Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A4386
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: SJ20070116043861
Data do Acordão: 01/16/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário : 1) A declaração negocial tácita deve ser avaliada segundo um critério prático, buscando “facta concludentia” inequívocos para apurar um significado negocial, com aquele grau de probabilidade bastante para tomada de decisões pelo homem comum.
2) A ausência de reacção do receptor perante uma proposta negocial não equivale, sem mais, a aceitação ou concordância.
3) A comparência do promitente comprador ao acto de outorga da escritura do contrato prometido, na qual se declaram quais as áreas dos prédios a alienar, e a assinatura do titulo sem qualquer reserva ou ressalva, tem como significado a aceitação do contrato como foi firmado.
4) A interpretação da declaração negocial tem em vista apurar o sentido objectivo que o declaratário normal depreenderia se colocado na posição do declaratário real.
5) Sendo a compra e venda “ad corpum” – por contraposição à venda “ad mensuram” – o preço é determinado em função da totalidade da coisa vendida e não da sua dimensão exacta ainda que no contrato seja feita essa referencia. Nestes casos pode é ocorrer erro sobre a qualidade do objecto do negócio.
6) O enriquecimento sem causa tem como requisito positivo a obtenção de uma vantagem, em regra de natureza patrimonial e a correspondente perda suportada por outrem.
7) Tem carácter subsidiário no sentido de ser um meio residual e de inexistir acção alternativa para ressarcimento do dano, devendo ser apurado que outras normas eventualmente aplicáveis ao litígio não garantem a tutela da situação em concreto.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA intentou, na 10ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, acção com processo ordinário contra “BB – Empresa Financeira de Gestão e Desenvolvimento SA” pedindo a sua condenação a pagar-lhe 709.000.000$00 por danos causados e, subsidiariamente, no pagamento de 35.271.755$00, a titulo de enriquecimento sem causa, com juros vencidos e vincendos, à taxa de 15%, desde 31 de Janeiro de 1990.

Alegou nuclearmente ter celebrado com a Ré um contrato de compra e venda de dois prédios rústicos situado no sítio dos ..., da freguesia de ...., no Município de ..... tendo pago a totalidade do preço acordado; que a Ré lhe prometera vender 50.243 m2 mas apenas adquiriu 14.794m2 o que lhe causou um prejuízo correspondente ao valor construtivo do terreno.

Contestou a Ré dizendo, em síntese, que o Autor tinha conhecimento das áreas que a Ré se vinculou vender e assim se fez a escritura.

Na 1ª Instância a acção foi julgada improcedente, a Ré absolvida do pedido.

A Relação de Lisboa confirmou o julgado.

Pede, agora, o Autor, revista.

Assim conclui a sua alegação:

1- A Relação de Lisboa considerou que o Autor e Recorrente acordou na modificação do contrato promessa de compra e venda de imóveis objecto dos autos, aceitando a celebração do contrato prometido apesar de um dos imóveis que prometeu comprar ter a área de 11.230m2 e não 47.479m2 como consta da promessa,


E para tanto considerou:

2- Que o recorrente sabia à data da celebração da promessa que esse imóvel tinha 11.230m2 e não 47.479m2;
3- Que convinha ao recorrente que o imóvel tivesse a maior área possível, para poder ter um maior índice de construção;
4- Que o recorrente não fez qualquer reserva quanto à celebração do contrato prometido, apesar de já conhecer a diferença de áreas supra referida.

Assim decidindo,

5- O Acórdão recorrido errou na aplicação do direito aos factos, pois ambos impunham uma decisão o provimento da apelação do recorrente e a condenação da recorrida;
6- Ao invés do que se afirma na página 33 do Acórdão recorrido, não se provou (nº 43 dos factos provados) que o recorrente sabia, à data da promessa – 18/05/1999 – que um dos imóveis em causa tinha a área de 11.230m2 e não de 47.479m2 como consta da promessa, mas sim que a recorrida sabia que era esta a área constante do registo predial.

Pelo contrário,

7- Provou-se (nº 52 dos factos provados) que só quatro anos depois, mediante o fax da recorrida de 02/03/1994 o recorrente teve conhecimento que a área do imóvel em causa era apenas de 11.230m2;
8- O nº53 dos factos provados, de que a Relação de Lisboa também se socorre, e nada releva para o efeito, porque só significa que o recorrente sabia que as áreas eram menores, mas não o quanto eram menores, designadamente cerca de menos 75% de área;
9- E menos ainda releva o nº54 dos factos provados, também invocado pelo Acórdão recorrido, que só se reporta ao processo de erosão costeira a que os imóveis estão sujeitos, sendo certo que nada nos autos permitia ao Acórdão recorrido o salto lógico de concluir que fora essa a causa de desaparecimento de nada menos do que cerca de 40.000m2. E tanto assim é, que em lugar algum da matéria de facto se estabeleceu qualquer relação causal entre a diferença de áreas e o processo de erosão;
10- A decisão recorrida também não pode fundar-se na prova de que o recorrente tinha interesse em que o imóvel em causa se apresentasse com a maior área possível.
11- Pois concluir apenas e só desta matéria que o recorrente acordou na alteração da promessa é, com o devido respeito, um novo salto lógico, puramente especulativo e portanto, insuficiente para se concluir pelo acordo do recorrente na alteração das áreas prometidas vender.
12- A decisão recorrida também não pode fundar-se na argumentação de que o recorrente nunca fez qualquer reserva quando aceitou celebrar o contrato prometido.
13- É que o artigo 763º nº2 do CC permite ao credor exigir apenas uma parte da prestação e a nossa melhor doutrina, como a supra citada, esclarece que tal não equivale a prescindir do remanescente.
14- E na verdade, provou-se que o recorrente formulou essa ressalva ou reserva por diversas vezes, expressamente, por escritos dirigidos à recorrida, tendo-a mesmo esclarecida que só aceitava celebrar o contrato definitivo para minimizar os danos que o incumprimento da promessa lhe estava a causar – cf. nºs 22, 23, 25, 26 e 32 dos factos provados.
15- Não o fez especificamente na escritura pública do contrato prometido, mas nada na lei, na jurisprudência ou na doutrina lhe impunha que só o pudesse fazer nessa sede.

