Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
12086/23.5T8PRT.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO
JUNTA DE FREGUESIA
CONTRAORDENAÇÃO
CASO JULGADO
RESPONSABILIDADE
PUBLICIDADE
PROPAGANDA ELEITORAL
PRESSUPOSTOS
COIMA
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 02/05/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO (CONTRAORDENAÇÃO)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - As entidade públicas, designadamente os órgãos das autarquias locais e os respetivos titulares, estão sujeitos a especiais deveres de neutralidade e de imparcialidade desde a data da publicação do decreto que marca o dia das eleições. Isso significa que não podem intervir, direta ou indiretamente, na companha eleitoral, nem praticar atos que, de algum modo, favoreçam ou prejudiquem uma candidatura ou uma entidade proponente em detrimento ou vantagem de outra, devendo assegurar a igualdade de tratamento e a imparcialidade em qualquer intervenção no exercício das suas funções (art. 41.º da Lei Orgânica n.º 1/2001 de 14 de agosto – Lei Eleitoral dos órgãos das Autarquias Locais – LEOAL).

II - Com este imperativo legal procura-se garantir, por um lado, a igualdade de oportunidade e de tratamento entre as diversas candidaturas e, por outro lado, que não existam interferências exteriores no processo de formação da vontade dos cidadãos para o livre exercício do direito de voto.

III - Estes princípios devem ser respeitados em qualquer publicação autárquica, traduzindo-se, quer na equidistância dos órgãos das autarquias locais e dos seus titulares em relação às pretensões e posições das várias candidaturas ao ato eleitoral, quer ainda na necessária abstenção da prática de atos positivos, ou negativos, em relação a estas, passíveis de interferir no processo eleitoral. Este regime é aplicável desde a publicação do decreto que marque a data das eleições (art. 38.º da LEOAL), que no caso concreto, é o Decreto n.º 18-A/2021, de 7 de julho.

IV - Radica nestes deveres a proibição de realização de publicidade institucional, prevendo a norma do n.º 4 do art. 10.º da Lei n.º 72-A/2015 de 23 de julho  a partir da publicação do decreto que marque a data das eleições “é proibida a publicidade institucional por parte dos órgãos do Estado e da Administração Pública de atos, programas, obras ou serviços, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública.”

V - Não estão abrangidas pela proibição, as comunicações informando sobre bens ou serviços por si disponibilizados, quando tal comunicação seja imprescindível à sua fruição pelos cidadãos ou seja essencial à concretização das suas atribuições, bem como as comunicações informativas e sem carácter promocional, como sejam avisos e anúncios sobre condicionamentos de trânsito e similares ou com indicações sobre alterações das condições de funcionamento de serviços (mudanças de horário ou de instalações), nem não impede também o cumprimento dos deveres de publicitação de informações impostas legalmente, como é o caso de avisos ou painéis relativos à legislação de licenciamento de obras, ou das publicações em diário da República, bem como das publicações obrigatórias realizadas em publicação institucional ou por editais e outros meios. Nestes casos, a publicação deve conter somente os elementos que a respetiva legislação exija.

VI - Em geral, encontram-se proibidas todos os atos de comunicação que visem, direta ou indiretamente, promover junto de uma pluralidade de destinatários indeterminados, iniciativas, atividades ou a imagem de entidade, órgão ou serviço publico, que nomeadamente contenham slogans, mensagens elogiosas ou encómios à ação do emitente ou, mesmo não contendo mensagens elogiosas ou de encómio, não revistam gravidade ou urgência.

VII - Para que se verifique a violação da proibição de publicidade institucional em período eleitoral basta que os “ meios usados sejam suscetíveis de influenciar alguns cidadãos, conclusão que é obviamente relevante e (…) é suficiente, não sendo aceitável a leitura de que a lei exige a demostração de uma influência efetiva sobre a generalidade ou mesmo a maioria dos cidadãos” (ac T.C. nº . 678/2021)

VIII - Inserir no Facebook noticias de ações, atividades e actos, alguns com referencia expressa ao arguido ou em que ele esteve presente (incluindo foto), à inserção de propostas ou programas de ação futura e a emissão de slogan, constitui publicidade institucional proibida.

IX - As pessoas colectivas se agem no mundo físico é por vontade do órgão expressa pelo seu titular, e a junta de freguesia para se expressar necessita que alguém exprima a sua vontade, agindo no mundo físico, e esse agente é o presidente da Junta que representa aquele órgão. Ele é o responsável por expressar a vontade daquela e se age ou não age é fruto da sua acção.

X - Se não se mostra que a Junta de freguesia, órgão executivo da autarquia freguesia tenha expressado qualquer vontade, que teria de ser expressa de modo colegial, pelo que não havendo deliberação nesse sentido não lhe pode ser imputado o acto, mas apenas ao seu titular a quem incumbe o dever de observar o comando legal, no caso o arguido, pois a ação de publicidade efectuada foi-o no âmbito das funções que exerce no órgão autárquico em causa.

XI - Os deveres de neutralidade e imparcialidade impostos pela lei (artº 41ºda lei 1/2001 de 14/8 – Eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais) no período eleitoral não impendem apenas sobre os órgãos do Estado, Regiões ou autarquias, mas também “os respectivos titulares, não podem intervir directa ou indirectamente na campanha eleitoral nem praticar actos que de algum modo favoreçam ou prejudiquem uma candidatura ou uma entidade proponente em detrimento ou vantagem de outra…”

XII - No caso o arguido como candidato à autarquia estava a promover a sua candidatura, quando em face da funções que exercia se lhe exigia um maior esforço na observância dos deveres de neutralidade e imparcialidade na observância das normas reguladoras da campanha eleitoral e sua propaganda, que lhe impunha que agisse quer por acção quer por omissão, como o Tribunal Constitucional tem esclarecido.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os Juízes Conselheiros na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

No Proc. Contraordenacional nº 12086/23.5T8PRT.S1 a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – juízo Local Criminal ... – Juiz ..., em que é arguido AA, Presidente da Junta de Freguesia de ... à data da prática dos factos,

O Mº Pº imputa-lhe a prática da infração contraordenacional por violação do n.º 4 do art. 10.º da Lei n.º 72-A/2015 de 23 de julho, e remeteu ao tribunal o processo para decisão.

Por sentença de 24/10/2024 foi proferida a seguinte decisão:

“Face ao exposto e atentas as disposições legais supra citadas, ao abrigo do disposto nos artigos 203.º, n.º 3 da Lei Orgânica n.º 1/ 2001 de 14.8 condeno o arguido AA na qualidade de Presidente da Junta de Freguesia de ... à data dos factos, pela prática da contraordenação prevista e punida no art. 10.º, n.º 4 e 12.º, n.º 1, da Lei n.º 72-A/2015 de 23 de julho, na coima no montante de € 15.000.00 (quinze mil euros).


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Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 1,5 UC´s (artigos 93.º, n.º 3 e 94.º, n.º 3, do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas e artigo 8.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais).

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Notifique e comunique à CNE (art. 70.º, n.º 4 do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27/10).”

Recorre o arguido, para este Supremo Tribunal de Justiça, o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:

A) O Tribunal fez incorreta aplicação da lei aos factos constantes dos Autos, como se demonstrou na Motivação supra;

B) Os factos constantes do presente processo de contraordenação já foram objeto de apreciação no âmbito do Inquérito nº. 4156/23.6..., que correu termos na 3ª Secção do DIAP Ministério Público Procuradoria da República da Comarca ..., que foi ordenado arquivar, por despacho de 14 de outubro de 2023(que se encontra junto aos Autos), por se ter concluído que enquanto titular de cargo político de modo a favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral; ou que tenha inquinado, irremediavelmente, a igualdade entre candidaturas ou a liberdade de esclarecimento do voto.

C) Ora, o que vale para o mais (processo crime/inquérito), também vale para o menos (processo contraordenacional) e, por isso, o Tribunal deveria concluir conforme consta do despacho de arquivamento do processo de inquérito.

D) Não se tendo verificado qualquer violação grosseira ou ostensiva enquanto titular de cargo político de modo a favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral; ou que tenha inquinado, irremediavelmente, a igualdade entre candidaturas ou a liberdade de esclarecimento do voto, a conduta do arguido não poderá não deverá ser sancionada, nem sequer como ilício de mera ordenação social.

