Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ARMÉNIO SOTTOMAYOR | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO NOVOS FACTOS NOVOS MEIOS DE PROVA JUIZ TRIBUNAL COLECTIVO COMPETÊNCIA PROVA NULIDADE INSANÁVEL IRREGULARIDADE TESTEMUNHA | ||
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Data do Acordão: | 11/15/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / REVISÃO. | ||
Doutrina: | - Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, pág. 322. - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pág. 80. - João Correia, Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais penais, pág. 24. - José Souto de Moura, Inexistência e nulidades absolutas em processo penal, Textos, Centro de Estudos Judiciários, I, pág. 126. - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4ª ed., pág. 313. - Simas Santos e Leal-Henriques, (Recursos em Processo Penal, 2007, pág. 218. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 123.º, 119.º ALS. A) E E), 449.º, N.º 1, AL. D), 451.º, 453.º, 454.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 29.º, N.º 6, 32.º, N.º 2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 12/03/2009, PROC.º 316/09, DA 5ª SECÇÃO. | ||
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Sumário : | I - Se o fundamento do pedido de revisão for o da al. d) do n.º 1 do art. 449.° do CPP, isto é, se o pedido de revisão se basear na descoberta de novas provas ou de novos meios de prova, o juiz do tribunal onde pende o processo realiza as diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas. No prazo de 8 dias após ter expirado o prazo de resposta ou terem sido completadas as diligências, quando a elas houver lugar, aquele juiz remete o processo ao STJ acompanhado de informação sobre o mérito do pedido (art. 454.° do CPP). II - No caso em apreço, no acto de inquirição das testemunhas indicadas pelo requerente, cuja data de realização foi marcada pelo juiz do processo, estiveram presentes dois outros juízes, conforme consta da respectiva acta, tendo sido esse colectivo de juízes que igualmente subscreveu a informação acerca do mérito do pedido. III - Na primeira fase do recurso de revisão, o juiz do processo assume uma posição de intermediário que recolhe a prova, dada a natureza de tribunal de revista do STJ, e oportunamente remete o processo a este último Tribunal com informação sobre o mérito do pedido. Porque a competência decisória não integra os poderes do juiz do processo, não há que falar em violação das regras de competência do tribunal se, em vez do juiz singular, se verificar a intervenção nessa fase do processo de um colectivo de juízes. IV -Daí que não se possa caracterizar o vício resultante da intervenção de um tribunal colectivo na fase de recolha de prova como constituindo a nulidade insanável prevista na al. e) do art. 119.º do CPP. V - Igualmente não ocorre a “violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição” do tribunal, igualmente sancionada com nulidade insanável, nos termos da al. a) do mesmo art. 119.º. Com efeito, da mera interpretação literal dos preceitos resulta claramente que as normas dos arts. 453.º, n.º 1, e 454.º, do CPP não têm por escopo, em nenhum dos respectivos segmentos, estabelecer a composição do tribunal que há-de proceder às diligências ou prestar a informação. Quando tais normas determinam que “o juiz procede às diligências” e que “o juiz remete o processo ao Supremo Tribunal de Justiça acompanhado de informação sobre o mérito do pedido”, a mais não se destinam do que a designar os actos que devem ser praticados nesta fase do recurso excepcional de revisão. VI -Assim, uma vez que ao acto de inquirição assistiu o condenado e o seu defensor, além do MP, e porque foi arguido até final do acto o vício da intervenção de um tribunal colectivo na tomada de depoimento das testemunhas, a irregularidade não determina a invalidade do acto, nem há que ordenar oficiosamente a reparação do acto, conforme permite o art. 123.