entre 1998 e 2003, só em 2003 é que o autor estava habilitado a exercer o seu direito de exigir dos demais condóminos a sua parte nas obras que suportou em regime de sub-rogação legal. Só em 2003 é que se definiu o âmbito do direito do autor, só nessa altura era possível a sua quantificação, em suma, só nessa altura é que o crédito se tornou exigível. Tendo esta ação dado entrada em 4.10.2018, infere-se que não ocorreu a invocada prescrição”3

Voltando aos autos e o excurso circunstancial e temporal que resultou provado no desenvolvimento das obras efectuadas em 2013 pela Autora no terraço, é notório que na data da petição – 3.3.2014 - não decorreu o prazo ordinário de prescrição estabelecido no artigo 309º do CC.

No suporte da reclamação do pagamento do custo das obras efectuadas pela Autora no interior da fracção para remover os danos provocados pelas infiltrações ao nível da parede e do soalho, e a compensação dos danos não patrimoniais, teremos de sediar o pedido na responsabilidade pela prática de facto ilícito imputável aos Réus.4

Advogam também os recorrentes que neste item se estende o efeito da prescrição, uma vez que as infiltrações remontam ao ano de 2001.

Se assim é, pois, na verdade, a Autora convive com as consequências do vício da edificação desde então, contemporâneo ao conhecimento do facto pelos Réus, certo e seguro de que, também, desde então, perdura o incumprimento (continuado) dos Réus na obrigação de reparação do terraço, origem dos danos; donde não se iniciou a contagem do prazo de prescrição previsto no artigo 493º 1 e nº2 do Código Civil para o exercício do direito de reparação da Autora.

De outro passo, ainda que à luz de uma interpretação restritiva do artigo 493º, nº1 do CC, não se equacione a distinção da contagem do dies a quo do prazo de prescrição quanto a factos ilícitos de execução instantânea e de execução continuada, a sua interceção no caso em análise não dita resposta diferente.

Emerge da factualidade provada -cfr pontos 38, 43 e 44 dos factos provados que o condomínio reconheceu, pelo menos, em 2010, a situação de degradação do interior da fracção da Autora, causada pelas infiltrações de águas pluviais provindas do terraço, onde efectuou obras de impermeabilização que não lograram, cumprir a finalidade, não sendo adequadas e eficazes na remoção do vício.5

O reconhecimento do direito constitui causa interruptiva da prescrição que traduz o reconhecimento como acto jurídico, declaração de ciência, verbal ou escrita, expressa ou resultante de factos concludentes, que inequivocamente o exprimem- artigo 325º do Código Civil.

Obiter dictum, a despeito da lei prever o início do prazo de prescrição independente do conhecimento da extensão integral dos danos pelo lesado, tendo em consideração a possibilidade de formular um pedido genérico de indemnização, tal pressuporá a verificação dos inerentes pressupostos.

Para dizer que não podendo ainda as consequências – dano e sua extensão total - do facto ilícito danoso ser determinadas de modo definitivo, é necessário estar-se perante uma situação em que se identifiquem danos futuros previsíveis, de acordo com a leitura conjugada do disposto nos artigos 471º-1-b), 564º-2, 565º e 569º, do Código Civil.

Nessa outra perspectiva, resulta dos factos provados que o condomínio levou a cabo a impermeabilização do terraço em 2010.

Doravante, a constatação do efectivo benefício – resultado-estancar as infiltrações - pela natureza das coisas, teria de projetar-se no tempo futuro, pelo menos a passagem de uma época de inverno.

De resto, a factualidade apurada veio justamente a demonstrar que a ineficácia das obras realizadas pelo condomínio tornou-se evidente em 2012 e, inevitável a actuação da Autora.

Com apelo à lição de Vaz Serra, sobrevém um novo dano ao facto ilícito ou o dano revelado por ocasião da prática desse facto, “que parecia limitado, mostra-se mais tarde ter diferente amplitude; aqui, a prescrição só começa a correr, “relativamente a este outro dano, na data em que dele tem o prejudicado conhecimento”, porquanto o lesado está impossibilitado de determinar ou prever a totalidade dos danos. 6

Conclui-se, pois, sem dúvida residual, que a Autora está em tempo ao exercer por via da acção o direito de indemnização pelos danos em causa, na parte que logrou provar, verificado também o correspondente nexo causal entre aqueles e a actuação ilícita dos Réus por omissão ou acção eficaz.