E) Não foram violados os princípios da neutralidade e imparcialidade por parte do arguido e da Freguesia de ..., porquanto, a prossecução das suas atribuições, como resulta da matéria apurada, não consubstancia uma interferência ilegítima no processo eleitoral.

F) A Lei nº. 72-A/2015, de 23 de julho, aplica-se a todos os órgãos de comunicação social que estão sujeitos à jurisdição do Estado português, - nº. 1 do artº. 2º, sendo que aquele diploma cobertura jornalística em período eleitoral, regula a propaganda eleitoral através de meios de publicidade comercial

G) Nem a Junta de Freguesia de ... é um órgão de comunicação social, nem sequer promoveu qualquer propaganda eleitoral através de meios de publicidade comercial, sendo que o legislador pretendeu (nº. 1 do artº. 10º da Lei 72-A/2015, de 23 de julho), a partidos, coligações ou grupos de cidadãos (nº. 2 do artº. 10º da Lei 72-A/2015, de 23 de julho, a contrario).

H) A Junta de Freguesia limitou-se a divulgar eventos/iniciativas, próprias ou de terceiros, através dos meios próprios, que não de natureza comercial, no legítimo cumprimento das suas atribuições legais.

I) É verdade que, institucional por parte dos órgãos do Estado e da Administração Pública de atos, programas, obras ou serviços, salvo em caso de grave e urgente - nº.4 do artº.10º da Lei72-A/2015,de23dejulho.

J) O arguido, mesmo investido na qualidade de Presidente da Junta de Freguesia, não é, nem formal nem informalmente, um órgão do Estado e da Administração Pública.

K) Os Órgãos das Autarquias Locais, são, no caso das Freguesias, que é o que para aqui nos interessa, a Assembleia de Freguesia e a Junta de Freguesia nº1 do artº.5º do anexo Ida a que se refere onº. 2do artº. 1º da lei 75/2013, de 12 de setembro.

L) O Presidente da Junta de Freguesia não é um órgão da Freguesia, sendo que apenas preside ao mesmo que é um órgão colegial detendo as competências referidas no artº. 16º do anexo I da a que se refere o nº. 2 do artº. 1º da lei 75/2013, de 12 de setembro, ainda que represente a Freguesia em juízo e fora dele, nos termos do nº.2 do artº.1º do diploma acabado de citar, não podendo imputar-se-lhe a prática dos atos/factos constantes da decisão recorrida.

M) Mesmo que se considere que, os factos integram um ilícito punível nos termos do nº. 4 do artº. 10º da Lei 72-A/2015, de 23 de julho, então a administração autónoma do estado e da administração local), devendo ser imputados á Freguesia de ... enquanto pessoa coletiva.

N) Não pode responsabilizar-se o arguido por factos praticados pela pessoa coletiva Freguesia de ... ou, na pior das hipóteses, pelo órgão executivo (órgão colegial) da Junta de Freguesia,

O) O arguido nunca promoveu, nem encomendou qualquer publicidade a quem quer que seja, pelo que não poderá ser punido com a coima a que alude o artº. 12º da Lei 72-A/2015, de 23 de julho.

P) O arguido não praticou, qualquer ilícito contraordenacional, pelo que o Tribunal a quo é incompetente para lhe aplicar qualquer sanção, uma vez que apenas teria competência para decidir quanto a contraordenações cometidas por eleitos locais no exercício das suas

funções, nos termos do nº. 3 do artº. 203º da Lei Orgânica nº.1/2001 de 14 de agosto.

Q) É, ilegítimo e abusivo, que a Comissão Nacional de Eleições, venha afirmar que mostra-se violada a proibição de publicidade institucional a que o Presidente da Junta de Freguesia de ... (...) está sujeito durante o período eleitoral (cf. Nº. 4 do artº. 10º da Lei nº. 72-A/2015, de 23 de julho) deliberado que procedimento contraordenacional contra o Presidente da Junta de Freguesia de ... (...), por violação do nº. 4 do artº. 10º da Lei nº. 72-

R) A CNE não pode afirmar/considerar que o Presidente da Junta de Freguesia de ... violou a proibição de publicidade institucional a que está sujeito em período pré-eleitoral, já que, quem está proibido de violar tal regra, é a Freguesia de ..., pessoa coletiva, e não o cidadão que preside ao Órgão Executivo, pelo que a afirmação / conclusão não tem suporte legal.

S) O Tribunal a quo aplicou ao caso concreto, o disposto na Lei nº. 72- A/2015 de 13 de julho quando tal diploma estabelece o regime da cobertura jornalística em período eleitoral, regula a propaganda eleitoral aplicando-se a todos os órgãos de comunicação social que estão sujeitos à jurisdição do Estado português, independentemente do meio de difusão e da plataforma utilizada

T) O legislador pretendeu regular a atividade jornalística em período eleitoral, a propaganda eleitoral através de publicidade comercial desenvolvida pelos órgãos de comunicação social e, nem a Freguesia de ... é um órgão de comunicação social, nem sequer se dedica á cobertura jornalística em período eleitoral nem fora dele-, nem divulga propaganda eleitoral através de meios de publicidade comercial, sendo que o teor das publicações em causa não podem considerar-se como sendo propaganda eleitoral desde logo porque a Freguesia de ... também não é nenhum ator político (partido ou movimento de cidadãos que pretende candidatar-se a um qualquer órgão no caso à própria Freguesia de ...).

U) Resta, portanto, a proibição de publicidade institucional por parte dos órgãos do Estado e da Administração Local de atos, programas e obras ou serviços, a que alude o nº. 4 do artº. 10º da Lei nº. 72-A/2015, de 23 de julho.

V) A estrutura da Freguesia de ..., dispõe de um Gabinete de Comunicação que gere toda a informação e comunicação, que obtém junto dos mais diversos serviços e em colaboração com os diversos pelouros, sem intervenção direta dos membros do órgão executivo, pelo que os titulares do órgão não tinham qualquer intervenção direta nos conteúdos que se esperam profissionais, imparciais e neutros.

W) No momento em que foram publicitadas no Facebook da Junta de Freguesia, estávamos a sair das medidas de contingência (restrições impostas em virtude da pandemia COVID 19) que, por isso, exigia que se sublinhasse quanto ás condições de segurança sanitária das pessoas, num momento em que se reiniciou o convívio entre as pessoas, importando, por isso, que a Junta de Freguesia tivesse a obrigação de ir dando conta aos pais e frequentadores das atividades, quanto à garantia de que tudo estava a decorrer conforme as norma emitidas pela Direção Geral de Saúde, facto que deveria ter sido ponderado pelo Meritíssimo Juíz, mas que não sucedeu.

X) O arguido não era titular de nenhum órgão da Freguesia era, apenas, Presidente do órgão Executivo da Junta de Freguesia, com competências limitadas.

Y) O Tribunal a quo não poderia olvidar que assim é, porquanto é isso que resulta do nº. 1 do artº. 5º do anexo I a que se refere o nº. 2 do artº. 1º da lei 75/2013, de 12 de setembro.

Z) Não pode assacar-se ao mesmo a responsabilidade pelo menos única pelos atos praticados pelo órgão Junta de Freguesia, que, de resto, atenta a sua boa fé, mal foi interpelada pela CNE, apagou das publicações em causa.

AA)Na pior das hipóteses, a Comissão Nacional de Eleições deveria ter ordenado o procedimento contraordenacional contra a Freguesia de ..., ao invés do seu Presidente.

BB)Deveria, assim, considerar-se provado que, ao invés do que consta do item 4 da matéria assente, a Freguesia de ..., tinha obrigação de conhecer e cumprir com o previsto no artº. 10º, nº. 4 da Lei nº. 72-A/2015 de 23 de julho quanto à proibição da publicidade institucional de atos, programas, obras e serviços a partir da publicação em 7.7.2021 do decreto que marcou a data da eleição.

CC)O item 5 da matéria assente, deveria ter a seguinte redação: Não o tendo feito, não agiu com a diligência necessária, sendo que a sua conduta era punida contraordenacionalmente.

