Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | DOMINGOS JOSÉ DE MORAIS | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA NEXO DE CAUSALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 05/22/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
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Sumário : |
I - O nosso sistema positivo acolheu a “teoria de causalidade”, ao consignar, no artigo 563.º do Código Civil, que “...a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. II- Para prova do nexo causal, basta a demonstração de que o sinistro é uma consequência normal, previsível da violação das regras de segurança, independentemente de se provar ou não, com todo o rigor e extensão, a chamada dinâmica do acidente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 8464/20.0T8LRS.L1.S1 Recurso de Revista Relator: Conselheiro Domingos José de Morais Adjuntos: Conselheiro Ramalho Pinto Conselheiro José Eduardo Sapateiro Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I. – Relatório 1. - AA intentou acção especial emergente de acidente de trabalho, contra Socovaz – Sociedade de Construções, Unipessoal, Lda., e Ageas Portugal Companhia de Seguros, S.A., e T..., Lda, pedindo: 1) A segunda Ré condenada ao pagamento de: a) A pensão vitalícia correspondente a 30% da retribuição anual do sinistrado, ou seja € 3.095,34 (€ 10.317,80 x 30%) até à idade da reforma por velhice e a partir daquela para 40%, ou seja € 4.127,12 (€ 10.317,80 x 40%); b) O subsídio de morte no montante de € 5.792,29 calculado com base em 12 vezes o valor percentual de 1.1 do IAS de € 438,81 (12 x € 438,81 – (1.1 do IAS de montante de € 438,81; c) As despesas do funeral até ao máximo de € 1.930,76; d) As quantias despendidas em deslocações ao Tribunal, que no momento se cifram em € 15,00 e) Juros de mora sobre estas quantias, contados desde a data da citação e até integral pagamento. 2) A primeira Ré condenada ao pagamento do remanescente, pelo valor não transferido para a seguradora, segunda Ré. f) A pensão vitalícia correspondente a 30% da retribuição anual do sinistrado não transferida para a seguradora, ou seja € 273,00 (€ 910,00 x 30%) até à idade da reforma por velhice e a partir daquela para 40%, ou seja € 364,00 (€ 910,00 x 40%); g) Juros de mora sobre estas quantias, contados desde a data da citação e até integral pagamento. 3) Caso se entenda que o acidente em causa se deve a culpa da empregadora, ora primeira Ré, por violação das regras de segurança, esta deverá ser condenada a pagar à beneficiária Autora: h) Uma pensão anual igual à retribuição do sinistrado, isto é, de € 11.227,80, atento o disposto no art. 18º, n.º 4º, al) a da Lei 98/2009 de 04/09; i) Uma compensação a título de danos não patrimoniais sofridos com a morte do sinistrado, em valor nunca inferior a € 30.000,00 j) Os valores a título de subsídio por morte, subsídio de funeral e despesas já apurados nas alíneas b), c) e d) do pedido. l) Juros de mora sobre as aludidas quantias. 4) Deverá ainda ser procedente, por provado, o pedido de pagamento da pensão provisória por morte, a que a Autora tiver direito, nos termos do disposto nos artigos 118º da LAT e 121º do CPT. 5) Condenar a segunda Ré Companhia de Seguros a pagar solidariamente com a Ré empregadora (sem prejuízo do direito de regresso) à autora quaisquer quantias acima mencionadas em que seja a Ré empregadora condenada. 2. - A Ré seguradora contestou, concluindo: deverá a presente ação ser julgada conforme for de direito, sendo a 2ª R. absolvida do pagamento do subsídio de funeral, suportado por terceiros; Caso se venha a provar a atuação culposa da 1ª R, mais deverá esta ser condenada a reembolsar a 2ª R. por todas as prestações que esta tenha de pagar à A., tudo com as legais consequências. 3. - A Ré patronal contestou, concluindo pela sua absolvição do pedido. 4. - O Instituto da Segurança Social, IP/Centro Nacional de Pensões pediu a condenação das Rés no pagamento das pensões de sobrevivência pagas à Autora. 