Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
312/09.8TCLSB.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO FRÓIS
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
SUCESSÃO DE CRIMES
CÚMULO JURÍDICO
TRÂNSITO EM JULGADO
CÚMULO POR ARRASTAMENTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
FÓRMULAS TABELARES
NULIDADE INSANÁVEL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO
Doutrina:
- Figueiredo Dias, in Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 429.
- Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 290-292,291.
- Maia Gonçalves,Código Penal Português Anotado e comentado 18ª ed, pág. 295, nota 5.
- Vera Lúcia Raposo, in RPCC, Ano 13, nº 4, pág. 592.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL : - ARTIGOS 379º, N.º 1 ALÍNEAS A) - 1ª PARTE - E C), 374.º, N.º 2.
CÓDIGO PENAL : - ARTIGOS 77º E 78º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA :
- DE 20.10.1988, IN CJ, ANO XIII, TOMO IV, PÁG.18 E SEGS.;
- DE 30.01.2003, IN CJSTJ, ANO XXVIII, TOMO 1, PÁG. 177;
- DE 27.03.2003, PROC. Nº 4408/02 DA 5ª SECÇÃO;
- DE 12.07.2005, PROC.N.º 2521/05, IN RPCC, ANO 16, Nº 1, PÁG. 162 E SEGS.;
- DE 13.09.2006, PROC.N.º 2167/06, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11.10.2006, PROC.N.º 1795/06, 3.ª SECÇÃO;
- DE 15.11.2006, PROC.N.º 3268/04, 3.ª SECÇÃO;
- DE 22-11-2006, PROC. N.º 3126/96, 3.ª SECÇÃO;
- DE 09.01.2008, PROC. N.º 3177/07, 3ª SECÇÃO;
- DE 06.02.2008, PROC. N.º 4454/07, 3ª. SECÇÃO;
- DE 25.09.2008, PROC.N.º 1512/08, 5ª SECÇÃO;
- DE 10.09.2008, PROC.N.º 1887/08, 3ª SECÇÃO;
- DE 10.09.2008, PROC.N.º 2500.08, 3ª SECÇÃO;
- DE 02.04.2009, PROC. Nº 09P0580, IN HTTP://WWW.DGSI.PT/JSTJ;
- DE 10.02.2010, IN PROCESSO 1289.04.1PMTS.P1.S1, 3ª SECÇÃO.
Sumário :
I - Uma pluralidade de infracções/crimes cometidas pelo mesmo arguido/agente pode dar lugar ou a um concurso de penas (quando os vários crimes/infracções tiverem sido cometidos antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles) ou a uma sucessão de penas (nos demais casos de pluralidade de crimes/infracções cometidos pelo mesmo arguido/agente).
II - Elemento relevante e fundamental para determinar a possibilidade de efectivação de cúmulo jurídico das penas, é o trânsito em julgado da condenação pelo primeiro crime. A jurisprudência mais recente e dominante do STJ vai no sentido de que não poderá haver cúmulo jurídico de penas respeitantes a crimes praticados, uns antes e outros depois, da primeira condenação transitada em julgado. Depois daquele trânsito haverá sucessão de crimes e de penas.
III - A jurisprudência dominante entende que não há fundamento legal para o chamado “cúmulo por arrastamento”.
IV - Havendo, como é o caso, crimes cometidos pelo arguido e que são posteriores ao trânsito em julgado da primeira condenação, os mesmos não devem entrar no cúmulo em questão, por não haver lugar ao chamado “cúmulo por arrastamento”, antes devendo tais crimes ser encarados na perspectiva da sucessão criminal.
V - Ao ter procedido ao cúmulo por arrastamento, o acórdão é nulo, nos termos dos arts. 78.º, n.ºs 1 e 2, e 77.º, ambos do CP, e 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
VI - O concurso de crimes tanto pode resultar de factos praticados na mesma ocasião, como de factos praticados em momentos distintos, mais próximos ou mais distantes no tempo. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pela prática de crimes de diferente natureza. E esse concurso tanto pode resultar da prática de um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.
VII - Com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos, individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente. Esta concepção de pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso, embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor nem a extensão pressupostos pelo art. 71.º do CP.
VIII - Ora, a decisão recorrida não reproduz nem sintetiza os factos integrantes dos crimes pelos quais o arguido foi condenado, nem os equaciona em breve resumo. Aquela decisão apenas se refere à identificação das decisões condenatórias havidas, indicando os crimes e respectivas datas de ocorrências bem como as penas aplicadas.
IX - Por outro lado, no tocante à personalidade do arguido também não vêm descritos factos, ainda que em síntese, que definam as características da sua personalidade, nomeadamente ao tempo da prática dos mesmos, que possibilitem o conhecimento da motivação da sua actuação delituosa.
X - As conclusões do acórdão recorrido não têm fundamentação de facto, dessa forma violando o estatuído no art. 374.º, n.º 2, do CPP. A falta de factos ainda que concretizados de forma sucinta e sintética, para aquela demonstração, constitui falta de fundamentação e impossibilita a valoração do ilícito global perpetrado, na ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido.
XI - O julgador deve esclarecer e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que respeita à personalidade tendo em conta os factos considerados no seu conjunto. Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, pois assume significado muito diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente relativamente ao conjunto dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua duração no tempo e pela dependência de vida em relação àquela actividade.
XII - A omissão desta avaliação constitui omissão de pronúncia sobre questão que o tribunal tinha de apreciar e decidir, o que acarreta a nulidade da respectiva decisão – art. 379.º do CPP.
XIII - O recurso deve, pois, proceder, por omissão de fundamentação e de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, als. a) e c), do CPP.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I - Na 2ª Vara Criminal de Lisboa, no processo comum nº 312/09.8TCLSB, foi o arguido:

