Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ERNESTO VAZ PEREIRA | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO FURTO QUALIFICADO FALSIFICAÇÃO OU CONTRAFAÇÃO DE DOCUMENTO DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA METADADOS TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EXCEÇÃO DO CASO JULGADO ESCUTAS TELEFÓNICAS DADOS DE LOCALIZAÇÃO NULIDADE PROVA PROIBIDA IMPROCEDÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 11/23/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE REVISÃO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I. O Tribunal Constitucional não afastou a regra da intangibilidade das sentenças transitadas em julgado que hajam aplicado as normas da Lei 32/2008 declaradas inconstitucionais no seu acórdão nº 268/2022, pelo que, mesmo que o tribunal da condenação delas tivesse lançado mão (e no caso não o fez), sempre a revisão teria de ser denegada. II. O acórdão do TC não bole em mínima medida sequer com o regime processual penal das interceções telefónicas e com o que lhe é instrumental consagrado no CPP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da 3ª Secção Criminal no Supremo Tribunal de Justiça:
I - RELATÓRIO 1. O Recorrente por acórdão de 06/04/2022 foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 8 (oito) anos e 10 (dez meses) de prisão efetiva, encontrando-se, neste momento, em cumprimento desta pena. Cúmulo resultante das seguintes penas parcelares,: 1. Em co-autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. a) e e), por referência às alíneas b) e e) do art. 202.º, todos do Código Penal [apenso A - Inquérito nº 740/17....], na pena de 3 [três] anos de prisão; 2. Em co-autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. a) e e) por referência às alíneas b) e d) do art. 202.º todos do Código Penal [apenso E - Inquérito nº 1691/18....], na pena de 6 [seis] anos e 9 [nove] meses de prisão; 3. Em autoria material singular, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pelo artº 256.º, n.º 1, als. a) e e), e 3, por referência ao disposto na al. a) do artº 255.º, ambos do Cód. Penal [apenso E e Buscas] na pena de 1 [um] ano e 2 [dois] meses de prisão; 4. Em autoria material singular, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. a), por referência à alínea a) do art. 202.º, todos do Cód. Penal [apenso J - Inquérito nº 341/18....], na pena de 1 [um] ano e 2 [dois] meses de prisão; 5. Em autoria material singular, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. a), por referência à alínea b) do art. 202.º, todos do Código Penal [apenso M - Inquérito nº 182/18....], na pena de 2 [dois] anos e 4 [quatro] meses de prisão; 6. Em autoria material singular, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 20º, nº 1 e 204º, nº 2, al. a), por referência à alínea b) do artº 202º, todos do Cód. Penal [apenso O - Inquérito nº 225/18....], na pena de 2 [dois] anos e 6 [seis] meses de prisão; 7. Em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c) e d) do Regime Jurídico de Armas e Munições [buscas domiciliárias], na pena de 1 [um] ano e 8 [oito] meses de prisão; 2. Em recurso de revisão apresentado ao abrigo da al. f) do artigo 449 do CPP apresenta as seguintes conclusões: “a. O arguido foi condenado pela prática dos seguintes crimes: Em co-autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. a) e e), por referência às alíneas b) e e) do art. 202.º, todos do Código Penal [apenso A — Inquérito nº 740/17....], na pena de 3 [três] anos de prisão; Em co-autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. a) e e) por referência às alíneas b) e d) do art. 202.º todos do Código Penal [apenso E - Inquérito nº 1691/18....], na pena de 6 [seis] anos e 9 [nove] meses de prisão; Em autoria material singular, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pelo artº 256.º, n.º 1, ais. a) e e), e 3, por referência ao disposto na al. a) do artº 255.º, ambos do Cód. Penal [apenso E e Buscas] na pena de 1 [um] ano e 2 [dois] meses de prisão; Em autoria material singular, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. a), por referência à alínea a) do art. 202.º, todos do Cód. Penal [apenso J - Inquérito nº 341/18....], na pena de 1 [um] ano e 2 [dois] meses de prisão; Em autoria material singular, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. a), por referência à alínea b) do art. 202.º, todos do Código Penal [apenso M — Inquérito nº 182/18....], na pena de 2 [dois] anos e 4 [quatro] meses de prisão; Em autoria material singular, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 20º, nº 1 e 204º, nº 2, al. a), por referência à alínea b) do artº 202º, todos do Cód. Penal [apenso O - Inquérito nº 225/18....], na pena de 2 [dois] anos e 6 [seis] meses de prisão; Em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c) e d) do Regime Jurídico de Armas e Munições [buscas domiciliárias], na pena de 1 [um] ano e 8 [oito] meses de prisão. b. Em cúmulo jurídico das penas mencionadas em a) foi o arguido condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 8 (oito) anos e 10 (dez meses) de prisão. c. «Da ratio essendi da revisão - A presente providência assenta a sua esfera de gravidade no equilíbrio ténue entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material (CPP Anotado — Simas Santos e Leal Henriques, p.1042 e segs.). Não pode, pois, sobrepor-se a segurança do injusto sobre a justiça (cfr. Os mesmos autores em Recursos em Processo Penal, 3ª Edição, p.163 / Cavaleiro Ferreira in Revisão Penal, Scientia Iuridica, XIV nº92 a 94, p.616). Por conseguinte, o que se almeja neste recurso extraordinário é uma nova decisão judicial que se substitua através da repetição do julgamento, a uma outra já transitada em julgado. d. Do fundamento jurídico-legal da revisão - Tal qual se alegou no ponto c. destas conclusões, no âmbito de presente recurso extraordinário, tem a defesa do arguido, por presente e adquirido que, no domínio do processo penal, tal como, no domínio do processo civil, esta "providência excepcional" tem por fito obviar a decisões juridicamente ilegais, designadamente por constituírem violação da Constituição da República Portuguesa.Com efeito, o Artigo 449 nº 1 alínea F) do CPP dispõe que a "revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação". São estes os fundamentos que estão directamente conexionados com a garantia constitucional do Artigo 29 nº 6 da Lei Fundamental, impondo-se, pois, como exigência, não só de justiça material, como também de salvaguarda do princípio de dignidade humana, em que assenta todo o edifício jurídico-constitucional do Estado de Direito democrático. e. Do fundamento jurídico-legal da revisão, in casu - Numa aproximação do geral para o concreto, somos a afirmar que, in casu, o segmento do normativo susceptível de aplicação efectiva, reporta-se ao Artigo 449 nº 1 alínea f) do Código de Processo Penal. Assim, e considerando a alínea f) do supracitado normativo, na qual se dispõe que se declarada pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação, é possível a revisão em nome da defesa. f. Do fundamento de facto da presente revisão - Começando pelos meios de prova que foram apreciados e utilizados no processo, a primeira questão que a nosso ver, foi erradamente enquadrada, relaciona-se com os meios de prova que determinaram a condenação do arguido pois o tribunal da condenação assentou, como se alegou supra na motivação, fez uso de dados informáticos guardados pelas operadoras, sem controle ou prévia ordem judicial. g. Na verdade, compulsados os autos resulta evidente, não só o uso dos dados - exclusivos em três condenações por furtos nos apensos M, J e O - como, nos demais, a sua ligação e correspondência com os demais meios de prova, designadamente vigilâncias, sendo umas, dependência das outras. h. Ora, o Tribunal Constitucional veio declarar a inconstitucionalidade das normas que permitem a conservação dos dados e acesso e seu uso para a condenação, como foi o caso nestes autos, o que quer significar que a situação in casu se encontra abrangida por este acórdão. - cfr. Acórdão n.