° do CPP, por não estar em causa o valor do acto praticado. VII - Embora o recorrente fundamente a sua petição na existência de “novos factos”, no requerimento de interposição de recurso não menciona qualquer novo facto, aludindo tão somente a que veio a ter conhecimento pela testemunha P que o ofendido C havia referido àquela testemunha que tinha cometido uma “grande injustiça”, pois não teria dito a verdade na audiência de discussão e julgamento e que o ora recorrente não teria cometido, na sua pessoa, os crimes pelos quais foi condenado. VIII - De todo o modo, tendo a testemunha C deposto na audiência de julgamento e não visando o testemunho de P outra finalidade senão confirmar o que C declarara [“já o lixei”], nada podendo esclarecer acerca do sentido desta expressão nem quanto aos factos que suportaram a condenação, referindo a testemunha, nesta parte, apenas as suas próprias convicções, não existe qualquer “facto novo” capaz de integrar o fundamento de revisão da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, revelando-se o pedido infundado. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. Osvaldo da Cruz Pires foi condenado no proc. nº 734/01.2JAST, por acórdão de 26-04-2007 da Vara de Competência Mista da Comarca de Setúbal, transitado em julgado em 30-03-2009, pela prática dos seguintes crimes: de um crime de abuso sexual agravado, previsto e punido pelos arts. 172°, n° 2 e 177° nº l, alínea b), na pessoa do menor Bruno Alexandre Martins Pinto Correia, na pena de 5 anos de prisão; de um outro crime de abuso sexual agravado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 73°, nºs 1, alíneas a) e b), 172°, nº 2 e 177° nº 1, alínea b), na pessoa do menor Luís Miguel Franco, na pena de 1 ano de prisão; de um crime de acto homossexual com adolescente, p. e p. pelos arts. 175º (178º, nº 4) na pessoa do menor Carlos Manuel Lourenço Jarreta, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão; de um crime de sequestro, p. e p. no art. 158°, nºs 1 e 2, alínea b), na pessoa do menor Bruno Alexandre Martins Pinto Correia, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão; de um outro crime de sequestro, p. e p. no art. 158°, nºs 1 e 2, alínea b), na pessoa do menor Carlos Manuel Lourenço Jarreta, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão; de dois crimes de sequestro, p. e p. pelo art. 158º, nºs 1 e 2, alínea b), na pessoa do menor Luís Alexandre da Silva Lopes, nas penas de 2 anos e prisão por cada um deles; de um crime de ofensa à integridade física na pessoa do menor Tiago Franco, p. e p. pelo artigo 143°, todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão. Em cúmulo jurídico das penas parcelares indicadas foi condenado na pena única conjunta de 6 anos de prisão. Encontrando-se em cumprimento da pena, interpôs em 30-12-2011 o presente recurso extraordinário de revisão. Considera que está preenchido o fundamento da al. d) do nº 1 do art. 449º do Código de Processo Penal, alegando para tanto que chegou ao seu conhecimento que, no decurso do mês de Setembro de 2011, Carlos Manuel Lourenço Jarreta se dirigiu ao Padre Acílio Fernandes, director da Casa do Gaiato, dizendo-lhe que tinha cometido uma “grande injustiça", pois não teria dito a verdade na audiência de discussão e julgamento e que o ora recorrente não teria cometido, na sua pessoa, os crimes pelos quais foi condenado. Mais referiu então o mencionado Carlos Jarreta que lhe tinham pedido para dizer o que disse no Tribunal e que nunca pensou que o que tinha dito operasse danos tão nefastos para o arguido, embora sem nunca indicar a identidade de quem, alegadamente, lhe pediu para faltar à verdade quando prestou testemunho no processo judicial em causa, apenas referindo que se tratava de um "plano para que o Pires (denominação por que é conhecido o arguido) deixasse de vez a Casa Gaiato". Refere ainda o recorrente que desconhecia por completo que existisse uma estratégia concertada entre os ofendidos de modo a que ele próprio fosse prejudicado com tal plano. Tal estratégia foi agora relatada pelo ofendido Carlos Manuel Lourenço Jarreta, que acrescentou que estavam motivados pelas notícias que abundantemente eram emitidas na televisão, na rádio e nos jornais e que se referiam ao processo que teve origem na Casa Pia. Na sequência da promoção do Ministério Público, foi designada a data de 19-06-2012 para audição das duas testemunhas indicadas pelo requerente: Padre Acílio Cruz Fernandes (identificado na acta, por lapso, como sendo Acílio da Cruz Pires) e Carlos Manuel Lourenço Jarreta Segundo a acta de inquirição de fls. 119, a diligência teve lugar perante três juízes e com a presença do condenado Osvaldo da Cruz Pires. Depois de realizada a diligência, foi prestada a informação a que