AA, filho de BB e de CC, natural de Angola, nascido em 16 de Novembro de 1976, solteiro, residente na Rua d.............., ..... Lisboa, Anjos, e actualmente detido no EP de Monsanto,Submetido a julgamento perante Tribunal Colectivo, para realização de cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido nos processos nºs 561/04.5PHLSB do 6º Juízo Criminal de Lisboa, 55/06.4SHLSB do 3º Juízo Criminal de Lisboa, 363/06.4PDLSB da 1ª Vara Criminal de Lisboa, 1256/05.8PHLSB da 9ª Vara Criminal de Lisboa, 277/04.2PALSB do 5° Juízo criminal de Lisboa, 546/06.7PhLSB do 5° Juízo criminal de Lisboa, 947/06.0PBLSB da 1ª Vara Criminal de Lisboa.

A final, por acórdão proferido nestes autos em 03 de Dezembro de 2009, foi o arguido condenado na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

É desse Acórdão que, inconformado, o MºPº interpõe o presente recurso para este STJ, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e pela sua substituição por outro que condene o arguido numa pena única de 10 (dez) anos de prisão.

Na respectiva motivação apresenta as formula conclusões:

1. O acórdão impugnado cumulou as penas impostas ao arguido AA pela prática de 1 crime de ofensas à integridade física qualificadas, 1 crime de furto qualificado e 11 crimes de roubo (1 tentado, 3 qualificados e 7 simples), fixando a pena única em 7 anos e 6 meses de prisão;
2. Tais crimes ocorreram num período superior a 2 anos e meio;
3. No caso dos crimes de roubo e também no de ofensas qualificadas, o arguido actuou sempre com a ajuda de outros indivíduos;
4. Na esmagadora maioria das situações houve, efectivamente, actos de violência gratuita exercida sobre as vítimas, frequentemente socadas, pontapeadas, atiradas ao chão, imobilizadas pelo método da "gravata" e ameaçadas com facas encostadas ao abdómen ou ao pescoço;
5. O arguido apenas admitiu a sua responsabilidade em 2 dos 11 crimes de roubo, o que permite concluir pela fraquíssima interiorização do desvalor das condutas por si praticadas;
6. Para justificar a pena imposta, o douto acórdão somente refere a condição económica modesta do arguido, o consumo de estupefacientes que estará, presumivelmente, na origem dos crimes e a sua propensão para a prática de ilícitos "com uma componente patrimonial manifesta";
7. Ignorando, pois, a extensão do período ao longo do qual os crimes foram cometidos, a violência efectivamente praticada sobre as vítimas e a ausência de sinais significativos de arrependimento;
8. Ora, a pena concreta deve ser fixada entre o mínimo de 3 anos e 3 meses (pena concreta mais elevada) e o máximo de 27 anos e 10 meses (soma material de todas as penas), sendo certo que não pode ultrapassar os 25 anos de prisão, de acordo com o disposto no n°. 2 do art°. 77° do Código Penal;
9. À luz da mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o arguido deveria ser punido com uma pena concreta que adicionasse, à pena mínima (3 anos e 3 meses), 1/3 da diferença entre esta e a pena máxima (27 anos e 10 meses), o que plenamente se justifica pela gravidade dos crimes cometidos;
10. Sendo essa diferença (entre o mínimo e o máximo) de 24 anos e 7 meses, o terço respectivo representaria um acréscimo de cerca de 8 anos e 2 meses;
11. Obter-se-ia, desse modo, um quantum próximo dos 11 anos e 6 meses, que não repugnaria fosse reduzido, por exemplo - e considerando que nem todas as penas foram, na verdade, efectivas -para os 10 anos de prisão;
12. Assim se respondendo a uma legítima expectativa das vítimas e da sociedade e se cumprindo as demais finalidades visadas pela punição;
13. Ao graduar a pena em 7 anos e 6 meses de prisão, o Colectivo não acautelou as fortes exigências de prevenção num caso de prática reiterada e prolongada de crimes que tanto alarme social causam, nem teve em conta a gravidade da actuação do arguido, a violência do modus operandi, o dolo intenso com que actuou e a sua postura em toda a marcha dos autos; 14. ignorando, assim, a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça e fazendo uma interpretação errada dos critérios contidos nas disposições conjugadas dos art.°s 40°, n.° 1 e 71°, n°s 1 e 2 do Código Penal, normas que foram, desse modo, violadas.