º 268/2022 i. Será assim, agora, na sequência da prolação do Douto Acórdão citado, de concluir que, no caso dos autos, os meios de prova que suportaram a condenação do arguido são nulos, o que tem consequências no Acórdão já transitado em julgado e o que deve ser declarado com as legais consequências. j. O método de obtenção de prova proibido leva a que qualquer elemento probatório daí retirado seja automaticamente nulo, por efeito da denominada teoria dos frutos da árvore envenenada. Termos em que muito respeitosamente se requer a V. Exas. Venerandos Conselheiros, que, depois de analisadas as motivações acima aduzidas, seja por decretada a revisão da sentença mencionada e para o efeito seja o processo remetido, in totum) para novo julgamento. 3. O MºPº na 1ª instância apresentou resposta, nos seguintes termos: “O arguido veio interpor recurso revisão alegando que foi condenado com base em elementos de prova que são nulos nos termos do Acórdão do Tribunal Constitucional de 19 de abril de 2022, que declarou a inconstitucionalidade do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008. Esses elementos de prova que o arguido considera nulos são os seguintes: - Nos apensos J, M e O, sms devolvidos automaticamente após chamadas efetuadas pelo arguido para o cartão telefónico n.º ...99, a informar as coordenadas GPS da localização das viaturas alvo e velocidade a que circulavam. Essa localização era possível através de localizadores de GPS que o arguido previamente instalava nos veículos alvo, bem como escutas telefónicas realizadas após a subtração do veículo. - No apenso M foram utilizados localizadores celulares, conforme supra relatado. - No apenso O localização celular a partir de dados móveis colocados na viatura da marca BMW, modelo ..., e com a matrícula ..-MV-... - Nos apensos A e J, foram utilizados como meio de prova escutas telefónicas e os sms devolvidos automaticamente após chamadas efetuadas pelo arguido para o cartão telefónico n.º ...93, a informar as coordenadas GPS da localização das viaturas alvo e velocidade a que circulavam. - Nos demais apensos, foram utilizadas como meio de prova escutas telefónicas. Contudo, o Ministério Público é de parecer que o despacho proferido pelo tribunal a quo deve ser mantido porquanto: Conforme já decidido nos Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no RECURSO DE REVISÃO no Processo 618/16...., de 06.09.2022 e no Processo 4243/17...., de 08.09.2022, não assiste razão ao requerente. A Lei n.º32/2008, de 17 de julho, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações. O objeto de tal diploma está consagrado no seu artigo 10.º, o qual dispõe o seguinte: 1 - A presente lei regula a conservação e a transmissão dos dados de trafego e de localização de ativos a pessoas singulares e a pessoas coletivas, bem como dos dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado, para fins de investigação, deteção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n. 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativa à conservação de (dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, e que altera a Directiva n.º 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Junho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no sector das comunicações eletrónicas. 2 - A conservação de dados que revelem o conteúdo das comunicações é proibida, sem prejuízo do disposto na Lei n.º 11/2004, de 18 de agosto, e na legislação processual penal relativamente à interceção e gravação de comunicações. O artigo 2º do mesmo diploma legal estatui que ‘Para efeitos da presente lei, entende-se por “a) «Dados», os dados de trafego e os dados de localização, bem como os dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador. O acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022, de 19/04/2022 declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei. Mais declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros. Conforme sublinhado no citado acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022, o que está em causa são os dados que revelem, a todo o momento, aspetos da vida privada e familiar dos cidadãos, permitindo rastrear a localização do individuo ao longo do dia, todos os dias (desde que transporte o telemóvel ou outro dispositivo eletrónico de acesso à internet). E identificar com quem contacta (chamada - inclusive as tentadas e não concretizadas - por telefone ou telemóvel. envio ou receção de sms, de correio eletrónico ou de comunicações telefónicas através de internet), bem como a duração e a regularidade dessas comunicações. Porque se trata de dados que não abrangem o conteúdo das comunicações, dizendo respeito apenas às suas circunstâncias (marcos ou pontos de referência que lhe dão o respetivo suporte e que permitem circunscrever a informação sob todas as formas), são designados como “metadados”. Também conhecidos como “dados de tráfego”, os mesmos haviam sido já objeto de definição no âmbito do acórdão do Tribunal Constitucional nº 241/2002, de 02/05, segundo o qual encontramos: - dados de base, relativos à conexão de rede e que permitem, independentemente de qualquer comunicação, a identificação do utilizador de certo equipamento - nome, morada, número de telefone; - dados funcionais, necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação; - dados de tráfego, gerados pela utilização da rede (ex: localização do utilizador, localização do destinatário, duração da utilização, data e hora, frequência). São dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pela utilização da rede (por exemplo, localização do utilizador, localização do destinatário, duração da utilização, data e hora, frequência). Traduzem-se em elementos da própria comunicação que permitem identificar, em tempo real ou a posterior, os utilizadores, o relacionamento directo entre uns e outros através da rede, a localização, a frequência, a data, a hora e duração da comunicação. - dados de conteúdo, relativos ao conteúdo da comunicação ou mensagem. O artigo 4º da Lei n.º 32/2008 de 17 de julho, acima referenciada, refere-se aos chamados dados de tráfego ou metadados, assim como aos dados de base. Escutas telefónicas: Volvendo ao caso dos autos, constata-se que o acesso das entidades policiais em sede de investigação se estendeu aos elementos necessários para a realização de interceções telefónicas para recolha de elementos de prova em tempo real e para o futuro. Porém, tal Acórdão não questionou a vigência do artigo 187.º do CPP, ao abrigo do qual foram legitimamente autorizadas pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, a requerimento do Ministério Público, as interceções telefónicas levadas a cabo nos autos. Dispõe o artigo 187.º do CPP no seu n.