Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
043512
Nº Convencional: JSTJ00018188
Relator: SOUSA GUEDES
Descritores: INTRODUÇÃO EM CASA ALHEIA
BUSCA DOMICILIÁRIA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
INSTRUÇÃO CRIMINAL
NOTIFICAÇÃO
DESPACHO
INQUÉRITO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
TOXICOMANIA
RESPONSABILIDADE CRIMINAL
MEDIDA DA PENA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
APLICAÇÃO DA LEI
Nº do Documento: SJ199303110435123
Data do Acordão: 03/11/1993
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N425 ANO1993 PAG423
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL / CRIM C/SOCIEDADE.
Legislação Nacional: CPP87 ARTIGO 120 N3 C ARTIGO 174 N4 B C ARTIGO 177 N2 ARTIGO 402 N2 A.
CONST89 ARTIGO 32 N6 ARTIGO 54 N3.
DL 430/83 DE 1983/12/13 ARTIGO 23 N1.
DL 401/82 DE 1982/09/23 ARTIGO 4.
CP82 ARTIGO 4 N2 ARTIGO 72 ARTIGO 73 ARTIGO 86 ARTIGO 88.
DL 15/93 DE 1993/01/22 ARTIGO 21 N1 ARTIGO 25 A.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1991/06/05 IN CJ ANOXVI TIII PAG26.
ACÓRDÃO STJ DE 1989/12/06 IN BMJ N392 PAG223.
Sumário : I - O artigo 34 da Constituição consagra o princípio da inviolabilidade do domicílio e o artigo 32 declara nulas as provas obtidas mediante abusiva intromissão no domicílio.
II - O artigo 174 do Código de Processo Penal permite revistar e buscar no domicílio quando houver indícios de que o agente esconde objectos relacionados com o crime ou prova deste.
III - De qualquer modo, havendo irregularidade na busca ou revista, tal deve ser arguida até ao encerramento do debate introdutório, ou não o havendo, até 5 dias após a notificação do despacho que encerrar o inquérito, e não em sede de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
IV - O regime especial para jovens, de atenuação especial da pena, previsto no Decreto-Lei 401/82, só pode ser aplicado quando o tribunal tenha sérias razões para crer que, da atenuação, resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
V - Quanto ao regime do artigo 73 do Código Penal, este só tem aplicação quando existam circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por pena acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente.
VI - A toxicodependência não faz diminuir, só por si, a responsabilidade criminal.
VII - Quando as disposições penais vigentes, no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, será sempre aplicado o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1- Na Comarca de Matosinhos, responderam em processo comum, mediante acusação do Ministério Público, perante o Tribunal Colectivo, os arguidos:
- A e
- B, ambos devidamente identificados nos autos, o primeiro pela prática de um crime previsto e punível pelos artigos 23, n. 1 e 27, alínea b) do Decreto-Lei n.
430/83, de 13 de Dezembro, e o segundo como autor material de um crime previsto e punível pelo artigo 36, n. 1, alínea a) do mesmo diploma.
Realizada a audiência de julgamento, o Colectivo decidiu: a)- julgar o arguido A autor material de um crime do artigo 23, n. 1 do Decreto-Lei n. 430/83 e condená-lo na pena de 6 anos e 6 meses de prisão e
80000 escudos de multa; b)- julgar o arguido B autor material de um crime do artigo 36, n. 1, alínea a) do mesmo diploma e condená-lo na pena de 60 dias de prisão substituída por multa a 400 escudos por dia e 60 dias de multa à mesma taxa diária, tudo na alternativa de 80 dias de prisão. c)- declarar perdidos a favor do Estado o dinheiro, estupefacientes e instrumentos apreendidos, ordenando a destruição da droga, sacos e papel de alumínio.
2- Recorreu deste acórdão apenas o arguido A.
Na sua motivação concluíu, em síntese, que:
- a prova obtida na residência dos pais do recorrente, nomeadamente pela busca ao quarto deste, deve ser considerada nula, porque obtida ilegalmente, com violação dos artigos 32, n. 6 e 34 do C.R.P. e 126, n.
3, 177 e 174, n. 4, b) do Código de Processo Penal;
- sendo o recorrente considerado jovem para o efeito da aplicação do regime penal especial, deveria ter-lhe sido a pena especialmente atenuada, por força do artigo
1, n. 1, 2 e 4 do Decreto-Lei n. 401/82, de 23 de Setembro; medida imposta pelas circunstâncias atenuantes verificadas e pelo inequívoco favorecimento da sua reinserção social.
Na sua resposta, o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público bateu-se pelo improvimento do recurso.
3- Cumprido neste Tribunal o disposto no artigo 416 do
Código de Processo Penal, proferido o despacho liminar e corridos os vistos, realizou-se a audiência pública com observância do formalismo legal, cumprindo agora decidir.
