Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
695/15.0TELSB.L1-B.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO RATO
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
IDENTIDADE DE FACTOS
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
AÇÃO DECLARATIVA
CONTRATO DE MÚTUO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 06/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I - As decisões em confronto não conheceram nem decidiram a mesma questão de direito:


- Seja quanto à identidade das normas jurídicas em apreço – no acórdão fundamento, a do artigo 15º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10 – no acórdão recorrido, as dos artigos 379º e 380º do CPP;


- Seja quanto à identidade da situação de facto subjacente – no acórdão fundamento, uma ação declarativa, com processo comum, interposta pelo MP pedindo a declaração de nulidade de certas cláusulas contratuais gerais insertas em minuta de “contrato de mútuo bancário”, enquanto “contrato de adesão” – no acórdão recorrido, a reclamação de um anterior acórdão confirmativo de decisão de rejeição do RAI apresentado pelos recorrentes, proferida pelo competente juiz de instrução, arguindo a respetiva “irregularidade, ilegalidade, invalidade e/ ou nulidade”.


II – Só no acórdão fundamento se abordou a noção de “conta conjunta ou solidária” e a título instrumental e distintivo da de “obrigação conjunta”, sendo inquestionável que ele e o acórdão recorrido não apreciaram nem decidiram a mesma questão jurídica e patente a não verificação da oposição de julgados relativamente à mesma questão de direito, que o artigo 437.º impõe, cumulativamente com os demais, como fundamento do recurso de fixação de jurisprudência, que, por isso, deve ser rejeitado, nos termos dos artigos 441.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1, ex vi do artigo 448.º, todos do CPP.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 695/15.0TELSB.L1-B.S1


Acórdão de Fixação de Jurisprudência


*


Acorda-se, em conferência, na 5ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO


1. Os assistentes COMPROJECTO, PROJECTOS E CONSTRUÇÕES, LDA, AA, BB E CC, com os demais sinais dos autos, vieram, através do seu mandatário, nos termos dos artigos. 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), por requerimento apresentado em 2.05.2023, interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) em 30.06.2021, já transitado em julgado (acórdão recorrido), alegando que aquele acórdão está em oposição com o acórdão do mesmo TRL proferido, em 10.03.2016, no processo 3358-15.3T8LSB.L1-8, (acórdão fundamento) transitado em julgado em 28.03.2016, do qual juntaram cópia e indicação de publicação no sítio https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/.


2. Da motivação de recurso apresentada, extraíram os recorrentes as seguintes conclusões (transcrição):


«(…)


66.


Por conseguinte, pode-se concluir que:


1. relativamente à mesma questão de facto, no domínio da mesma legislação, o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento estão em oposição expressa em relação à mesma questão de direito;


2. a decisão recorrida é inconciliável com o que se decidiu no Processo 3358-15.3T8LSB.L1-8 da 8.ª Secção do TRL produzido em 10-03-2016.


67.


E consequentemente, importa fixar iurisprudência sobre se numa conta bancária «CONJUNTA» em que se convencionou que apenas se podiam movimentar capitais com duas em simultâneo, pode ser movimentada com apenas uma assinatura,


Nestes termos, estando cumprido o que se estatui nos Art.ºs 437.º/2 a 5, e 438.º/1 e 2 do CPP, e não existindo motivo para se adotar o que se dispõe no Art.º 441.º/1; primeira parte, do CPP, em cumprimento dos Art.ºs 441.º/1, segunda parte, e 442.º/1 e 2 do CPP, o Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência deve prosseguir de modo a que os interessados, nas alegações formulem conclusões em que indiquem o sentido em que se deve fixar a jurisprudência, e, se o STJ adotar o que se dispõe no Art.º 441.º/2 do CPP, desde já se requer que seja admitida a apresentação do pedido de indemnização cível nos termos dos Art.ºs 523.º do CPP, e 71.º do DL 317/2009 55.


O ADVOGADO».


3. Facultado o processo aos sujeitos processuais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 439.º, n.º 2, do CPP, o Ministério Público (MP) no TR apresentou a sua resposta concluindo do seguinte modo:

«(…)III - CONCLUSÕES:

1. O Recorrente não identificou, como lhe era exigível, os aspectos de identidade que alegadamente determinam a contradição invocada entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento.

2. O Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento não se pronunciam sobre a mesma situação de facto e de direito, e como tal, não estamos perante dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas expressas.

3. Não se verifica, pois, a oposição de julgados pretendida pelos Recorrentes.

4. Termos em que se tem de concluir pela não verificação dos requisitos legais previstos no artigo 437.º do Código de Processo Penal.

5. O que constitui causa de rejeição do recurso, por inadmissibilidade legal, nos termos dos artigos 414, n.º 2 e 420º, n.º 1 - al. b), do C. de Processo Penal.

V. Exªs, porém, decidirão como for de Justiça!

(…)».


4. O processo foi com vista ao MP no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), tendo o senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer desenvolvido que, relativamente aos pressupostos formais e substantivos do presente recurso para fixação de jurisprudência, fundamentou e concluiu nos seguintes termos (transcrição parcial):


«(…) 6. Como é sabido, a admissibilidade do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência está condicionada ao preenchimento de requisitos formais e substanciais (arts. 437.º e 438.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal).