Pelo que, consequentemente, deverá o douto acórdão recorrido ser alterado no sentido proposto, condenando-se o arguido em pena única não inferior a 10 anos de prisão.

Respondeu o arguido AA, identificado nos autos, pugnando pelo não provimento do recurso e pela manutenção do decidido.
Terminam a respectiva motivação com as conclusões seguintes:


I - O douto acórdão condenou o Arguido na pena única de 7 anos e 6 meses , de prisão e em cúmulo jurídico sustentando e bem, tal condenação na culpabilidade e na personalidade do agente,
II – A pena única aplicada ao arguido é adequada e proporcional, observando em absoluto o estabelecido no artigo 40° do Código Penal, uma vez que se revela apropriada à finalidade de prevenção geral positiva e de prevenção especial positiva.
III – O Arguido demonstra condições favoráveis à sua ressocialização, designadamente o arrependimento, a consciencialização que a sua conduta passada é social e juridicamente reprovável e censurável, bem como a postura ajustada que tem vindo a assumir no estabelecimento prisional e a inibição do consumo de estupefacientes revelam a aceitação da punição e elevada propensão para a reintegração social.
IV - No recurso interposto é pedida a aplicação de uma pena única única não inferior a 10 anos de prisão, o que representa um desrespeito pelo Princípio da Proporcionalidade, pelo Princípio da Culpa e pelo Princípio da Justiça.
Em suma, entende-se como adequada a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão aplicada seio tribunal a quo, na medida em que esta traduz uma acepção global da factualidade conjunta e da personalidade do agente, e preenche sobremaneira as finalidades da pena, quer a nível geral quer a nível especial.

Remetido o processo a este STJ, o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto e esclarecedor Parecer no sentido de que o acórdão recorrido é nulo, quer porque englobou crimes posteriores ao trânsito em julgado da primeira condenação a considerar (Processo nº 55/06.4SHLSB do 3º Juízo Criminal de Lisboa), quer porque tem uma insuficiente fundamentação.
Foi cumprido o disposto no artigo 417º-2 do CPP.
Colhidos os vistos, cumpre conhecer.

É a seguinte a fundamentação de facto, constante do acórdão recorrido:

Das certidões e restantes documentos juntos aos autos e relativos à pessoa do arguido, resultam demonstrados os seguintes factos, dos que assumem relevo para a presente decisão cumulatória:

1 - Foi condenado, por sentença de 16 de Fevereiro de 2009, no processo 561/04.5PHLSB do 6° Juízo Criminal de Lisboa, transitada em julgado no dia 9 de Março de 2009 e por factos praticados em 29 de Maio de 2004, pela prática de um crime de furto qualificado p e p pelo art. 202° ai. d), 203° n° 1 e 204° n° 2, al. e), todos no CP, na pena de 2 anos e 6 meses de .prisão, suspensa na sua execução por 2 anos e 6 meses;
2 - Por sua vez, no âmbito do Processo Comum Singular n° 55/06.4SHLSB do 3º Juízo Criminal de Lisboa, foi condenado, por sentença de 26 de Setembro de 2006, transitado em julgado em 11-10-2006, como autor material, de um crime de roubo por factos de 26 de Junho 2006- previsto e punível pelos artigos 210° np do Código Penal, na pena de_16 meses de prisão suspensa na sua execução por dois anos;
3 - No âmbito do processo comum colectivo n° 363/06.4PDLSB da 1ª Vara Criminal de Lisboa, foi condenado, por acórdão de 10 de Novembro de 2008, transitado em julgado no dia 2-12-2008, como autor material de um crime de roubo p e p pelo art. 210° n° 1 do CP, por factos de 27 de Maio de 2006, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
4 - No âmbito do processo comum colectivo n° 1256/05.8PHLSB da 9a Vara Criminal de Lisboa, foi condenado, por acórdão de 21-12-2006, transitado em julgado no dia 24-04-2007, como autor de um crime de roubo pep pelo art. 210° n° 1 do CP, por factos de 29 de Dezembro de 2005, na pena de 18 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos;
5 - No âmbito do processo comum singular n° 277/04.2PALSB do 5° Juízo criminal de Lisboa, por sentença de 4-2-2008, transitada em julgado no dia 10-03-2008, como autor de um crime de ofensa à integridade física qualificada p e p pelo art. 143° n° 1 e 146° n° 1 e 2 do CP, por factos de 1-11-2004, na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução por dois anos;
6 - No âmbito do processo comum singular n° 546/06.7PhLSB do 5ºJuízo criminal de Lisboa, por sentença de 30-5-2008, transitada em julgado no dia 7-07-2008, como autor de um crime de roubo p e p pelo art. 210° n° 1, por factos de 11 de Maio de 2006, na pena de dois anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por dois anos e seis meses;
7 - No âmbito do processo comum colectivo n° 947/06.0PBLSB da Ia Vara Criminal de Lisboa, por acórdão proferido no dia 5 de Março de 2008, transitado em julgado no dia 21-07-2008, foi condenado como autor três crimes de roubo qualificados p e p pelo art 210° n° 1 e 2 al. b) e 204° n° 2 al. f), do CP, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, por cada um deles, três crimes de roubo simples p e p pelo art. 210° n° 1 do CP, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, por cada um deles, um crime de roubo tentado pep pelos art. 210° n° 1, 22° e 23° do CP, na pena de 1 ano de prisão, por factos de 24-11-2006, 29-11-2006, 10-12-2006, 6-5-2006, 15-11-2006, 7-10-2006.
Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão
8) - O arguido tem seis irmãos uterinos e quatro consanguíneos, tendo crescido em Luanda onde frequentou a escola até aos 18 anos sem que tenha completado o nono ano de escolaridade;
9) - Em 1997 decidiu emigrar para Portugal tendo ficado a viver em casa de alguns familiares e em 1998 desloca-se para Coimbra onde manteve até 2004, trabalhando na construção civil;
10) - Em 2004 iniciou o consumo de estupefacientes começando pela erva e depois pela cocaína e regressou a Lisboa deixando o seu trabalho em Coimbra;
11) - No estabelecimento prisional matem uma postura ajustada e não tem qualquer visita uma vez que não tem suporte familiar no nosso país;
12) - O arguido equaciona o seu regresso a Angola e o momento de privação da liberdade tem constituído um momento de paragem na prática aditiva e de alguma reflexão crítica sobre o seu percurso de vida mais recente.

Os Factos e o Direito:

1 – A determinação da moldura penal do concurso de crimes – artº 77º-2 do CPP;

Dúvidas não pode haver em que, uma pluralidade de infracções/crimes cometidas pelo mesmo arguido/agente pode dar lugar ou a um concurso de penas (quando os vários crimes/infracções tiverem sido cometidos antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles) ou a uma sucessão de penas (nos demais casos de pluralidade de crimes/infracções cometidos pelo mesmo arguido/agente).

Haverá, portanto, sucessão de penas p. ex. quando o mesmo arguido pratica dois crimes, mas o segundo crime é praticado depois do trânsito em julgado da condenação pelo primeiro crime.

Elemento relevante e fundamental para determinar a possibilidade de efectivação de cúmulo jurídico das penas, é o trânsito em julgado da condenação pelo primeiro crime.

Na verdade, a jurisprudência mais recente e dominante deste STJ, vai no sentido de que não poderá haver cúmulo jurídico de penas respeitantes a crimes praticados, uns antes e outros depois, da primeira condenação transitada em julgado. Depois daquele trânsito haverá sucessão de crimes e de penas.

Neste sentido, cfr. o Ac. deste STJ de 10.09.2008, Proc. 2500.08, desta 3ª Secção que refere expressamente: “Tem sido pacífico neste STJ o entendimento de que o concurso de infracções não dispensa que os vários crimes tenham sido praticados antes de ter transitado em julgado a pena imposta por qualquer um deles, representando o trânsito em julgado de uma condenação penal o limite temporal intransponível no âmbito do concurso de crimes, excluindo-se da pena única os praticados posteriormente; o trânsito em julgado de uma dada condenação obsta a que se fixe uma pena unitária em que, englobando as cometidas até essa data, se cumulem infracções praticadas depois desse trânsito
Assim, o momento determinante para a sujeição de um conjunto de crimes a uma pena única é, nos termos do artº 77º-1 e 2, aplicável por força do artº 78º-2, do CP, o trânsito em julgado da primeira condenação, pois os crimes praticados posteriormente a essa decisão transitada em julgado não estão em relação de concurso, devendo ser encarados e punidos na perspectiva da sucessão criminal”.