DD) A CNE ordenou a instauração de processo contraordenacional contra o arguido, enquanto pessoa individual, e não, como devia, contra a Freguesia de ..., enquanto pessoa coletiva e, por seu turno, o Meritíssimo Juíz a quo ao sufragar aquele entendimento, fez incorreta aplicação do direito aos factos praticados, designadamente no que á autoria/responsabilidade pelas publicações diz respeito, bem assim como relativamente as normas que entendeu serem aplicáveis ao caso concreto lançando mão do disposto no artº. 12º da Lei nº. 72-A/2015 de 23 de julho encomendar, bem como a empresa que fizer propaganda comercial em 75.000 , que não pode aplicar-se ao caso concreto pelas razões constantes da Motivação do Recurso.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exªs. doutamente suprirão, deve revogar-se a douta Sentença recorrida, substituindo-a por outra que decida pela Absolvição do Arguido e pelo arquivamento do presente processo de contraordenação.

O Mº Pº não respondeu.

Neste Supremo Tribunal o ilustre PGA foi de parecer que o recurso deve improceder quanto a todas as questões que suscita.

Foi cumprido o disposto no artº 417º2 CPP

Cumpridas as formalidades legais procedeu-se à conferencia

Cumpre conhecer

Consta da sentença recorrida (transcrição):

Da nulidade da notificação para o exercício do direito de audição e defesa:

Veio o arguido alegar a nulidade da notificação para o exercício do direito de audição e defesa, alegando que na notificação não se cumpriram os requisitos que contam no art. 203.º do Código de Processo Penal aplicável ex vi do art. 41.º e 50.º do RGCO.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido de não verificação de qualquer nulidade.

Cumpre decidir.

No art. 58.º do Decreto-Lei n.º 433/82 estão especificados todos os requisitos que a decisão condenatória deve conter, estando a autoridade administrativa obrigada ao cumprimento dessas especificações.

Havendo impugnação judicial, essencial é que seja submetida à apreciação do julgador uma peça processual que satisfaça os requisitos mínimos duma acusação: identifique o arguido; narre os factos imputados (dessa forma delimitando o objeto do processo); e indique as disposições legais violadas, as sanções aplicáveis e as provas – cfr. art. 283 nº 3 do CPP.

As exigências previstas no art. 58.º, e que visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na proposta de deliberação sejam suficientes para permitir esse mesmo exercício.

Ora, esses requisitos constam da deliberação da Comissão Nacional de Eleições, a qual foi junta com a notificação enviada ao arguido conforme despacho com a ref.ª .......04 e .......07).

Efetivamente, de fls. 23 e segs. dos autos, consta a narração dos factos imputados, a sua descrição, data e hora da prática dos mesmos, indicação da contraordenação pela qual se encontra indiciada, bem como os limites mínimo e máximo da coima aplicada e da notificação conta o prazo para se pronunciar.

Assim, em nada ficou prejudicado o direito de defesa do arguido tal como resulta da defesa apresentada. Na verdade, ao apresentar a sua defesa nos termos em que fez, aludindo concretamente aos factos e oferecendo prova, nomeadamente, arrolando testemunhas, o arguido demonstrou ter perfeito conhecimento dos factos que lhe são imputados e as provas que sustentavam essa imputação, como ressalta do exercício do seu direito de defesa..

Em suma, entendemos que a notificação para o exercício do direito de defesa não padece da invocada nulidade.


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Quanto à alegada impossibilidade de reapreciar os factos em sede contraordenacional:

Veio o arguido alegar que os factos constantes do presente processo de contraordenação já foram objeto de apreciação no âmbito do Inquérito nº. 4156/23.6..., que correu termos na ... Secção do DIAP – Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca ..., no qual foi preferida decisão de arquivamento, por despacho de 14 de outubro de 2023, transitado em julgado.

Exercido o contraditório, o Ministério Público pugnou pelo indeferimento do requerido.

Cumpre decidir.

Ora, desde já se diga que não assiste razão ao arguido. Com efeito, o processo crime a que aluiu e que correu termos do DIAP ..., proc n.º 4159/23.6... T9PRt iniciou-se na sequência do envio de uma certidão pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) que entendeu que as publicações em causa era suscetíveis de constituir crime e contraordenação, identificando a violação de dois preceitos legais, a saber, o art. 12º., da Lei nº. 72-A/2015, de 23/07 e o art. 172º., da LEOAL. Nessa sequência, deliberou o envio, respetivamente, para o DIAP ... para procedimento criminal por violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade das entidades publicas p. e p. pelo art. 172.º da LEOAL e para o Ministério Público para a instrução da contraordenação por violação da proibição de publicidade institucional art. 10.º, n.º 4 da Lei n.º 72-A/2015 (sendo a competência da instrução do aludido processo para o Ministério Público nos termos do art. 203.º, n.º 3 da LEOAL).

Assim, nos presentes autos está em causa factos que consubstanciam a prática da contraordenação a que alude o art. 12º, da Lei nº. 72-A/2015, de 23/07, enquanto que no Inquérito a que supra se faz referência foi apreciada a responsabilidade criminal do ora arguido para efeitos de se apurar se com a sua conduta integrou a prática do crime de violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade, pe. e p., pelo art. 172º., da LEOAL.

Acresce ainda que a própria decisão de arquivamento do Ministério Público de 14.10.2023 no seu antepenúltimo parágrafo refere expressamente que “sem prejuízo de eventual responsabilidade de natureza contraordenacional – a dirimir em sede própria e no âmbito das restrições da publicidade institucional previstas na Lei n.º 72.º-A/2015, de 23.7, na sequência do despacho já exarado nos autos a fls. 29 – afigura-se, no que tange à matéria de natureza criminal, que a conduta do arguido não integra o conceito de violação (grosseira ou manifesta) dos deveres de neutralidade e imparcialidade previsto no art. 41.º da LEOAl”.(sublinhado nosso).

Assim, o arquivamento em sede criminal em nada impede a apreciação em sede contraordenacional, sendo que a natureza contraordenacional é relativa às restrições da publicidade institucional e não aos deveres de neutralidade e imparcialidade (esses aferidos em sede criminal e já decidido).

Face ao exposto, improcede o alegado.


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Procedeu-se à audição das testemunhas indicadas em sede instrutória.

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Não há nulidades, exceções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento de mérito.

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Dos elementos constantes nos autos, com interesse para a decisão da causa, resultam apurados os seguintes factos:

1. O decreto que proceder à marcação da data das eleições autárquicas de 2021 é o Decreto n.º 18-A/2021, de 7 de julho e o período eleitoral teve início em 7 de julho de 2021, com a publicação em Diário da República de tal decreto.

2. O arguido AA era, à data dos factos em questão, o Presidente da Junta de Freguesia de ... e fazia parte da lista do P.. que concorria nessas eleições autárquicas para a Assembleia de Freguesia por na altura ser candidato à Vereação da Câmara Municipal ..., para o qual veio a ser eleito e tomou posse.

3. No âmbito do processo eleitoral dos órgãos das autarquias locais de 26 de setembro de 2021, a Junta de Freguesia de ... (...) efetuou 6 publicações na sua página oficial na rede social Facebook, a saber:

a. Em ... de ... de 2021 fez uma publicação no Facebook com o seguinte teor: “O Presidente da Junta, AA, esteve com os promotores de um abaixo-assinado que contesta as obras que a Câmara Municipal ... está a realizar no bairro do Regado. O abaixo-assinado já foi entregue há várias semanas e ainda não obteve resposta por parte da CM.... Entre os vários problemas apontados pelos moradores estão a forte redução dos lugares de estacionamento, os passeios disfuncionais face ao quotidiano de circulação das pessoas no bairro e a falta de um espaço para as crianças/jovens poderem brincar ou fazer desporto. A Junta de Freguesia comprometeu-se a questionar a Câmara sobre estes problemas no sentido de procurar resolvê-los ainda em obra”, sendo tal publicação acompanhada de 3 fotografias onde é visível o então presidente da Junta de Freguesia de ....

b. Em ... de ... de 2021 fez uma publicação no Facebook com o seguinte teor: “ Férias Desportivas 21

Junta de Freguesia de ...

Hoje, arrancou mais uma edição das FERIAS DESPORTIVAS, promovidas pela Junta de Freguesia de ..., que decorrem de ... de julho a ... em dois turnos”, sendo tal publicação acompanhada de várias fotografias.

c. Em ... de ... de 2021 fez uma publicação no Facebook com o seguinte teor: “ ... em Poesia”

“Lançamento de Antologia Poética

Muitos Paranhenses aceitaram o repto da Junta de freguesia e enviaram a sua poesia para ser editada em livro.