(…)


Nesta fase preliminar do recurso apenas importa indagar a verificação destes pressupostos [arts. 440.º, n.ºs 1 e 3, 441.º, n.º 1, e 442.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2006, publicado no Diário da República, I Série A, n.º 109, de 06.jun.2006].


7. Pois bem, sob o ponto de vista formal, nada obsta à admissão do recurso porquanto os recorrentes, enquanto assistentes cujo reclamação de «irregularidade, ilegalidade, invalidade e/ou nulidade» contra um anterior acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa foi indeferida pelo acórdão recorrido, têm legitimidade e interesse em recorrer, interpuseram o recurso nos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido e identificam o acórdão fundamento.


O mesmo não se pode, de todo, dizer do pressuposto substancial da oposição de julgados.


Na verdade, o acórdão recorrido (sublinhe-se, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.jun.2021) apreciou um requerimento/reclamação de 19.mai.2021 em que os recorrentes Comprojecto Ld.ª, AA, BB e CC invocam «erros de secretaria» e a «irregularidade, ilegalidade, invalidade e/ou nulidade» do anterior acórdão de 12.mai.2021 do Tribunal da Relação de Lisboa [acórdão este que, negando provimento ao recurso dos assistentes, confirmou o despacho de 20.out.2020 da Sr.ª juíza de instrução criminal de Lisboa que rejeitou o requerimento de abertura de instrução dos mesmos «por inadmissibilidade legal» (cf. o ponto 1.1. do acórdão recorrido)] e decidiu, no que ora importa considerar, que o referido aresto não padecia de qualquer «irregularidade, ilegalidade, invalidade e/ou nulidade», nem carecia de ser corrigido, indeferindo, assim, a reclamação (v. a ref.ª citius 12303408, de 09.abr.2024).


(…)


Por sua vez o acórdão fundamento apreciou um recurso de apelação de uma sentença proferida numa ação declarativa interposta pelo Ministério Público contra uma entidade bancária, aí designada por «C …», peticionando a declaração de nulidade de determinadas cláusulas contratuais gerais constantes de contratos de prestação de serviços bancários intitulados de «Contrato de Mútuo», nomeadamente da cláusula 16.ª, n.º 2, a qual, sob a epígrafe «FORMA DOS PAGAMENTOS», estipulava que «No caso de não se mostrar possível o pagamento integral dos créditos emergentes do presente contrato nas datas convencionadas e pelo meio indicado no número anterior, fica igualmente a C ... autorizada a debitar pelo valor dos montantes em dívida e, independentemente de declaração, quaisquer outras contas existentes em nome dos CLIENTES e/ou FIADORES, de que o C ... seja depositária, para o que os mesmos FIADORES dão também e desde já o respectivo acordo e autorização de movimentação».


Considerou o acórdão fundamento que a referida cláusula era nula por violar o princípio da boa-fé ínsito no art. 15.º do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25.out.1985, com os seguintes fundamentos:


(…)


Salta, assim, à vista a total falência do requisito substancial do recurso de fixação de jurisprudência.


O acórdão recorrido foi proferido num processo penal, indeferiu uma reclamação dos recorrentes/assistentes contra o acórdão que o antecedeu por alegadas falhas formais do mesmo com base no disposto nos arts. 6.º, n.º 1, 130.º, 277.º, n.º 1, al. a) e 613.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e 4.º, 379.º, n.º 1, al. c), e 380.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, e não se pronunciou ou decidiu, sequer implicitamente, sobre quaisquer contas bancárias conjuntas ou o respetivo regime de movimentação, nomeadamente que «numa conta bancária “CONJUNTA” em que se convencionou que apenas de podiam movimentar capitais com as DUAS assinaturas daqueles DOIS ordenantes EM SIMULTÂNEO, podia ser movimentada com apenas UMA assinatura, e, por isso, o Millennium/BCP e outros não podiam ser acusados de abuso de confiança por terem realizado mais de € 1.000.000 de transferências de fundos sem estarem autorizados pelos DOIS ordenantes» (n.º 60 das motivações de recurso).


O acórdão fundamento, por seu turno, foi proferido numa ação declarativa e apenas ajuizou sobre a validade de várias cláusulas contratuais gerais inscritas em contratos de mútuo celebrados por uma entidade bancária à luz do princípio consagrado no art. 15.º do Decreto-Lei n.º 446/85, que proíbe as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé, sendo igualmente certo que em parte alguma afirmou que «O BANCO TEM QUE SER RESPONSABILIZADO pelos movimentos não autorizados» (cf. o n.º 63 das motivações de recurso).


Não existe, assim, a menor identidade entre as questões jurídicas debatidas nos acórdãos em confronto.


Como de forma concisa mas bastante elucidativa se refere na resposta dos arguidos, este recurso extraordinário de fixação de jurisprudência «apresenta um teor manifestamente incompreensível (…) e a todos os títulos artificioso».


Daí o inevitável parecer no sentido da sua rejeição (arts. 440.º, n.ºs 3 e 4, e 441.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código de Processo Penal).


(…)»


5. Notificados os recorrentes e os recorridos para, querendo, responderem ao parecer do MP, veio a assistente Comprojecto – Projectos e Construções, Lda. reafirmar os fundamentos do recurso e a verificação dos respetivos pressupostos formais e substanciais, portanto também o da verificação da oposição de julgados.