E, o mesmo acontece “havendo condenações por crimes anteriores a uma decisão transitada em julgado após condenações por crimes posteriores a tal decisão”.

A jurisprudência dominante entende que não há fundamento legal para o chamado “cúmulo por arrastamento” que conheceu “alguma aplicação neste STJ até 1997, mas que constituía uma forma de, divergindo dos termos legais, aniquilar a “teleologia” e a “coerência interna” do sistema, “dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência” (cfr. Vera Lúcia Raposo, in RPCC, Ano 13, nº 4, pág. 592)” – cfr. o citado Ac. deste STJ de 10.09.2008, Proc. 2500/08 – 3ª e o Ac. deste STJ de 10.09.2008, Proc. 1887/08 – 3ª.

Esse cúmulo por arrastamento – seguido por alguma jurisprudência do STJ (cfr. Ac. de 20.10.1988, in CJ, Ano XIII, Tomo IV, pág.18 e segs.) baseia-se numa interpretação do artigo 78º-1 do Código Penal, nos termos da qual “a condenação por crimes cometidos antes e depois de condenações entretanto proferidas, implica a efectivação de um cúmulo jurídico por arrastamento, das penas aplicadas e a aplicar a todos esses crimes”.
Porém, da análise do regime emergente dos artigos 78º-1 e 77º-1, do Código Penal, tanto na redacção emergente da Lei 59/2007, de 04 de Setembro, como na anterior, resulta que o trânsito em julgado da condenação por um crime constitui o limite temporal dos crimes a englobar no cúmulo, inviabilizando a consideração, no concurso, de penas aplicadas por crimes praticados após o trânsito dessa primeira condenação, o que afasta o denominado cúmulo por arrastamento – (cfr. Ac. STJ de 25.09.2008, Proc. 1512/08 – 5ª).

O sistema de cúmulo jurídico, adoptado na nossa lei, visa evitar a acumulação material das penas relativas aos crimes em concurso, aplicando-se uma pena única, vindo-se a entender que “na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconditível a uma tendência … criminosa, ou tão a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso sendo se atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. …” (cfr. Figueiredo Dias in Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 429).

Nos termos do disposto no artigo 77º do Código Penal, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

E para os casos de conhecimento superveniente do concurso rege o artº 78º, n.º 1 do mesmo diploma, o qual estatui que “se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.
E as mesmas regras são aplicáveis no caso de reformulação do cúmulo de penas.
Neste caso (como se refere no Ac. deste STJ de de 30/01/2003, in CJSTJ, Ano XXVIII, Tomo 1, pág. 177) as penas readquirem a sua autonomia (....), por ter sobrevindo conhecimento de novas infracções a cumular, pelo que se torna necessário fazer novo uso da norma do art. 77º, n.º 1, do Código Penal: determinar uma nova pena única em que são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
No caso em apreço, porém, nem todos os crimes cometidos pelo arguido e referidos na decisão recorrida, estão numa relação de concurso.

Ao caso em apreço é aplicável o disposto no artigo 78º-1 do Código Penal, atrás transcrito pois estamos perante um caso de conhecimento superveniente de concurso de penas já que o arguido/recorrente foi condenado em várias penas (parcelares) em várias datas diferentes (cfr. supra, factos provados).
E, as regras estabelecidas por esse preceito legal impõem que sejam englobadas no cúmulo todas as penas aplicadas ao arguido, ainda que cumpridas (obviamente, desde que estejam numa relação de concurso).
É que, face á redacção dada a tal normativo, pela Lei nº 59/2007, de 04 de Setembro, foi suprimida a expressão – constante da redacção anterior - “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta”.
Só que, nem todos os crimes cometidos pelo arguido e referidos na decisão recorrida estão numa relação de concurso.
Na verdade, no caso em apreço, verifica-se que foram englobados no cúmulo, crimes posteriores ao trânsito em julgado da primeira condenação (11.10.2006 – Processo nº 55/06.4SHLSB, do 3º Juízo Criminal de Lisboa).
Tais crimes foram julgados no processo nº 947/06.0PBLSB e reportam-se aos processos NUIPC 947/06.0PBLSB (factos praticados em 24.11.2006 – cfr. fls. 77vº e 78); NUIPC 1213/06.7PHLSB (factos praticados em 29.11.2006 – cfr. fls.78); NUIPC 1244/06.7PHLSB (factos praticados em 10.12.2006 – cfr. fls. 78vº); NUIPC 1160/06.2PHLSB (factos praticados em 15.11.2006 – cfr. fls. 79vº e 80).
Ora, como atrás se disse, tais crimes não devem entrar no cúmulo em questão, por não haver lugar ao chamado “cúmulo por arrastamento”, antes devendo tais crimes ser encarados e punidos na perspectiva da sucessão criminal.