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Soçobram as conclusões dos recorrentes neste segmento do recurso.

3. Obras nas partes comuns - urgência e necessidade

Defendem os recorrentes que as obras levadas a cabo pela Autora no terraço não assumiam a natureza de urgente.

Antecipando a resposta a esta questão, s.m.o, não podem as obras dadas como provadas deixar de integrar a qualificação de reparações urgentes e necessárias, reiterando a fundamentação do acórdão da Relação, face ao quadro fáctico provado, com destaque dos pontos 1 a 19.

Reiteramos, pois, no sentido do artigo 1427.º do Código Civil - são indispensáveis as reparações realizadas pela Autora, sem as quais a parte comum não desempenharia a sua função - o terraço não isolava as águas pluviais- permitindo infiltrações de água na fracção ; e urgentes, face ao estado de degradação avançada do interior da fracção com origem nas infiltrações provindas daquela zona, e necessárias, não se compadecendo com as delongas da intervenção do administrador , que se manteve passivo apesar das sucessivas comunicações da Autora.

Não se aceita como razoável sujeitar alguém a habitar uma casa no estado de insalubridade que foi atestado pelas vistorias dos serviços camarários, de acordo com a factualidade provada.

Em suma, as obras em causa, dadas como provadas, devem ser qualificadas como reparações urgentes, no sentido do artigo 1427.º do Código Civil.


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4. Partes comuns e o Regulamento do Condomínio

Como vimos, os Réus ao abrigo do carácter supletivo do critério da repartição pelos condóminos das despesas de conservação, e reparação das partes comuns do prédio -artigo 1424º do CC- prevalecente a vontade dos condóminos, afirmam que o Regulamento do Condomínio - ponto 8º- estabelece que a responsabilidade da conservação e reparação de parte comum afecta ao uso e fruição em exclusivo de um condómino são da sua inteira responsabilidade e não de todos os condóminos,

Não lhes assiste razão, s.m.o., como ficou claro no acórdão da Relação.

No que concerne ao apuramento da vontade real dos declarantes, em matéria de interpretação de negócio jurídico, o Supremo Tribunal vem se pronunciando de forma constante que estando em causa matéria de facto, a mesma não é do seu conhecimento como tribunal de revista. 7

Provou-se que a Autora -proprietária da fracção letra B - tem adjacente o terraço que o serve de cobertura a parte da fracção A (loja) e à garagem, donde, por definição natural, a finalidade crucial deste terraço é servir de laje de cobertura - “telhado”, de outra fracção, a loja e à garagem, i.e, compreende uma parte comum e estrutural da edificação.

A corroborar a qualificação de parte comum do terraço e como tal assumida pelos condóminos, a escritura constitutiva da propriedade horizontal menciona expressamente que os terraços existentes ao nível do R/C são partes comuns do prédio.

Eventual hesitação, sempre seria de ultrapassar face ao disposto a propósito dessa tipologia de terraço como parte comum, não podendo ser afastada, pese embora a liberdade de afectação exclusiva do seu uso exclusivo a uma (ou mais) fracção.

Tal como resulta da previsão do artigo 1421º nº1 b) e nº3, do Código Civil «(…) são imperativamente comuns os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção, podendo o título constitutivo afectar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns. São também comuns, de acordo com a alínea a) daquele nº1, as paredes mestras.»

Quanto à imputação das despesas com as partes comuns, v.g. as que estão afectas ao uso exclusivo de uma fracção, prevalece a disposição da vontade dos condomínios revelada no título de constituição da propriedade horizontal ou em documento congénere, e, supletiva a regra legal da repartição pelos condóminos e na proporção do seu valor.

Como decorre do estabelecido no artigo 1424º do Código Civil:

«1 - Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções. 2 - Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação. 3 - As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem. 4 - Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas. 5 - Nas despesas relativas às rampas de acesso e às plataformas elevatórias, quando colocadas nos termos do n.º 3 do artigo seguinte, só participam os condóminos que tiverem procedido à referida colocação”.