5. - A Ré seguradora respondeu, concluindo: A. Termos em que o pedido do ISS/CNP deverá ser julgado conforme for de direito; B. Caso se venha a provar a atuação culposa da 1ª R, mais deverá esta ser condenada a reembolsar a 2ª R. por todas as prestações que esta tenha de pagar à A. e ao ISS/CNP. C. Mais se requer que, caso a 2ª R. venha a ser condenada a pagar quaisquer quantias à beneficiária e ao ISS/CNP, relativamente a prestações por morte, estas sejam descontadas nas prestações devidas à beneficiária. 6. - O Tribunal da 1.ª Instância decidiu: A) Declarar que no dia ...-09-2020, ocorreu um acidente de trabalho, causado pela inobservância das regras de segurança por parte da Ré Empregadora “Socovaz – Sociedade de Construções, Lda.” e do qual resultou a morte, no mesmo dia, do sinistrado BB, à data casado com AA. B) Condenar a Ré Empregadora, a pagar à Autora: B.1.) A pensão anual e vitalícia, em virtude de o acidente ter resultado da inobservância culposa das regras de segurança pela empregadora, no valor da retribuição do sinistrado, ou seja, € 11.227,80 (onze mil, duzentos e vinte e sete euros e oitenta cêntimos), desde 22-09-2020; B.1.1.) Acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data dos respetivos vencimentos; B.2.) A compensação por danos não patrimoniais próprios, no valor de € 30.000,00 (trinta mil euros); B.2.1.) Acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar de hoje (12-06-2023) até integral pagamento; C) Condenar a Ré Empregadora, a reembolsar o “Centro Nacional de Pensões/Instituto da Segurança Social, I.P.”, pela quantia de € 2.254,95 (dois mil, duzentos e cinquenta e quatro euros e noventa e cinco cêntimos), respeitante à diferença entre o valor que será reembolsado pela seguradora e o valor total pago à autora a título de pensões de sobrevivência referentes ao período de outubro/2020 e agosto/2022, acrescida das pensões entretanto pagas pelo CNP e as que vierem a ser até ao trânsito em julgado da presente sentença, com a inerente desoneração do pagamento à autora, de tal quantia até tal limite; C.1.) Às quantias a reembolsar ao CNP/ISS acrescem juros de mora, desde a data da notificação à ré/empregadora do pedido de reembolso (15-11-2021), quanto a todas as prestações que nessa data estavam vencidas, e a contar das respetivas datas de vencimento, quanto às pensões que se venceram, entretanto, e até integral e efetivo pagamento, calculados à taxa legal de 4% ou a outra que vier a ser legalmente fixada. D) Condenar a Ré Seguradora, a satisfazer os pagamentos à Autora – i) sem prejuízo do direito de regresso contra a Ré Empregadora; ii) sem prejuízo da dedução dos valores entregues à autora a título de pensão provisória; e iii) sem prejuízo da dedução dos valores das pensões de sobrevivência que terá de reembolsar ao “CNP/ISS” – das seguintes prestações: D.1.) A pensão anual e vitalícia, desde 22-09-2020, correspondente a 30% da retribuição do sinistrado, no valor de € 3.095,34 (três mil e noventa e cinco euros e trinta e quatro cêntimos), até perfazer a idade da reforma por velhice e, a partir dessa idade, no valor correspondente a 40% da retribuição anual do sinistrado; D.1.1.) À pensão acrescem de juros de mora, à taxa legal de 4% ou a outra que vier a ser legalmente fixada, até efetivo pagamento; D.2.) A prestação única de € 5.792,29 (cinco mil, setecentos e noventa e dois euros e vinte e nove cêntimos), a título de subsídio por morte; D.2.1.) Ao subsídio por morte, acrescem de juros de mora, à taxa legal de 4% ou a outra que vier a ser legalmente fixada, desde 22-09-2020, até integral e efetivo pagamento; D.3.) A quantia de € 45,00 (quarenta e cinco euros) a título de despesas de transporte; D.3.1.) Por cada parcela de € 15,00, decorrente de cada deslocação, acrescem juros moratórios desde a datas de cada uma das respetivas deslocações a este Tribunal (07-07-2021, 07-09-2022 e 12-10-2022), até integral pagamento. E) Condenar a Ré Seguradora a satisfazer o reembolso ao “Centro Nacional de Pensões/Instituto da Segurança Social, I.P.”, pela quantia de € 4.062,68 (quatro mil e sessenta e dois euros e