| Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ00000177 | ||
| Relator: | FERREIRA DIAS | ||
| Descritores: | RECURSO FUNDAMENTAÇÃO MATERIA DE FACTO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONSTITUCIONALIDADE | ||
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| Nº do Documento: | SJ199001240403863 | ||
| Data do Acordão: | 01/24/1990 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Referência de Publicação: | BMJ N393 ANO1990 PAG516 | ||
| Tribunal Recurso: | T CRIM LISBOA 2J | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 457/88 | ||
| Data: | 07/13/1989 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
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| Meio Processual: | REC PENAL. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Área Temática: | DIR PROC PENAL. | ||
| Legislação Nacional: | CPP87 ARTIGO 374 N2 ARTIGO 410 N2 ARTIGO 426 ARTIGO 427 ARTIGO 433 ARTIGO 436. CONST82 ARTIGO 32 N1. L 29/78 DE 1978/06/12. DL 430/83 DE 1983/12/13 ARTIGO 23 N1 ARTIGO 35. | ||
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| Sumário : | O artigo 433 do Codigo de Processo Penal não e inconstitucional, pois não viola o artigo 32, n. 1, da Constituição da Republica Portuguesa, nem o disposto na Declaração Universal dos Direitos do Homem ou no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Politicos. | ||
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| Decisão Texto Integral: | I - Mediante acusação do Digno Agente do Ministerio Publico, respondeu, em processo comum e com a intervenção do Tribunal Colectivo, no 2 Juizo Criminal de Lisboa, a arguida A, solteira, comerciante, de 38 anos, com os demais sinais dos autos, tendo sido condenada como autora material de um crime de trafico de droga, previsto e punivel pelo art. 23 n. 1 do Dec.Lei n. 430/83, de 13 de Dezembro e Tabela I - A do mesmo diploma, na pena de seis anos e seis meses de prisão na multa de 100000 escudos, em 35000 escudos de taxa de justiça e em 5000 escudos de procuradoria a favor dos Serviços Sociais do Ministerio da Justiça. Outrossim, foram declaradas perdidas a favor do Estado as quantias constantes do conhecimento de deposito de fls. 74 e 75, bem como os objectos constantes das guias de fls. 78 e 121. II - Inconformada com tal decisão, dela recorreu a arguida para este Alto Tribunal, motivando o recurso nos seguintes termos: I - A recorrente negou desde a primeira hora que alguma vez tivesse em seu poder a substancia apreendida nos autos e inexistindo nos mesmos qualquer identificação da agente da P.S.P. que revistou a recorrente; - A arguida, aquando da referida revista, não detinha consigo qualquer produto; - Conforme resulta dos documentos de folhas 155, 167, 168 e 215 dos autos, verifica-se um erro notorio na apreciação da prova e enormes distorções entre a prova produzida em audiencia, a decisão proferida e tais documentos; - Verifica-se ainda que a materia de facto provada não contem em concreto qualquer motivação ou fundamentação, razão porque foi violado o disposto no artigo 410 n. 2 do Codigo de Processo Penal; - O sistema de recursos admitido pelo artigo 433 do C.P. Penal não garante suficientemente o recurso da materia de facto e so o funcionamento de uma 2 Instancia de facto garantiria a suficiencia do presente recurso; - Como esse funcionamento não vai ter lugar no presente recurso, violado sera o n. 1 do art. 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem; - Essa falta de garantia do direito ao recurso constitui tambem uma frontal violação do disposto no n. 5 do artigo 14 do Pacto Internacional de Direitos Civicos e Politicos de 16 de Dezembro de 1966, o qual foi ratificado pela Lei 29/78, de 12 de Junho; - Essa falta de garantia traduz-se numa ilegalidade, por violação de fontes de direitos constitucionais, recebida pela lei interna, bem como numa inconstitucionalidade material face a manifesta violação do principio do duplo grau de jurisdição; - O acordão recorrido não procedeu a adequada motivação ou fundamentação da decisão, limitando-se a uma referencia generica as testemunhas e ao depoimento da arguida; contrariando ou omitindo os documentos juntos aos autos pela recorrente, violando, assim os arts. 433 do C.P. Penal e 32 n. 1 da Constituição; e - Assim, deve ser