Por seu turno, os recorridos Banco de Portugal, DD, EE, FF e GG ofereceram o merecimento dos autos e acompanharam o parecer do MP.


6. Realizado o exame preliminar, o processo foi à conferência, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 440.º do CPP.

II. Fundamentação

7. Dos artigos 437.º e 438.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, resulta, tal como é entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência1, que a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende, antes de mais, da verificação dos seguintes (a) pressupostos formais:


- Legitimidade [e interesse em agir] dos recorrentes, o que se verifica no caso presente, porquanto o acórdão ora recorrido, proferido pelo TRL indeferiu a reclamação que os mesmos apresentaram invocando “irregularidade, ilegalidade, invalidade e/ou nulidade” do acórdão do mesmo Tribunal, de 12 de maio de 2021, que, por sua vez, decidiu negar provimento ao recurso por eles interposto da decisão do juiz de instrução criminal da comarca de Lisboa – J ., de 30 de outubro de 2020, que rejeitou o requerimento de abertura de instrução (RAI) também por eles apresentado, por inadmissibilidade legal da instrução, ao abrigo do disposto no artigo 287º, n.º 3, do CPP, mantendo-a, decisões que os assistentes pretendem ver revertidas através do presente recurso extraordinário;


- Tempestividade, que igualmente se verifica no caso presente, porquanto os assistentes interpuseram o presente recurso no prazo de 30 dias, contado do trânsito em julgado do acórdão do TRL ora recorrido, dado que, conforme resulta da certidão disponível nos autos sob a referência n.º ......79, aquele acórdão, não admitindo recurso ordinário e após ter sido objeto de reclamação também indeferida e de recurso para o Tribunal Constitucional rejeitado por decisão sumária confirmada por posterior acórdão, transitou em julgado decorridos 10 dias sobre a notificação deste ao MP e aos recorrentes, ou seja, no dia 30.03.2023, como vem certificado pelo TRL em conformidade com o despacho de 18.09.2023, proferido pelo juiz de instrução criminal do TCIC – J ., com a referência .....08, foi-o no prazo de 30 dias previsto no artigo 438.º, n.º 1, do CPP, sendo, assim, tempestivo;


Por último, o acórdão fundamento, ou seja, o acórdão com o qual, na alegação do recorrente, o acórdão recorrido se encontrará em oposição, mostra-se identificado e transitado em julgado, tratando-se do acórdão proferido pelo mesmo TRL, em 10.06.2016. no processo n.º 3358/15.3T8LSB.L1-8, da instância cível do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa. publicado no sítio https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/.


8. Preenchidos os apontados pressupostos de ordem formal, impõe-se verificar agora do preenchimento dos seguintes ( b) pressupostos substanciais:


- Que dois acórdãos do STJ, das relações ou de uma das relações e do STJ, hajam sido proferidos no domínio da mesma legislação;


- Que a decisão de ambos os acórdãos, assente em soluções opostas para a mesma questão de direito, requisito este que se desdobra nos seguintes pressupostos ou requisitos, conforme vem sendo entendido na jurisprudência e na doutrina:


- Que ambos os acórdãos hajam decidido a mesma questão de direito;


- Que as decisões em oposição sejam expressas e não meramente tácitas ou implícitas;


- Que os dois acórdãos assentem em soluções opostas da mesma questão de direito e a partir de idêntica situação de facto.


- Que a oposição se verifique entre duas decisões e não entre meros fundamentos ou entre uma decisão e meros fundamentos de outra.


8. 1. Vejamos, então, da verificação dos enunciados pressupostos substanciais no caso concreto, começando por apreciar, antes de mais, se ambos os acórdãos decidiram a mesma questão de direito.


Não oferece quaisquer dúvidas a resposta negativa a tal questão, pois é manifesto que acórdão recorrido e acórdão fundamento não decidiram a mesma questão de direito, contrariamente à alegação de que “relativamente à mesma questão de facto, no domínio da mesma legislação, o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento estão em oposição expressa em relação à mesma questão de direito”, e de que “a decisão recorrida é inconciliável com o que se decidiu no Processo 3358-15.3T8LSB.L1-8 da 8.ª Secção do TRL produzido em 10-03-2016” “E consequentemente, importa fixar jurisprudência sobre se numa conta bancária «CONJUNTA» em que se convencionou que apenas se podiam movimentar capitais com duas em simultâneo, pode ser movimentada com apenas uma assinatura


8. 2. Com efeito, no acórdão recorrido apreciou-se e indeferiu-se a reclamação apresentada pelos assistentes/recorrentes invocando a “irregularidade, ilegalidade, invalidade e/ou nulidade” do acórdão do TRL, de 12 de maio de 2021, que, por sua vez, negou provimento ao recurso por eles interposto da decisão do juiz de instrução criminal da comarca de Lisboa – J ., de 30 de outubro de 2020, que rejeitou o RAI por eles apresentado, por inadmissibilidade legal da instrução, ao abrigo do disposto no artigo 287º, n.º 3, do CPP, conforme melhor se alcança dos seguintes excertos da respetiva fundamentação e decisão (transcrição sem notas de rodapé)