o art. 454º do Código de Processo Penal faz referência, no final da qual consta a seguinte nota: “Esta apreciação sobre o mérito do pedido foi elaborado pelo Juiz Relator, primeiro signatário, com recurso a meios informáticos, tendo sido revista e assinada pelos membros que compõem o Tribunal Coletivo.” Resulta dessa informação que: “não se constatou sequer anémico indício de que a factualidade dada como assente em acórdão firmado e há muito transitado em julgado tenha origem numa qualquer falsidade, mentira, equívoco, ou seja por que via for, erro.” Sendo feito o seguinte juízo crítico acerca dos depoimentos prestados: “… a testemunha Acílio Fernandes acabou por - de forma pouco isenta, uma vez que denotou e até assumiu desagrado pela publicitação dos factos julgados e pela mediatização que envolveu o julgamento, aparentando reprovar, em concreto, a acção da justiça - limitar-se a reproduzir aquilo que a testemunha Carlos Jarreta lhe terá, a propósito do seu depoimento em sede de audiência de julgamento, alegadamente confidenciado. Mas a indignação que se vislumbrou na expressão e olhos de Acílio Fernandes pareceu mais resultar da acção da justiça e das consequências para a instituição a que preside do que por Carlos Jarreta ter, segundo afirma ser a sua própria convicção, faltado à verdade. Pior, inventado factos com vista a incriminar terceiro.” “… Carlos Jarreta … não assumiu, de modo claro e inequívoco (já sem dizer convicto) ter faltado à verdade em sede de audiência de julgamento. Com esta questão foi, sob várias formas, consecutiva (e, crê-se, pacientemente) esta testemunha confrontada pelos vários elementos que compõem o tribunal, tendo a testemunha acabado [por] se fechar em longos silêncios - comparáveis, de resto, e diz-nos a experiência, com a característica vergonha comum às crianças e jovens vítimas de abusos de carácter sexual, do que qualquer tipo de desacerto ou mesmo ilícito praticado pelas próprias testemunhas em sede judicial.”
Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público, em cuidadoso e bem elaborado parecer, sintetizou o seu entendimento nas seguintes alíneas: 1 - O menor Carlos Manuel Jarreta, ofendido pelos crimes de "acto homossexual com adolescente" e "sequestro" por que foi condenado o arguido e ora recorrente, foi arrolado como meio de prova e, nessa qualidade, ouvido como testemunha na audiência de julgamento onde foi proferido o veredicto condenatório ora revidendo, e o seu depoimento - [bem como os demais meios de prova no mesmo elencados] - serviu para fundamentar a convicção do tribunal, tal como evidenciado se mostra na decisão de facto proferida, nomeadamente em sede de fundamentação e apreciação crítica da prova produzida; 2 - As declarações que, subsequentemente, aquela testemunha possa porventura ter prestado perante terceiros, e mormente perante a testemunha Acílio Fernandes, não integram nenhum dos fundamentos do recurso de revisão normativamente previstos no n.º 1 do art. 449.º do CPP, maxime os densificados nas suas alíneas a) e d); 3 - A eventual falsidade do depoimento prestado por aquela testemunha na audiência só poderia consubstanciar o fundamento previsto na alínea a) daquele art. 449.º/1 do CPP, depois de uma sentença transitada em julgado ter considerado falso tal meio de prova, o que não sucedeu.
Foi ordenada a transcrição pela 1ª instância dos depoimentos das duas testemunhas, os quais haviam sido gravados. Se o fundamento do pedido de revisão for o da al. d) do nº 1 do art. 449º, isto é, se o pedido de revisão se basear na descoberta de novas provas ou de novos meios de prova, o juiz do tribunal onde pende o processo realiza as diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas. No prazo de oito dias após ter expirado o prazo de resposta ou terem sido completadas as diligências, quando a elas houver lugar, aquele juiz remete o processo ao Supremo Tribunal de Justiça acompanhado de informação sobre o mérito do pedido. (art. 454º). Quiçá porque a condenação do requerente da revisão resultara de julgamento por tribunal colectivo, no acto de inquirição das testemunhas indicadas pelo requerente, cuja data de realização foi marcada pelo juiz do processo, estiveram presentes dois outros juízes, conforme consta da respectiva acta, tendo sido esse colectivo de juízes que igualmente subscreveu a informação acerca do mérito do pedido.