º 1 que “A interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes: a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;”. No caso concreto, os crimes de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea a) e e), do Código Penal, com pena de 2 a 8 anos prisão; o crime de falsificação ou contrafação de documento, p. e p. artigo 256.º, n.º 1, als. a) e e), e 3, do Código Penal, com pena de prisão de seis meses a 5 anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias, e o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c) e d) do Regime Jurídico de Armas e Munições, com pena de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. Conclui-se, assim, que estamos em presença de um crime de catálogo, uma vez que é punido com uma pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos, estando verificados todos os pressupostos legais de validade das interceções e gravações telefónicas. No âmbito das interceções telefónicas estamos perante a recolha de prova em tempo real e para o futuro e não perante qualquer tipo de dado que esteja armazenado e preservado, não consubstanciando, assim, qualquer “metadado”. Entendemos que, no caso concreto, as interceções telefónicas autorizadas foram obtidas na sequência de despacho do Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal ao abrigo do disposto no artigo 187.º do CPP, cuja validade não foi colocada em causa pelo Tribunal Constitucional. Soçobra, assim, o fundamento invocado no recurso ora interposto dado que as provas a que o tribunal atendeu na sua motivação não constituem prova proibida nos termos alegados pelo recorrente. Localização do veículo automóvel através de GPS: Invoca ainda o requerente a utilização do meio de prova obtido através da localização dos veículos recorrendo ao sistema de localização GPS. Ora o padrão invocado pelo requerente (o direito à inviolabilidade das comunicações, consagrado no artigo 34.º da Constituição) não protege os dados de base, como se concluiu nos Acórdãos n.ºs 486/2009 e 403/2015, e se reiterou no Acórdão n.º 463/2019 «Assim, quer os dados de base, quer os dados de localização de equipamento, a que se refere o artigo 3.º da Lei Orgânica, n.º 4/2017, não devem ser considerados como dados atinentes a uma comunicação, já que tanto nuns quanto noutros inexiste qualquer dimensão subjetiva inerente à comunicação. Os primeiros são, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º da mesma Lei, dados escritos atinentes a uma relação contratual entre uma pessoa e uma empresa operadora de telecomunicações, referindo-se à identificação e morada do titular e ao próprio contrato de ligação à rede; os segundos abrangem a deteção de dados de localização a partir de um telefone ligado, mas em stand by, e/ou através do sistema de satélite GPS ou outro (ver, neste sentido, Manuel da Costa Andrade, “Comentário ao artigo 194.º do Código Penal”, in J. Figueiredo Dias (direção), Comentário Conimbricense do Código Penal — Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2012, pág. 1104)». “Não parece dever mudar-se a orientação de que o regime jurídico-constitucional relevante para a apreciação da medida de conservação dos endereços de protocolo de IP dinâmicos que identificam a fonte da comunicação deve ser o dos dados de base. Na verdade, ainda que seja discutível a respetiva categorização (porquanto o apuramento do endereço de protocolo IP dinâmico pressupõe a análise do momento em que se realizou uma concreta comunicação), a intensidade de agressão aos direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa é, neste domínio, similar ao dos demais dados de base. Com efeito, o apuramento da identidade do utilizador da fonte da comunicação a quem estava atribuído o protocolo IP em certo momento não revela as circunstâncias da comunicação, a sua duração, a pessoa com quem se comunica ou os sites consultados; limita-se a identificar, tal como nos demais dados de base, o utilizador daquele computador.”. Caso julgado: Ainda que assim não se entendesse, sempre improcederia o recurso face ao disposto no artigo 282º, nº3 da Constituição da República Portuguesa, o qual ressalva o instituto do caso julgado. Tal preceito, sob a epígrafe “Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade”, estabelece o seguinte: “1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado. 2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infração de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última. 3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido. 4. Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excecional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos 1 e 2”. Ora, analisado o teor do acórdão do Tribunal Constitucional nº268/2022, não se descortina que aí se tivesse excecionado a ressalva do caso julgado nos termos referidos. Inexistindo, pois, razão para que a declaração de inconstitucionalidade contemplasse a necessária e expressa exceção à ressalva dos casos julgados. Assim, face a tudo o supra exposto, entendo ser de negar a revisão da sentença.” 4. Veio informação prestada pelo mmo juiz da instância: “Cumprindo o disposto no artigo 454.º do Código de Processo Penal, consigna-se que é meu parecer que o recurso de revisão está votado ao insucesso, considerando: - o teor do artigo 282.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, o qual ressalva o instituto do caso julgado das decisões penais; e - a fundamentação exposta nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, nos recursos de revisão no Processo n.º 618/16...., de 06/09/2022 e no Processo n.º 4243/17...., de 08/09/2022.” 5. O Exmo PGA neste Supremo apresentou desenvolvido Parecer, do seguinte teor: “No Processo Comum nº 85/15.... do Juízo Central Criminal ..., J..., foram julgados: AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, e JJ. Para o que vai interessar o presente recurso de revisão, verificaram-se condenações de diversos arguidos, entre as quais a do arguido BB, pela prática: 1. Em co-autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. a) e e), por referência às alíneas b) e e) do art. 202.º, todos do Código Penal [apenso A – Inquérito nº 740/17....], na pena de 3 [três] anos de prisão; --- 2. Em co-autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, em co-autoria material, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d) da L. nº 5/2006, de 23.02 [apenso A – Inquérito nº 740/17....] na pena de 5 [cinco] meses de prisão; --- 3. Em co-autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. a) e e) por referência às alíneas b) e d) do art. 202.º todos do Código Penal [apenso E – Inquérito nº 1691/18....], na pena de 6 [seis] anos e 9 [nove] meses de prisão; 4. Em autoria material singular, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pelo artº 256.º, n.º 1, als. a) e e), e 3, por referência ao disposto na al. a) do artº 255.º, ambos do Cód. Penal [apenso E e Buscas] na pena de 1 [um] ano e 2 [dois] meses de prisão; --- 5. Em autoria material singular, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. a), por referência à alínea a) do art. 202.º, todos do Cód. Penal [apenso J – Inquérito nº 341/18....], na pena de 1 [um] ano e 2 [dois] meses de prisão; --- 6. Em autoria material singular, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. a), por referência à alínea b) do art. 202.