Hoje foi o dia de apresentar a “arte final” Obrigado a todos os que participaram”, sendo tal publicação acompanhada de uma fotografia com o então Presidente da Junta de Freguesia de ..., o arguido AA.

d. Em ... de ... de 2021 fez uma publicação com o seguinte teor: “Foi assinado um protocolo de cooperação, no âmbito do Orçamento Colaborativo, para a construção de um Centro de Juventude na zona da .... Uma aposta nos jovens, numa Freguesia que precisa criar infraestruturas e equipamentos para os apoiar,” sendo tal publicação acompanhada de uma fotografia do arguido AA, Presidente da Junta de Freguesia de ... a assinar o protocolo.

e. Em ... de ... de 2021 fez uma publicação com o seguinte teor: “ATL Férias Desportivas 2021 da Freguesia de ...

Ao longo desta semana, no ATL Férias divertidas 2021 da Freguesia de ... as nossas crianças realizaram atividades desportivas, manualidades, música, visitaram o S.. ..... ..... e mais importante brincaram muito e divertiram-se uns com os outros.

Como a segurança e o bem estar são fundamentais para nós, esta iniciativa decorre ao abrigo das orientações da DGS, cumprindo todas as normas de segurança e proteção.”

f. Em ........2021 fez uma publicação com o seguinte teor: “ A candidatura da Escola Secundária ... ao galardão Eco-Escolas foi aceite. Durante o próximo ano letivo a escola contará com a Bandeira Verde, reconhecimento pelo cumprimento da metodologia e implementação do Programa Eco-Escolas. Parabéns pelo trabalho desenvolvido! É um gosto sermos parceiros da E... neste projeto.” Sendo tal publicação acompanhada de uma fotografia de um “slogan” com os dizeres “Mais Capazes, Mais livres”.

4. O arguido, enquanto Presidente da Junta de Freguesia de ... à data dos factos, tinha a obrigação de conhecer e cumprir com o previsto no art. 10.º , n.º 4 da Lei n.º 72-A/2015 de 23/7 quanto à proibição da publicidade institucional de atos, programas, obras e serviços da Junta de Freguesia a partir da publicação em 7.7.2021 do decreto que marcou a data da eleição.

5. Não o tendo feito, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz, sabendo que a sua conduta era punida contraordenacionalmente.

6. O arguido, no ano de 2022, apresentou na sua declaração de IRS um rendimento global de € 83.943,43, a que correspondente um rendimento coletável de € 73.921,99.

7. O arguido AA não tem registada na CNE qualquer outra condenação por contraordenação.

Factos Não Provados:

Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente que as publicações aludidas em 3 dos factos provados tivessem tido um carácter de grave e urgente necessidade pública.


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Motivação:

A convicção do tribunal relativamente aos factos provados formou-se com base no teor da certidão emitida pela Comissão Nacional de eleições do processo n.º AL.P-PP/2021/258; cópias das publicações da Junta de Freguesia de ... constantes de fls. 12 a 14; informação n. I-CNE/2021/276 de 4.10.2021 de fls. 23 e ss: declaração de IRS junta aos autos pelo arguido; depoimento das testemunhas inquiridas BB; CC e DD;

No que se refere à factualidade aludida no ponto 2. valorou-se o depoimento da testemunha DD, que aludiu à Presidência do arguido AA bem como a sua candidatura nas eleições autárquicas em causa, e da testemunha CC que igualmente explicou que, à data dos factos era o candidato à Junta de Freguesia de ... e o arguido fazia parte da sua lista à Junta e à Câmara e faziam parte da candidatura apresentada pelo P.., sendo certo que tal factualidade também é confirmado pelo arguido no requerimento junto aos autos.

Quanto à data, local, proveniência e teor das publicações em causa valorou-se as copias juntas aos autos, de fls. 12 a 18, que consubstancia o teor dessas publicações, sendo certo que o próprio arguido não impugnou a origem das mesmas nem a data e o teor das mesmas.

Igualmente se valorou o depoimento da testemunha BB, (ref.ª .......80) denunciante dos factos, que aludiu às publicações que visualizou na página do Facebook à data em que decorria o período eleitoral, confirmando o teor do email que enviou para a CNE junto a fls. 11 a reportar tal situação uma vez que entendeu que das publicações em causa constavam eventos da Junta de freguesia e sabia que no período eleitoral não eram permitidas publicações com esse teor. Acrescenta que não conhece o então Presidente da Junta de Freguesia, nem está ligado a qualquer atividade política. Mais refere que estas publicações começaram aparecer na página da Junta de Freguesia e não eram habituais quanto ao seu teor nas anteriores comunicações da Junta.

De toda a factualidade apurada e do teor das publicações em causa, verifica-se que as mesmas ocorreram após a publicação em ........2021 do decreto da marcação da data das eleições autárquicas de 2021, não correspondendo a nenhum caso de necessidade pública grave e urgente mas sim a publicidade de eventos (publicações aludidas em 3.a); 3. b) 3. c); 3. e) dos factos provados); publicidade de assinatura de protocolos de cooperação para a construção de um Centro de Juventude na zona da ... (publicação aludida em 3. d) dos factos provados); publicidade da parceria com a Escola Secundária ... e o facto de a mesma ter ganho o galardão Eco-Escolas, (publicação de 3.f) dos factos provados. Aliás, a publicidade de eventos que já se realizaram – como era o caso do ATL das férias Desportivas na publicação de ... de julho - nada contém que levasse a concluir de qualquer necessidade grave e urgente de necessidade pública ou informativa, tanto mais que tal evento já se tinha realizado, conforme se constata pelo tempo verbal utilizado na publicação. O mesmo se diga quanto à publicação de ... de julho relativa à assinatura de um protocolo de cooperação para a construção de um Centro de Juventude na zona da ..., sendo tal publicação de forma clara e inequívoca uma publicidade institucional aos atos do órgão autárquico, tanto mais que é acompanhada de fotografia do então Presidente da Junta de freguesia de ....

Não obstante a testemunha DD (ref.ª ........24) referir que a atividade da Junta é sempre publicidade pelas redes sociais do FACEBOOK e até do INSTAGRAM e do site oficial, porque são várias atividades por mês que necessitam de inscrição prévia e até pagamento, pelo que é necessário essa publicitação para possibilitara a inscrição pela população residente naquela área, o certo é que tal justificação não se compadece com qualquer necessidade pública grave e urgente, tanto mais que a maior parte das publicações era referente a atos,/eventos que já tinham acontecido, não havendo qualquer necessidade de inscrição ou pagamento conforme refere. Mais alui que as atividades publicitadas já existiam à data das eleições e não foram publicitadas ou criadas naquele momento ou por causa das eleições autárquicas em curso. Ora, analisado o teor das publicações, mesmo que as algumas das publicações em causa fossem apenas para informar a população da freguesia das atividades/eventos desenvolvidos, o certo é que as próprias publicações utilizam uma linguagem adjetivada e não apenas informativa, o que em período eleitoral é proibido, sendo certo que todas essas publicações são inclusivamente acompanhadas de fotografias onde está o Presidente da Junta de Freguesia a assinar documentos, com informação promocional, ou fotografias de slogans como, por exemplo, a publicação em ........2021 onde esta uma foto com o Slogan “ Mais capazes, Mais Livres”.

A testemunha CC (ref.ª .......42) confrontado com as publicações apesar de inicialmente referir que não considerou que as mesmas tivessem influência no sentido de voto da população, pelo que, não as considera com conteúdo não permitido para o período de eleições, acaba por referir que por das mesmas constar eventos da Junta de Freguesia e da agenda do Senhor Presidente da Junta de Freguesia de ... e, por nestes períodos eleitorais só se poder fazer publicações de carácter urgente, não são permitidas publicações como as que estão em causa nestes autos. A própria testemunha acaba por referir que a publicação de ... às 19:42 da página da Junta de freguesia de ..., reportando-se a uma actividade do presidente da Junta de ..., não é urgente, nem tem carácter informativo, mas antes promocional, e quanto às restantes publicações, nomeadamente, a de 13.07, às 11:43; a de ........2021 às 17:50; a de ..., às 19.:03, e a de ....... 2021, às 16h21, são publicações que mencionam sempre a entidade junta de freguesia, acompanhadas de fotos das actividades públicas, onde consta o Senhor Presidente da Junta em destaque.