sessenta e oito cêntimos), respeitante às pensões de sobrevivência de outubro/2020 e fevereiro/2022, com o limite que resulta do cálculo da pensão de acidentes de trabalho com base no salário transferido, com a inerente desoneração do pagamento à autora, de tal quantia até tal limite, e sem prejuízo do direito de regresso contra a Ré Empregadora; E.1.) Condenar a Ré Seguradora a satisfazer o reembolso ao “Centro Nacional de Pensões/Instituto da Segurança Social, I.P.”, pela quantia de € 1.316,43 (mil, trezentos e dezasseis euros e quarenta e três cêntimos) relativa a despesas de funeral, sem prejuízo do direito de regresso contra a Ré Empregadora; E.2.) Às quantias a reembolsar ao CNP/ISS acrescem juros de mora, desde a data da notificação à ré/seguradora do pedido de reembolso (15-11-2021), quanto a todas as prestações que nessa data estavam vencidas, e a contar das respetivas datas de vencimento, quanto às pensões que se venceram, entretanto, até integral e efetivo pagamento, calculados à taxa legal de 4% ou a outra que vier a ser legalmente fixada. 7. - As Rés apresentaram recursos de apelação e o Tribunal da Relação decidiu: “acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, absolve-se a R. empregadora do pedido, confirmando-se a sentença na parte em que se condena a R. seguradora, com excepção do reconhecimento do direito de regresso sobre aquela.”. 8. - A Ré seguradora interpôs recurso de revista, concluindo: A) Vem a Recorrente colocar em crise o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa nestes autos, que revogou a douta sentença proferida na 1ª instância, na parte em que condenou a entidade patronal por violação das regras de segurança, considerando não ser possível estabelecer o nexo causalidade entre a omissão verificada e a produção do acidente; B) De facto, resultando inequivocamente provado que o sinistrado caiu de uma altura pelo menos superior a 2,70m quando realizava os seus trabalhos para a ora recorrida, e inexistindo nos autos qualquer elemento de facto que aponte em sentido diverso, nenhuma outra conclusão se poderia alcançar que não a de que tal queda se deveu à inobservância das regras de segurança em causa, (cfr. factos provados iii., v., ix, x, xi); C) É notório que os trabalhos em altura, como são aqueles de que ora se cuida no caso concreto, pela sua própria natureza e particularidades comportam risco de queda, motivo pelo qual a lei exige a utilização dos aludidos dispositivos de segurança aquando da sua execução. D) Esses riscos foram exponencialmente aumentados pelo entidade empregadora, ora Recorrida, que ao violar as regras de segurança aplicáveis ao caso, não distribuindo nem facultando os necessários mecanismos de segurança para realização de trabalhos em altura – factos que aquela não contesta – não logrou evitar a queda do sinistrado, com todas as consequências nefastas que da mesma decorreram; E) Sendo certo que a utilização dos meios de segurança necessários sempre seria susceptível de acautelar todos os riscos conducentes ao acidente ocorrido. F) Na ausência de prova directa quanto aos concretos contornos da queda subjudice, o Tribunal estribou-se na análise da prova indireta produzida à luz das regras da experiência comum e socorrendo-se de presunção judicial. G) Assim, e ainda que não se tenha apurado os concretos contornos da queda ocorrida, é evidente que da matéria de facto dada como provada se pode extrair a verificação do nexo de causalidade estabelecido entre a violação das condições de segurança e o acidente de que o sinistrado foi vítima mortal, o que alias se presume!. H) Ou seja, ainda que não conhecido todo o circunstancialismo do acidente podemos concluir que se não fora a omissão das condições de segurança, ele não tinha ocorrido, quer isto dizer que a violação das normas de segurança são conditio sine qua non do acidente. I) Para além do já mencionado é importante referir que para preencher os requisitos na teoria da causalidade adequada, é suficiente, que entre a omissão das condições de segurança e o acidente surja