anulada a decisão e reenviado o processo para novo julgamento, ou se assim não se entender deve a arguida ser absolvida e posta em liberdade. Contra-alegou o Ministerio Publico, afirmando em tal douto processual que o recurso não e merecedor de provimento. III - Uma vez neste Supremo Tribunal, foi proferido o despacho preliminar. Colhidos os vistos legais, designou-se dia para a audiencia a qual se procedeu com observancia do formalismo legal, como da acta se alcança. IV - Cumpre apreciar e decidir:- Deu o douto Tribunal Colectivo do 2 Juizo Criminal de Lisboa como provadas as seguintes realidades de facto:- - A arguida no dia 7 de Junho de 1988, cerca das 16,30 horas, encontrava-se no seu estabelecimento situado no Casal Ventoso de Baixo, Vila Pratas, 87, em Lisboa; - Era ja ha algum tempo objecto de vigilancia pela P.S.P., por suspeita de vender produtos estupefacientes a terceiros; - Naquele dia e hora, quando abordada pela P.S.P., a arguida tinha num bolso da bata que vestia, duas embalagens de um produto; - Tinha tambem na sua posse, dentro do seu estabelecimento, mais doze embalagens de um produto, que se encontravam dentro de um pacote de "Nestum" ; - Todo o produto foi submetido a exame toxilogico, cujo relatorio consta a folhas 88, sendo identificado como "heroina"; - O produto pesava ao todo 15,970 gramas; - A arguida bem sabia que o produto que tinha na sua posse era "heroina" e que não era permitida a detenção desse produto; - Destinava-o a venda; - A data da detenção foi apreendido a arguida e conforme auto de folhas 3, o seguinte:- - a quantia de 283800 escudos; - uma nota de 20 Rands; - 1500 francos dos Estados da Africa do Oeste; - 10 francos franceses; - 1 traveller cheque no valor de 100 dolares americanos; - uma nota de 20 escudos fora de circulação; - uma pulseira em ouro amarelo, oca, com chapa, que se encontrava rebentada, com o peso de 10,6 gramas e com o valor de 15900 escudos; - parte de um fio de ouro amarelo, com o peso de 6,4 gramas, e com o valor de 9600 escudos; - um anel em ouro amarelo e prata, com uma pedra amarela e seis diamantes, com o peso de 6,6 gramas e com o valor de 6500 escudos; - um anel em prata com a inscrição "Jose" e "16-10-56" com o peso de 2,7 gramas, com o valor de 60 escudos; - um cordão em metal de cor branca, sem valor comercial; - um relogio de senhora de marca "SS", electronico com a pulseira rebentada, com o valor de 3000 escudos; - 1 relogio de senhora da marca "Dugena" com inscrição "J.Eismaun 1980", com o valor de 2000 escudos; - um relogio de senhora, com motivos alusivos a visita do Papa a Portugal, e com o valor de 5000 escudos; - uma pistola de alarme, de marca Gecado; - um vale postal no montante de 11250 escudos; - Os objectos apreendidos encontram-se examinados e avaliados a folhas 94 e 118; - as quantias e os objectos apreendidos eram provenientes da venda do produto estupefaciente; - A arguida não tem antecedentes criminais; - Desde os 20 anos que vive maritalmente com o companheiro actual, do qual tem tres filhos menores; e - Tem um quadro de condições socio-economicas favoraveis. V - Descritos os factos, e numa tecnica processual normal, seguir-se-ia desde ja o enquadramento dos mesmos na arquitectura do Direito Criminal. Como, porem, a arguida - recorrente, na sua motivação, invoca determinadas circunstancias tendentes a abalar a prova produzida e dada como assente, cumpre-nos antes de mais fazer incidir a nossa objectiva sobre as mesmas. Dispõe o mandamento do artigo 433 do Codigo de Processo Penal o seguinte: "Sem prejuizo no disposto no artigo 410 n. 2 e 3, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da materia de direito". E prescreve o artigo 410: 1 - "........................ 