O Regulamento do Condomínio do prédio -ponto 8- reproduz a fórmula normativa, ao que importa precisamente, em correspondência com a previsão do nº 3 do citado artigo 1424º CC.

Daí não será de extrapolar, atenta a economia do preceito e da ratio do regime da propriedade horizontal, que as despesas inerentes à conservação e reparação do terraço recaem em exclusivo sobre o condómino que a utiliza, no aproveitamento funcional da arquitetura do prédio como terraço adjacente, uma vez que a zona tem a função primordial de servir de telhado – laje de cobertura de outra fracção , rectius, de interesse comum dos condóminos, cuja tipologia justificou a sua caracterização legal imperativa como parte comum-cfr. artigo 1421º, nº3, do CC.

De resto, as alterações trazidas pelo DL 267/94, de 25/10, tendo como pano de fundo as decisões judiciais sobre este ponto ao longo do tempo, determinaram a nova redação introduzida à alínea b) do artigo 1421º, n.º 1, do Código Civil, por forma a eliminar as dúvidas, incluindo agora naquela previsão, os terraços de cobertura intermédios. 8

Problemática que não dispensando a análise casuística, repetidamente discutida em tribunal, apresenta, contudo, na jurisprudência actual do Supremo Tribunal resposta maioritária, no sentido de que os custos e despesas de conservação e reparação dos terraços com tais características, seguem a regra da repartição proporcional entre os condóminos, não se subsumindo à previsão do artigo 1424, nº3, do Código Civil.

Observe-se que na situação em juízo - cfr. descritivo constante da peritagem acerca das causas e origem das infiltrações- falamos de obras de intervenção no terraço, associadas a defeitos estruturais na construção do prédio, e não a meras reparações do uso e fruição normal do terraço pela Autora. 9

Deficiências da edificação, cuja reparação, por constituir um benefício comum tem de ser custeada com a participação de todos os condóminos, de acordo com a regra da repartição na proporção do valor das suas fracções.10

No que respeita às obras efetuadas no interior da sua fracção -soalho e paredes- na parte que provou serem consequentes das infiltrações e de reparação dos danos causados, vale também a legítima pretensão da Autora em ser indemnizada pelos gastos inerentes, e a obrigação dos Réus, cuja satisfação omitiram de forma atempada e eficaz ao não realizaram as obras no terraço adjacente, conforme os artigos 483º e 566º do Código Civil.

Por último, atenta a factualidade provada nos pontos 64 a 74, o estado em que se encontrava a sua casa, impedindo a Autora de a usufruir em normalidade de condições e o desgaste e limitação que experienciou merecem a tutela do direito, a avaliação da compensação monetária pelos danos não patrimoniais na quantia de € 5.000,00 não merece reparo.

5. A fracção objecto de locação financeira

O Réu BCP persiste no argumento de que a fracção foi cedida à Ré T..., Lda, entretanto declarada insolvente, através de contrato de locação financeira, e as despesas relativas ao condomínio do prédio a cargo daquela, conforme o disposto no artigo 10º, nº1, al) b do DL 149/95 de 24-6 e das condições gerais do contrato11

O acórdão recorrido divergiu, considerou que o contrato de locação financeira tem estrita eficácia inter-partes, e o Réu(locador), na qualidade de proprietário da fracção, é o devedor perante o condomínio, correspondendo a uma obrigação real ou propter rem.

Apreciando.

Henrique Mesquita define as obrigações propter rem - « como vínculos jurídicos em virtude dos quais uma pessoa, na qualidade de titular de um direito real, fica adstrita para com outra (titular ou não, por sua vez, de um iús in re) à realização de uma prestação de dar ou de facere» ; e sobre o princípio da tipicidade quanto às obrigações reais, escreve mais adiante na mesma obra - «(..)A principal razão que, no campo dos direitos reais, justifica aquele princípio é a conveniência em não sujeitar o estatuto dos bens a vinculações desmotivadoras do seu pleno aproveitamento económico. »12