Por todo o exposto,

16- Carece de todo e qualquer suporte factual ou jurídico a conclusão, expressa a págs. 34 do Acórdão recorrido, de que o recorrente aceitou a alteração do contrato promessa, traduzida na diminuição da área de um dos imóveis de 11.230m2 para 47.479m2 e não formulou qualquer reserva quanto à celebração do contrato prometido.

Os factos espelham insofismavelmente o inverso.
Cumpre extrair as devidas consequências jurídicas:

17- A recorrida obrigou-se mediante a promessa a vender ao recorrente, entre outros, um imóvel com área de 47.479m2 e porque esse imóvel tinha na verdade apenas 11.230m2, a recorrida incumpriu parcialmente o contrato promessa.

18- Esse incumprimento radica, não na violação da obrigação de emissão da declaração negocial de venda, mas sim na preterição de um outro elemento do contrato promessa: a dimensão de um dos terrenos prometidos vender.
19- É que, como a jurisprudência e a doutrina pacificamente reconhecem, a celebração do contrato definitivo não prejudica a efectiva existência de um incumprimento parcial do contrato promessa e do consequente dever de indemnização.
20- E esse incumprimento da recorrida é culposo – aliás, desde logo assim se presume á luz do artigo 799º nº1 do CC.
21- É que a recorrida sabia e tinha a absoluta obrigação de saber que a área dos imóveis era muito inferior àquela que prometeu vender ao recorrente – quer porque se provou sob o nº 43 do respectivo elenco que, à data da celebração da promessa, a mesma sabia que a área do imóvel em causa, constante da respectiva descrição predial, era de apenas 11.230m2, quer porque a rectificação e redução da área do imóvel em causa foi averbada à respectiva descrição em 30/07/1987, isto é, cerca de dois anos antes da celebração do contrato promessa – cf. nº 36 dos factos provados.
Assim,
22- O recorrido tem direito a ser indemnizado pela recorrida dos prejuízos gerados pelo incumprimento desta, de acordo com o regime geral da obrigação de indemnização previsto nos artigos 562º e seguintes do CC, por apelo ao teor conjugado dos artigos 798º, 799º, 487º, 562º, 563º, 564º nº1, 566º (porque a reconstituição em espécie é, neste caso evidentemente impossível, a indemnização é a única reparação possível.
23- O nº2 do artigo 566º do CC impõe uma medida da indemnização a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
24- Atendendo à matéria provada sob os nºs 57, 58, 59 e 60 dos factos provados, e sendo certo que o Regulamento do Plano Director Municipal de ..... inclui os terrenos subjudice no denominado espaço urbanizável de expansão, com um índice de construção máximo de 0,50 – cf. artigos 30º e 32º do Regulamento do PDM de ....., ratificado pela resolução do Conselho de Ministros nº 81/95, publicado no DR, I-B, nº195/95, de 24 de Agosto,

25- A definição objectiva do prejuízo do recorrente resulta da aplicação do valor de mercado do m2 de terrenos com as características dos prometidos vender, à data da propositura da presente causa (em 28/04/1999), a metade (0,50) do nº de m2 que os imóveis em causa, ao arrepio do que foi declarado no contrato promessa, efectivamente não tinham.
26- Como a recorrente não logrou provar que nessa data o referido valor de mercado era de 40.000$00 por m2, resta-lhe requerer a condenação da recorrida, deverá ser condenado no pagamento ao recorrente de uma indemnização a liquidar em execução de sentença, nos termos previstos pelo nº2 do artigo 661º do CPC, sempre tendo por base o critério de determinação descrito, em plena sintonia com o supra descrito teor do artigo 566º do CC.
Por ultimo,
Subsidiariamente e sem conceder,

27- Sempre o recorrente teria direito, ao menos, a uma indemnização por enriquecimento sem causa, pois, como resulta da matéria provada sob os nºs 36, 43, 52 e 57 a 60 dos factos, a área dos terrenos era determinante para o recorrente, a recorrida sabia e não podia ignorar, à data da promessa, que a área declarada era muito inferior à real, mas o recorrente ignorava, nessa data, essa discrepância.
28- É pois, manifesto que a área dos imóveis declarada na promessa foi relevante, senão mesmo determinante, na fixação do preço da venda, pois careceria de toda a lógica e plausibilidade – sobretudo à luz das regras da experiência comum – conceber que para o recorrente pudesse ser indiferente pagar 50.000.000$00 por 50.243m2, como acreditava no momento da celebração da promessa, ou, posteriormente veio a apurar, por uns singelos 12.418m2.
29- E assim, tendo a recorrida recebido a totalidade deste preço, mas tendo, afinal, vendido ao recorrente menos cerca de 75% da área de terreno que este acreditava ir comprar, necessário se torna concluir que a recorrida beneficiou de um enriquecimento injustificado, proporcional à área de terreno que não existe.
30- Estimados do seguinte modo: da relação entre os 50.243m2 da área global prometida vender e os 50.000.000$00 do preço estipulado, resulta que o preço por m2 fixado no contrato promessa foi de cerca de 995$00; o qual, multiplicado pelos 12.418m2 da área efectivamente vendida, resulta no preço de 12.355.910$00; e a diferença dos 50.000.000$00 do preço para este valor é de 37.644.090$00 (€187.767,93), que são, assim, a medida do enriquecimento ilegítimo da recorrida e pelos quais, nos termos dos artigos 473º e 479º do CC, o recorrente tem o direito a ser indemnizado.
Sendo certo que,