Por isso, ao ter procedido ao cúmulo por arrastamento, o acórdão recorrido é nulo, nos termos dos artigos 78º-1 e 2 e 77º, ambos do Código Penal e 379º-1-c), do Código de Processo Penal.
Prosseguindo:
Como atrás se disse, nos termos do disposto no artigo 77º do Código Penal, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
E, “na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconditível a uma tendência … criminosa, ou tão a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso sendo se atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. …” (cfr. Figueiredo Dias in Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 429).
Como se refere no Ac. STJ de 13.09.2006, Proc. 2167/06, in www.dgsi.ptO sistema de punição do concurso de crimes consagrado no artigo 77º do CP, aplicável ao caso de «conhecimento superveniente do concurso», adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado da vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulraes factos, caiba ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos pressupostos para a primeira etapa. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que (esteve) na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido. Adverte que o todo não equivale á mera soma das partes e repara, além disso, que os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa. Que continuará a ser culpa pelo facto, mas agora culpa pelos factos em relação. Afinal, a avaliação conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP» (Cfr. Cristina Líbano Monteiro, in Anotação ao Ac. do STJ de 12.07.2005, Proc. 2521/05, in RPCC, Ano 16, nº 1, pág. 162 e segs.).
Ora, o acórdão recorrido, depois de várias considerações de natureza jurídica, designadamente:
(…) “ …Na determinação da pena única haverá que considerar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tendo a pena aplicável como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a pena parcelar mais elevada entre as concretamente aplicadas.
Na elaboração do cúmulo jurídico a pena conjunta deverá ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e prevenção.
Porém, como afirma Figueiredo Dias nem por isso dirá que estamos em face de uma hipótese normal de determinação da medida da pena uma vez que a lei fornece ao tribunal para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72 do Código Penal um critério especial que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade.
Assim, para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, ou seja, a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento, mas também o receptividade á pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso, ou seja, a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa … ”.

Justificou a pena única aplicada, da forma seguinte:

“ … No caso vertente, há a salientar a circunstância de o arguido ser de condição económica modesta, bem como o consumo de estupefacientes aparentemente motor da criminalidade por si praticada.
De ponderar é, igualmente, o facto de estarem em causa, na generalidade, crimes de natureza similar (designadamente crimes contra o património), o que demonstra alguma propensão do arguido para a prática de criminalidade com uma componente patrimonial manifesta, embora ligada a uma vivência de consumo de estupefacientes.
Nestes termos, tudo ponderado e atendendo a que a pena única a apurar tem como limite máximo 25 anos de prisão e como limite mínimo 3 anos e 3 meses de prisão, considera-se adequado fixar, em cúmulo jurídico, a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão. …”
Será isto suficiente?
A segunda parte do nº 1 do artigo 77º do CP determina que "na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente".
Ora, o concurso de crimes tanto pode resultar de factos praticados na mesma ocasião, como de factos praticados em momentos distintos, mais próximos ou mais distantes no tempo.
Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pela prática de crimes de diferente natureza.
E esse concurso tanto pode resultar da prática de um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.
Não tendo o legislador (nacional) optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), há que concluir que, com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.
Como se refere no Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-02-2008, in Proc. n.º 4454/07 Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso”.
Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993,; . Acs de 11-10-2006 e de 15-11-2006 deste Supremo e 3ª Secção in Proc. n.º 1795/06, e Proc. n.º 3268/04.
Ora esta concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso, embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor nem a extensão pressupostos pelo art. 71º.
“ …A determinação da pena conjunta obriga a que do teor da decisão condenatória conste uma fundamentação específica, autónoma, da medida da pena do concurso, embora não seja exigível o rigor e a extensão constantes do art. 71.º. do Código Penal.
A determinação da pena do cúmulo exige, pois, um exame crítico, de ponderação conjunta, sobre a interligação entre os factos e a personalidade do agente, de molde a poder valorar-se o ilícito global perpetrado.
Não são enunciados de premissas ou, fórmulas tabelares, nem juízos conclusivos, que determinam e justificam a pena conjunta, mas sim os factores relevantes, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que respeita à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.
São factores relevantes: a determinação da dimensão do bem jurídico ofendido, e da intensidade da ofensa; se ocorre ou não ligação, conexão ou relação entre os factos em concurso, bem como a indagação da sua natureza, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas; a determinação dos motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados, e de eventuais estados de dependência; a determinação da tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade; na avaliação da personalidade expressa nos factos, a ponderação de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade; a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente» – cfr. Ac. do S.T.J. de 02.04.2009, Proc. nº 09P0580, in http://www.dgsi.pt/jstj.
E, como se refere no Ac. STJ de 10.02.2010, in Processo 1289.04.1PMTS.P1.S1, desta 3ª secção, Note-se que o artigo 71º nº 3 do Código Penal determina que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.
Embora não seja exigível o rigor e a extensão nos termos do nº 2 do mesmo artº 71º, nem por isso tal dever de fundamentação deixa de ser obrigatório, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista material, e, sem prejuízo de que os factores enumerados no citado nº 2, podem servir de orientação na determinação da medida da pena do concurso. (Figueiredo dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 291)
Não é necessário nem útil que a decisão que efectue o cúmulo de penas constante de condenações já transitadas em julgado, enumere os factos provados que integraram a decisão onde foram aplicadas as penas parcelares, mas já é necessário que a decisão que efectue o cúmulo, descreva ou resuma todos os factos pertinentes de forma a habilitar os destinatários da decisão e o tribunal superior, a conhecer a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos, bem como os factos anteriormente provados que demonstrem qual a personalidade, modo de vida e inserção social do agente, com vista a poder compreender-se o processo lógico, o raciocínio da ponderação conjunta dos factos e personalidade do mesmo que conduziu o tribunal à fixação da pena única.(v. Ac. deste Supremo de 27 de Março de 2003 in proc. nº 4408/02 da 5ª secção)
A determinação da pena do cúmulo, exige pois um exame crítico de ponderação conjunta sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a poder valorar-se o ilícito global perpetrado, nos termos expostos.
Aliás salienta Maia Gonçalves (Código Penal Português Anotado e comentado 18ª ed, pág. 295, nota 5) “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença.
Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”.