2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do Tribunal de recurso a materia de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vicio resulte do texto da decisão recorrida, por si so ou conjugada com as regras da experiencia comum: a) a insuficiencia para a decisão da materia de facto provada; b) a contradição insanavel da fundamentação; c) erro notorio na apreciação da prova...". Interpretando as disposições processuais-penais acabadas de transcrever, temos por seguro que delas promanam as seguintes considerações:- Segundo o primeiro dos normativos - o artigo 433 - o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa, em principio, exclusivamente o reexame da materia de direito, dada a sua natureza de Tribunal de revista. E diremos em principio, exactamente porque, alem de outros casos, tal dispositivo legal abre tres excepções, que são as indicadas nas alineas a), b) e c) do mencionado art. 410 e consistentes na insuficiencia para a decisão da materia de facto provada, a contradição insanavel da fundamentação e o erro notorio na apreciação da prova. Ora, desde que se verifique qualquer destas situações, tem o Supremo Tribunal o poder de se ingerir na analise do aspecto factico, mas nunca a jurisdição de proceder, ele proprio, a renovação da prova, competindo-lhe tão simplesmente assinalar o vicio ou vicios que enxergou e a determinar o reenvio do processo para novo julgamento, como se preceitua nos artigos 426 e 436 do Codigo de Processo Penal (confira Maia Gonçalves in Codigo de Processo Penal Anotado - 2. edição - a pagina 496). Pretende a recorrente que tal entendimento e inconstitucional, não so porque viola o principio constitucional exarado no artigo 32 n. 1 da Constituição da Republica, mas tambem o prescrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem e no Pacto Internacional dos Direitos Civicos e Politicos, documentos estes recebidos na ordem juridica interna do nosso Pais. Tem esse Alto Tribunal dito e redito que os preceitos processuais em referencia não colidem, de forma alguma, com os canones constitucionais referidos, pelas seguintes razões: Em primeiro lugar, porque, como e de todos sabido, o Codigo de Processo Penal de 1987 foi antes de entrar em vigor, presente ao Tribunal Constitucional, e no exame que lhe fez, não consta que, quanto ao aspecto em foco, haja revelado a existencia de qualquer inconstitucionalidade. Em segundo lugar, por que, efectivamente, do seu exame atento não dimana em nosso entender, qualquer elemento com a virtualidade bastante para nos capacitarmos da existencia de qualquer desrespeito aos mandamentos constitucionais aludidos, antes procurando, com a sua lição, a todo o transe, assegurar todas as garantias de defesa do arguido. Em terceiro lugar, porque establecendo a lei processual - penal, entre nos, o principio do duplo recurso, nos termos referidos, principio universalmente aceite, positivamente que, com tal posição, pretendeu ele assumir e assegurar como assegurou, em toda a sua plenitude e da forma mais capaz, as garantias de defesa dos acusados. Firmado, assim, que os normativos processuais-penais não apresentam a veste de inconstitucionais, como contrariamente defende a agravante e outros, em desespero de causa, vejamos se no caso do pleito se verificam os vicios que aquela deduziu para infirmar a decisão em estudo. Se bem compreendemos a motivação do recurso, temos que a agravante pretende que existam dois vicios na decisão recorrida com viabilidade bastante para a sua revogação e, consequente, reenvio do processo para novo julgamento. Tais vicios concretizam-se no erro notorio na apreciação da prova e na contradição insanavel da fundamentação. Referentemente ao primeiro, alega a recorrente que não foram tomadas na devida consideração os documentos juntos a folhas 155, 167, 168 e 215 dos autos e considerado o facto de haver negado a pratica do crime, pois, na altura da revista que lhe foi feita, não tinha em seu poder qualquer produto estupefaciente. No que a tal ponto atine, dir-se-a com toda a segurança que não lhe assiste qualquer razão. Esqueceu a recorrente que o Tribunal Colectivo e soberano na indagação da materia de facto e se, assim, o descreveu, e porque, em sua convicção a aceitou como verdadeira, não podendo este Supremo Tribunal nela intrometer-se, como e de lei: Por outro lado, fazendo incidir a nossa objectiva sobre a decisão da materia de facto, não descobrimos, nem quaquer homem medio que a observasse o descobriria, qualquer erro que a existir não passaria despercebido. E com isto passemos a contradição insanavel da fundamentação. Tambem neste ponto, tera a apelante de abater bandeira. Com efeito, apos a descrição da factualidade apurada, o acordão recorrido diz expressamente: ... "Perante esta materia factica dada como assente e fundamentada nos depoimentos da arguida e testemunhas em audiencia e bem assim dos documentos juntos aos autos, ha que fazer o respectivo enquadramento juridico - criminal....". Ora, com tal expressão o acordão deu exacto cumprimento ao estatuido no artigo 374, n . 