31- Para além do regime geral da obrigação de indemnização já supra invocado, nenhuma outra disposição ou regime legal permite ao recorrente reclamar o ressarcimento dos prejuízos que esse incumprimento lhe gerou.

Como infra se demonstrará,

32- Assim sucede com os regimes do artigo 442º do CC, da impossibilidade da prestação, do erro sobre o objecto do negócio, da venda de coisa defeituosa ou sujeita a contagem, pesagem ou medição, ou da impossibilidade objectiva e originária da prestação, que ou não se destinam a reparar os prejuízos decorrentes do incumprimento, ou não têm qualquer aplicação ao caso em apreço.
33- Nem o artigo 475º do CC obsta ao direito à indemnização por enriquecimento sem causa, pois, como se vem referindo, foi provado que o recorrente apenas teve conhecimento da discrepância das áreas muito depois da celebração da promessa e do pagamento do preço.

Em suma:

34- Em virtude do supra descrito, ao negar provimento à apelação do recorrente com os fundamentos invocados, o Acórdão recorrido errou, assim os violando, na aplicação e na interpretação dos artigos 236º, 798º, 799º, 487º, 562º, 563º, 564º nº1, 566º do CC, e bem assim, quanto ao pedido subsidiário do enriquecimento sem causa, dos artigos 473º e 479º também do CC.
O regime legal adequado ao caso em apreço:
O regime legal supra exposto é o adequado à matéria em crise. Mas tendo-se a primeira instância sustentado em regimes diversos, embora a decisão recorrida não os ter sufragado, por cautela de patrocínio e até para justificar a subsidiariedade exigível pelo enriquecimento sem causa supra peticionado, expõem-se seguidamente as razoes pelas quais os mesmos não podem ser aplicados ao caso em apreço.

Assim,

35- O caso em apreço não pode ser subsumível ao regime da venda de coisas sujeitas a contagem, peso ou medição, previsto nos artigos 887º e 888º do CC, pois a ratio, a mecânica e mesmo as consequências deste regime pressupõem estar-se em presença do próprio contrato definitivo de compra e venda. E não de uma simples promessa, como no caso em apreço, atenta a diferença que separa as prestações que constituem o objecto de cada um deles, pois esta não versa a transmissão da propriedade dos imóveis em causa, mas apenas e só a constituição da obrigação de o vir a fazer – como pacificamente vêm entendendo a jurisprudência e a doutrina.
36- Aliás, é o próprio nº1 do artigo 410º do CC que ressalva ao denominado princípio da equiparação as normas aplicáveis ao contrato prometido que, pela sua razão de ser, não se lhe devam considerar extensivas.
37- O mesmo se diga quanto ao regime da venda de coisas defeituosas, em virtude do que supra se expôs quanto à venda de coisas sujeitas a contagem, peso ou medição.
38- Mas mesmo que o presente caso respeitasse a um contrato definitivo, em substancia, nunca a venda de coisas defeituosas poderia ser-lhe aplicável, pois de acordo com o artigo 913º do CC, este regime reporta-se aos casos de vícios ou falta de qualidades da coisa vendida e não, como no presente caso, à falta de quantidade.
Acresce que,

39- Mesmo que se aplicasse o regime da venda de coisas sujeitas a contagem, peso ou medição – como a diferença entre a área vendida e a prometida vender é muito superior a um vigésimo, sempre o nº2 do artigo 888º do CC concederia ao recorrente o direito à redução proporcional do preço que pagou na íntegra – em termos idênticos aos supra aplicados para o enriquecimento sem causa.
Mas mais:

40- Como pacificamente vem entendendo a jurisprudência e a doutrina, esta redução é independente e não abarca a indemnização dos prejuízos sofridos pelo recorrente, que só pode ser apurada, nos termos supra descritos, por apelo ao regime geral da obrigação de indemnização por incumprimento contratual – a redução da prestação é uma coisa, o ressarcimento dos prejuízos causados pelo incumprimento parcial é outra.


41- Por último, também o regime do erro não pode ser aplicado ao caso vertente, como lucidamente esclarece a nossa doutrina.

Pede, pois, que:

- A ré e recorrida seja condenada no pagamento, ao autor e recorrente, de uma indemnização por incumprimento parcial do contrato, em montante a liquidar em execução de sentença, computada pela aplicação do valor de mercado do m2, 28/04/1999, de terrenos com as características dos sub judice, a metade do número de m2 de terreno que não foram vendidos de 37.825m2.