«(…) 2. FUNDAMENTAÇÃO


O acórdão de 12-mai.-2021 deste TRL, proferido no âmbito destes autos e que integra fls. 5270-5296 verso (vol. 15.º), com referência ao despacho do relator datado de 07-mai.-2021, do presente atesto que integra fls. 5265-5266 dos autos (vol. 15,º), no que ora releva deixou-se claramente dito (em transcrição parcial na parte relevante):


«1.12. Por “requerimento” dos acima aludidos recorrentes (com 153 artigos), entrado neste Tribunal em 26-mar.-2021, que integra fis. 3182 a 5231 dos autos, (vol. 15.º) expressaram no que ora interessa:


(...) Assim, também com o objetivo se obter uma decisão justa, imparcial, equitativa e, em prazo razoável, assim com o objetivo de se alcançar as infrações penais ema cansa, requer-se que o Ministério Público responda aos PEDIDOS formulados:


«1. no RAI (ao BCP e ao Banco de Portugal nas págs. 139 a 175);


«2. no recurso, neste caso, as questões colocadas ao Tribunal (v. págs. 92 a 99».»


***


«1.13. Comprido n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal, os recorrentes apresentaram resposta ao parecer do Ministério Público refirmando a bondade da sua tese argumentativa plasmada na motivação recursória e respetivas “conclusões” e rematam no sentido do provimento do recurso.


***


«1.14. No despacho do relator, datado de O7-mai.-2021, no que ora releva, deixou-se dito e decidido:


«I — Questão prévia:


«§1. Requerimento de fis, 5182-5231 dos autos (vol. 15º)


«Os recorrentes:


(…)


«Vieram a fis. 5182-5231 dos autos (vol. 15º), requerer a este Tribunal:


«(...) Assim, também com o objetivo se obter ima decisão Justa, imparcial, equitativa e, em prazo razoável, assim com o objetivo de se alcançar as infracções penais em cansa, requer-se que o Ministério Público responda aos PEDIDOS formulados:


«1. no RAI (ao BCP e ao Banco de Portugal nas págs. 139 a 175);


«2, no recurso, neste caso, as questões colocadas ao Tribunal (v. págs. 92 a 99».


*


«§ 2. Foi oportunamente satisfeito o contraditório, tendo o Ministério Público junto deste Tribunal tomado a opção que se mostra junta a fls. 5234 (vol. 15.º), que em despacho manuscrito, datado de 1 2-abr.-2021, espelha o seguinte:


«acompanho a resposta do MP ma 1.º instância no sentido da improcedência do recurso e confirmação do despacho recorrido que não admitiu o requerimento de abertura da instrução, por não se mostrarem preenchidos os requisitos do art 287.º, n.º 2 do CP.Penal»


Ǥ 3. Cumpre apreciar e decidir.


«Como é consabido, por força do princípio da igualdade, os sujeitos processuais afetados pelo recurso dispõe do mesmo prazo para responder que os recorrentes tiveram para interpor recurso e nos mesmos moldes (cf. n.ºs 3, 4 e 5 do art. 412.º do Código de Processo Penal), sem todavia terem obrigação de apresentar conclusões.


Por sua vez a resposta ao recurso divide-se essencialmente em dois momentos:


a(i) Identificação do tema ou temas do recurso que obrigatoriamente tem de ‘resultar das conclusões do recurso, entendidas estas enquanto summo rigore, que não se confundem com alegações ou arrazoado (cf.. nºs 1 e 2 do art. 411.º do Código de Processo Penal).


«(ii) Responder às questões levantadas em função do conteúdo do despacho em crise, pois é dele que se recorre e não de uma qualquer abstração.


«In casu, norteado por estes momentos o Sujeito Processual Ministério Público respondem ao presente recurso nos termos que bem entendeu e se mostram juntos a fls. 5121-5122 dos autos (vol. 15.º), em moldes que, summo rigore, tem agasalho na lei ao caso aplicável na qual além de mais, se expressa «(...) Alegam os recorrentes) de forma prolixa e confusa um arrazoado ilegalidades, nulidades e inconstitucionalidades que não têm cabimento no caso”.


«E na verdade, com devido respeito por opinião diversa, em tal resposta faz-se o devido enquadramento das questões levantadas, em função do despacho impugnado, pois é dele que os recorrentes recorrem e não de qualquer abstração.


«Par sua vez, sendo a resposta no seu todo facultativa, igualmente, inexiste direito positivado na esfera jurídica dos recorrentes que imponha que o Sujeito processual afetado pela interposição do recurso Ministério Público tenha de responder a eventuais dividas metódicas ou não dos recorrentes, nos termos da estratégia processual que eventualmente interessam aos recorrentes, em ordem e a latere, e sem abrigo na lei, almejarem alargar o âmbito do recurso, que não contendem diretamente com o thema decidendum, nos termos vazados no referido requerimento, razão pela qual, sem necessidade de mais considerandos, por despiciendos vai o mesmo requerimento de fis, 5182-5231 dos autos (vol. 15.0) indeferido, por falta de fundamento legal (cf. arts. 97.º, n.º 1, alínea b), 1.º parte e 417,º, n.º 1 ambos do Código de Processo Penal]. e(...)» (c£. £ls. 5278-5278 verso dos autos (vol. 15.º).