Ora a decisão recorrida apesar de na fundamentação de facto dizer que: “Das certidões e restantes documentos juntos aos autos e relativos à pessoa do arguido, resultam demonstrados os seguintes factos, dos que assumem relevo para a presente decisão cumulatória” não descreve a síntese dos factos integrantes dos crimes: não os reproduz nem os sintetiza, nem os equaciona em breve resumo, sendo certo que nos termos do artº 472º nº 1 do CPP, o tribunal ordena, “oficiosamente ou a requerimento, as diligências que se lhe afigurem necessárias para a decisão.”
Na verdade, a decisão recorrida apenas descreve alguns (poucos) factos relacionados com o modo de inserção familiar do agente, designadamente que “o arguido tem seis irmãos uterinos e quatro consanguíneos, tendo crescido em Luanda onde frequentou a escola até aos 18 anos sem que tenha completado o nono ano de escolaridade; em 1997 decidiu emigrar para Portugal tendo ficado a viver em casa de alguns familiares e em 1998 desloca-se para Coimbra onde manteve até 2004, trabalhando na construção civil”.
Aquela decisão não reproduz nem sintetiza os factos integrantes dos crimes pelos quais o arguido foi condenado, nem os equaciona em breve resumo.
Aquela decisão apenas se refere à identificação das decisões condenatórias havidas, indicando os crimes e respectivas datas de ocorrência bem como as penas aplicadas.
E, note-se, nas conclusões da respectiva motivação, o Exmº recorrente menciona expressamente (além do mais) que “o arguido actuou sempre com a ajuda de outros indivíduos”, “na esmagadora maioria das situações houve, efectivamente, actos de violência gratuita sobre as vítimas, frequentemente socadas, pontapeadas, atiradas ao chão, imobilizadas pelo método da “gravata” e ameaçadas com facas encostadas ao abdómen ou ao pescoço”, “o arguido apenas admitiu a sua responsabilidade em 2 dos 11 crimes de roubo”. Ora, nenhum destes factos é minimamente referido na decisão recorrida. Como sindicar tais factos?
Por outro lado, no tocante à personalidade do arguido também não vêm descritos factos, ainda que em síntese, que definam as características da sua personalidade, nomeadamente ao tempo da prática dos mesmos, que possibilitem o conhecimento da motivação da sua actuação delituosa.
Apenas vem referido que “Em 2004 iniciou o consumo de estupefacientes começando pela erva e depois pela cocaína e regressou a Lisboa deixando o seu trabalho em Coimbra; No estabelecimento prisional matem uma postura ajustada e não tem qualquer visita uma vez que não tem suporte familiar no nosso país; O arguido equaciona o seu regresso a Angola e o momento de privação da liberdade tem constituído um momento de paragem na prática aditiva e de alguma reflexão crítica sobre o seu percurso de vida mais recente”.
É certo que, na decisão recorrida, já na fundamentação de direito, se diz que “há a salientar a circunstância de o arguido ser de condição económica modesta, bem como o consumo de estupefacientes aparentemente motor da criminalidade por si praticada.
De ponderar é, igualmente, o facto de estarem em causa crimes de natureza similar (designadamente crimes contra o património), o que demonstra alguma propensão do arguido para a prática de criminalidade com uma componente patrimonial manifesta, embora ligada a uma vivência de consumo de estupefacientes”.
Só que tais considerações são manifestamente insuficientes, não constam da matéria de facto assente nem dela resultam, pelo menos tal como está plasmada na decisão recorrida.
Acresce que parte dessas considerações são demasiado vagas e imprecisas (v.g. o que demonstra alguma propensão do arguido para a prática de criminalidade com uma componente patrimonial manifesta) pois a maior parte dos crimes em causa é de roubo, onde assume manifesta relevância a componente da violência.
Do exposto resulta claro que a decisão recorrida não efectua uma ponderação em conjunto, interligada, quer da apreciação dos factos, nos termos necessários, de forma a poder avaliar-se globalmente da gravidade destes e da (in)existência de conexão entre eles, quer da personalidade neles manifestada, de forma a poder concluir-se de forma clara, sobre a sua motivação subjacente (se oriunda de tendência para delinquir ou de pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade).