º, todos do Código Penal [apenso M – Inquérito nº 182/18....], na pena de 2 [dois] anos e 4 [quatro] meses de prisão; --- 7. Em autoria material singular, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 20º, nº 1 e 204º, nº 2, al. a), por referência à alínea b) do artº 202º, todos do Cód. Penal [apenso O – Inquérito nº 225/18....], na pena de 2 [dois] anos e 6 [seis] meses de prisão; --- 8. Em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c) e d) do Regime Jurídico de Armas e Munições [buscas domiciliárias], na pena de 1 [um] ano e 8 [oito] meses de prisão; --- Em cúmulo jurídico das penas mencionadas sob os pontos 1. a 8., foi então condenado na pena única de 9 [nove] anos de prisão. Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação ..., que, por Acórdão datado de 25 de Outubro de 2021, concedeu parcial provimento ao mesmo, absolvendo o arguido em questão (bem como um coarguido) do crime de detenção de arma proibida, mas negando provimento aos demais pedidos, mantendo na íntegra as penas que lhe haviam sido aplicadas em 1ª instância pelos restantes crimes pelos quais havia sido condenado. Refazendo o cúmulo jurídico das penas em função daquela absolvição, o Tribunal da Relação fixou a pena única em 8 (oito) anos e 10 (dez) meses de prisão. Ainda inconformado, recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão datado de 6 de Abril de 2022, manteve a decisão anterior. Vem agora o arguido BB, invocando o disposto no artº 449º, nº 1, do Código de Processo Penal, interpor recurso de revisão, alegando, como ali se prevê como fundamento para este tipo de recurso, a circunstância de ter sido declarada pelo Tribunal Constitucional a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que teria servido de fundamento à condenação. Alega ser «nula toda aprova obtida com recurso aos METADADOS recolhidos e guardados pela operadora telefónica sobre os telemóveis dos arguidos utilizados para, através dos seus IPs, terem fornecido aos autos as trocas de comunicações que estabeleceram entre si na data dos factos as horas, números de contatos e local de onde faziam tais contatos, bem assim, como os relativos aos dados que permitiram a localização das chamadas, sendo esta situação flagrante nos apensos M, O e J, onde, como resulta do Acórdão condenatório inexiste qualquer outra prova que não seja os dados informáticos reunidos e guardados pelas operadoras telefónicas. Esta prova (fornecida pelas operadoras em causa nos autos) é nula nos termos do Acórdão do Tribunal Constitucional de 19 de abril 2022 aplicável a processos ainda que transitados em julgado e futuros, pois por decisão do Coletivo dos Conselheiros do Tribunal Constitucional foi declarada a inconstitucionalidade do artigo 4o da Lei n.º 32/2008. Mesmo nas situações em que os dados não tenham sido por si só prova direta exclusiva — apenso A e E - que suportou a condenação do arguido, a verdade é que não se poderá deixar de concluir, que o recurso aos metadados guardados de forma inconstitucional contaminou a demais prova, ou melhor os meios de prova.» […] O art.º 122.º, do Código de Processo Penal, apresenta um afloramento sobre a questão: As nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aqueles que puderem afetar. Ora, resulta da letra da própria lei que, de facto, todas as provas que provierem de uma prova proibida, deverão de ser consideradas nulas, até aquelas que, posteriormente, se desenvolvam para o conhecimento da prática de outro crime. […] Na mesma esteira outros autores consideram que tal raciocínio se plasma no art.º 126, do Código de Processo Penal, pois consideram que o método de obtenção de prova proibido leva a que qualquer elemento probatório daí retirado seja automaticamente nulo. Face ao exposto, em aplicação ao caso concreto, com conjugação do art.º 122.º e 126.º do Código de Processo Penal e do n.º 8, do art.º 32.º, da Constituição da República Portuguesa, toda a prova extraída através de metadados é, fundamentalmente, proibida. A não assunção desta conclusão levará uma inconstitucionalidade, pela violação clara do n.º 1, do art.º 38.º, do Constituição da República Portuguesa, pois fazem parte das garantias fundamentais de defesa o direito de ver excluídas do processo (tornadas ineficazes, inválidas ou nulas) as próprias provas ilegais reportadas a valores constitucionalmente relevantes, conforme defende Helena Morão, in "Efeito-à-distância das proibições de prova e declarações confessórias — o acórdão nºl 98/2004 do Tribunal Constitucional e o argumento "the cat is out of the bag", Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 22, Outubro-Dezembro 2012, p. 692. E daqui que, como refere nas conclusões (transcreve-se): -« […] Começando pelos meios de prova que foram apreciados e utilizados no processo, a primeira questão que a nosso ver, foi erradamente enquadrada, relaciona-se com os meios de prova que determinaram a condenação do arguido pois o tribunal da condenação assentou, como se alegou supra na motivação, fez uso de dados informáticos guardados pelas operadoras, sem controle ou prévia ordem judicial. - Na verdade, compulsados os autos resulta evidente, não só o uso dos dados - exclusivos em três condenações por furtos nos apensos M, J e O - como, nos demais, a sua ligação e correspondência com os demais meios de prova, designadamente vigilâncias, sendo umas, dependência das outras. - Ora, o Tribunal Constitucional veio declarar a inconstitucionalidade das normas que permitem a conservação dos dados e acesso e seu uso para a condenação, como foi o caso nestes autos, o que quer significar que a situação in casu se encontra abrangida por este acórdão. - cfr. Acórdão n.º 268/2022 - Será assim, agora, na sequência da prolação do Douto Acórdão citado, de concluir que, no caso dos autos, os meios de prova que suportaram a condenação do arguido são nulos, o que tem consequências no Acórdão já transitado em julgado e o que deve ser declarado com as legais consequências. - O método de obtenção de prova proibido leva a que qualquer elemento probatório daí retirado seja automaticamente nulo, por efeito da denominada teoria dos frutos da árvore envenenada.» Acabando por pedir que seja por decretada a revisão da sentença, sendo o processo remetido, in totum para novo julgamento. O Ministério Público em 1ª instância pugnou pela negação da revisão, em despacho que se dá aqui por reproduzido, invocado jurisprudência deste STJ e do Tribunal Constitucional ao caso aplicável. Igual entendimento foi expresso pelo Senhor juiz do processo, que prestou breve informação nos termos referidos no artº 454º do CPP. Acompanhamos o parecer do MºPº em 1ª instância no sentido de que não deverá ser admitida a revisão. Na verdade, a questão centra-se nos efeitos da publicação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, proferido em 19-4-2022, publicado no Diário da República n.