Por sua vez, nos termos e fundamentos plasmados no aresto deste TRL que integra fls. 5279 a 5296 verso (vol. 15.º) que, por maçador e nos alcandorar ao reino do sofrível não vamos aqui repetir, mas damos por integralmente reproduzidos, para aí remetendo o leitor, sentenciou-se do seguinte modo:


«3, DISPOSITIVO


«Perante tudo o que exposto fica, acordam os Juízes que compõem a 3.º Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:


Em negar provimento ao recurso, e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida,»


*


Em face do que dito fica, com o devido respeito por opinião em contrário desde já se adianta que não assiste qualquer razão aos referidos reclamantes.


Vejamos sucintamente o porquê desta afirmação.


Quanto ao putativo erra de secretaria:


(…)


Constata-se assim que, antagonicamente à “narrativa” dos reclamantes, inexiste qualquer omissão de pronúncia, pelo contrário, existiu pronúncia judicial por parte do juiz relator e do TRL no âmbito destes autos, que indeferiu liminarmente o que os requerentes e aqui reclamantes almejavam sem agasalho legal, e desta forma pura e simplesmente se evitaram a prática de atos inúteis proibidos por lei (cf. art. 130.º do Código de Processo Cívil aplicável ex vi do art 4.º do Código de Processo Penal).


Ora, de tal despacho de indeferimento do referido requerimento foram os reclamantes indiretamente notificados aquando da notificação do acórdão reclamado proferido pelo TRL datado de 12-mai.-2021 e que consta de fls. 5270-5296 verso dos autos (vol. 15.º, que o incorpora na íntegra, que se mostra integralmente válida [cf. is. 5298 dos autos vol. 15.º).


Porque assim é, uma vez que, com abrigo na lei é ao juiz relator que cumpre dirigir ativamente o processo (In casu o presente recurso penal), providenciando pelo seu andamento célere e recusando oficiosamente as diligencias sem abrigo na lei (cf. art 417.º do Código de Processo Penal e n.º 1 do art. 6.º do Código de Processo Civil, aplicável ex ví do att 4.º do Código de Processo Penal), e tal direção adotada no processado documentado nos autos, mmaxime fls, 5265 e ss. (vol. 15.9) se mostra harmónica com a lei ao caso aplicável (cf. arts. 417.º, 418.º, 419.º, todos do Código de Processo Penal) inexiste qualquer “erro da secretaria” ou qualquer “irregularidade, ilegalidade, invalidade e ou a nulidade” do acórdão deste TRL de 12-mai.-2021 e que consta de fls. 5270-5296 verso dos autos (vol. 15.º, o que aqui desde já se declara.


(…)


Como é consabido, vem constituindo prática corrente a invocação como fundamento de “nulidade” sobre as decisões de tribunais superiores a imputada falta de pronúncia sobre os argumentos esgrimidos pelos recorrentes nas conclusões das respetivas alegações de recurso, por não valoração, nesse juízo hermenêutico das referidas conclusões.


Assim, não se imputa à decisão qualquer vício traduzido na falta de conhecimento de uma concreta questão, mas sim a falta de ponderação de argumentos tidos por pertinentes à sua resolução.


(…)


*


É sabido que alínea b) do n.º 1 do art. 380.º, do Código de Processo Penal, permite que qualquer das “partes” requeira ao tribunal que proferiu a sentença esclarecimento de alguma obscuridade que ela contenha, e cuja eliminação não importe modificação essencial,


Como vimos, o acórdão é obscuro quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, ou seja quando não se sabe o que o juiz quis dizer. Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado. À obscuridade de uma sentença é a imperfeição desta que se traduz na sua inteligibilidade,


Ora, só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exato não pode alcançar-se.


Noutra ordem de ideias cabe deixar expresso o seguinte:


Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente para justificar a sua abstenção.


Na verdade, são coisas diferentes: deixar de conhecer a questão que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela “parte” ou pelo Sujeito Processual.


Há, assim, que distinguir por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos”. Ora, só a falta de apreciação de “questões” integra nulidade prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 379.º do Código de Processo Penal.


Com efeito, se bem vemos, as “questões” enquanto fundamento de nulidade da sentença não abrangem os argumentos, opiniões ou razões jurídicas invocadas pelos “recorrentes” por o Tribunal ser livre na interpretação e aplicação do direito, sendo certo que, os fundamentos de um Acórdão são os aduzidos pelos Juízes para neles basearem a decisão, constituindo o respetivo antecedente lógico e não os fundamentos que os requerentes consideram existir pata, no seu entender, se dever ter decidido de modo diverso.


Na verdade, existe consenso no entendimento de que não devem confundir-se questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas “partes”: a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada.


Por sua vez, não há omissão de pronúncia quando a matéria tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada.


Acresce que, atento o disposto neste citado normativo, não ocorre em relação àquelas questões cujo conhecimento tenha ficado prejudicado pela solução dada a outras.


In casu, no aresto deste TRL que integra fls. 5270-5296 verso (vol. 15.º), tudo se ponderou, tudo se analisou, tudo pesou, quer no que tange à matéria de facto, quer ao Direito aplicável, nas várias perspetivas que conformavam o objeto do presente recurso e, nele se decidiu fundamentadamente, nos termos que se mostram plasmados no referido aresto.