Embora nenhuma das normas que integram o capítulo respeitante ao recurso extraordinário de revisão estabeleça a composição do tribunal em que corre termos a fase preliminar de recurso, a referência dos arts. 453ºe 454º do Código de Processo Penal ao juiz do processo faz intuir que se trate do juiz singular, Por consequência, a realização das inquirições perante um colectivo de juízes e a informação prestada por um tribunal com essa composição constituem situações anómalas susceptíveis de configurar um vício do qual possam ser retiradas eventuais consequências para o desenvolvimento do recurso. Importa, para esse efeito, focar-nos na amplitude dos poderes do juiz do tribunal onde foi proferida a decisão a rever, matéria que, embora para responder a questão diversa, foi objecto de pronúncia pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 12-03-2009 - Proc. 316/09 desta 5ª Secção. Afirmou-se a tal respeito no mencionado aresto: “Se se entender que o magistrado em causa tem jurisdição sobre a tramitação do pedido (embora a não tenha sobre o pedido em si), parece que, de harmonia com o disposto no art.° 420.°, n.° 1, lhe é possível rejeitar o pedido quando faltar a motivação, podendo-o igualmente fazer quando o requerente, não indicando inicialmente os meios de prova nem juntando os documentos indispensáveis, persistir na recusa quando convidado para o fazer. Esta solução teria a vantagem de impedir que chegassem ao Supremo expedientes desprovidos dos necessários requisitos legais e por isso condenados ao malogro e ao mesmo tempo evitaria que o juiz receptor se transformasse numa figura quase decorativa neste processo. À sombra do ordenamento jurídico anterior assim propugnava Luís Osório, quando defendia que a falta de documentação indispensável acarretava o não recebimento do requerimento. Enveredando-se por este caminho ter-se-á necessariamente que facultar ao requerente a possibilidade de reagir ao despacho de rejeição, o que poderia ser feito através da reclamação contemplada no art.° 405.°. Se se considerar, ao contrário, que o juiz do tribunal que proferiu a decisão a rever não tem aqui outros poderes que não sejam o de receber o requerimento, proceder à instrução (quando for caso disso) e encaminhar o pedido para o legal destino (o STJ), surgindo assim como uma mera instância intermédia, de passagem, e nada mais, então temos que aceitar que só lhe restará dar andamento ao expediente tal qual o requerente lho apresentou, fazendo-o chegar ao Supremo com a sua informação sobre a viabilidade do pedido (cfr. art.° 454.°). Cada um dos sistemas é defensável e configura vantagens e inconvenientes. Por uma questão de celeridade processual — regra de ouro que subjaz ao novo ordenamento processual — parece claro que a segunda solução satisfaz mais amplamente aquele desígnio.”
Assim, se as funções do juiz do tribunal que proferiu a decisão condenatória se limitarem às de uma instância intermediária, portanto sem qualquer competência decisória própria, a prática do acto de recolha do depoimento e a informação sobre o mérito do pedido, se levadas a efeito por um conjunto de três juízes, não são passíveis de serem consideradas como afectando irremediavelmente a validade do actos, ferindo-os de nulidade e, muito menos, de modo tão absoluto que a nulidade deva ser considerada insanável. Com efeito, a invalidade processual penal não tem a finalidade “de proteger as formas processuais penais, ditadas por razões de economia, solenidade, tradição ou ate simbolismo, mas de proporcionar um processo justo, com todas as garantias de defesa dos direitos do arguido e, até, de terceiros” conforme elucida João Conde Correia, (Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais penais”, pág. 24). Na primeira fase do recurso de revisão, o juiz do processo assume, portanto, uma “posição de intermediário que recolhe a prova, dada a natureza de tribunal de revista do Supremo Tribunal de Justiça e oportunamente remete o processo a este último Tribunal com informação sobre o mérito do pedido”, como este Supremo Tribunal expressamente sustentou no já indicado aresto. E porque a competência decisória não integra os poderes do juiz do processo, não há que falar em violação das regras de competência do tribunal se, em vez do juiz singular, se verificar a intervenção nessa fase do processo de um colectivo de juízes. Com efeito, a violação das regras de competência do tribunal, que a lei sanciona com nulidade insanável, constitui uma emanação do princípio do juiz natural, o qual se caracteriza nas palavras de Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, pág. 322) como “o direito fundamental dos cidadãos a que uma causa seja julgada por um tribunal previsto como competente por lei anterior, e não ad hoc criado ou tido como competente”. Ora