Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03P987
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS CARVALHO
Descritores: RECLAMAÇÃO
NULIDADE INSANÁVEL
Nº do Documento: SJ200305220009875
Data do Acordão: 05/22/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 6721/02
Data: 10/08/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Sumário : 1 - O art.º 688.º, n.º 5, do CPC, dispõe que, se em vez de reclamar do despacho que não admitiu o recurso, a parte impugnar por meio de recurso, mandar-se-ão seguir os termos próprios da reclamação.

2 - Assim, é muito claro face à lei que, no caso dos autos, tendo o arguido recorrido do despacho que não admitiu um recurso, o juiz devia ter processado esse incidente como reclamação para o Presidente da Relação de Lisboa, o qual decidiria se o primeiro recurso era ou não extemporâneo.

3 - Por isso, tendo o juiz da 1ª instância mandado seguir o novo recurso para a Relação, por erro de processamento, esta não devia ter tomado conhecimento do objecto do mesmo e deveria ter devolvido os autos à 1ª instância, onde se processaria a reclamação para o Presidente, a quem incumbia a competência para decidir.

4 - Como a Relação tomou conhecimento do objecto do recurso, sem que para tal tivesse competência em razão da matéria, verifica-se a nulidade insanável do acórdão aí proferido, prevista na al. e) do art.º 119.º do CPP.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Por acórdão de 8 de Outubro de 2002, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi negado provimento ao recurso movido por ICF e, consequentemente, foi integralmente mantido o despacho recorrido.
Tal despacho havia sido proferido pelo Mm.º Juiz da 2ª Vara Criminal de Lisboa e nele se concluíra que não estava provado o justo impedimento invocado pelo Il. Advogado do arguido, pelo que também não se admitira, por extemporâneo, o recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa do acórdão que condenara o arguido a 14 anos de prisão, pelo crime de homicídio simples.

2. De tal Acórdão da Relação de Lisboa recorreu o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça.
Num primeiro momento, o Senhor Desembargador relator não admitiu o recurso, pois "o acórdão de fls. 659 a 661 não é susceptível de recurso, face ao preceituado no art.º 432.º, al. b) e art.º 400.º, n.º 1, al. f)" (do CPP).
Contudo, tendo o arguido reclamado desse despacho para o Excelentíssimo Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, veio tal reclamação a ser atendida, com fundamentos de que "no caso dos autos, a pena abstractamente aplicável ao crime pelo qual o arguido foi condenado na 1ª instância - homicídio simples, p. e p. pelo art.º 131º do CP - é superior a oito anos, pelo que não é de invocar, como fez o despacho reclamado, a alínea f) do art.º 400º do CPP".
O recurso foi, pois, admitido e subiu a este Tribunal.
A Excm.ª Procuradora-Geral Adjunta no Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se no sentido de que não é admissível recorrer de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não ponham termo à causa (art.º 400.º, al. c), do CPP), pois para o Supremo Tribunal de Justiça só se recorre das decisões das relações proferidas em primeira instância, dos acórdãos finais previstos no art.º 432.º, als. c) e d) e das decisões que não sejam irrecorríveis. Do despacho proferido na 1ª instância só cabe recurso para o Tribunal da Relação, o qual já proferiu Acórdão. Por outro lado, a douta decisão proferida na reclamação, ordenando a admissão do recurso no Tribunal da Relação, não vincula o Tribunal de recurso, nos termos do art.º 405.º, n.º 4 do CPP. Assim, é de parecer que o recurso ora interposto deverá ser rejeitado, por inadmissível.
O recorrente pronunciou-se no sentido de que a decisão de que se recorre põe termo à causa, já que se trata de decisão final proferida em recurso pela Relação, pelo que deve ser admitido o recurso.

3. Colhidos os vistos, foi realizada a conferência com o formalismo legal.

Cumpre decidir.

Recorre o arguido do acórdão do Tribunal da Relação que, negando provimento a um recurso por ele interposto, confirmou o despacho proferido na 1ª instância, em que o Mm.º Juiz da Vara Criminal considerou que não estava provado o justo impedimento do Il. Advogado e, consequentemente, verificou que era extemporâneo o recurso interposto do acórdão condenatório e não o recebeu.

A única questão que parecia que se iria colocar, neste momento, era a de saber se cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

Contudo, configura-se uma nulidade processual do acórdão recorrido, que obsta ao conhecimento do objecto do recurso.

Na verdade, o acórdão da Relação de Lisboa teve por finalidade a apreciação de um despacho do Juiz da 1ª instância que não recebeu um recurso, com o fundamento de que era extemporâneo (já que não se verificava o justo impedimento invocado pelo Il. Advogado do recorrente).

Ora, segundo o art.º 405.º, n.º 1, do CPP, do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige.

Mas, se o recorrente, em vez de reclamar do despacho que não admitiu o recurso, interpõe novo recurso, como sucedeu neste processo, qual deve ser a sequência processual?

O CPP é omisso a esse respeito e, por isso, teremos de nos socorrer do CPC, aqui aplicável "ex vi" do art.º 4.º do CPP.

O art.º 688.º, n.º 5, do CPC, dispõe que, se em vez de reclamar do despacho que não admitiu o recurso, a parte impugnar por meio de recurso, mandar-se-ão seguir os termos próprios da reclamação.

Assim, é muito claro face à lei que, no caso dos autos, tendo o arguido recorrido do despacho que não admitiu um recurso, o juiz devia ter processado esse incidente como reclamação para o Presidente da Relação de Lisboa, o qual decidiria se o primeiro recurso era ou não extemporâneo.

Por isso, tendo o juiz da 1ª instância mandado seguir o novo recurso para a Relação, por erro de processamento, esta não devia ter tomado conhecimento do objecto do mesmo e deveria ter devolvido os autos à 1ª instância, onde se processaria a reclamação para o Presidente, a quem incumbia a competência para decidir.

Como a Relação tomou conhecimento do objecto do recurso, sem que para tal tivesse competência em razão da matéria, verifica-se a nulidade insanável do acórdão aí proferido, prevista na al. e) do art.º 119.º do CPP.

Pelo que há que anular o acórdão ora recorrido e não tomar conhecimento do recurso.


4. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em anular o acórdão recorrido, não tomar conhecimento do objecto do recurso e em enviar os autos para a primeira instância, onde deverá ser processada a reclamação para o Presidente da Relação de Lisboa.
Dê conhecimento ao tribunal recorrido.
Não há lugar a tributação.
Notifique.

Supremo Tribunal de Justiça, 22 de Maio de 2003
Santos Carvalho
Rodrigues da Costa
Abranches Martins