(…)


In casu, o acórdão de 12-mai.-2021 deste TRL decidiu da forma dele constante, alicerçado na respetiva fundamentação, sendo claro c inteligível, sem erro, lapsos, nulidades, obscuridades ou ambiguidades ou perante o objeto do mesmo, cuja eliminação não importe modificação essencial, nos termos do art. 380.º do Código de Processo Penal (preceito aplicável em processo penal, não sendo caso de lacuna a suprir por aplicação subsidiária do processo civil), que contendam com o efeito útil da decisão, nada havendo, por isso, a aclarar, retificar ou corrigir.


Pelos argumentos apresentados pelos requerentes só se pode colher a ideia de que o sentido da decisão do nosso acórdão de 12-mai.-2021 foi perfeitamente entendido, que a declaração emitida chegou aos destinatários em termos percetíveis e inteligíveis (art. 236.º do Código Civil), não fornecendo o acórdão causa de pedir para o impetrado pedido de “irregularidade, ilegalidade, invalidade e ou a nulidade”


O que no fundo os reclamantes fazem com o seu requerimento de fls. 5307-5325 (de 19-mai.-2021) — exibindo perfeita compreensão do sentido (único) e alcance da decisão — é manifestar a sua discordância com o decidido.


Ora, é certo e sabido que a nulidade por omissão de pronúncia não ocorre quanto o tribunal deixa por apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela “parte” tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só se verificando quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa das teses em presença. Por isso, não ocorreu qualquer nulidade no aresto de 12-mai.-2021 proferido no âmbito dos presentes autos.


Igualmente no referido acórdão não vislumbramos qualquer “irregularidade, ilegalidade, invalidade e ou a nulidade” a conhecer, ou a suprir, sendo pois, perante o objeto do recurso, jurídico-processualmente irrelevantes, as questões suscitadas pelos requerentes /reclamantes, por não terem por objeto a tutela de pretensões rigorosas, sobre a definição, reconhecimento ou constituição de direitos, nem o thema decidendum do objeto recursivo.


(…)


Na verdade, da simples leitura dos presentes autos maxime fls. 5307-5325 dos presentes autos (vol. 15.º), afigura-se-nos, manifestamente apreensível a total falta de fundamento da reclamação/ requerimento apresentados pelos reclamantes/assistentes, requerimento esse que apenas se compreende como expediente dilatório destinado ao protelamento dos presentes autos de recurso penal, com base em fundamentos insubsistentes que, com o devido respeito por opinião em contrário, a prudência obrigaria a não apresentar,


Estamos, pois, perante pretensão infundada.


Por tudo isto, sem necessidade de mais considerandos, por despiciendos, a presente


reclamação será, como não poderia deixar de ser indeferida in totum.


3. DISPOSITIVO


Perante tudo o que exposto fica, acordam os Juízes que compõem a ... Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:


Em declarar que o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 12-mai.-2021, que integra fls, 5270-5296 verso dos presentes autos (vol. 15.º), não padece de qualquer “irregularidade, ilegalidade, invalidade e/ ou a nulidade”, designadamente as invocadas pelos requerentes “Comprojecto, Projectos e Construções, L.da”, AA, BB e CC, no seu requerimento de fls. 5307-5325 (vol. 15.º) nem carece de qualquer “correção”,


Em indeferir a arguição da “irregularidade, ilegalidade, invalidade e/ou a nulidade”, apresentada pelos acima referidos requerentes no seu requerimento de fls. 5307-5325 (vol. 15.º).


(…)»


Ou seja, limitadas apenas à questão da verificação ou não de “irregularidade, ilegalidade, invalidade e/ ou nulidade” do acórdão objeto de reclamação, por referência aos artigos 379º e 380º do CPP, sendo certo que esse thema decidendum não sofreu qualquer modificação ampliativa por força da respetiva fundamentação, mormente em razão da afirmação conclusiva “In casu, no aresto deste TRL que integra fls. 5270-5296 verso (vol. 15.º), tudo se ponderou, tudo se analisou, tudo pesou, quer no que tange à matéria de facto, quer ao Direito aplicável, nas várias perspetivas que conformavam o objeto do presente recurso e, nele se decidiu fundamentadamente, nos termos que se mostram plasmados no referido aresto” nela inserida a dado passo, pois que se reporta àquele mesmo objeto e não à verificação ou não dos elementos objetivos e subjetivos integrantes dos crimes dos quais os assistentes se consideram vítimas e relativamente aios quais haviam apresentado o RAI rejeitado por inadmissibilidade legal da instrução no juízo de instrução criminal de Lisboa, confirmado pelo acórdão do TRL, cuja reclamação constituiu o objeto do acórdão aqui recorrido.


8. 3. Por seu turno, o acórdão fundamento, também do TRL, não apreciou aquelas normas dos artigos 379º e 380º ou quaisquer outras do CPP.


Nele estava em causa o conhecimento de um recurso interposto pela instituição bancária ré de uma sentença proferida no âmbito de uma ação declarativa, com processo comum, que a condenara nos termos pedidos pelo autor - o MP – declarando a nulidade de determinadas cláusulas contratuais insertas em minuta de suporte a contratos de mútuo bancário (contratos de adesão), em violação do disposto no Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto.