Acresce ainda que, algumas dessas publicações contêm mesmo expressões que ultrapassam a mera necessidade de informação do público, como linguagem adjetivada e promotora de obras e iniciativas da Junta de freguesia de ... (Porto), como, por exemplo, “Ao longo da semana, no ATL Férias divertidas 2021da Freguesia de ... as nossas crianças realizaram atividade desportiva, (…) e mais importante brincaram muito e divertiram-se uns com os outros. como a segurança e o bem-estar são fundamentais para nós, esta iniciativa decorre ao abrigo (…)”; “ o presidente da Junta, AA, esteve com os promotores de um abaixo-assinado que contesta as obras que a Câmara Municipal ... está a realizar (…). A Junta de freguesia comprometeu-se a questionar a Câmara sobre estes problemas no sentido de procurar resolvê-los ainda em obra”.

Ora, analisando o teor de cada uma das publicações em causa, verifica-se que as mesmas constituem informações sobre o desenvolvimento da atividade do órgão da autarquia local sendo que nenhuma delas se refere a qualquer assunto ou caso grave e urgente de necessidade pública, o que, segundo as regras da experiência comum e atenta a qualidade de Presidente da Junta de Freguesia não era nem podia ser do desconhecimento do arguido, tendo o mesmo, atenta a sua qualidade, bem como o facto de integrar novamente a lista candidata, obrigação de saber dessa proibição de publicidade institucional durante o período eleitoral e que tal factualidade era punida contraordenacionalmente.

No que se refere à factualidade aludida em 6. dos factos provados valorou-se a declaração de IRS junta aos autos pelo arguido.

Por último, a factualidade aludida em 7. dos factos provados resulta da informação prestada pela CNE sob a pref.ª ......16.”


+


Conhecendo:

O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), e para além de visar exclusivamente o reexame de matéria de direito por força do artº 434º CPP, também o é por força do artº 75º nº1 DL 433/82 de 27/10 (RGCO) que dispõe “1 - Se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.”

Dispondo o artº 203.º 3 da Lei Orgânica nº1/2001, de 14 de agosto que “3 - Compete ao juiz da comarca, em processo instruído pelo Ministério Público, com recurso para a secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, aplicar as coimas correspondentes a contra-ordenações cometidas por eleitos locais no exercício das suas funções.” é este Supremo Tribunal o competente para apreciar o recurso em face do que dispõe o artº 433º CPP que estabelece que “ Recorre-se ainda para o Supremo Tribunal de Justiça noutros casos que a lei expressamente preveja.”, como é o presente

São as seguintes as questões suscitadas pelo recorrente

- a existência de caso julgado

- qualificação jurídica dos factos como integrando a contraordenação prevista e punida no art. 10.º, n.º 4 e 12.º, n.º 1, da Lei n.º 72-A/2015 de 23 de julho

- imputação de responsabilidade à pessoa colectiva e não ao arguido

Assim.

Alega o recorrente que os factos imputados já foram apreciados no âmbito do Inquérito nº. 4156/23.6..., tendo sido ordenado o seu arquivamento, por despacho de 14 de outubro de 2023.

O Tribunal recorrido apreciou tal questão a que deu a resposta transcrita supra da qual se destaca: “nos presentes autos está em causa factos que consubstanciam a prática da contraordenação a que alude o art. 12º, da Lei nº. 72-A/2015, de 23/07, enquanto que no Inquérito a que supra se faz referência foi apreciada a responsabilidade criminal do ora arguido para efeitos de se apurar se com a sua conduta integrou a prática do crime de violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade, pe. e p., pelo art. 172º., da LEOAL.

Acresce ainda que a própria decisão de arquivamento do Ministério Público de 14.10.2023 no seu antepenúltimo parágrafo refere expressamente que “sem prejuízo de eventual responsabilidade de natureza contraordenacional – a dirimir em sede própria e no âmbito das restrições da publicidade institucional previstas na Lei n.º 72.º-A/2015, de 23.7, na sequência do despacho já exarado nos autos a fls. 29 – afigura-se, no que tange à matéria de natureza criminal, que a conduta do arguido não integra o conceito de violação (grosseira ou manifesta) dos deveres de neutralidade e imparcialidade previsto no art. 41.º da LEOAl”

Ou seja no inquérito em causa foi investigada a eventual prática pelo arguido do ilícito criminal, sabido que o mesmo facto poderia integrar quer a prática de um crime quer de contraordenação, tendo presente que a lei prevê expressamente essa possibilidade no artº 20º DL n.º 433/82, de 27/10 ao estabelecer “ Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o agente sempre punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação.”

E no caso os ilícitos em causa estão previstos inclusive em diferente legislação, sendo o ilícito penal p. e p. pelos artº 41º e 172º da LEOAL (Lei Orgânica nº 1/2001 de14/8) – e a contraordenação prevista no art. 10.º, n.º 1 e 42 e punida pelo art.º 12.º, n.º 13, da Lei n.º 72-A/2015 de 23 de julho.

Ora o facto de se considerar não ter ocorrido o crime em investigação não preclude nem interfere com a averiguação sobre a existência do ilícito contraordenacional.

Acresce que o artº 79º RGCO estabelece “1 - O carácter definitivo da decisão da autoridade administrativa ou o trânsito em julgado da decisão judicial que aprecie o facto como contra-ordenação ou como crime precludem a possibilidade de reapreciação de tal facto como contra-ordenação.

2 - O trânsito em julgado da sentença ou despacho judicial que aprecie o facto como contra-ordenação preclude igualmente o seu novo conhecimento como crime.” e a situação ali descrita não se verifica.

A falar-se em caso julgado, ele só existiria no que respeita ao ilícito criminal e como bem se expressa decisão recorrida “nada impede a apreciação em sede contraordenacional, sendo que a natureza contraordenacional é relativa às restrições da publicidade institucional e não aos deveres de neutralidade e imparcialidade (esses aferidos em sede criminal e já decidido).

Improcede assim esta questão

Importa agora averiguar se os factos integram a contraordenação p. e p. no art. 10.º, n.º 4 e 12.º, n.º 1, da Lei n.º 72-A/2015 de 23/7 pela qual foi condenado.

Entendeu o tribunal recorrido que “Nos termos do disposto no art. 10.º,n.º 1 da Lei n.º 72-A/2015 de 23 de junho “ a partir da publicação do decreto que marque a data da eleição ou do referendo é proibida a propaganda política feita direta ou indiretamente através dos meios de publicidade comercial.”. Acrescenta o n.º 4, que “no período referido no n.º 1 é proibida a publicidade institucional por parte dos órgãos do Estado e da Administração Pública de atos, programas, obras ou serviços, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública.”

As entidade públicas, designadamente os órgãos das autarquias locais e os respetivos titulares, estão sujeitos a especiais deveres de neutralidade e de imparcialidade desde a data da publicação do decreto que marca o dia das eleições. Isso significa que não podem intervir, direta ou indiretamente, na companha eleitoral, nem praticar atos que, de algum modo, favoreçam ou prejudiquem uma candidatura ou uma entidade proponente em detrimento ou vantagem de outra, devendo assegurar a igualdade de tratamento e a imparcialidade em qualquer intervenção no exercício das suas funções (art. 41.º da Lei Orgânica n.º 1/2001 de 14 de agosto – Lei Eleitoral dos órgãos das Autarquias Locais – LEOAL).

O cumprimento dos deveres de neutralidade e imparcialidade por parte das entidades abrangidas significa:

- atuar com total objetividade, sem se deixar influenciar por considerações de ordem subjetiva pessoal ou interesses estranhos ao interesse público;

- Prosseguir em exclusivo o interesse público, estando impedida a prossecução de outros interesses que não sejam os interesses públicos postos por lei a seu cargo;

- Total isenção na prossecução do interesse público de forma a garantir o exercício desinteressado das respetivas funções;

- Independência perante as forças partidárias e os interesses das candidaturas, bem como de outros grupos de pressão ou interesses privados.

Com este imperativo legal procura-se garantir, por um lado, a igualdade de oportunidade e de tratamento entre as diversas candidaturas e, por outro lado, que não existam interferências exteriores no processo de formação da vontade dos cidadãos para o livre exercício do direito de voto.

A consagração de tais princípios e dos correspondentes deveres pretendem acautelar a prática de atos que, de algum modo, favoreçam ou prejudiquem uma candidatura em detrimento e/ou vantagem de outras.