É a seguinte a matéria de facto que o Colectivo considerou provada:
- Em 13 de Dezembro de 1991, pelas 22 horas, o arguido
A, ao ver aproximarem-se de si dois elementos da G.N.R., à civil, quando acabava de ultrapassar o portão que serve o logradouro de algumas casas, entre as quais a da sua residência, na Rua de Avilhó, 47, da freguesia de Custóias, comarca de Matosinhos, lançou ao solo 8 embalagens de heroína, com o peso líquido de cerca de 1,85 gramas;
- No quarto da sua residência, no momento, tinha ainda:
2,370 gramas de heroína num frasco em plástico; uma nota de 100 escudos, do Banco de Portugal, embrulhada em papel de prata, apta ao consumo de heroína; 1 cofre, em metal, com aloquete; 1 embalagem de papel de alumínio, própria para embalar, além do mais, heroína, para venda; vários sacos em plástico transparente; uma tesoura; duas navalhas;
- Tudo isto destinava à venda, tendo já como resultado
62840 escudos que no momento guardava no identificado cofre;
- Pretendia obter vantagens económicas, correspondentes
à diferença entre o preço de aquisição e o de venda, que aplicava em bens do seu exclusivo interesse, sendo em parte para heroína que consumia;
- Na ocasião, encontrava-se na sua companhia o arguido B, que trazia consigo 1 embalagem de heroína com cerca de 0,229 gramas líquidos, que destinava ao consumo próprio, como já o fizera em situações anteriores;
- Ambos os arguidos conheciam a natureza destes produtos e sabiam que era proibida por lei a respectiva actividade, agindo com vontade consciente e livre;
- O A tem bom comportamento, assim como o B; este último confessou espontaneamente os factos; o A confessou apenas em parte, ou seja apenas quanto à propriedade da droga, declarando que toda se destinava ao consumo próprio;
- O A vive com os pais e com um irmão, encontrando-se todos presentemente a não trabalhar; o arguido trabalhava na Rom, em Francos; a casa em que vivem é alugada - renda de 4000 escudos;
- O B é de raça cigana; vive com uma mulher, de quem tem um filho de 3 anos; vendem em feiras roupas e calçado.
4- Não se tratando de um caso de comparticipação criminosa, e fundando-se o recurso do arguido A em motivos estritamente pessoais, temos que o objecto do recurso se restringe à apreciação da responsabilidade deste último, como decorre do artigo
402, n. 2, alínea a) do Código de Processo Penal.
Vejamos, em primeiro lugar, a invocada nulidade da prova.
O artigo 34 da Constituição consagra o princípio da inviolabilidade do domicílio; e o seu artigo 32, n. 6 declara nulas as provas obtidas mediante... abusiva intromissão no domicílio.
Todavia, não foi violado qualquer destes comandos fundamentais.
O artigo 174 do Código de Processo Penal, ao definir os pressupostos legais das revistas e buscas, expressamente ressalva os casos (alínea b) do n. 4) "em que os visados consintam, desde que o consentimento fique, por qualquer forma, documentado" ou ainda os casos (alínea c) do mesmo n. 4) ocorridos "aquando da detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão", sendo que em qualquer destes casos a revista ou busca podem ser efectuadas por órgão da polícia criminal.
Ora, o recorrente residia em casa dos pais. O órgão da polícia criminal (G.N.R.) não só efectuou a busca em acto seguido à detenção do arguido, em flagrante, à porta daquela casa, por crime a que corresponde pena de prisão, como também mediante consentimento expresso do dono da mesma casa, pai do arguido (C), como consta do documento junto a folhas 6 dos autos, confirmado nas suas declarações de folhas
29.
Quanto à hora a que foi efectuada a busca (22 horas e
15 minutos), não era ela obstáculo, no circunstancialismo concreto, à sua efectivação, uma vez que houve expresso consentimento de quem o podia dar, como flui dos artigos 174, n. 4 e 177, n. 2 do Código de Processo Penal e do artigo 34, n. 3 da Constituição.
Não foram violados, pois, os dispositivos legais apontados pelo recorrente.
Diga-se, por último, que - mesmo a existir, que não existe, a invocada nulidade - esta deveria ter sido arguida até ao momento referido no artigo 120, n. 3, alínea c) do Código de Processo Penal e, não o tendo sido, teria de considerar-se sanada (ver, no indicado sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal de 5 de Junho de 1991, in C.J., XVI,III, 26).
5- Não vem impugnado, nem suscita dúvidas, o enquadramento jurídico-penal dos factos provados: o arguido A é, efectivamente, autor material de um crime previsto e punível pelo artigo 23, n. 1 do Decreto-Lei n. 430/83, de 13 de Dezembro, com referência à tabela I-A anexa a este diploma.