de uma forma segura, como uma consequência normal e previsível da violação das regras segurança, e não propriamente que se tenha que provar em concreto a conditio sine qua non, já que tal prova é impossibilidade, ou quase impossibilidade de se conseguir obter. J) Em face do exposto, o douto Acórdão recorrido não procedeu à correta interpretação dos Artºs 342º e 563º do Código Civil e bem assim do Artº 18º da Lei 98/2009 de 4/9. K) Com efeito, compulsada a douta matéria de facto provada, que, como se disse, não foi objeto de apelação, a correta interpretação dos citados preceitos legais, permite concluir com segurança que a queda e morte do sinistrado se deveu à violação das normas de segurança para prevenção de queda em altura, por parte da recorrida entidade patronal, Socovaz. 9. - A Ré empregadora contra-alegou, concluindo: Não resultando provada a forma como ocorreu, em concreto, a queda do sinistrado não é possível estabelecer os pressupostos do nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e o acidente dos autos e, como tal, deve ser a Recorrida absolvida. 10. - O M. Público emitiu parecer no sentido de que deve ser dado provimento ao recurso da Ré seguradora, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a sentença de primeira instância, por considerar: “Desconhecendo-se qualquer outra eventualidade estranha ao contexto das funções desempenhadas pelo sinistrado e às concretas circunstâncias em matéria de segurança no trabalho em que a prestação de trabalho ocorria, considerando-se o incumprimento das obrigações a que o empregador estava adstrito, deve concluir-se que a queda do sinistrado ocorreu devido a esse incumprimento, dado que as medidas de segurança, a terem sido cumpridas, seriam aptas a evitar o acidente.”. 11. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir. II. - Fundamentação de facto: A decisão das Instâncias sobre a matéria de facto: “3.1. Os factos provados são os seguintes: i. No dia ...-09-2020, o sinistrado encontrava-se a prestar o seu trabalho para a 1.ª R., em execução do contrato de trabalho com esta celebrado, sob suas ordens, direcção e fiscalização. ii. Prestava esse trabalho numa obra sita na Rua ..., no exercício das funções inerentes à sua categoria profissional de Carpinteiro. iii. Nessa manhã, estava em curso o assoalhamento e escoramento do 2.º piso, para posterior preenchimento com betão, a fim de formar a laje desse piso. iv. Nesse dia, a hora não exactamente apurada, mas antes das 11h15m, o sinistrado sofreu uma queda. v. A queda referida no ponto iv. deu-se de uma altura superior a 2,70 metros, pelo menos, atentas as lesões apresentadas pelo cadáver. vi. O corpo do sinistrado foi descoberto na laje do terraço pelo seu colega de trabalho – CC – que deu o alerta e chamou outro trabalhador e seu irmão, DD, que alertou as autoridades. vii. O sinistrado ainda foi socorrido pelos Bombeiros e pelo INEM, mas não sobreviveu às lesões e foi declarado o óbito no local do sinistro. viii. Em consequência do acidente resultaram para o sinistrado, directa e necessariamente, as lesões descritas no relatório de autópsia médico-legal a fls. 68 e ss., que aqui se dá por reproduzido, sendo que dessas lesões traumáticas crânio-meníngeo-encefálicas resultou a sua morte. ix. A obra não tinha guarda-corpos. x. No momento do acidente, o sinistrado não estava a usar cinto e arnês de segurança ligado a uma linha de vida fixada em dois pontos. xi. Quando ocorreu o acidente, a Socovaz não havia colocado redes, plataformas de trabalho, guarda-corpos para evitar a queda em altura e nem havia distribuído equipamentos como um cinto e arnês de segurança ligado a uma linha de vida. xii. À data do acidente, o sinistrado auferia a retribuição de € 700,00 x 14 (retribuição base) + € 5,90 x 22 x 11 (subsídio de alimentação), perfazendo o montante anual de € 11.227,80. xiii. À data do acidente, a 1.ª R. tinha a responsabilidade infortunística por acidente de trabalho transferida para a seguradora 2.