Nas palavras de Pedro Romano Martinez – «Na relação jurídico-contratual em causa, coexistem os regimes da propriedade horizontal e do contrato de locação financeira imobiliária, que servem visam objectivos e funções económicas e jurídicas diversas, que terão de ser harmonizados nesta situação. A locação financeira constitui um tipo contratual autónomo, entre a compra e venda e a locação, mas distinta destas situações contratuais. Na realidade, pode-se dizer que a locação financeira começa por poder enquadrar-se numa estrutura contratual mista (de compra e venda, de locação e, eventualmente, de mútuo), mas, com o decorrer do tempo, autonomizou-se, dando origem a um tipo contratual novo. Todavia, em tudo o que não estiver especialmente regulado, há que recorrer às regras gerais e às normas dos contratos que lhe serviram de fonte13

Na mesma linha da especificidade do contrato leasing imobiliário, Sandra Passinhas observa - «As sociedades de locação financeira são instituições que não se dedicam à gestão da propriedade do bem e, muito menos, em assumir o papel de proprietário. A propriedade desempenha um papel fundamentalmente instrumental do financiamento não sendo um fim em si mesmo. Daí que, no termo do contrato, normalmente, se verifique a aquisição da coisa pelo locatário14

Sobre a matéria explica Menezes Cordeiro - «A locação financeira postula uma intervenção de três sujeitos: o fornecedor, o locador e o locatário. Infere-se, daí, que ela surge em união com – pelo menos – um contrato de compra e venda. A própria locação financeira consigna depois, em regra, uma opção de compra, a favor do locatário. Muitas vezes, a locação financeira obriga a celebrar outros contratos: seguros e garantias. A locação financeira ocorre, assim, como um núcleo apto a supor­tar os fenómenos da união de contratos e dos contratos mistos. Tomando-a, na sua globalidade, a locação financeira é um contrato oneroso, sinalagmático vinculante, temporário, mas origi­nando relações duradouras e de feição financeira.»15

A vocação da locação financeira explica o disposto no artigo 10º, nº1, b) do citado DL. 149/95 que estabelece - «São, nomeadamente, obrigações do locatário: pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à função das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum”.

Posto o que nessa vertente das despesas correntes do condomínio, admitimos com o recorrente BCP que elas correrão por conta do locatário financeiro da fracção.

Tema que já foi objecto de apreciação por este Supremo Tribunal, entre outros, no Acórdão de 10.7.2008 que elucida no sumário:

«Por via do regime-regra consagrado no artigo 1424º do Código Civil é ao locatário financeiro que compete o pagamento da quota-parte devida pela fracção que ocupa, em homenagem ao preceituado no artigo 10º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de junho, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 265/97, de 2 de outubro”.»16

No mesmo sentido, o aresto do Supremo Tribunal de 6.11.2008, no qual se preconiza- «(..)Estando uma fracção autónoma dada em locação financeira, é do locatário financeiro que o condomínio deve exigir o pagamento dos “encargos condominiais” respectivos: o estatuto do locatário financeiro é, em tudo, idêntico ao de qualquer condómino, sendo sobre ele, e não sobre o locador, que impende a responsabilidade por esse pagamento.» 17

Sucede que, as despesas -custos reclamados pela Autora nesta acção reportam à realização de obras de intervenção e reparação em zona comum e motivo imprevisível, que representam despesas extraordinárias, que não são da responsabilide do locatário de acordo com o artigo 10º, nº1, b) do citado DL. 149/95, e o seu pagamento, cabe ao locador financeiro, enquanto proprietário da fracção autónoma e condómino em conformidade com o disposto no artigo 1424º do Código Civil.


*


Improcede nesta parte a preensão recursiva do Réu BCP, embora com fundamento não totalmente coincidente com o acórdão recorrido.

IV. Decisão

Pelo exposto, acorda-se em negar revista, confirmando o acórdão recorrido.

Vencidos, os recorrentes suportarão as custas, na modalidade de custas de parte.

Lisboa, 4.07.2024

Isabel Salgado (relatora)

Maria da Graça Trigo

Ana Paula Lobo

_______


1. O artigo 1427.º do Código Civil, na sua antiga redacção, aplicável ao caso sub judice, determinava que “As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino “; a nova redacção, resultante da Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro, determina que “1. As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino. 2. São indispensáveis e urgentes as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas.”