Ou subsidiariamente, mas sem conceder:

- Ser a ré e recorrida condenada no pagamento, ao autor e recorrente, de uma indemnização a titulo de enriquecimento sem causa, no montante de € 187.767,93.

E sempre, em qualquer destes três casos:

- Ser a ré e recorrida condenada no pagamento ao autor e recorrente, no respectivo montante de juros vencidos e vincendos, contados à taxa legal, desde 29/04/1999 (a partir da interposição da presente acção) até integral e efectivo pagamento.

Contra alegou a ré em defesa do Acórdão em crise e pedindo a condenação do Autor em multa e indemnização por litigar de má fé.

As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto:

1- Autora e Ré subscreveram o escrito datado de 18 de Maio de 1989, intitulado “contrato promessa de compra e venda”, e de que existe cópia a fls. 23-26, nos termos de cujas cláusulas 2ª e 3ª a ré prometeu vender ao A. (ou a quem ele indicasse), que prometeu comprar, o prédio rústico denominado “Forte Novo”, localizado no sitio dos ....., freguesia da ....., concelho de ....., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob os artigos 3698 e 3699, com áreas de 1.188m2 e de 47.479m2, respectivamente, descrito na CRP de ..... sob o nº 17057, a fls. 188 vº. do livro B-43, bem como 1576 m2 do terreno denominado “Portão”, igualmente localizado no sitio dos ....., freguesia da ......, concelho de ....., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob nº 3438, descrito na CRP de ..... sob o nº 33175, fls. 141 vº. do livro B-84, correspondente à área não abarcada pelo Alvará de Loteamento nº 11/89, emitido em 5 de Maio de 1989, pela Câmara Municipal de .....;

2- Nos termos da cláusula 4ª foi acordado o preço de Esc. 50.000.000$00, pago pela seguinte forma:
a) Esc. 12.500.000$00, no acto de assinatura do presente contrato, quantia esta de que o BB da quitação em documento anexo;
b) Esc. 36.500.000$00, data de 31 de Dezembro de 1989;
c) Os restantes Esc. 1.000.000$00, data da celebração da escritura pública de compra e venda a qual deverá ter lugar até 31 de Janeiro de 1990;