ª R. através do contrato de seguro titulado pela apólice ..., pela retribuição de € 635,00 x 14 + € 5,90 x 22 x 11 (subsídio de alimentação), no total de € 10.317,80. xiv. O sinistrado nasceu em ...-12-1958. xv. Desde 01-08-2016 que o sinistrado era casado com AA, nascida em ...-09-1958. xvi. A inspecção da ACT determinou a imediata suspensão dos trabalhos, uma vez que não existia a implementação de protecção colectiva em toda a obra de construção civil onde estavam a decorrer trabalhos com o risco de queda em altura, o que se veio a verificar. xvii. Mais determinando que os trabalhos só fossem recomeçados após a implementação das medidas de protecção colectiva e dos adequados procedimentos para garantir a segurança dos trabalhadores a executar tarefas ao nível do 2.º piso e a apresentação de um plano de retoma de trabalhos. xviii. A 1.ª R. foi ainda notificada pela ACT para tomada de 3 medidas imediatas, a saber: a) implementar as medidas de protecção colectiva, nomeadamente guarda-corpos e guarda-cabeças em todas as aberturas das lajes e escadas interiores; b) Prever no plano de retoma de trabalhos a implementação de procedimentos de segurança para evitar o risco de queda dos trabalhadores no processo de escoramento/assoalhamento da laje para posterior betonagem, em caso de necessidade de retirar a protecção colectiva, nomeadamente, utilização de cinto e arnês de segurança preso a uma linha de vida fixada em dois pontos; c) Montagem de escada de acesso ao 2.º piso, cumprindo as regras de segurança, nomeadamente fixando-a em dois pontos no topo e assegurando que a base esteja estabilizada e fixa – que foi cumprido e depois constatado pela ACT pelas 11 horas do dia 25-09-2020. xix. O sinistrado era um homem muito apegado à sua mulher, ora beneficiária, e era quem contribuía para as despesas familiares e para o sustento de ambos. xx. A beneficiária sofre de diversas patologias, que a impedem de trabalhar, designadamente do foro reumatológico: dor musculosquelética generalizada, espondilodiscartrose, tendinose cálcica e osteopenia do osso trabecular. xxi. A morte do sinistrado fez a A. mergulhar numa dor profunda, com dificuldades em adormecer e sem vontade de comer ou de se arranjar. xxii. O Instituto da Segurança Social, I.P., através do Centro Nacional de Pensões, pagou à A. pensões de sobrevivência, relativamente ao beneficiário n.º .../00, BB; no período compreendido entre 2020-10 e 2022-08, foram liquidadas as correspondentes pensões de sobrevivência no montante global de € 6.317,63. xxiii. O valor mensal da prestação por morte em causa era, em ..., de € 53,79. xxiv. O Instituto da Segurança Social, I.P., através do Centro Nacional de Pensões, pagou despesas de funeral, relativamente ao beneficiário n.º .../00, BB, falecido em ...-09-2020, no valor de € 1.316,43, a EE. xxv. Por decisão de 01-02-2022, proferida no âmbito do incidente que correu termos nestes próprios autos, foi fixada uma pensão provisória, anual e actualizável, no montante de € 3.095,34, a suportar pela R. seguradora, a qual começou a ser paga no mês de Março de 2022, no valor mensal de € 221,10. xxvi. A beneficiária despendeu a quantia de € 45,00 em deslocações a este Tribunal. 3.2. Os factos não provados são os seguintes: a. A queda referida no ponto iv. ocorreu quando o sinistrado estava na bordadura da laje do segundo piso da obra, a executar a tarefa de escoramento e assoalhamento. b. Os guarda-corpos só podem ser colocados depois de executada a viga final. c. No dia do acidente e nos dias anteriores ao mesmo, o sinistrado tinha-se queixado por diversas vezes de indisposição e tinha problemas cardíacos. d. Os objectos pessoais do sinistrado, como os óculos e telemóvel, foram recuperados do local, encontrando-se intactos. e. O capacete do sinistrado estava ao lado do corpo. f. Quando ocorreu o acidente, o sinistrado tinha ao seu dispor o seguinte equipamento: cinto e arnês de segurança ligado a uma linha de vida fixada em dois pontos. g. A A. encontra-se de baixa desde 2016. h. Desde Novembro de 2018 que a A. não recebe qualquer valor a título de baixa. i. Era o sinistrado quem