Pretende o recorrente a redução da pena em que foi condenado, apelando para uma atenuação especial decorrente não só do regime especial para jovens do Decreto-Lei n. 401/82, de 23 de Setembro, como do regime geral do artigo 73 do Código Penal.
Tendo o A nascido em 2 de Julho de 1971, tinha
20 anos de idade à data dos factos em apreciação (13 de
Dezembro de 1991).
Todavia, não lhe pode ser aplicado o regime do artigo 4 do falado Decreto-Lei n. 401/82, o qual só rege para os casos em que o tribunal tenha "sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado". E, no caso sub judicibus, essas sérias razões não se mostram.
Nem a toxicodepêndencia, nem as condições da sua vida pessoal e familiar permitem formular um juízo de prognose favorável à reinserção social do recorrente, no quadro de uma pena especialmente atenuada.
Quanto ao artigo 73 do Código Penal, este só tem aplicação quando "existam circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente".
Também esse especial circunstancialismo se não verifica.
Nada diminui o elevado grau de ilícitude do facto; e, quanto à culpa, apenas é mitigada pelo reduzido valor
(dada a sua idade) do bom comportamento anterior e da confissão apenas parcial dos factos.
E, ao contrário do que proclama o recorrente, a toxicodepêndencia não faz diminuir, só por si, a sua responsabilidade (uma vez que favoreceu ou está directamente conexionada com o crime de tráfico de estupefacientes), como resulta hoje inequivocamente do disposto nos artigos 86 e 88 do Código Penal.
Assim, não encontra justificação o uso da atenuação especial do referido artigo 73.
6- A pena aplicada está fixada muito pouco acima do seu mínimo legal e, no circunstancialismo concreto, não suscita censura, pois foi doseada com justo equilíbrio, na ponderação de todos os elementos a que o artigo 72 do Código Penal manda atender.
É elevada a ilícitude do facto (atenta a apreciável quantidade de droga apreendida), são prementes as exigências de prevenção e acentuado o dolo; e a reprovação não é diminuída pela força das atenuantes que, como se viu, são de reduzido valor.
Sendo muito forte o juízo da censura de que é passivel o recorrente, em relação a um crime em que as exigências de prevenção são permanentemente postas em relevo pela jurisprudência deste Supremo Tribunal
(ver, por todos, o acórdão de 6 de Dezembro de 1989,
Boletim do Ministério da Justiça n. 392, 223 e respectiva anotação), só há que confirmar a punição decretada.
7- Todavia, e porque entrou já em vigor o Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, ocorre apreciar se ao recorrente é aplicável o respectivo regime.
O artigo 21, n. 1 daquele diploma corresponde, no essencial, ao artigo 23, n. 1 do Decreto-Lei n. 430/83; só que a pena cominada para os comportamentos aí previstos é de 4 a 12 anos de prisão, enquanto a do artigo 23, n. 1, era de 6 a 12 anos de prisão e multa.
As circunstâncias do caso não permitem concluir que a ilícitude do facto esteja consideravelmente diminuída, por forma a permitir a aplicação do artigo 25, alínea a) do mesmo Decreto-Lei n. 15/93.
Considerando a nova moldura penal (cujo mínimo é sensivelmente mais baixo), tendo presentes as circunstâncias acima postas em relevo e o disposto no artigo 72 do Código Penal, entendemos adequado - num critério dosimétrico que não se afasta, nem deve afastar-se, do anterior -, no regime jurídico - penal do Decreto n. 15/93, condenar o arguido A na pena de quatro anos e seis meses de prisão.
E como este regime é, como facilmente se apreende (a pena do anterior regime era de 6 anos e 6 meses de prisão e 80000 escudos de multa), mais favorável ao agente, será este o aplicável, por força do artigo 2, n. 4 do Código Penal.
8- Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, alterando-se, porém, a decisão recorrida nos moldes sobreditos, ficando o recorrente A condenado - pelo crime previsto nos artigos 23, n. 1 do Decreto -
Lei n. 430/83 e 21, n. 1 do Decreto-Lei n. 15/93, mas punível de harmonia com este último normativo, por força do artigo 2, n. 4 do Código Penal - na pena de quatro anos e seis meses de prisão.
Pagará o recorrente 4 UCS de taxa de justiça e a procuradoria de 1/4.
Lisboa, 11 de Março de 1993
Sousa Guedes;
Alves Ribeiro;
Sá Ferreira (dispensei o visto);
Lopes de Melo.
Decisão impugnada:
Acórdão de 22 de Setembro de 1992 do 1 Juízo, 2 Secção de Matosinhos.