3- Dispõe a cláusula 5ª que a quantia a que se refere a alínea a) da cláusula anterior, além de princípio de pagamento por conta do preço ajustado, tem a natureza de sinal;
4- Consta da cláusula 6ª que ao celebrar o presente contrato, o promitente comprador é plenamente conhecedor de todas as limitações existentes quanto às possibilidades de utilização dos terrenos aqui prometidos vender e comprar, conhecendo igualmente as particulares circunstâncias em que se encontram em matéria de erosão costeira;
5- O preço acordado foi integralmente pago à ré nos termos das alíneas a), b) e c), da cláusula 4ª do contrato;
6- O número de registo na CRP de ....., referente ao prédio rústico denominado “Forte Novo” e indicado na cláusula 1ª, é resultado de um lapso de escrita, devendo ler-se 17.058, ao invés de 17.057;
7- A ré enviou à A., que recebeu, a carta datada de 11/05/90, e de que existe cópia a fls. 34 e 213, do seguinte teor: “Em Maio de 1989 foi adquirido pelo Sr. AA à BB, a propriedade denominada “Forte Novo” e 1576 m2 do terreno denominado “Portão”. Os 1576 m2 do “Portão” correspondem ao terreno que não foi integrado no Plano Nascente de Quarteira. Porém, aquando da preparação dos elementos para a realização da escritura pública de venda, constatámos que na realidade a área remanescente não é 1576m2 mas efectivamente de 2376m2, em virtude de erro expresso na planta do alvará. Assim, considerando o acima exposto, admitidos que haja da parte do Sr. AA algum interesse na sua posse,
pelo que lhe manifestamos a nossa disponibilidade para encetarmos conversações sobre a matéria.”;
8- A Ré enviou à A., que recebeu, a carta de que existe cópia a fls. 214, datada de 9/8/90, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
9- A Ré enviou à A, que recebeu, a carta de que existe cópia a fls. 178, datada de 16/06/92, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
10- O Autor aceitou a alteração do objecto contratual;
11- A Ré enviou ao A, que recebeu, a carta datada de 16/4/93, de que existe cópia a fls. 35-6, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
12- O A. enviou à R., que recebeu, a carta datada de 19/4/93, de que existe cópia a fls. 37, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
13- A R. enviou à 2ª Repartição de Finanças do Concelho de ....., que recebeu, a carta de que existe cópia a fls. 198-9, datada de 19/10/93, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
14- O A. enviou à R, que recebeu, a carta datada de 11/1/94, de que existe cópia a fls. 40, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15- A Ré enviou ao Autor um fax de que existe cópia a fls. 41, datado de 2/3/94, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
16- O Autor enviou à Ré, que recebeu, a carta datada de 3/3/94, de que existe cópia a fls. 42, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
17- A Ré dirigiu ao Director Geral da Marinha, a carta datada de 8/11/94, de que existe cópia a fls. 177, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
18- A Ré enviou à A, que recebeu, a carta de que existe cópia a fls. 179, datada de 5/6/95, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
19- A Ré enviou à A, que recebeu, a carta de que existe cópia a fls. 180, datada de 21/6/95, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
20- Da acta nº 5, existe cópia a fls. 181-2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
21- A R. enviou à A., que recebeu, a carta de que existe cópia a fls.183, datada de 28/6/95, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
22- O A., através de seu mandatário, enviou à R., que recebeu, a carta datada de 20/3/96, de que existe cópia a fls. 44-5, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
23- O A., através de seu mandatário, enviou à R., que recebeu, a carta datada de 10/04/96, de que existe cópia a fls.47-8, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
24- A R. enviou ao mandatário do A., que recebeu, a carta datada de 16/4/96, de que existe cópia a fls. 50-1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
25- O mandatário do A. enviou à R., que recebeu, o fax datado de 22/4/96, de que existe cópia a fls. 54-5, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
26- O A. enviou à R., que recebeu, a carta datada de 26/4/96, de que existe cópia a fls. 52, sob a epigrafe “Notificação para celebração de escritura”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
27- A R. enviou ao A., que recebeu, o fax datado de 14/5/96, de que existe cópia a fls. 56, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
28- O A. enviou à R., que recebeu, o fax datado de 14/5/96, de que existe cópia a fls. 57, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
29- A R. enviou ao A., que recebeu, a carta datada de 11/6/96, de que existe cópia a fls. 59, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
30- Em 27 de Junho de 1996, no 12º Cartório Notarial de Lisboa, através de escritura pública de que existe cópia a fls. 61 e ss, a R. declarou vender ao A., que declarou comprar, pelo preço global de 50.000.000$00, os imóveis descritos;
31- No referido instrumento, a R. declarou ter recebido o já referido preço global;
32- A A., através de seu mandatário, enviou à R., que recebeu, a carta datada de 1/4/97, de que existe cópia a fls. 65-6, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
33- A R. enviou à A., que recebeu, a carta de que existe cópia a fls. 215, datada de 17/4/97, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
34- Na Câmara Municipal, o imóvel “Forte Novo” fazia parte do “Plano de Urbanização da Zona Nascente da Quarteira”, junto a fls. 200 e ss, pertencente então à Empresa Imobiliária da FN, Lda., e à data do inicio desse plano urbanístico, o imóvel “Forte Novo”, no tocante à matriz nº 3699, tinha averbada a área de 47479 hectares;
35- Aquela área e as confrontações foram alteradas em 1987 pela Repartição de Finanças e a matriz 3699 passou apenas a ter a área de 1.120 hectares;
36- Do averbamento à descrição do prédio do “Forte Novo”, com o nº de registo 17058, apresentado em 30/7/87, consta que a área das duas parcelas de terreno, inscrições na matriz sob os nºs 3698 e 3699, têm, no seu conjunto a área de 11.302 m2;
37- Com base nessa alteração à matriz fiscal da área do imóvel, a então proprietária requereu em 30/7/87, o averbamento da descrição predial desta alteração, de modo que, apesar do imóvel não abranger na descrição predial mais do que 11.302 m2, passava naquele plano urbanístico em curso à data do contrato promessa, por ter 48.667 m2;
38- O A. solicitou em 10/4/91 certidão de teor das descrições em vigor relativamente ao prédio nº 17058, dela constando que a área do mesmo era de 11.302 m2;
39- Em 2/12/91, a R. requereu à Repartição de Finanças que da matriz do artigo 3699 “Forte Novo” voltasse a constar a área de 4.7479 hectares, o que foi deferido;
40- E por isso, com essa reposição da antiga área matricial – igual à constante do contrato promessa para esse artigo matricial –, a R. requereu a rectificação da descrição predial do imóvel, em 18/6/91, em 9/3/92 e em 12/7/93 mas, tais pedidos foram recusados, nos termos e pelas razões constantes dos documentos de fls. 194 a 196;
41- Da inscrição predial do prédio denominado Cavacos – artigo 3698 – à data de 28/1/92 constava a área de 0,1188 hectares;
42- Da inscrição predial do prédio denominado Cavacos – artigo 3699 – à data de 28/1/92 constava a área de 4.7479 hectares;
43- À data de celebração do contrato promessa referido no artigo 1º e ss dos factos assentes, a R. sabia que a área do imóvel constante na descrição predial nºs 3698 e 3699 era de 11.302m2 e não de 48.667m2;
44- Os terrenos prometidos vender, apesar de descritos como rústicos, tinham aptidão construtiva;
45- A R. enviou à A., que recebeu, a carta de que existe cópia a fls. 184, datada de 5/6/97, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
46- A R. enviou à A., que recebeu, a carta de que existe cópia a fls. 185, datada de 30/6/97, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
47- A R. enviou à A., que recebeu, a carta de que existe cópia a fls. 187, datada de 28/8/97, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
48- Da acta nº6, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, existe cópia a fls. 188 e ss;
49- A fls. 190-1, consta um escrito intitulado “Auto de delimitação”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
50- Desde a assinatura do contrato decorreram vários contactos entre o A. e os representantes da R., mormente o Eng.º.AC, com vista à celebração da escritura;
51- Os contactos do A. com a R. até finais de 1989, foram efectuados através do funcionário desta Eng.º Miguel Paupério, que foi quem negociou com ele o contrato promessa, e a partir de finais de 1989, os contactos do A. com a R. foram-no principalmente através do Eng.ºAC;
52- Foi através do fax datado de 2/3/94 e de que existe cópia a fls. 41, referido no artigo 15º que o A. tomou conhecimento de que a área que seria vendida em duas parcelas do terreno da propriedade “Forte Novo” era de 1.188 m2 e de 11.230 m2;
53- À data da celebração do contrato promessa referido nos artigos 1º e seguintes, o A. conhecia a realidade físico-geográfica dos imóveis prometidos vender, designadamente que as áreas físicas do imóvel designado por Forte Novo eram menores que as que constavam do contrato promessa;
54- O A. tinha conhecimento que no local onde se situavam os imóveis prometidos vender a orla costeira se encontrava em processo de erosão contínua;
55- O imóvel Forte Novo era objecto de um processo de delimitação com o domínio público marítimo, desde 1964;
56- A R. informou o A., pelo menos em Junho de 1995, da existência do processo de delimitação com o domínio público marítimo;
57- O A. tinha terrenos adjacentes àqueles imóveis e pretendia urbanizá-los com a máxima construção possível;
58- Era intenção do A., ao celebrar o contrato promessa com a R., ampliar a área unitária e contigua dos imóveis sob o seu domínio;
59- Pois dessa forma, aditando mais área aos imóveis já seus, o A. poderia obter maiores índices de construção, já que mesmo que nas novas aquisições pouco ou nada construísse, estas novas áreas serviriam de envolvimento urbano e espacial, para a maior construção nos seus imóveis originais;
60- Para viabilizar este objectivo, o A. queria apresentar-se perante a Câmara Municipal como possuindo o máximo possível de área;
61- Pelo menos desde 19/4/93, o A. manifestou à R. que esta lhe poderia causar prejuízos, primeiro com o atraso de celebração de escritura, e depois com a alegada diferença das áreas dos imóveis;
62- A Ré comunicou ao Autor que não aceitaria qualquer pretensão indemnizatória, como consta da carta datada de 17/4/97, de que existe cópia a fls. 215 e a que se reporta o facto 33.


Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,

1- Incumprimento.
2- Enriquecimento sem causa.
3- Conclusões.


1- Incumprimento.

1.1- Da análise das conclusões da alegação do recorrente – com a consequente delimitação do objecto do recurso, “ex vi” do disposto no artigo 684º do CPC – e ponderando a causa de pedir da acção – intocada “ab initio”, de acordo com os artigos 272º e 273º daquele diploma – resulta serem duas as questões suscitadas: se houve incumprimento do contrato promessa de compra e venda e, subsidiariamente, se existe obrigação de restituir por enriquecimento.
Fundamenta o incumprimento no facto de terem sido prometidas vender parcelas de terreno com determinadas áreas, quando, efectivamente, foram vendidas áreas muito inferiores.
Da matéria de facto elencada resulta que do contrato promessa firmado em 18 de Maio de 1989 constavam dois prédios rústicos, sendo o primeiro denominado de “Forte Novo”, inscrito na matriz predial sob dois artigos e com as áreas de 1188m2 e 47479m2 e o segundo, denominado “Portão” tendo na inscrição matricial inscrita uma área de 1576m2.
De acordo com a descrição predial – que corresponde à realidade física dos prédios – a área do “Forte Novo” é de 1188m2 e de 11320m2, sendo a do “Portão” de 2376m2.
Estas novas áreas foram comunicadas pela recorrida ao recorrente em 2 de Março de 1994 (nº 15º) tendo este, em 3 de Março manifestado a disponibilidade para outorgar a escritura continuando “as negociações em curso” (nº16), sendo certo que prosseguiam diligencias para delimitação do “Forte Novo” com o domínio publico marítimo.
No dia 20 de Março de 1996, o Autor enviou à Ré carta em que aceita “celebrar a escritura de venda, relativa aos 14792m2 e receber, a título de indemnização global pelos prejuízos sofridos, trezentos e cinquenta milhões de escudos (nº 22).
A ré não respondeu, tendo o autor insistido por resposta no dia 10 de Abril.
Então, em 16 de Abril, a ré diz considerar “manifestamente abusivo o pedido de indemnização” referindo ser “alheia à eventual diminuição da área” que “se deve a erosão costeira”, disponibilizando-se para celebrar a escritura. (nº24)
Em resposta (nº25) o Autor propõe-se celebrar imediatamente a escritura e proceder a negociações para “por comum acordo, apurar a indemnização devida” recorrendo, eventualmente, a árbitros ou ao tribunal.
Não resultou provado que a ré tivesse respondido a esta carta de 22 de Abril, sendo que o Autor – em 26 de Abril – a convoca para celebração da escritura que, após adiamento acordado (nºs 27, 28 e 29) foi outorgada no dia 27 de Junho de 1996, em Lisboa.
Aí, e sem qualquer declaração, reserva ou ressalva da Autora e referindo expressamente as áreas reduzidas (“e que este prédio, segundo a matriz, tem a área total de 12418m2 e, na referida CRP tem a área de 11302m2, pelo que, nos termos do artigo 58º do Código do Notariado, seu nº3, os outorgantes declaram fixar, como área correcta, a constante da inscrição matricial.”), outorgaram o contrato prometido pelo mesmo preço global ao qual foi dada quitação (nº30).
Resulta, ainda, dos autos que aquando da celebração do contrato promessa, o autor “conhecia a realidade físico-geográfica dos imóveis prometidos vender, designadamente as áreas físicas do imóvel designado por Forte Novo eram menores que os que constavam do contrato promessa” (nº53) e que “no local onde se situavam os imóveis prometidos vender a orla costeira se encontrava em processo de erosão contínua” (nº 54).
O principio da aquisição processual (artigo 515 do CPC) sempre, aliás, permitiria concluir que o Autor conhecia, antes de firmar o contrato promessa, a área do prédio Forte Novo pois logo com a petição inicial juntou, como documento nº5, certidão predial desse imóvel (descrito sob o nº 17058, fls. 188/v – Livro B-43 da CRP de .....) onde se refere que “o prédio supra nº 17058 tem a área de 11302m2” (fls.31)
Este documento foi pedido pelo Autor à CRP em 10 de Abril de 1989 (fl.30), sendo que, como acima ficou assente, o contrato promessa foi assinado no dia 18 de Maio seguinte.