Na verdade, como é possível a reeleição para os órgãos das autarquias locais, é comum os respetivos titulares serem também candidatos. Esta circunstância é particularmente relevante, uma vez que neste ato eleitoral a respetiva lei eleitoral não exige a suspensão das funções dos titulares dos órgãos autárquicos, obrigando-os a estabelecerem uma estrita separação entre o exercício do cargo que ocupam e o seu estatuto de candidatos e proibindo a utilização daqueles para obter vantagens ilegítimas enquanto candidatos. Portanto, a neutralidade não impede o exercício normal das funções que cabem às entidades públicas, designadamente, órgãos das autarquias locais, nem impede os seus titulares de fazerem as declarações que tenham por convenientes, sobre os assuntos que lhes digam respeito, desde que de forma objetiva.

Estes princípios devem ser respeitados em qualquer publicação autárquica, traduzindo-se, quer na equidistância dos órgãos das autarquias locais e dos seus titulares em relação às pretensões e posições das várias candidaturas ao ato eleitoral, quer ainda na necessária abstenção da prática de atos positivos, ou negativos, em relação a estas, passíveis de interferir no processo eleitoral. Este regime é aplicável desde a publicação do decreto que marque a data das eleições (art. 38.º da LEOAL), que no caso concreto, é o Decreto n.º 18-A/2021, de 7 de julho.

Ora, radica nestes deveres a proibição de realização de publicidade institucional, prevendo a norma do n.º 4 do art. 10.º da Lei n.º 72-A/2015 de 23 de julho a partir da publicação do decreto que marque a data das eleições “é proibida a publicidade institucional por parte dos órgãos do Estado e da Administração Pública de atos, programas, obras ou serviços, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública.”

Assim, há determinado tipo de comunicações para o público em geral que não estão abrangidos pela proibição, ou seja, as comunicações informando sobre bens ou serviços por si disponibilizados, quando tal comunicação seja imprescindível à sua fruição pelos cidadãos ou seja essencial à concretização das suas atribuições, bem como as comunicações informativas e sem carácter promocional, como sejam avisos e anúncios sobre condicionamentos de trânsito e similares ou com indicações sobre alterações das condições de funcionamento de serviços (mudanças de horário ou de instalações).

Por outro lado, a proibição legal de publicidade institucional não impede também o cumprimento dos deveres de publicitação de informações impostas legalmente, como é o caso de avisos ou painéis relativos à legislação de licenciamento de obras, ou das publicações em diário da República, bem como das publicações obrigatórias realizadas em publicação institucional ou por editais e outros meios. Nestes casos, a publicação deve conter somente os elementos que a respetiva legislação exija. Tais comunicações, porém, não podem, em caso algum, veicular ou ser acompanhadas de imagens, expressões ou outros elementos encomiásticos ou de natureza promocional, devendo cingir-se aos que identifiquem clara e inequivocamente o promotor da mensagem e ao conteúdo factual estritamente necessário.

Sobre o alcance da referida norma, o Tribunal Constitucional pronunciou-se no Ac. N.º 254/2019, “o que justifica a proibição da publicidade institucional, durante este período eleitoral, é o propósito de evitar a sua utilização com um conteúdo ou um sentido que, objetivamente, possa favorecer ou prejudicar determinadas candidaturas à eleição em curso, em violação dos princípios da neutralidade, imparcialidade das entidades públicas e do principio da igualdade de oportunidade e de tratamento das diversas candidaturas (art. 113.º, n.º 3 al. b) da Constituição).

O Ac. TC. N.º 586/2017 é também elucidativo neste sentido quando afirma que “tal garantia de igualdade demanda que os titulares de entidades públicas, mormente os que se pretendam recandidatar, não possam, por via do exercício dessas funções, afetar os recursos e estruturas da instituição à prossecução dos interesses da companha em curso (…)”.

Acresce que, para efeitos da proibição legal, é irrelevante se os materiais publicitários foram encomendados, produzidos ou colocados antes da publicação do decreto que marque a data da eleição, devendo a entidade pública abster-se de usar tais materiais desde esta publicação e até ao termo do dia da eleição. Aliás, defender o contrário tornaria o regime incongruente e ineficaz já que “uma vez que o inicio do período eleitoral assume alguma previsibilidade, fácil seria aos agentes vinculados contornar a apontada proibição e assim frustrar o intento do legislador democrático”. – neste sentido Ac. TC. N.s 545/2017 e 591/2017.

A lei pretende assim impedir que, em período eleitoral, a promoção pelas entidades públicas “de uma atitude dinâmica favorável quanto ao modo como prosseguiram ou prosseguem as suas competências e atribuições, coexista no espaço público e comunicacional com as mensagens de propaganda das candidaturas eleitorais, as quais podem, por essa via, objetivamente, favorecer ou prejudicar (cfr. Ac TC. N.º 545/2017). Continua o mesmo aresto” Por assim ser, entendeu o legislador que, para o funcionamento do princípio da igualdade de oportunidade e de tratamento das diversas candidaturas (art. 113.º, n.º 3 al. b) da Constituição), as prerrogativas de divulgação institucionais das entidades, órgãos ou serviços públicos deveriam ceder no período eleitoral, salvo em casos de necessidade pública e urgente”.

Assim, em geral, encontram-se proibidas todos os atos de comunicação que visem, direta ou indiretamente, promover junto de uma pluralidade de destinatários indeterminados, iniciativas, atividades ou a imagem de entidade, órgão ou serviço publico, que nomeadamente contenham slogans, mensagens elogiosas ou encómios à ação do emitente ou, mesmo não contendo mensagens elogiosas ou de encómio, não revistam gravidade ou urgência.

Citando o Ac. TC. N.º 590/2017, revela-se “muito eficaz, em termos publicitários, a utilização de associações discretas, contendo uma mensagem não explicita, mas indutora de um estado de espírito de recetividade e adesão à imagem veiculada e de consequente memorização da ligação à entidade identificada como promotora”.

Em conformidade com a mais recente Jurisprudência do Tribunal Constitucional nesta matéria – Acórdão do TC. N.º 678/2021, para que se verifique a violação da proibição de publicidade institucional em período eleitoral basta que os “ meios usados sejam suscetíveis de influenciar alguns cidadãos, conclusão que é obviamente relevante e (…) é suficiente, não sendo aceitável a leitura de que a lei exige a demostração de uma influência efetiva sobre a generalidade ou mesmo a maioria dos cidadãos”.

Nestas situações não colhe a afirmação de que a finalidade é meramente informativa. Sobre a proibição em causa, prossegue o mesmo aresto “ao proibir a publicidade a “atos, programas, obras, serviços, o n.º 4 do art. 10.º da Lei n.º 72-A/2015 de 23.7, tem em vista afastar atos de divulgação que, as mais das vezes, serão abertos à interpretação dos destinatários. Fruto da natural ambiguidade das mensagens desta natureza, poderão ser vistos por alguns cidadãos com indiferença ou enquanto mera informação e por outros como promoção da obra feita e, por essa via, do candidato que a realizou. É a potencialidade dessa leitura favorável – como expressão de uma desigualdade à partida entre quem pode expor aos cidadãos resultados, porque teve oportunidade, a diferencia, enfim, entre o que já foi feito por uns e o que outros só podem especular que teriam feito – que a lei pretende afastar, sendo certo que a informação objetiva pode servir o propósito de promover a uma luz favorável a ação de quem realizou certa obra ou serviço.

É por este motivo que a intenção meramente informativa não constituiu causa de justificação – a conduta só será justificada perante a urgente necessidade pública (…) ou o estrito cumprimento de um dever legal de divulgação(…)”.

Citando o Ac T C n.º 461/2017 “ a proibição legal de publicidade institucional não impede também o cumprimento dos deveres de publicitação de informações impostas legalmente, como é o caso de avisos ou painéis relativos à legislação de licenciamento de obras, ou das publicações em diário da Republica, bem como das publicações obrigatórias realizadas em publicação institucional ou por editais e outros meios, nestes casos, a publicitação deve conter somente os elementos que a respetiva legislação exija.”

De toda a factualidade apurada, verifica-se que as publicações em causa nos presentes autos ocorreram após a publicação do decreto da marcação da data das eleições autárquicas de 2021, não correspondendo a nenhum caso de necessidade publica grave e urgente. Com efeito, as publicações em causa foram realizadas sucessivamente em ........21; ........21; ........21; ...; ........21 e ........2021 e contêm teor de publicidade de eventos e promocional do presidente da Junta de Freguesia, contendo as mesmas informações sobre o desenvolvimento da atividade do órgão da autarquia local sendo que nenhuma delas se refere a qualquer assunto ou caso grave e urgente de necessidade pública.