auxiliava a sua esposa nas tarefas inerentes aos cuidados a prestar à sua sogra, que é uma senhora com idade avançada, conduzindo a A. a sua casa e efectuando as compras. j. A A. contava envelhecer e passar o resto dos seus dias com o falecido, fazendo planos após a reforma para viajar e mudar-se para o campo. k. O facto de ter perdido o marido de forma tão repentina, aliado às graves dificuldades económicas, levaram a A. a ter tentado o suicídio. l. Por essas razões, vai passar a ser seguida em consultas de psiquiatria no Posto de Saúde .... m. No dia do funeral, o sócio-gerente da R. entregou € 700,00 em numerário ao irmão do sinistrado para pagamento do funeral.”. III. – Fundamentação de direito 1. - Do objeto do recurso de revista. - Da violação das regras de segurança em altura, pelo empregador, e o nexo causal, para efeitos do artigo 18.º da Lei 98/2009 de 4/9. 2. – Na sentença da 1.ª Instância pode ler-se: “Ainda no plano da proteção coletiva, podemos agora asseverar que não estavam colocados os guarda-corpos, como também não havia redes, nem plataformas de trabalho – o que incumbia à empregadora, aqui 1.ª R. Nada impedia que esses guarda-corpos estivessem já colocados, pois, como vimos, estando a obra suspensa desde a tarde do dia do acidente (...-09-2020), eles foram colocados pouco tempo depois, como a ACT pôde constatar quatro dias depois, em 25-09-2020. Todavia, como impõe o n.º 2 do art.º 11.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de abril, mesmo «…quando, por razões técnicas, as medidas de proteção coletiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adotadas medidas complementares de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável.» Ora, como se provou, o sinistrado não estava a usar cinto e arnês de segurança ligado a uma linha de vida fixada em dois pontos, já que a 1.ªR nem sequer havia distribuído equipamentos como um cinto e arnês de segurança ligados a uma linha de vida. Sendo assim, temos de concluir que a factualidade provada revela uma flagrante inobservância destas regras segurança. Como ninguém viu a queda e o sinistrado já não voltou a falar, não se apurou se o sinistrado tropeçou, escorregou ou se desequilibrou por ter embatido nalgum objeto ou estrutura, ou mesmo se teve alguma indisposição. Aqui importa frisar que, neste momento processual, já não importa debater se o sinistrado morreu porque algum problema de saúde o fez perder a consciência, isto porque as entidades responsáveis já haviam aceitado que estamos perante um acidente de trabalho. A empregadora quis introduzir esta incógnita no sentido de afastar o nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança (a cuja responsabilidade dificilmente se poderia eximir, como vimos) e a produção do acidente, mas não lhe assiste qualquer razão. Este Tribunal entende que a circunstância de não se ter apurado o que levou à queda do sinistrado não é impeditiva da afirmação de que há nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e a ocorrência do consensualmente admitido acidente de trabalho. Assim, à luz da teoria do risco, criada por Claus Roxin e desenvolvida no âmbito do Direito Penal, mas que aqui tem plena aplicação, a conduta da empregadora aumentou o risco permitido, ou seja, o risco de queda que já existe e é naturalmente decorrente da prática de trabalhos em altura. Isto porque está provado que o sinistrado morreu devido às lesões traumáticas resultantes da queda; e o risco da ocorrência do evento acidental “queda” foi exponencialmente aumentado pela violação das aludidas regras de segurança por parte da empregadora.”. 3. - No Acórdão da Relação foi consignado: “Assim, não se questionando que o sinistrado sofreu um acidente de trabalho indemnizável, posto que ocorrido no tempo e local de trabalho e determinante da sua morte (art. 8.º, n.º 1 do RRATDP), e que a 1.ª R. violou normas legais de segurança no trabalho de construção civil, designadamente as identificadas na sentença, importa, contudo, aferir se existe nexo de causalidade entre esta violação e a produção daquele evento, idónea a determinar a responsabilidade da empregadora nos termos dos acima citados arts. 18.