1.2- Perante este quadro factico é evidente não ter havido incumprimento do contrato promessa.
O contrato prometido foi outorgado nos precisos termos aceites pelos promitentes não resultando ter havido falta culposa ao cumprimento da obrigação assumida.
A alteração das áreas foi acordada e, expressamente, aceite na escritura, sem que o recorrente tivesse declarado qualquer reserva.
É certo que antes da outorga – e até da marcação da escritura – o autor tinha exposto à ré as suas dúvidas sobre a existência e ressarcibilidade de eventuais danos decorrentes da diminuição da área a vender, referindo o ulterior recurso a tribunal ou juízo arbitral.
Só que perante esta carta, a ré nada disse, não podendo esse silencio ser entendido como aceitação tácita.

1.2.1- A declaração negocial tácita deve deduzir-se de factos que “com toda a probabilidade a revelem” (artigo 217º nº 1 do CC).
O Prof. Mota Pinto ensinava que deste preceito resulta que “a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido de auto regulamento tacitamente expresso, seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade” (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., 425).
A univocidade dos “facta concludentia” deve ser aferida por um critério prático que não de acordo com um critério estritamente lógico.
Há que buscar um grau de probabilidade da vida da pessoa comum, de os factos serem praticados com determinado significado negocial, ainda que não seja afastada a possibilidade de outro propósito. (cf. Prof. Rui de Alarcão, in “A confirmação dos negócios anuláveis”, I, 192; v.g. o Acórdão do STJ de 21 de Maio de 1998, CJ/STJ II, 97; e o Prof. Manuel de Andrade, que refere “aquele grau de probabilidade que baste na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões”, apud “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 1953, 81).
Como julgou o Acórdão do STJ de 28 de Janeiro de 1999 – 98B1082 – “o recebimento silente de uma proposta negocial não equivale a uma aceitação - aprovação sem que se prove a ocorrência que qualquer comportamento do receptor que, à luz das concepções dominantes, traduza ou revele, com toda a probabilidade, uma intenção de adesão aos termos de tal proposta.”
Nesta linha (sem entrar, por desnecessidade, na dogmática do valor do silencio e o regime do artigo 218º CC) pode dizer-se que não existiu aceitação tácita da proposta do Autor para ulterior resolução do diferendo sobre valores a prestar.
Aliás já antes (nº24) a ré recusara qualquer indemnização considerando esse pedido “manifestamente abusivo”.

1.3- Ao disponibilizar-se para outorgar a escritura, negociar as datas, aí aceitar a correcção da área a vender sem qualquer declaração adicional, a declaração negocial do autor não pode ter outro sentido que não querer concluir o negócio nos precisos termos em que o foi.
O artigo 236º do CC, consagra a teoria da impressão do destinatário (“a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele” (nº1); mas “sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida” (nº2)).
Assim julgou o Acórdão do STJ de 3 de Junho de 2003 – 03 A1317 – “resulta deste texto que em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor). A lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário depreenderia (sentido objectivo para o declaratário)” – cf. ainda o Acórdão deste Tribunal de 28 de Outubro de 1997 – BMJ 470-597.


Nesta perspectiva tem de concluir-se que o Autor quis outorgar o contrato de compra e venda tal qual o fez. (cf. o Prof. Mota Pinto, in “Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico”, 208 – “a interpretação da declaração negocial não tem em vista apurar a vontade do declarante ou um sentido em que este tenha querido declarar, estando antes em causa o sentido objectivo que se pode depreender do seu comportamento”).

1.4- “Ex abundantia” dir-se-á que não foi aqui lançada mão do regime do erro – como, aliás, reconhece o recorrente (cf. os nºs 32 e 41 das conclusões da sua alegação).
Mas dir-se-á, e ainda“ex abundantia”, que no contrato promessa foi acordada uma compra e venda “ad corpum” – certos e precisos prédios rústicos identificados nos respectivos assentos matriciais e registrais – que não uma venda “ad mensuram”.
A ré prometeu vender e o autor prometeu comprar prédios identificados (com certa denominação e situação) aliás confinantes com outras de sua pertença (nº57), assim os ampliando (nº58) sendo que conhecia a sua “realidade físico-geográfica” incluindo as áreas (nº53).
Na “vendita a corpo” o preço da coisa certa é determinado em função da totalidade ou globalidade da coisa e não da sua dimensão, ainda que no contrato se faça acidentalmente referencia à sua medida – cf. Prof. A. Varela, RLJ-119, 310 ss, anotação ao Acórdão do STJ de 1 de Fevereiro de 1983.
Nestes casos pode, apenas, ocorrer erro sobre a qualidade do objecto do negócio que pode ser essencial ou não.
Mas estes pontos irrelevam na economia do Acórdão como, aliás, acima se acenou.

2- Enriquecimento sem causa.