o tribunal competente para o julgamento da fase rescisória do recurso de revisão não é outro senão o Supremo Tribunal de Justiça. Daí que não se possa caracterizar o vício resultante da intervenção de um tribunal colectivo na fase de recolha de prova como constituindo a nulidade insanável prevista na al. e) do art. 119º do Código de Processo Penal. Igualmente não ocorre a “violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição” do tribunal, igualmente sancionada com nulidade insanável, nos termos da alínea a) do referido artigo. Com efeito, da mera interpretação literal dos preceitos resulta claramente que as normas dos arts. 453º nº 1 e 454º do Código de Processo Penal não têm por escopo, em nenhum dos respectivos segmentos, estabelecer a composição do tribunal que há-de proceder às diligências ou prestar a informação. Quando tais normas determinam que “o juiz procede às diligências” e que “o juiz remete o processo ao Supremo Tribunal de Justiça acompanhado de informação sobre o mérito do pedido” a mais não se destinam do que a designar os actos que devem ser praticados nesta fase do recurso excepcional de revisão. Reconhece a doutrina, que “as normas relativas a nulidades insanáveis ou sanáveis são normas excepcionais, dado o seu carácter taxativo e contrário ao princípio constitucional do julgamento no mais curto prazo (art. 32º nº 21 da CRP) e, portanto, não admitem aplicação analógica.” (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4ª ed., pág. 313). Ora, conforme refere Germano Marque da Silva (Curso de Processo Penal, II, pág. 80),, as regras gerais a que ao alínea a) se refere são as relativas ao modo de determinação dos tribunais colegiais, designadamente as respeitantes à selecção de jurados e à intervenção dos juízes nos tribunais colectivos e de recurso. Deste modo, a intervenção na parte preliminar da fase rescidente do recurso de revisão de um colectivo de juízes, em vez de o juiz do processo agir singularmente, não integra a previsão da aliena a), não constituindo por isso mais do que mera irregularidade, tal como afirma José Souto de Moura («Inexistência e nulidades absolutas em processo penal», Textos, Centro de Estudos Judiciários, I, pág. 126) a propósito da situação de um tribunal composto por indivíduos a mais.
Uma vez que ao acto de inquirição assistiu o condenado e o seu defensor, além do Ministério Público e porque não tendo sido foi arguido até final do acto o vício da intervenção de um tribunal colectivo na tomada de depoimento das testemunhas, a irregularidade não determina a invalidade do acto. Por outro lado, não há que ordenar oficiosamente a reparação do acto, conforme se permite no art. 123º do Código de Processo Penal, por não estar em causa o valor do acto praticado. A inserção deste preceito na Lei Fundamental inscreve-se no entendimento de que o caso julgado não é um dogma absoluto. Destinado a garantir a certeza e a segurança do direito, mesmo com sacrifício da justiça material, o caso julgado visa assegurar aos cidadãos a sua paz jurídica e evitar o perigo de decisões contraditórias. Todavia deve ceder sempre que a injustiça da decisão seja seriamente posta em causa por posteriores elementos de apreciação. Segundo o art. 449.º do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, são sete os fundamentos do recurso extraordinário de revisão: - falsidade dos meios de prova, verificada por sentença transitada em julgado; - sentença injusta decorrente de crime cometido pelo juiz ou por jurado relacionado com o exercício da sua função no processo; - inconciliabilidade entre os factos que servirem de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença, suscitando-se graves dúvidas sobre a justiça da condenação; - descoberta de novos factos ou meios de prova que, confrontados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; - condenação com fundamento em provas proibidas; - declaração pelo Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação; - sentença de instância internacional, vinculativa do Estado Português, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça. 4. Embora o recorrente fundamente a sua petição na existência de “novos factos”, a verdade é que no seu requerimento de interposição de recurso não menciona qualquer novo facto. Alude tão somente a que veio a ter conhecimento pela testemunha Padre Acílio Fernandes que o ofendido Carlos Jarreta havia referido àquela testemunha que tinha cometido urna “grande injustiça", pois não teria dito a verdade na audiência de discussão e julgamento e que o ora recorrente não teria cometido, na sua pessoa, os crimes pelos quais foi condenado. Todavia, os referidos Padre Acílio Fernandes e Carlos Manuel Lourenço Jarreta, cujos depoimentos prestados perante tribunal colectivo foram gravados e estão