º e 79.º do RRATDP. Na verdade, como se disse acima, não basta que se verifique a inobservância de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho por parte do empregador para que exista a sua responsabilização de forma agravada pelas consequências do acidente, tornando-se ainda necessária a prova do nexo de causalidade entre a omissão e a eclosão do acidente. (…). Ora, no caso em apreço, apenas se apurou que o sinistrado sofreu uma queda de uma altura de pelo menos 2,70 metros (atentas as lesões apresentadas pelo cadáver), que foi descoberto na laje do terraço por um colega e que, apesar de ainda socorrido pelos Bombeiros e INEM no local, faleceu em consequência das lesões sofridas. Nada se apurou, contudo, sobre a dinâmica, razões ou concreto local da queda, posto que nem sequer foi descrita a situação do aludido terraço onde o sinistrado foi encontrado por referência a um ponto de onde o mesmo tivesse caído, sendo certo que, estando provado que na manhã em apreço estava em curso o assoalhamento e escoramento do 2.º piso da obra, considerou-se não provado que a queda referida tenha ocorrido quando o sinistrado estava na bordadura da laje de tal 2.º piso, a executar a tarefa de escoramento e assoalhamento. Deste modo, apenas se conhecendo o local onde foi encontrado o sinistrado – que não teve morte imediata – e ignorando-se tudo o que antecedeu esse momento, designadamente o local de onde o mesmo caiu e o processo causal que determinou tal evento, é impossível estabelecer um nexo de causalidade entre este evento e a violação pela 1.ª R. das regras de segurança no trabalho acima referidas. Isto é, não obstante a omissão pela 1.ª R. do dever de implementação daquelas medidas inerentes aos trabalhos de assoalhamento e escoramento do 2.º piso da obra que estavam a decorrer, e sem prejuízo de responsabilidade contra-ordenacional que daí decorra, o certo é que não se pode considerar que o cumprimento do dever omitido seria adequado a evitar a queda do sinistrado, posto que nada se sabe sobre o respectivo processo causal. Por todo o exposto, não sendo possível estabelecer o nexo de causalidade entre a omissão verificada e a produção do acidente, por falta de prova que incumbia à A. e à 2.ª R., não se descortina fundamento para a responsabilização da R. empregadora por violação de regras de segurança, apenas sendo responsável a R. seguradora nos termos gerais da responsabilidade por acidente de trabalho.”. 4. - Em síntese: dúvidas não há sobre a violação, por parte da Ré empregadora, das concretas regras de segurança. O que a Ré seguradora põe em causa é a conclusão do Acórdão recorrido de que não está provado o nexo de causalidade entre tal violação e a ocorrência do acidente que vitimou o sinistrado. 5. - O artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4.09 - Actuação culposa do empregador -, prescreve: “Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.”. 6. - O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre a questão suscitada nos autos em diversos acórdãos, o último dos quais data de 21.02.2024, proc. n.º 336/21.7T8SNT.L1.S1, in www.dgsi.pt, com a seguinte fundamentação: “No Ac. do STJ de 23/9/2012, proc. 289/09.0TTSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, escreveu-se o seguinte: “Debruçando-se sobre esta temática, Pessoa Jorge começa por aludir à “teoria da equivalência das condições”, para a qual “... cada condição sine qua non seria causa de todo o efeito, porque, sem ela, as outras condições não teriam actuado” (in “Ensaio Sobre os Pressupostos Da Responsabilidade Civil” – “Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal”, Lisboa, 1 a 72, reedição, página 389). Sendo notório, porém, que uma tal teoria jamais poderia ser transposta, na sua genuinidade, para o domínio da responsabilidade civil – por ser patentemente injusto responsabilizar alguém por prejuízos que nada tiveram a ver em concreto, com a sua conduta – haverá que eleger então, de entre as várias condições do dano, aquelas que legitimam a imposição, ao respectivo agente, da obrigação de indemnizar. O nosso sistema positivo acolheu a “teoria de causalidade”, ao consignar, no artigo 563.