Acresce ainda que, algumas dessas publicações contêm mesmo expressões que ultrapassam a mera necessidade de informação do público, como linguagem adjetivada e promotora de obras e iniciativas da Junta de freguesia de ... (Porto), como, por exemplo, “Ao longo da semana, no ATL Férias divertidas 2021da Freguesia de ... as nossas crianças realizaram atividade desportiva, (…) e mais importante brincaram muito e divertiram-se uns com os outros. como a segurança e o bem-estar são fundamentais para nós, esta iniciativa decorre ao abrigo (…)”; “ o presidente da Junta, AA, esteve com os promotores de um abaixo-assinado que contesta as obras que a Câmara Municipal ... está a realizar (…). A Junta de freguesia comprometeu-se a questionar a Câmara sobre estes problemas no sentido de procurar resolvê-los ainda em obra”.

Nos termos do disposto no art. 10.º n.º 1 da Lei n.º 72-A/2015 de 23 de junho “ a partir da publicação do decreto que marque a data da eleição ou do referendo é proibida a propaganda política feita direta ou indiretamente através dos meios de publicidade comercial.”. Acrescenta o n.º 4, que “no período referido no n.º 1 é proibida a publicidade institucional por parte dos órgãos do Estado e da Administração Pública de atos, programas, obras ou serviços, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública.”

Face ao exposto, considerando a factualidade que resultou provada mostra-se violada a proibição de publicidade institucional a que o presidente da junta de Freguesia de ... (...) está sujeito durante o período eleitoral.” (fim de citação).

Feito este apontamento, verifica-se que o artº 10º da Lei 72 A/2015 prevê duas situações diferentes: no nº 1 ao estabelecer que “A partir da publicação do decreto que marque a data da eleição ou do referendo é proibida a propaganda política feita direta ou indiretamente através dos meios de publicidade comercial”, referindo-se à proibição da propaganda politica, e no nº 4 ao estabelecer que “No período referido no n.º 1 é proibida a publicidade institucional por parte dos órgãos do Estado e da Administração Pública de atos, programas, obras ou serviços, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública.” refere-se à publicidade institucional ou seja relativa ao órgão.

É nesse âmbito que o Tribunal Constitucional se tem pronunciado no sentido de interpretar tais normativos tendo em conta os princípios porque se deve reger a campanha eleitoral, e assim como expressa a decisão recorrida citando o “acórdão do TC. N.º 678/2021, para que se verifique a violação da proibição de publicidade institucional em período eleitoral basta que os “ meios usados sejam suscetíveis de influenciar alguns cidadãos, conclusão que é obviamente relevante e (…) é suficiente, não sendo aceitável a leitura de que a lei exige a demostração de uma influência efetiva sobre a generalidade ou mesmo a maioria dos cidadãos”.

Nestas situações não colhe a afirmação de que a finalidade é meramente informativa. Sobre a proibição em causa, prossegue o mesmo aresto “ao proibir a publicidade a “atos, programas, obras, serviços, o n.º 4 do art. 10.º da Lei n.º 72-A/2015 de 23.7, tem em vista afastar atos de divulgação que, as mais das vezes, serão abertos à interpretação dos destinatários. Fruto da natural ambiguidade das mensagens desta natureza, poderão ser vistos por alguns cidadãos com indiferença ou enquanto mera informação e por outros como promoção da obra feita e, por essa via, do candidato que a realizou. É a potencialidade dessa leitura favorável – como expressão de uma desigualdade à partida entre quem pode expor aos cidadãos resultados, porque teve oportunidade, a diferencia, enfim, entre o que já foi feito por uns e o que outros só podem especular que teriam feito – que a lei pretende afastar, sendo certo que a informação objetiva pode servir o propósito de promover a uma luz favorável a ação de quem realizou certa obra ou serviço.

É por este motivo que a intenção meramente informativa não constituiu causa de justificação – a conduta só será justificada perante a urgente necessidade pública (…) ou o estrito cumprimento de um dever legal de divulgação(…)”.

Citando o Ac T C n.º 461/2017 “ a proibição legal de publicidade institucional não impede também o cumprimento dos deveres de publicitação de informações impostas legalmente, como é o caso de avisos ou painéis relativos à legislação de licenciamento de obras, ou das publicações em diário da Republica, bem como das publicações obrigatórias realizadas em publicação institucional ou por editais e outros meios, nestes casos, a publicitação deve conter somente os elementos que a respetiva legislação exija.”

E mais se refere no parecer junto pelo ilustre PGA, citando o Ac TC 254/2019 1“A proibição legal de publicidade institucional compreende todos os atos de comunicação que possam influenciar diretamente o eleitorado quanto ao sentido do voto e abrange “«todos os serviços ou meios que, habitualmente, são adquiridos para publicidade, mesmo que já façam parte do património da entidade pública (como outdoors, etc.) ou que sejam realizados por serviços da entidade pública (como imprensas municipais ou departamentos internos de comunicação)» (cfr. Acórdão n.º 461/2017, ponto 8), (…).

O que justifica a proibição da publicidade institucional durante este período eleitoral, é o propósito de evitar a sua utilização com um conteúdo ou um sentido que, objetivamente, possa favorecer ou prejudicar determinadas candidaturas à eleição em curso, em violação dos princípios da neutralidade e imparcialidade das entidades públicas e do princípio da igualdade de oportunidade e de tratamento das diversas candidaturas (artigo 113.º, n.º 3, al. b), da Constituição). Como o Tribunal Constitucional já referiu, no Acórdão n.º 519/2017, ponto 9, «os deveres de neutralidade e imparcialidade que impendem sobre as entidades públicas no período eleitoral» não «abrangem comportamentos que não contribuem em nada para associar uma iniciativa oficial a um ato de propaganda eleitoral».

Assim, apenas a publicidade institucional que represente uma violação destes princípios – que seja compaginável com propaganda eleitoral – se encontra proibida durante o período eleitoral.”

E mais adiante, face ao facto de as publicações institucionais haverem sido inseridas no Facebook decidiu o Tribunal Constitucional que “As publicações em redes sociais designadamente, em páginas institucionais, geridas pelos órgãos autárquicos como meios de fazer chegar informação e outras mensagens aos cidadãos integram-se, indubitavelmente, na proibição assinalada, uma vez que «estão inseridos no âmbito da publicidade institucional, para efeitos da sua proibição, todos os serviços ou meios que, habitualmente, são adquiridos para publicidade, mesmo que façam parte do património da entidade pública (como outdoors, etc.) ou que sejam realizados por serviços da entidade pública (como imprensas municipais ou departamentos internos de comunicação). Está fora de dúvidas, pois, que a página oficial do Facebook [de uma autarquia] na qual, aliás, os “posts” são publicados acompanhados do logotipo do Município –, constitui um desses meios.» (Acórdão 591/2017)”2

Analisando agora a acção em causa verifica-se que no Facebook foram inseridas noticias de acções, atividades e actos, alguns com referência expressa ao arguido ou em que ele esteve presente (incluindo foto), à inserção de propostas ou programas de ação futura e a emissão de slogan. Nenhum desses actos se justifica perante uma situação de urgente necessidade pública , ou se mantêm no estrito cumprimento de um dever legal de divulgação, e consequentemente tal como decidiu o tribunal recorrido, tais actos no período eleitoral são proibidos e punidos, circunstâncias que o arguido como presidente de uma autarquia, e como candidato a essas eleições autárquicas, sabia ou devia saber, face não apenas às funções que exercia, como aos alertas que a CNE sublinhara, como evidencia o Sr PGA no seu parecer face à emissão por aquele órgão da nota informativa n.º Al/202 3. Em face da sua também candidatura qualquer cidadão eleitor sente o elogio da obra feita e do compromisso de resolver no futuro problemas existentes, que se traduz no que os candidatos fazem na campanha eleitoral. Não existe por isso dúvida de que se mostra preenchida a proibição legal. Improcede esta questão.

Avança o arguido que não é responsável, pois sê-lo-á a Junta de Freguesia a cujo órgão presidia.