º 108/2022, Série I de 2022-06-03, que decidiu: “a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos n.os 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição; e b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.” Desde logo, sem sequer entrar na análise das questões concretas da decisão ora recorrida que poderão ter alguma relação com as matérias objeto de decisão do TC, há a notar que, como refere o MºPº em 1ª instância, tal declaração não pode afetar decisões já transitadas em julgado, como é a que condenou o ora recorrente. Na verdade, o artº 282º da Constituição da República Portuguesa, visando a salvaguarda do princípio da segurança jurídica, dispõe, para os casos de declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral, que a mesma produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado, mas ficando (nº 3) «ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido». Sucede que o acórdão do Tribunal Constitucional nº268/2022, não excecionou a ressalva do caso julgado, pelo que – mesmo a ser a matéria dos autos abrangida pela previsão da norma declarada inconstitucional – não teria qualquer efeito. Nesse sentido, unanimemente entenderam já os Acórdãos deste STJ proferidos em 06.09.2022, no Processo 618/16.0SMPRT-B.S1- [Relator - Ernesto Vaz Pereira], de 06.09.2022, no processo 4243/17.0T9PRT-K.S1 [Relatora – Teresa de Almeida] e em 21.9.2022, no Processo 79/13.5JBLSB-C.S1 [Relator – Ernesto Vaz Pereira]). Todos eles, com larga referência a doutrina a propósito da matéria, que nos dispensamos aqui de reproduzir, sem dúvidas chegaram à conclusão da não aplicação da declaração de inconstitucionalidade ora em causa a casos já transitados em julgado, como é o aqui tratado. E daqui que terá de naufragar o pedido de revisão ora formulado, pois que só se se entendesse pela aplicação ao caso da doutrina emanada pelo TC se poderia – e ainda assim, cumprindo verificar outros elementos – colocar a possibilidade de ser determinada a revisão, atentas as exigências desta figura (nomeadamente a existência de elementos que, em nome da Justiça, levassem a ultrapassar os princípios da segurança e certeza jurídica decorrentes do caso julgado). Na verdade, mesmo se não se colocasse desde logo ao recorrente o «entrave» de o TC não ter determinado o efeito da declaração aos casos já transitados em julgado, mesmo assim nem seria líquida e de ‘aplicação direta’ ao caso da revisão, tudo ficando dependente da análise a efetuar à situação concreta. E, a ser necessário seguir este caminho – o que, como atrás se disse, não é – acabaria por se ter de entender que não deveria ser admitida a revisão. Com efeito: O que está em causa, como o acórdão do Tribunal Constitucional refere, são os ‘dados de tráfego’, que revelem, a todo o momento, aspetos da vida privada e familiar dos cidadãos, permitindo rastrear a localização do indivíduo ao longo do dia, todos os dias (desde que transporte o telemóvel ou outro dispositivo eletrónico de acesso à internet). E identificar com quem contacta (chamada - inclusive as tentadas e não concretizadas - por telefone ou telemóvel, o envio ou receção de sms, de correio eletrónico ou de comunicações telefónicas através de internet), bem como a duração e a regularidade dessas comunicações. Porque se trata de dados que não abrangem o conteúdo das comunicações, dizendo respeito apenas às suas circunstâncias (marcos ou pontos de referência que lhe dão o respetivo suporte e que permitem circunscrever a informação sob todas as formas), são designados como “metadados”. E ainda os ‘dados de base’ que, por sua vez (e conforme definição estabelecida também pelo Tribunal Constitucional no acórdão 241/2002, de 2.5), são os relativos à conexão de rede e que permitem, independentemente de qualquer comunicação, a identificação do utilizador de certo equipamento - nome, morada, número de telefone. Sucede que no próprio acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022 é reconhecida a indispensabilidade da obtenção de certos dados – melhor especificando, metadados – para fins de investigação em sede de criminalidade grave, violenta ou altamente organizada. E que o mesmo acórdão não tocou, com a declaração de inconstitucionalidade outros diplomas, como a Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto (que transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no sector das comunicações eletrónicas), as restantes disposições contidas na Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho (que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações), a Lei do Cibercrime – Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro e até o próprio Código de Processo Penal, tudo diplomas com base nos quais o Ministério Público ou o Juiz de Instrução Criminal requisitam dados às operadoras de comunicações. Na verdade, o artº 187.º do CPP no seu n.º 1 dispõe que “A interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes: a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;”. Por sua vez, a Lei do Cibercrime – Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro –, no seu art.º 14º, n.º 4, prevê a possibilidade de a autoridade judiciária solicitar “dados relativos aos seus clientes ou assinantes, neles se incluindo qualquer informação diferente dos dados relativos ao tráfego ou ao conteúdo, contida sob a forma de dados informáticos ou sob qualquer outra forma, detida pelo fornecedor de serviços e que permita determinar”; nomeadamente, “a identidade, a morada postal ou geográfica e o número de telefone do assinante, e qualquer outro número de acesso…” (al. b), legitimando o pedido de informações sobre a identidade do utilizador – específico – de um determinado endereço de protocolo IP. E os dados de tráfego e localização que sejam requisitados ao abrigo da Lei n.º 41/2004 relativamente a crimes de “catálogo” e àqueles a que se referem os nºs 1 e 4 do art.º 187º do Código de Processo Penal, que pudessem ter sido, igualmente, obtidos ao abrigo da Lei n.º 41/2004 (no prazo de 6 meses). Assim, no decurso da investigação, em tudo o que se refere a tais dados que serviram de base para a formação da convicção, foram cumpridas todas as normas processuais que preveem a obtenção e garantem o controle deste tipo de elementos de prova por parte das autoridades judiciárias competentes. E lembre-se que, por exemplo no que se refere às interceções telefónicas efetuadas (e donde resultou a obtenção de vários elementos probatórios), as mesmas não têm qualquer relação com a declaração de inconstitucionalidade aqui em análise, pois que a efetivação destas interceções não cabem na previsão de qualquer dos preceitos da Lei nº 32/2008, antes tendo sido determinadas/autorizadas com base nos preceitos constantes no Código de Processo Penal, que, como atrás se disse, não sofreram qualquer limitação. Finalmente, há ainda a fazer notar – relativamente aos concretos aspetos referidos no recurso (quando o recorrente ali menciona casos concretos em que, na sua opinião, se poderia agora questionar a legalidade da prova obtida) – que não corresponde à realidade que a prova utilizada para se formar a convicção quanto a ter sido o autor dos factos se reconduza a «dados informáticos guardados pelas operadoras»: o acórdão de 1ª instância, depois mantido pelos Tribunais Superiores, indica especificadamente os elementos e motivos que formaram aquela convicção, verificando-se que nunca se bastou com aquela prova, nem resulta igualmente que tenha sido dela que resultaram todas as demais (como o recorrente pretende, ao invocar a teoria dos frutos da árvore envenenada). Por exemplo, quanto aos factos que estavam em causa no Apenso M (Processo 182/18....), são referidos variados meios de prova para além dos que resultaram das interceções telefónica (fls. 1428 e seguintes da certidão junta), como os depoimentos prestados, em audiência de julgamento, pelas testemunhas KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ e RR, o auto de notícia, cópias de faturas de aquisição, cópia da documentação de aluguer, cópia de uma outra fatura, autos de visionamento, imagens e registos fotográficos, autos de busca e de apreensão, diversos