º do Código Civil, que “...a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. A inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a sua produção, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. A teoria da causalidade adequada impõe, pois, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado; e, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em geral e abstracto, adequado e apropriado para provocar o dano. E assim sendo, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intervieram no caso concreto- ac. do STJ de 25/10/2018, proc. 92/16.0T8BGC.G1.S2. “(...)o artigo 563.º do Código Civil estabelece a respeito da obrigação de indemnização que esta “só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (sublinhado nosso). Quer se considere que a norma consagra assim a chamada “causalidade adequada” na sua formulação negativa, quer se ponha o acento no escopo da norma violada e na interação entre o fundamento da responsabilidade e a imputação do dano ao agente3, o lesado tem aqui apenas que invocar que a não observância das regras de segurança terá provavelmente influído na ocorrência do acidente. Como bem destacou o Tribunal da Relação de Guimarães, em Acórdão também ele recente, “trata-se de elaborar um juízo de prognose sobre se aquele facto, em abstrato e em condições normais, tem aptidão genérica para produzir aquele resultado típico que é, assim, sua consequência normal, recorrendo-se à probabilidade fundada em conhecimentos médios e em regras da experiência comum” - ac. do STJ de 3/11/2023, Proc. n.º 1694/20.6T8CSC.C1.S1. Constitui jurisprudência deste STJ (veja-se, por exemplo, o acórdão de 23-06-2023, Proc. n.º 179/19.8T8GRD.C1.S1, para cuja fundamentação exaustiva remetemos) que, para prova do nexo causal, basta a demonstração de que o sinistro é uma consequência normal, previsível da violação das regras de segurança, independentemente de se provar ou não, com todo o rigor e extensão, “a vertente naturalística”, a chamada dinâmica do acidente.”. 7. - No mesmo sentido, o anterior Acórdão de 03.11.2023, proc. n.º 151/21.8T8OAZ.P1.S1, in www.dgsi.pt., que após afirmar - “Quanto à jurisprudência deste Supremo Tribunal, são várias as decisões que evidenciam a preocupação de superar as insuficiências das teorias excessivamente centradas na causalidade, mormente em casos relativos a condutas omissivas, que são daqueles em que mais gritantemente se revelam as insuficiências das teorias mais tradicionais (nas palavras de Bernardo Monteiro Ferraz, uma vez que a sua “relevância para o Direito não é factual, mas sim normativa” , em tais casos são especialmente inadequadas abordagens assentes em “etapas prévias e separadas de validação do raciocínio, iniciado pela causalidade natural e finalizado pela análise jurídica” – cita vários outros Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça sobre a questão em causa, cuja doutrina permite concluir, no caso em apreço, que, não fora a infração pela Ré empregadora das regras de segurança na obra em causa, o acidente descrito nestes autos não teria ocorrido. Dito de outro modo: atentas as regras da experiência, era objetivamente provável que a omissão das medidas de segurança, que deveriam ter sido implementadas pela Ré empregadora, no decurso do assoalhamento e descoramento da obra em construção, desencadeasse a queda do sinistrado do 2.º piso, de uma altura superior a 2,70m, provocando-lhe lesões físicas que culminassem com a sua morte. Procede, pois, o recurso de revista. IV. - Decisão Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social julgar procedente o recurso de revista da Ré seguradora, revogar o acórdão recorrido e repristinar a decisão da 1ª Instância. Custas a cargo da Ré empregadora. Lisboa, 22 de maio de 2024 Domingos José de Morais (Relator) Ramalho Pinto José Eduardo Sapateiro |