Subsidiariamente, o autor pede o pagamento de um “quantum” indemnizatório, a título de enriquecimento sem causa.
Trata-se de uma fonte autónoma de obrigações, nos termos do nº1 do artigo 473º do CC.
“In casu” esta pretensão terá de improceder, quer por falta do requisito positivo – enriquecimento – quer por inexistência do requisito negativo – ausência de outro meio jurídico.
Vejamos,

2.1- Há que demonstrar ter havido um enriquecimento da pessoa obrigada à restituição.
Refere o Prof. Almeida Costa “que a vantagem em que o enriquecimento consiste se mostra susceptível de ser encarada sob dois ângulos: o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida; e o do enriquecimento patrimonial, que reflecte a diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (situação real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado (situação hipotética) – in “Direito das Obrigações”, 6ª ed, 411.
O enriquecimento traduz-se numa melhoria da situação patrimonial da pessoa obrigada à restituição, isto é com a aquisição de uma vantagem para o seu património à custa de um empobrecimento ou de um sacrifício económico de outrem.
Há assim que demonstrar o montante do enriquecimento e do empobrecimento.
Ora, como acima se estabeleceu, o autor aceitou celebrar a escritura de compra e venda pelo preço prometido, com correcção das áreas dos prédios, não se tendo demonstrado, outrossim, que esses valores não fossem coincidentes com os valores reais e por ele queridos.
E nem se diga que tal discrepância sempre seria o resultado da diferença de áreas entre o prometido e o realizado, pois que, tendo decorrido 7 anos entre o contrato promessa (Maio de 1989) e a outorga da escritura do contrato prometido (Junho de 1996), não foi alegado que o valor final não correspondesse ao valor actual (considerando tratar-se de terrenos de construção, situados à beira mar, no Algarve).
Mas sempre o acordo do Autor, e a inerente liberdade contratual, afastariam a ideia de enriquecimento não causal.

2.2- Ainda que assim não se entendesse, sempre teria de improceder este pedido por falta do requisito da subsidariedade do artigo 474º do CC.
Reportando-se à nulidade, o Prof. Leite de Campos (in “A subsidariedade da obrigação de restituir o enriquecimento”, 201) “enquanto na nulidade se restitui (normalmente) o enriquecimento real, no enriquecimento sem causa é restituído o enriquecimento patrimonial.
Dado o carácter subsidiário do enriquecimento sem causa este é excluído do âmbito do funcionamento da nulidade” (cf. ainda o Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral”, 617 e o Cons. Mário de Brito, “Código Civil Anotado”, I, 364).

É que, a acção de enriquecimento é sempre subsidiária ou residual.
Não pode haver acção alternativa.
O empobrecido só pode lançar mão da acção de enriquecimento se a lei não lhe facultar outros meios para ser ressarcido.
Só depois de se apurar que as normas directamente reportadas ao litígio (v.g nulidade, anulação do negócio jurídica, repetição do indevido, reivindicação) não garantem a tutela da situação em concreto é que pode recorrer-se complementarmente ao instituto do enriquecimento.
Certo, porem, que, o autor pretendeu efectivar a responsabilidade civil contratual por incumprimento do contrato promessa de compra e venda.
E esse incumprimento seria causal dos danos alegados.
Não pediu – e na sua perspectiva tais situações poderiam perfilar-se – a nulidade ou anulação do contrato – por erro essencial sobre uma qualidade do objecto do negócio ou até por “erro calculi”, apresentável como erro-vicio ou erro obstáculo, consoante não revelado no contexto da declaração ou aí se revelando.
Sempre teria violado, em consequência, o requisito negativo da subsidiariedade do apelo a esta lide residual.
Improcedem, em consequência, todas as conclusões da alegação.


3- Conclusões.

Pode concluir-se que:

a) A declaração negocial tácita deve ser avaliada segundo um critério prático, buscando “facta concludentia” inequívocos para apurar um significado negocial, com aquele grau de probabilidade bastante para tomada de decisões pelo homem comum.
b) A ausência de reacção do receptor perante uma proposta negocial não equivale, sem mais, a aceitação ou concordância.
c) A comparência do promitente comprador ao acto de outorga da escritura do contrato prometido, na qual se declaram quais as áreas dos prédios a alienar, e a assinatura do titulo sem qualquer reserva ou ressalva, tem como significado a aceitação do contrato como foi firmado.
d) A interpretação da declaração negocial tem em vista apurar o sentido objectivo que o declaratário normal depreenderia se colocado na posição do declaratário real.
e) Sendo a compra e venda “ad corpum” – por contraposição à venda “ad mensuram” – o preço é determinado em função da totalidade da coisa vendida e não da sua dimensão exacta ainda que no contrato seja feita essa referencia. Nestes casos pode é ocorrer erro sobre a qualidade do objecto do negócio.
f) O enriquecimento sem causa tem como requisito positivo a obtenção de uma vantagem, em regra de natureza patrimonial e a correspondente perda suportada por outrem.
g) Tem carácter subsidiário no sentido de ser um meio residual e de inexistir acção alternativa para ressarcimento do dano, devendo ser apurado que outras normas eventualmente aplicáveis ao litígio não garantem a tutela da situação em concreto.

Nos termos expostos acordam negar a revista.

Custas pelo recorrente.

Não é, ainda, nítida a má-fé do Autor.

Lisboa, 16 Janeiro de 2007

Sebastião Póvoas ( Relator)
Moreira Alves
Alves Velho