2. Com referência à doutrina cfr.- Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6ª ed., Quid iuris, Lisboa, 2009, págs. 389 e seg., e Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, Univ. Católica Editora, Lisboa, 2017, págs. 378 e seg.), obrigação que tanto abrange as obras necessárias à estrita manutenção do estado de conservação das partes comuns do prédio, como as obras de reparação necessárias para garantir a fruição dessas partes comuns; no proc 2446/15.0T8BRG.G2.S1, e Relatora Maria da Graça Trigo, membro do colectivo, e igualmente referido no acórdão recorrido .

3. Com suporte na doutrina -cfr. Manuel Henrique Mesquita, “A propriedade horizontal no Código Civil português”, in: Revista de direito e de estudos sociais, ano 23.º (1976), págs. 79-152 (151-152), ou Armindo Ribeiro Mendes, “A propriedade horizontal no Código Civil de 1966”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 30 (1970), págs. 5-78 (esp. nas págs. 65 ss.); no proc. 22041/18.1T8LSB.L2. S1, in ww.dgsi.pt.

4. Nas situações apreciadas pelo STJ nos acórdãos citados, apenas o primeiro a realização de obras no interior da fracção da demandante.

5. Considerou também o acórdão da Relação – “Aliás, o próprio R. Condomínio reconheceu a sua responsabilidade pela realização das obras em causa, tanto que, em 2010, a administração remeteu a todos os condóminos um mapa com quotizações extraordinárias a pagar por cada fracção para as obras no terraço do rés-do-chão e respectivas floreiras e veio, efectivamente, a proceder a tais obras, por intermédio da empresa “A...”. Isto posto, temos que, tal como ficou provado, apesar da realização dessas obras, em 2012 verificou-se continuarem a existir infiltrações provenientes do mesmo terraço, não tendo as obras efectuadas pelo condomínio solucionado definitivamente o problema. Em setembro de 2012, a A. comunicou tal facto à administração do condomínio e esta respondeu agendando uma visita a casa da A. Em Novembro de 2012, a A. comunicou ao condomínio que continuava à espera de solução para as obras exteriores, alegando

6. In Prescrição do direito de indemnização – BMJ- 87º, pág.

7. Inter alia, os acórdãos de 24.10.2019, proc. n.º 56/14.9T8VNF.G1. S1, de 08.04.2021, proc. n.º 453/14.0TBVRS.L1. S1, e de 02.02.2022, proc. n.º 527/19.0T8FND.C1. S1, in www.dgsi.pt.

8. Já na anterior redação defendia Aragão Seia in Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínios, pág.71, 73, que: “são considerados partes comuns os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção… os terraços de cobertura, que tanto se podem situar ao nível do primeiro andar, por servirem de cobertura… como ao nível de qualquer outro ou até do último piso, cobrindo parte do edifício, mesmo quando estejam afectos ao uso exclusivo de um condómino”.

9. Cfr. “… desde 2001 que o exterior do prédio apresentava evidências de anomalias (como água a escorrer pelas paredes exteriores, escamas ou pontas de ferro oxidadas que rebentavam nas paredes e manchas de humidades circulares por baixo das floreiras e na parte frontal), sendo certo que, por erro de projecto e de construção do edifício, a cota do piso interior da fracção da A.” -

10. Orientação que ressuma entre outros dos acórdãos do STJ de 31-05-2012, proc. 678/10.7TVLSB.L1. S1; de 9/6/2016, proc. 211/12; e de 12/10/2017, proc. 1989/09, in www.dgis.pt; e evidenciada em inúmeros arestos das diversas Relações.

11. Prevendo as condições gerais do contrato, que ao locatário cabe o pagamento de “condomínios, incluindo despesas, extraordinárias ou não, com a conservação, fruição e inovação das partes comuns do imóvel, benfeitorias ou outras despesas que recaiam sobre o imóvel”.

12. In Obrigações Reais e Ónus Reais”, Coimbra, Almedina, 1990. pág. 100 e 588.

13. in “Contratos Comerciais” – pág.6

14. In A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, pág. 209

15. In Manual de Direito Bancário, pág. 550/3.

16. Proc. 08A1057, in www.dgsi.pt

17. Proc. 08B2623, in www.dgsi.pt