transcritos nos autos, jamais afirmaram o que o que o recorrente sustenta terem dito. Na verdade, a pergunta da defensora acerca do que o Carlos Jarreta lhe havia dito, o Padre Acílio Fernandes respondeu textualmente: “Ele disse que já o tinha lixado, não é?” E a pergunta posteriormente formulada sobre se ele (Carlos Jarreta) lhe tinha dito mais alguma coisa, a testemunha refere “Não”. O que é reafirmado na resposta à pergunta “Ele alguma vez lhe disse que tinha mentido em tribunal?” a respeito da qual disse a testemunha: “Não, eu nunca falei também nisso, nunca lhe perguntei disso, nunca lhe disse que ele tinha mentido ou não tinha mentido, nunca lhe disse isso, não é?” Ou seja, a conversa entre esta testemunha e o Carlos Jarreta, não passou, portanto, da expressão: “Eu já o lixei.” O depoimento da testemunha Carlos Jarreta é, por sua vez, inconclusivo, parecendo por vezes contraditório. Começando por referir que “falei nisso por causa que eu estava quente, que era miúdo que não sabia o que é que estava a fazer …”, atribuindo à pressão das assistentes sociais, das psicólogas e da TVI, [“era muita gente a pôr na cabeça para dizer que isso é verdade e não sei quê e não sei quantos e eu disse tudo que … estava .. naquela altura a quente”, explicitando em resposta a pergunta que o juiz lhe dirigiu que “disse tudo que já tinha coiso acontecido…”. Mas à pergunta do juiz “Se o que disse a quente não é verdade, então qual é a verdade?” responde: “Já não me recorda que … já foi há … há muitos ano que eu já não recordo.”. Mas, depois de insistências do juiz, refere: “Eu vou sincero … que tive a pensar quando vim cá uma vez até hoje. Essa coisa que houve de mim e do … Osvaldo. Pensei muito … que da minha parte … quer que a parte que ele fez-me a mim era mentira. Que eu cheguei … cheguei a casa e disse «olhe já prontos», já … já… como disse? «Já lixei-o» porque foi uma coisa simples que .. fiz um trabalho mal ele chegou ao pé de mim deu-me uma chapada e depois eu … depois eu cheguei … depois eu assim por alto - «Olha vou lixar o coiso o Pires . o apelido dele lá era o Pires - «Olha vou lixar o Pires» e tava lá dois miúdos, era o Luís Franco e o Tiago Franco começaram a inventar mais coisas e essas coisas todas assim até …até … até eles foram embora … forem depois embora e a partir daí nunca mais … nunca mais pensei em mais nada e … até hoje.” Já na parte final do depoimento, a testemunha diz: “Vou lixá-lo, vou dizer a verdade, vou dizer o que aconteceu, também, é uma forma de lixar usando a expressão”, terminando do seguinte modo o seu depoimento: “Essa parte que o senhor estava agora a dizer, a «lixá-lo» é uma maneira de dizer que … prontos ele fez-me aquilo eu fiz [imperceptível na gravação] que … depois os outros estavam ao pé de mim ouviram … começaram … ouviram, começaram a espalhar essas coisas. Que ele fez-me isso, que ele fez-me aquilo e não sei o quê, que levou-me lá para o quarto e não sei o quê e depois começaram a inventar mais coisas … depois a partir daí não … já fui calado …” Deste depoimento, por vezes confuso, próprio de quem tem dificuldades intelectuais como referiu a testemunha Padre Abílio Fernandes, não é possível concluir, porém, que a testemunha em julgamento tenha faltado à verdade. Embora seja um depoimento de grandes hesitações, não pode deixar de se destacar o momento em que a testemunha diz “Vou lixá-lo, vou dizer a verdade, vou dizer o que aconteceu, também, é uma forma de lixar usando a expressão”. Com efeito, na linguagem informal, “lixar” tem o significado de “prejudicar” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, s.v. lixar) e sem dúvida que a revelação do facto que se provou em julgamento, tido por integrador do crime de acto homossexual com adolescente, foi prejudicial ao agente do crime, tendo levado à respectiva condenação. De todo o modo, tendo a testemunha Carlos Jarreta deposto na audiência de julgamento e não visando o testemunho do Padre Acílio Fernandes outra finalidade senão confirmar o que Carlos Jarreta declarara [“já o lixei”], nada podendo esclarecer acerca do sentido desta expressão nem quanto aos factos que suportaram a condenação, referindo a testemunha, nesta parte, apenas as suas próprias convicções, não existe qualquer “facto novo” capaz de integrar o fundamento de revisão da al. d) do nº 1 do art. 449º do Código de Processo Penal. Consequentemente, o pedido revela-se infundado.
DECISÃO Termos em que, acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em negar o pedido de revisão formulado pelo condenado Osvaldo da Cruz Pires, que julgam infundado por não se encontrar verificado o invocado fundamento da alínea d) do nº 1 do art. 449º do Código de Processo Penal. Custas pelo requerente, com 4 (quatro) UC de taxa de justiça.
Lisboa, 15 de Novembro de 2012 |