exames periciais, faturas de reparação, autos de busca e de apreensão, tudo elementos que, conjugados entre si e com as regras da experiência, levaram o Tribunal a concluir qual a factualidade provada e não provada da que constava na acusação. O mesmo se tendo passado relativamente aos demais factos que foram dados como provados (nomeadamente nos apensos O, J, A e E, especificamente referenciados pelo arguido/recorrente), em que a prova resultou de um conjunto alargado de elementos probatórios conjugados entre si. Na verdade, veja-se a fundamentação quanto a tais aspetos: - a fls. 1435 e seguintes da certidão, quanto ao Apenso O (Processo 225/18....); - a fls. 1530 e seguintes da certidão, quanto ao Apenso M (Processo 341/18....); - a fls. 1260 e seguintes da certidão, quanto ao Apenso A (Processo 740/17....); e - a fls. 1340 e seguintes da certidão, quanto ao Apenso E (Processo 1691/18....). Em todos estes casos, especificamente referenciados pelo recorrente foi um conjunto de prova que formou a convicção dos julgadores, não apenas a que teve relação com aproveitamento de metadados, nem sequer destes resultantes, não podendo o recorrente, assim, vir invocar matéria já consolidada, alegando, por exemplo, que nenhuma das testemunhas identificou o arguido como sendo o autor dos furtos, daí partindo, sem mais, para a conclusão de que toda a matéria de facto dada como provada resultou de elementos colhidos através de metadados. Ou seja, tentando agora recorrer da matéria de facto, o que lhe está vedado. [De referir ainda que – a ser necessário, o que entendemos pela negativa, dado o trânsito em julgado da decisão ora recorrida, - que sempre haveria ainda de apurar se os dados se reportaram a período anterior ao pedido e quão anterior, atenta a circunstância de as operadoras legitimamente guardarem os dados durante 6 meses. Na verdade, como referido por Duarte Rodrigues Nunes, na RMP nº 170, de Abril-junho 2022, “E, no que tange à prévia conservação de metadados (ainda que não para efeitos de investigação criminal), nos termos dos artigos 6.º, n.º 3, e 7.º da Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto, e 9.º, n.º 2 e 10.º. n.º 1, da Lei n.º 23/96 de 26 de julho, os operadores de comunicações eletrónicas poderão conservar os metadados por seis meses (que é o período durante o qual a fatura pode ser legalmente contestada ou o pagamento reclamado), sendo que, se essa conservação é legalmente admissível para efeitos de salvaguarda de direitos privados dos operadores de comunicações eletrónicas de cariz patrimonial (cobrança dos serviços prestados), por maioria de razão, é igualmente legítimo o acesso das autoridades a tais dados (legitimamente conservados) para fins de investigação criminal, prosseguindo-se, dessa forma, o interesse público numa Justiça penal funcionalmente eficaz (que é um pressuposto essencial do Estado de Direito e possui, também ele, respaldo constitucional), sendo que a investigação dos crimes e a punição dos criminosos é levada a cabo em prol do interesse da Comunidade no seu todo e não em prol do engrandecimento do Estado nem de interesses meramente privados”. ] 7. Notificado o parecer ao Recorrente não veio resposta. 8. Foi aos vistos e decidiu-se em conferência. II - FUNDAMENTAÇÃO 9. Teleologicamente o recurso de revisão visa a reposição da verdade e, por ela, da justiça, no dirimir da tensão entre a segurança do caso julgado e a justiça do caso concreto. Por isso é que já Luis Osório, in “Comentário ao Código de Processo Penal”, VI, 402, sublinhava que “O princípio da res judicata pro veritate habetur (tem-se por verdade a coisa julgada) é um princípio de utilidade e não de justiça e assim não pode impedir a revisão da sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos alcançar. Se o processo civil admite a revisão do caso julgado, com mais razão a deve admitir o processo penal.” E no âmbito do processo civil já o Professor Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Volume V, Coimbra Editora, 1984, pág. 158, ensinava: “Estes recursos pressupõem que o caso julgado se formou em condições anormais, que ocorreram circunstâncias patológicas susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. O recurso extraordinário visa eliminar o escândalo dessa injustiça. Quer dizer, ao interesse da segurança e da certeza sobrepõe-se o interesse da justiça.”. Claro que a latitude a fornecer ao recurso de revisão será definida pelo legislador sobretudo tendo em conta os princípios da justiça e da proporcionalidade (29, nº 6, da CRP: “nas condições que a lei prescrever”, em conferida liberdade de conformação ao legislador). E que vai mudando tanto quanto o princípio da justiça o imponha, por direito dos “cidadãos injustamente condenados” (citado nº 6). Para o caso que aqui interessa a alínea f) foi acrescentada com a reforma do CPP em 2007, por via da L. 48/2007, de 29/08. Trata-se de recurso extraordinário que o texto constitucional consagrou no artigo 29, nº 6, e, na decorrência, se suporta nos fundamentos taxativamente fixados no artigo 449, nº 1, do CPP. Secundando a norma constitucional interna, no Direito Europeu também o artº. 4º, nº. 2, do protocolo adicional nº. 7 à CEDH prevê que a descoberta de factos novos ou recentemente revelados ou a existência de um vício fundamental no processo anterior permite a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa. Fundamentos da revisão, em enumeração fechada, orientados uns pro societate, als a) e b), e visando outros finalidades pro reo, as demais alíneas. Pode ser objeto de revisão qualquer sentença penal, singular ou colegial, desde que transitada em julgado, bem como qualquer despacho que tenha posto fim ao processo (nºs 1 e 2). Tal recurso extraordinário constitui-se meio processual especialmente vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça. Só deverá ser excecionalmente admitido naqueles casos que se apresentem com probabilidade séria de ter havido erro na decisão. O carácter extraordinário na forma e excecional na admissão há de levar inelutavelmente a um grau de exigência incompatível com uma leviana e generalizada aceitação do mesmo. Como comumente o tem adiantado a doutrina e a jurisprudência, só circunstâncias substantivas e imperiosas levarão à quebra do caso julgado, não se aceitando que tal recurso extraordinário se transforme em apelação disfarçada ou em adicional recurso de impugnação do decidido para nova reapreciação do anterior julgado. É a própria Lei fundamental que autonomiza o recurso de revisão do recurso normal, prevendo-o no artigos 29, nº 6, e é a jurisprudência constitucional que afirma a necessidade da sua não banalização e não desvalorização do recurso (cfr ac. do TC nº 376/200). Depois necessário é que se invoque e se demonstre que um daqueles fundamentos foi determinante da grave injustiça cometida seja de condenação ou de absolvição. Para o nosso caso vem invocado como sustento da revisão da condenação o acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022. O citado acórdão “Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei; declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros” 10. Tem o acórdão força de revisão sobre a decisão condenatória? Não tem, perante a inexistência de “decisão em contrário” do Tribunal Constitucional. O disposto no artigo 282º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa ressalva o instituto do caso julgado, a não ser que expressamente o Tribunal Constitucional diga outra coisa. Tal preceito, sob a epígrafe “Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade”, estabelece o seguinte: “1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado. 2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infração de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última. 