Recurso no qual foi suscitada, entre outras, a questão da (i)legalidade da cláusula 16.ª daquela minuta contratual.


E o TRL, para afirmar a sua desconformidade com a lei e consequente nulidade, convocou para a discussão e a decisão a natureza conjunta e/ou solidária das contas bancárias, para as diferenciar das “obrigações conjuntas”, nos termos que se transcrevem:


«(…) Cumpre apreciar.


Está em causa saber se as cláusulas 16ª nº 2, 18ª nº 2 e 26ª nº 1 dos “contratos de mútuo” celebrados pela C.… são nulas, por violação dos artigos 15º, 16º 21º g) do DL nº 446/85 de 25/10. (…).


As cláusulas aqui em apreço integram um contrato de prestação de serviços bancários, designado por “Contrato de Mútuo”. Tais cláusulas possuem redacção fixa e não incluem quaisquer espaços em branco para serem preenchidos.


A Ré apresenta aos interessados que com ela pretendem contratar, um clausulado já impresso e previamente elaborado.


Estamos pois perante cláusulas contratuais gerais. (…).


“No caso de não se mostrar possível o pagamento integral dos créditos emergentes do presente contrato nas datas convencionadas e pelo meio indicado no número anterior, fica igualmente a C... autorizada a debitar pelo valor dos montantes em dívida e, independentemente de declaração, quaisquer outras contas existentes em nome dos CLIENTES e/ou FIADORES, de que a C... seja depositária, para o que os mesmos FIADORES dão também e desde já o respectivo acordo e autorização de movimentação”.


Note-se que o que está em causa não é, pese embora o teor das conclusões da apelante, a estipulação de que todos os pagamentos a que os clientes ficam obrigados, em função do contrato de mútuo, serão efectuados através de débito na sua conta de depósitos à ordem atrás referida, que os mesmos se obrigam a manter devida e atempadamente provisionada para o efeito, ficando a C... autorizada a proceder às respectivas movimentações.


Esta cláusula 16º nº 1 reporta-se à previsão da cláusula 15ª:


“A utilização e os reembolsos previstos neste contrato serão efectuados através da conta de depósitos à ordem nº ... , constituída em nome dos CLIENTES na Agência da C... em ....”.


Ou seja, prevê-se aqui uma forma de pagamento ou reembolso, mediante débito numa conta à ordem do cliente e identificada em cada contrato celebrado.


O problema situa-se no nº 2 dessa cláusula 16º, e reporta-se à impossibilidade de pagamento dos créditos da C... por débito na aludida conta. Neste caso, a C... reserva-se o direito de debitar pelo valor dos montantes em dívida quaisquer outras contas existentes em nome dos clientes e dos fiadores e de que a C... seja depositária.


Enquanto no nº 1 deparamos com uma modalidade de pagamento no âmbito do normal cumprimento da obrigação pelo mutuário, mediante débito numa conta identificada no contrato, no nº 2 estamos perante uma situação de incumprimento: os pagamentos não podem ser feitos por débito nessa conta – por exemplo, por não estar suficientemente provisionada – podendo então a C... debitar a verba em dívida em quaisquer outras contas do mutuário ou dos fiadores existentes na C.... Dada a redacção da cláusula, tais contas podem ser contas apenas em nome do mutuário ou dos fiadores mas também podem ser contas em que o mutuário ou o fiador não sejam os únicos titulares.


Ou seja, a C... poderá obter a compensação com créditos de terceiros.


Estamos a falar de contas conjuntas – designação que não deve ser confundida com a das obrigações conjuntas. Com efeito, a conta com vários co-titulares diz-se conjunta quando só pode ser movimentada por todos os seus titulares em simultâneo ou, sendo solidária, quando qualquer dos titulares a pode livremente movimentar sozinho. O que está em causa é pois o modo como os titulares podem movimentar a conta, não a titularidade desta (no sentido do saldo que cada co-titular detém, e que apenas respeita às relações entre tais co-titulares.


O nº 2 da mencionada cláusula consubstancia uma compensação, nos termos exemplarmente definidos por Almeida Costa, (…).


Em princípio, nada haveria a censurar a tal cláusula caso a mesma especificasse com clareza que o débito nas outras contas existentes na C... em nome dos clientes ou fiadores se reporta às contas de que o mutuário ou o fiador é o único titular. É que no caso de uma conta conjunta, como já dissemos, essa designação tem a ver com a possibilidade de movimentação da conta, não quanto à propriedade dos montantes depositados. E mesmo sendo a conta solidária, mais uma vez a solidariedade tem a ver com a possibilidade de um dos co-titulares proceder a movimentos na conta e reporta-se exclusivamente às relações entre depositantes. O Banco não tem a faculdade de optar por um co-titular de conta solidária para satisfazer a obrigação global.