As conclusões do acórdão recorrido não têm fundamentação de facto, dessa forma violando o estatuído artº 374º nº 2 do CPP.
Ora, a falta de factos ainda que concretizados de forma sucinta e sintética, para aquela demonstração, constitui falta de fundamentação e, impossibilita a valoração do ilícito global perpetrado, na ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido.
Como se diz no acórdão deste STJ de 10.02.2010, in Processo 1289.04.1PMTS.P1.S1, desta 3ª secção, “O acórdão recorrido, ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares, relativas aos mencionados crimes, não elucida, porque não descreve, o raciocínio dos julgadores que orientou e decidiu a determinação da medida da pena do cúmulo, ou seja, o acórdão recorrido é omisso quanto ao tal dever de especial fundamentação, imposto pelo critério legal, na fixação da pena conjunta.
A decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas não se pode reconduzir à invocação de fórmulas genéricas ou conclusivas sem apoio factual de significação concreta.
Tem, antes, de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação conjunta dos factos e da personalidade”.
Acresce que o acórdão recorrido também é totalmente omisso quanto às exigências de prevenção especial, pois não efectuou qualquer análise sobre os efeitos previsíveis da pena sobre o comportamento futuro do condenado.
Ora, como resulta do exposto, o julgador deve esclarecer e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que respeita à personalidade tendo em conta os factos considerados no seu conjunto.
Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, pois assume significado muito diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais.
Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente relativamente ao conjunto dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua duração no tempo e pela dependência de vida em relação àquela actividade.
Como se diz no Ac. STJ de 09-01-2008 in Proc. n.º 3177/07, desta 3ª Secção “Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado”.
A omissão desta avaliação constitui omissão pronúncia sobre questão que o tribunal tinha de apreciar e decidir, o que acarreta a nulidade da respectiva decisão - art. 379.º do CPP - Ac. deste Supremo, de 22-11-2006, Proc. n.º 3126/96 - 3.ª Secção
Como se refere no Ac. deste STJ de 10.02.2010, in Processo 1289.04.1PMTS.P1.S1, desta 3ª secção, que vimos seguindo de perto, … a omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas: as questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
E, em bom rigor, viola o disposto no artº 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, pois que este normativo contempla as garantias de processo criminal, que na óptica de um processo justo, “assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”, e a fundamentação aduzida na decisão recorrida, não habilita o condenado a poder defender-se cabalmente da decisão que o afecta na discussão da pena aplicada, por a mesma decisão não dar a conhecer as necessárias razões de facto e de direito, que justificaram, em exame crítico de ponderação conjunta dos factos e personalidade do agente, a conclusão pela pena concretamente aplicada”.
Tanto basta para que o recurso deva proceder, por omissão de fundamentação e de pronúncia nos termos do artº 379º nº 1 a) e c) do CPP.
DECISÃO:
Pelo que fica exposto, acorda-se em conferência, nesta 3ª Secção Criminal do STJ, declarar nulo o acórdão recorrido, quer por ter procedido a um cúmulo por arrastamento – o tribunal conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento (artigo 379º-1-c, do CPP e 77º e 78º-1 e 2, do CP - quer também por omissão de fundamentação e de pronúncia, nos termos do artigo 379º-1-a) – 1ª parte – e c), do CPP, sobre a ponderação conjunta dos factos e da personalidade do arguido, relevantes para a determinação da medida concreta da pena única, devendo, por isso, ser reformulado, tendo em conta o que se deixou exposto e o preceituado nos artigos 77º-1 e 2 e 78º-1 e 2, ambos do Código Penal.
Sem custas.
Lisboa, 07 de Abril de 2010
Fernando Fróis (Relator)
Henriques Gaspar