3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido. 4. Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excecional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n.os 1 e 2 ». Ora, o acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022 não excecionou a ressalva dos casos julgados nos termos referidos (artigo 282, nº 3, 2ª parte). A publicação do acórdão do TC, em 03/06/2022, sendo que é com a publicação oficial que ganhou eficácia jurídica, nos termos dos artigos 1, nº 1, e 3, nº 2, al. h), da L. 74/98, de 11/11, e 3º, nº 1, al. a), da L. 28/82, de 15/11, é posterior ao trânsito em julgado da sentença revidenda, em 20/04/2022 (cfr certidão junta). E “O sentido da norma do 282, nº 3, da CRP só pode ser este: (1) em princípio, a declaração de inconstitucionalidade (ou ilegalidade) não implica «revisão» dos casos julgados em que se tenha aplicado a norma declarada inconstitucional (ou ilegal); (2) todavia, os casos julgados que incidam sobre matéria penal, disciplinar ou de mera ordenação social poderão ser revistos, se da revisão resultar (por efeito da desaplicação da norma considerada inconstitucional ou ilegal) uma decisão de conteúdo mais favorável ao arguido (cfr. art. 29.º-4); (3) a possibilidade de revisão de sentenças constitutivas de caso julgado em matéria penal ou equiparada não é automática, pois tem de ser expressamente decidida pelo TC na sentença que declarar a inconstitucionalidade (ou ilegalidade) da norma. (in J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, Pág. 1041, nota V).” E em nota ao artigo 282, in “Constituição Portuguesa Anotada”, UC Editora, 2ª edição, Jorge Miranda e Rui Medeiros, se acrescenta: “A primeira parte do nº 3 do artigo 282 do texto constitucional atual estabelece, como limite geral aos efeitos retroativos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a ressalva dos casos julgados. O fundamento último da solução consagrada na primeira parte do nº 3 do artigo 282 da Constituição não se encontra só no respeito pela autoridade própria dos tribunais ou num princípio de separação de poderes, estando indissociavelmente ligado a uma exigência de segurança jurídica. “Colocado entre dois campos de interesses opostos – de um lado a consideração do interesse da certeza e segurança jurídicas, a demandar o respeito pelo caso julgado, com a sua natureza definitiva, e do outro o interesse do respeito pela legalidade constitucional, a solicitar a reconstituição da ordem jurídica constitucional mediante o afastamento da norma que a violava e de todos os efeitos jurídicos produzidos á sua sombra -, o legislador constitucional sobrepôs o primeiro ao segundo, pondo como limite ao efeito ex tunc da inconstitucionalidade a existência de caso julgado formado relativamente a situação em que tenha ocorrido a aplicação da norma declarada inconstitucional” (acórdão nº 232/04). E não se diga que, por esta via, se verifica “um verdadeiro fenómeno de autoderrogação constitucional”, admitindo-se a derrogação do princípio de que a validade de todos os atos do poder público depende da sua conformidade com a Constituição (PAULO OTERO, Ensaio, pag. 89). É que, em rigor, o problema não está na opção entre privilegiar a plenitude da Constituição ou, ao invés, a certeza do direito declarado judicialmente, porquanto a certeza do direito declarado judicialmente (ainda que inconstitucional …) é, ela própria, uma das formas de que se reveste a certeza constitucional. Nesta perspetiva, num Estado de Direito, que protege a confiança e tutela a segurança jurídica, a ressalva dos casos julgados constitui ainda uma forma de assegurar a primazia da ordem constitucional (cfr, para maiores desenvolvimentos, JORGE MIRANDA; Fiscalização da Constitucionalidade, pags 335 e segs; RUI MEDEIROS, A decisão de inconstitucionalidade, pags 548 e segs – cfr ainda, na jurisprudência mais recente, Acórdãos nºs 108/12 e 680/15).” Abordando a questão Freitas Belo, in “O recurso de revisão e a reforma penal”, “Julgar”, nº 23, finaliza que “(…), julga-se possível operar uma interpretação das normas mencionadas que se contenha nos limites da Constituição, a saber: seguir uma interpretação restritiva da al. f) do n.º 1 do art. 449.º do Código em termos de ela só abranger as situações em que o TC afastou a excepção de aplicação da decisão de inconstitucionalidade às decisões transitadas em julgado, nos termos do art. 282.º, n.º 3. Se assim for, como nos parece que deve ser, a citada al. f) do n.º 1 do art. 449.º permite ao seu intérprete dar uma interpretação conforme à Constituição, achando-se isenta de quaisquer dúvidas a esse nível.” Mais recentemente, in “A eventual tangibilidade do caso julgado fundado em normas inconstitucionais sancionatórias menos favoráveis. Breves notas sobre o Acórdão do Tribunal Constitucional”, in “Boletim da Ordem dos Advogados”, nº 35, a constitucionalista Raquel Brízida Castro, começa por assinalar que “O Acórdão sub juditio não procede à limitação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, pelo que, nos termos do n.º 1 e n.º 3, do artigo 282.º, da CRP, é aplicável o regime regra dos efeitos das decisões de acolhimento, no que concerne à inconstitucionalidade originária: i. Efeitos ex tunc da decisão, sendo a norma erradicada do ordenamento jurídico bem como os efeitos por ela produzidos desde a sua entrada em vigor; ii. Repristinação, automática, do direito revogado pela norma declarada inválida; iii. A força obrigatória geral decorrente da decisão traduz-se: (i) força de caso julgado formal e material; (ii) eficácia erga omnes;” Depois avança que sufraga “a tese da inderrogabilidade absoluta e automática do caso julgado, perante normas sancionatórias declaradas inconstitucionais de conteúdo menos favorável ao arguido, pelas razões seguintes: i. Em primeiro lugar, sobressai o elemento literal de interpretação, porquanto afigura-se-nos incontornável que a existência de uma obrigação ou dever vinculado teria de resultar expressamente do enunciado constitucional; ii. Em segundo lugar, no plano teleológico, poder-se-á deduzir que o TC, enquanto órgão máximo da Justiça Constitucional e o único tribunal investido no poder de erradicar normas inconstitucionais com força obrigatória geral, será, na perspetiva constitucional, o tribunal melhor colocado na ordem jurídico-constitucional portuguesa para proceder a ponderações com eficácia erga omnes com vista à eventual derrogabilidade do princípio da constitucionalidade ou da sua eventual prevalência sobre outros bens constitucionalmente protegidos como sejam o princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido; iii. Precisamente, porque é o TC, nos termos do artigo 221.