Do modo como a cláusula está redigida, a C... surge com a faculdade de debitar numa conta com vários co-titulares (incluindo o mutuário ou o fiador) a verba em dívida respeitante ao mútuo celebrado, indo atingir depositantes que nada têm a ver com tal mútuo. Uma cláusula que permite tal actuação tem de se considerar violadora do princípio da boa fé ínsito no art. 15º do DL nº 446/85 de 25/10, e como deve ser declarada nula, como fez e bem a decisão recorrida.(…)»


Concluindo pela confirmação da sentença recorrida, entre o mais, quanto à nulidade da cláusula 16ª, n.º 2, nos seguintes termos:


«Celebrado um contrato de mútuo entre uma instituição bancária e um particular, é nula a cláusula, inserida em documento impresso, já elaborado e cujo teor não é negociado, prevendo que, em caso de não se mostrar possível o débito na conta constituída para utilização e reembolsos do mútuo, poderá a instituição bancária debitar as verbas em dívida noutras contas do cliente no mesmo Banco.


-Isto, pois que tal cláusula permitirá débitos em contas tituladas conjuntamente pelo mutuário e por outras pessoas, alheias ao mútuo, e assim permitir ao Banco a compensação através de créditos de terceiros.


-O carácter conjunto ou solidário de uma conta bancária com vários cotitulares, diz respeito ao regime de movimentação da conta e não a uma obrigação conjunta ou solidária dos cotitulares perante o Banco (…)».


O objeto deste acórdão é, por conseguinte, o da nulidade de algumas cláusulas do referido contrato de mútuo bancário, nomeadamente da 16ª, n.º 2, por violação do princípio da boa-fé estabelecido no artigo 15º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10, tendo a noção de “conta conjunta ou solidária” surgido apenas como argumento adjuvante da respetiva nulidade, por confronto com a de “obrigação conjunta”, na medida em que esta poderia legitimar o pagamento da instituição bancária, por compensação, debitando os valores em dívidas em qualquer conta dos conjuntamente obrigados, ao passo que as primeiras o não permitem, dado se referirem apenas à forma de movimentação das contas e já não à responsabilidade por qualquer dívida.


Noções e normas legais que o acórdão recorrido não apreciou e não aplicou, nem sequer como argumento ou fundamento, expresso ou remissivamente implícito2, da sua decisão confirmativa do acórdão por ele escrutinado, com o indeferimento da reclamação dos recorrentes.


9. Por conseguinte, as decisões em confronto não conheceram nem decidiram a mesma questão de direito:


- Seja quanto à identidade das normas jurídicas em apreço – no acórdão fundamento, a do artigo 15º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10 – no acórdão recorrido, as dos artigos 379º e 380º do CPP;


- Seja quanto à identidade da situação de facto subjacente – no acórdão fundamento, uma ação declarativa, com processo comum, interposta pelo MP pedindo a declaração de nulidade de certas cláusulas contratuais gerais insertas em minuta de “contrato de mútuo bancário”, enquanto “contrato de adesão” – no acórdão recorrido, a reclamação de um anterior acórdão confirmativo de decisão de rejeição do RAI apresentado pelos recorrentes, proferida pelo competente juiz de instrução, arguindo a respetiva “irregularidade, ilegalidade, invalidade e/ ou a nulidade”.


Decisões que, por outro lado, se fundaram em argumentos distintos e, mesmo na tese dos recorrentes, a sua eventual parcial identidade seria remota e implícita, sustentada na afirmação conclusiva consignada no acórdão recorrido de que no acórdão reclamado “tudo se ponderou, tudo se analisou, tudo pesou, quer no que tange à matéria de facto, quer ao Direito aplicável, nas várias perspetivas que conformavam o objeto do presente recurso e, nele se decidiu fundamentadamente, nos termos que se mostram plasmados no referido aresto” e das ilações em cadeia que dela retiram nos pontos 59 a 61 da motivação de recurso, à revelia do que nela também reconhecem e afirmam no sentido de a oposição de julgados ter de ser expressa e não tácita ou implícita.


É, assim, inquestionável a insubsistência da alegação dos recorrentes de que no acórdão recorrido e no acórdão fundamento se apreciou e decidiu a mesma questão jurídica e patente a não verificação da oposição de julgados relativamente à mesma questão de direito, que o artigo 437.º impõe, cumulativamente com os demais, como fundamento do recurso de fixação de jurisprudência.


Consequentemente, o presente recurso deve ser rejeitado, nos termos dos artigos 441.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1, ex vi do artigo 448.º, todos do CPP.


III. DECISÃO

Por todo o exposto, acorda-se nesta Secção criminal do STJ:

- Em rejeitar o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelos assistentes Comprojecto, Projectos e Construções, Lda, AA, BB e CC;

- Condenar os recorrentes numa importância de 3 (três) UC, nos termos do artigo 420.º, n.º 3, CPP, a nas custas devidas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (artigos 515.º, n.ºs 1, al. b), e 2, e 524.º do CPP, e, 1.º, 2.º, 3.º, 6.º e 8.º, n.º 9, e tabela III, anexa, do RCP, aprovado pelo Decreto1-Lei n.º 34/2008, de 26.02).

*

Lisboa, d. s. c.

(processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos Juízes Conselheiros)

João Rato (Relator)


Agostinho Torres (Adjunto)


Leonor Furtado (Adjunto)





__________________________________________

1. Ver, por todos, Pereira Madeira, em anotação aos citados artigos, no “Código de Processo Penal Comentado”, de António Henriques Gaspar [et al], 3ª Edição Revista, Almedina, 2021.↩︎

2. Como os recorrentes sustentam nos pontos da motivação do presente recurso infra referenciados.↩︎