Como é do senso comum, é através dos titulares dos órgãos das pessoas coletivas que a vontade imputada juridicamente a estas pessoas coletivas se manifesta. Sem titulares (pessoas individuais) essa vontade não é expressa nem ocorre, e consequentemente não agem no mundo físico nem no jurídico. Se agem no mundo físico é por vontade do órgão expressa pelo seu titular. É exatamente o caso presente, a junta de freguesia para se expressar necessita que alguém exprima a sua vontade, agindo no mundo físico, e esse agente é o presidente da Junta que representa aquele órgão. Ele é o responsável por expressar a vontade daquela e se age ou não age é fruto da sua acção.

A responsabilidade das pessoas colectivas no que ao regime contraordenacional respeita vem expressa no artº 7º RGCO do seguinte modo: “1 - As coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas colectivas, bem como às associações sem personalidade jurídica. 2 - As pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções.” donde a pessoa colectiva apenas responde pela infracção praticada pelos seus órgãos no exercício da suas funções. Ora não se mostra que a Junta de freguesia, órgão executivo da autarquia freguesia tenha expressado qualquer vontade nesse sentido, que teria de ser expressa de modo colegial, pelo que não havendo deliberação nesse sentido não lhe pode ser imputado o acto, mas apenas ao seu titular4 a quem incumbe o dever de observar o comando legal, no caso o arguido, pois a ação de publicidade efectuada foi-o no âmbito das funções que exerce no órgão autárquico em causa.

Independentemente disso

Os deveres de neutralidade e imparcialidade impostos pela lei (artº 41ºda lei 1/2001 de 14/8 – Eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais) não impendem apenas sobre os órgãos do Estado, Regiões ou autarquias, mas também “os respectivos titulares, não podem intervir directa ou indirectamente na campanha eleitoral nem praticar actos que de algum modo favoreçam ou prejudiquem uma candidatura ou uma entidade proponente em detrimento ou vantagem de outra…”

Ora através da proibição expressa no artº 10º da Lei 72 A/2015 pretende-se garantir aqueles princípios de neutralidade e imparcialidade das entidades públicas e dos titulares dos respetivos órgãos perante as ações de propaganda política anteriores ao ato eleitoral, pois «propaganda eleitoral» é “toda a actividade que vise directa ou indirectamente promover candidaturas, seja dos candidatos, dos partidos políticos, dos titulares dos seus órgãos ou seus agentes, das coligações, dos grupos de cidadãos proponentes ou de quaisquer outras pessoas, nomeadamente a publicação de textos ou imagens que exprimam ou reproduzam o conteúdo dessa actividade.”- artº 39º L1/2001, na qual se inclui a publicidade institucional após a marcação da data das eleições (artº10º da Lei 72 A/ 20015) e visa a mesma finalidade. No caso o arguido como candidato à autarquia estava a promover a sua candidatura, quando em face da funções que exercia se lhe exigia um maior esforço na observância dos deveres de neutralidade e imparcialidade na observância das normas reguladoras da campanha eleitoral e sua propaganda, que lhe impunha que agisse quer por acção quer por omissão, como o Tribunal Constitucional tem esclarecido 5

Assim é o arguido como titular do órgão, responsável pela infracção e consequentemente pela coima em que foi condenado.

Improcede esta questão e cm ela o recurso


+


Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça

Julga improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.

Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 4 UC e nas demais custas

Registe e notifique

Dn


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Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça 5/2/2025

José A. Vaz Carreto (relator)

António Augusto Manso

Horácio Correia Pinto

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1. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190254.html

2. Ac. TC 681/2021. Texto integral em: https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20210681.html

  e Ac. TC n.º 591/2017 citado no Ac. 681/2021 e também no Ac. TC 750/2021 pode ser encontrado em:

  https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170591.html↩︎

3. “1. A partir da publicação do decreto que marque a data das eleições, no caso, desde 08/07/2021 , é proibida a publicidade institucional por parte dos órgãos do Estado e da Administração Pública de atos, programas, obras ou serviços, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, nos termos do n.º 4 do artigo 10.º da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho.

  2. O fundamento da proibição consagrada neste artigo inscreve-se nos deveres de neutralidade e imparcialidade a que as entidades públicas se encontram sujeitas, designadamente, nos termos do artigo 41.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais e de idênticas disposições das demais leis eleitorais.

  3. Assim, logo que publicado o decreto que fixa a data da eleição, incumbe ao titular do órgão do Estado ou da Administração Pública, por sua iniciativa, determinar a remoção de materiais que promovam atos, programas, obras ou serviços e/ou suspender a produção e divulgação de formas de publicidade institucional até ao dia da eleição.

  (…)

  II. Âmbito de aplicação da norma

  ❖Órgãos do Estado e da Administração Pública

  7. O n.º 4 do mencionado artigo 10.º abrange qualquer órgão do Estado e da Administração Pública, ou seja, engloba os órgãos de soberania, das regiões autónomas, do poder local, eletivos ou não, dos correspondentes níveis de administração, incluindo as respetivas empresas, e demais pessoas coletivas públicas.

  8. Assim, os atos, programas, obras ou serviços cuja publicitação por essas entidades públicas se encontra impedida respeitam quer aos dos órgãos para cujos titulares decorre a eleição (incluindo os que destes sejam dependentes ou sejam por eles tutelados, como agências, institutos, empresas públicas, etc.), quer aos de quaisquer outras entidades públicas desde que subsista ligação, ainda que indireta, com a eleição em causa.

  Publicidade institucional

  9. Entende-se que a «publicidade institucional» de entidades públicas integra os seguintes elementos:

  a. Consiste em campanhas de comunicação ou em atos isolados, como anúncios únicos;

  b. É realizada por entidades públicas; c. É financiada por recursos públicos;

  d. Pretende atingir uma pluralidade de destinatários indeterminados;

  e. em o objetivo, direto ou indireto, de promover a imagem, iniciativas ou atividades de entidade, órgão ou serviço público;

  f. Utiliza linguagem identificada com a atividade propagandística;

  g. Pode ser concretizada tanto mediante a aquisição onerosa de espaços publicitários ou em órgãos de comunicação social escrita, de radiodifusão e de radiotelevisão, como através de meios próprios.

  10. Relativamente aos meios de difusão, devem considerar-se incluídos todos os serviços ou meios que, habitualmente, são adquiridos para publicidade, mesmo que já façam parte do património da entidade pública (como outdoors, etc.) ou que sejam realizados por serviços da entidade pública (como imprensa institucional ou departamentos internos de comunicação).

  Ou seja, abrange qualquer suporte publicitário ou de comunicação (livros, revistas, brochuras, flyers, convites, cartazes, anúncios, mailings, etc,), quer sejam contratados externamente, quer sejam realizados por meios internos financiados com recursos públicos) ou posts em contas oficiais de redes sociais que contenham hashtags promocionais, slogans, mensagens elogiosas ou encómios à ação do emitente.

  Quanto aos meios próprios da instituição, nenhum é excecionado. São abrangidas todas as formas de comunicação com o exterior, desde a revista municipal à fatura da água. Constitui, ainda, um desses meios a página oficial do Facebook da entidade pública, seja por via da publicação de “posts”, seja através de anúncios patrocinados.”

4. Citando o ilustre PGA no seu parecer: “O preceito do número 2 do artigo 7.º do Regime Geral das Contraordenações deve ser interpretado extensivamente, como, aliás, tem sido feito, incluindo pelo Tribunal Constitucional, de modo a incluir os trabalhadores, os administradores e gerentes, os mandatários ou representantes da pessoa coletiva ou equiparada desde que actuem no exercício das suas funções ou por causa delas” in Parecer do Conselho Consultivo da PGR P000112013, de 06.05.2013. Texto integral em:  https://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/7fc0bd52c6f5cd5a802568c0003fb410/d74d5fc794d5302180257b6e0051c9ee?Ope nDocument&ExpandSection=-2

5. citando o parecer do ilustre PGA, o TC no seu Acórdão n.º 545/2017 entende que o dever abrange a obrigação de remoção de publicidade institucional que já existia “Daí que o dever imposto no referido preceito (…) possa ser violado tanto por ação como por omissão, designadamente quanto o titular do órgão do Estado ou da Administração Pública não determine, logo que publicado o Decreto que marca a data para as eleições, a remoção de materiais que promovam atos, programas, obras ou serviços, nem proceda à suspensão da produção e/ou divulgação de formas de publicidade institucional até ao decurso do período eleitoral, salvaguardada a exceção de urgência admitida pela parte final do n.º 4 do artigo 10.º da Lei n.º 72-A/2015”