º, da CRP, o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional.” Continua sublinhando que “o TC, no exercício das suas competências próprias e exclusivas, atribuídas expressamente pela Constituição, procedeu a uma ponderação e decidiu não reabrir os casos julgados, apesar de a norma invalidada com força obrigatória geral ser de natureza sancionatória e menos favorável ao arguido; v. O legislador constituinte atribuiu, expressamente, ao TC, em sede de prolação de decisão de provimento em fiscalização sucessiva abstrata, a faculdade de ponderar, à luz do princípio da proporcionalidade, se, estando verificados os pressupostos elencados na norma constitucional de derrogabilidade do caso julgado, pode o mesmo ser objeto de modificação em virtude da destruição retroativa da norma que fundou esse mesmo caso julgado, em favor da aplicação do tratamento legislativo mais favorável. vi. Admitir-se que um tribunal criminal possa substituir-se ao TC na revisão do caso julgado, nos casos expressamente previstos na 2.ª parte, n.º 3, artigo 282.º, da CRP, atentaria diretamente contra o princípio da intangibilidade do caso julgado, aplicável ope constitutionis, bem como as competências do TC e a respetiva reserva constitucional de jurisdição; vii. Uma interpretação nesse sentido ofenderia a segurança jurídica, estimularia um profuso subjetivismo e desigualitário por parte dos tribunais comuns;” Para acabar a concluir que “Por tudo isto, parece-nos inevitável moldar o sentido das normas constitucionais mencionadas supra, por forma a atribuir-lhes um sentido conforme com a Constituição, mais especificamente, ajustado à competência do TC, tal como resulta das normas estudadas. O Código de Processo Penal é uma lei e, como ato legislativo, encontra-se sujeito ao princípio da constitucionalidade, sendo as suas normas inválidas caso desrespeitem os cânones constitucionais (cfr. artigo 3.º, n.º3, da CRP). Sendo uma lei ordinária é um ato hierarquicamente inferior à Constituição, pelo que deve ser lida em conformidade com o seu parâmetro de validade, material e formal, e não o inverso. Em consequência, as alíneas e) e f), do n.º 1, do artigo 499.º do CPP, devem ser interpretadas no sentido de apenas serem aplicáveis nos casos em que o TC exerceu a faculdade conferida na 2.ª parte, do n.º 2, do artigo 282.º, da CRP20. Ou seja: i. No caso da alínea f), é admissível a revisão de sentença transitada em julgado quando seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação e o TC tenha determinado essa revisão; ii. No que concerne à alínea e), a revisão da sentença transitada em julgado é admissível com este fundamento, caso se descubra que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.º 1 a 3 do artigo 126.º, tendo essas provas sido autorizadas por normas declaradas inconstitucionais com força obrigatória geral pelo TC, com os efeitos previstos na 2.ª parte, do n.º 3, do artigo 282.º, da CRP.” Nesse sentido já vinha sendo a jurisprudência do STJ tirada nos acórdãos de 06.09.2022, processo 618/16....; de 06.09.2022, processo 4243/17....; 21.9.2022, no processo 79/13....; e de 12/10/2022, proc. nº 2909/18..... Na inexistência de “decisão em contrário” do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 282, nº 2, 2ª parte, deve manter-se o caso julgado. Por tudo se conclui que a pretensão do arguido não é de atender, apresentando-se infundado o pedido de revisão formulado. 10. O recorrente refere-se nas suas conclusões aos apensos M, J e SS, quanto a estes apensos além do demais e extenso material probatório em que as condenações respetivas se sustentaram, que discriminado vem a páginas 1428 para o apenso M, 1435 para o O, e 1419 para o J, o que aí se refere são conversações telefónicas e troca de sms. E as localizações celulares apontadas foram as localizações de veículos das vítimas através de colocação pelo próprio arguido de um cartão que, tendo acoplado um GPS, por sms devolvia a localização dos mesmos. Pelo que, reportando-se a localização a veículo (alvo a furtar) da vítima em nada se afrontou a privacidade ou intimidade do arguido. Assim, além dos muitos e variados meios de prova elencados na motivação de facto, o que se teve em conta não foram metadados mas sim suportes de intercepção e conversações interceptadas. Para o “M”: - Suportes de interceptação e conversações interceptadas relativamente ao alvo ...40 [que teve por objecto o cartão de acesso telefónico nº ...74], que se encontram transcritas no apenso 9 e a que correspondem as sessões nºs 217844, 217846, 220914, 220917, 247442, 274444, 247940, 297943, 248659, 248664, 249448, 249449, 249612, 249613, 249827, 249831, 250046, 250049, 250205, 250208, 250439, 250443, 250562, 250564, 251176, 251180, 251273, 251277, 251742, 251743, 252142, 252144, 252533, 252535, 253072, 253074, 253091, 253093, 253105, 253141, 253213, 253215, 253236, 253240, 253254, 253256, 253291, 253292, 253323, 253325, 253333, 253335, 253389, 253398, 255089, 255290, 255666, 255668, 255727, 255728, 255745, 255746, 256028 e 256031, com correspectivo nas sessões interceptadas por referência ao cartão de acesso com o nº ...93 [alvo ...040] e transcritas no apenso 35; ---" Para o “O” - Suportes de interceptação e conversações interceptadas relativamente ao alvo ...40 [que teve por objecto o cartão de acesso telefónico nº ...74], que se encontram transcritas no apenso 9 e a que correspondem as sessões nºs 225592, 254972, 254987, 254989, 255087, 255088, 256121, 256132, 256423, 256434, 257034, 257036, 257058, 257063, 257430, 257432, 258566, 258579, 259601, 259604, 259633, 259648, 260582, 260583, 261231, 261236, 263269, 263270, 263276, 263277, 263416, 263419, 263434, 263436, 263445, 263446, 263515, 263517, 263523, 263524, 263527, 263528, 263533, 263534, 263543, 263545, 263585, 263586, 263594, 263595, 263602, 263603, 263608, 263609, 263637, 263639, 263648, 263649, 263650, 263652, 263708 e 263709; “ Para o “J” Conversações interceptadas relativamente ao alvo ...40 [que teve por objecto o cartão de acesso telefónico nº ...74] a que correspondem as sessões nºs 167913, 167916, 167918, 167920, 170228, 170230, 170931, 171008, 171014, 171153, 171155, 171158, 171160, 171215, 171217 e 173004, que se encontram transcritas no Apenso 9. ---" Como se vê, tudo escutas telefónicas que, como meio de obtenção de prova, nos termos do CPP, não se confundem com os metadados. São meios diferentes de obtenção de prova, com pressupostos de utilização diferentes, teleologicamente orientados para finalidades diversas, obtenção de dados de conteúdo no primeiro caso e obtenção de dados de identificação, tráfego ou localização no segundo. Obtenção de conteúdo em tempo real no primeiro caso, aproveitamentos de dados armazenados no segundo, Não são, pois, confundíveis. E um e outro têm assento legal distinto. O acórdão do TC não bole em mínima medida sequer com o regime processual penal das interceções telefónicas e com o que lhe é instrumental, nos termos do CPP. A ratio decidendi da condenação não assentou na L. 32/2008 nem se prevaleceu do disposto nos seus artigos 4º, 6º e 9º. 11. Forçoso é, pois, concluir que o tribunal da condenação não se prevaleceu para tanto de provas proibidas nem o acórdão do TC obriga à peticionada revisão. Por todo o exposto, a pretensão do recorrente não tem fundamento legal, por não se subsumir nem na al. e) nem na al. f) do artigo 449 do CPP. Com o que o recurso de revisão tem de improceder. III - DECISÃO 11. Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em: a) Negar a revisão – art. 456.º do CPP; b) Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC – arts. 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, e Tabela III do RCP. STJ, 23 de novembro de 2022 Ernesto Vaz Pereira (Relator) Lopes da Mota (1º Adjunto) Conceição Gomes (2ª Adjunta) Nuno A. Gonçalves (Presidente da Secção) |