2 do do Codigo do Processo Penal, que a tal aspecto se refere nos seguintes termos: ".... com indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal....". Sendo assim, não so não corresponde a verdade a afirmação da recorrente quando refere que a materia de facto provada pelo Tribunal "a quo" não contem em concreto qualquer motivação ou fundamentação de tal materia, como tambem na parte em que não foram tomadas em consideração os documentos referidos no n. 3 das suas conclusões. Em suma:- Improcede, em toda a linha, a argumentação deduzida pela recorrente, ja que improvada ficou a existencia de qualquer dos vicios apontados. VI - Eis-nos, pois, face a uma decisão da materia de facto que, por inverificação de quaisquer vicios, tem de ser acatada como insindicavel por este Alto Tribunal. Debruçando-nos atentamente sobre o complexo factico apurado, por seguro temos que o actuar da recorrente desenha os elementos configurantes de um crime de trafico de estupefacientes previsto e punivel pelo artigo 23, n . 1 do Decreto Lei n . 430/83, de 13 de Dezembro e Tabela I - A do mesmo diploma. Na verdade, mostra-se assente que, no condicionalismo de tempo e lugar aludidos a arguida: - detinha num bolso da bata que vestia duas embalagens de um produto; - tinha tambem na sua posse e no interior do seu estabelecimento mais doze embalagens de um produto, que se encontravam dentro de um pacote de "Nestum"; - Todos os produtos foram submetidos a exame toxicologico, cujo relatorio os identificou como "heroina"; - Os produtos tinham o peso total de 15,970 gramas; - destinava-os a venda; e - A arguida bem sabia que os produtos que tinha na sua posse era "heroina" e que lhe não era permitida a detenção desses produtos . Tipificados se mostram, assim, todos os elementos configurantes do crime acima referido constituindo- -se a arguida sua autora material. Correcto se mostra, pois, o enquadramento juridico- -criminal operado pela 1 instancia. Cumpre-nos de seguida o aspecto dosimetrico da pena a aplicar. Determina o artigo 72 do Codigo Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, far-se-a em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigencias de prevenção de futuros crimes e todas as circunstancias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. Os minimo e maximo da pena aplicavel situam-se em 6 e 12 anos de prisão e multa de 50000 escudos a 5000000 escudos. O grau de ilicitude do facto mostra-se elevado e graves foram as consequencias do mesmo. Intenso se mostra o dolo (dolo directo) com que a arguida agiu. Revelou a arguida, com a posse dos produtos estupefacientes e com a intenção de os vender, ser pessoa de fraca compleição moral, na medida em que pretendia contribuir para a destruição fisica e mental dos seus concidadãos, como, alias, ja de outras vezes tinha acontecido. A arguida não tem precedentes criminais. Tem um quadro de condições socio - economicos favoraveis. Ora, considerando tal manancial factico acabado de relatar, somos de opinião de que a pena com que o acordão em apreciação sancionou o criminoso procedimento da arguida A - seis anos e seis meses de prisão (quase a rondar o minimo da pena aplicavel) e na multa de cem mil escudos - se mostra doseada com equilibrio, merecendo a nossa confirmação. E igual aplauso e beneplacito se emprestam ao acordão recorrido no pertinente aos montantes da taxa de justiça e procuradoria, bem como ao perdimento a favor do Estado dos produtos estupefacientes, quantias e objectos apreendidos, ja que quanto a estes se provou que eram provenientes da venda dos produtos estupefacientes e atento o que determinam os artigos 107 e 35, respectivamente, do Codigo Penal e do Decreto-Lei n. 430/83, e ao demais ordenado. VII - Dest'arte e pelos expostos fundamentos, decidem os juizes deste Supremo Tribunal de Justiça negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar inteiramente o douto acordão recorrido. A recorrente pagara de taxa de justiça 5UCS e um terço dessa taxa como procuradoria. Ferreira Dias; Manso Preto; Maia Gonçalves; Jose Saraiva. |