Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOÃO RATO | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO NOVOS FACTOS NOVOS MEIOS DE PROVA PROVA TESTEMUNHAL REJEIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 05/23/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE REVISÃO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : |
I. - A simples indicação e identificação do meio de prova – testemunhal – sem qualquer alusão aos factos que são do conhecimento, direto ou indireto, da testemunha indicada, ao facto de saber ou não da sua existência antes mesmo do julgamento e, em caso afirmativo, porque não a indicou em tempo útil para ali ser ouvida, não reveste as exigências de novidade legalmente previstas para fundamentar o pedido de revisão, seja qual for a posição que se adote quanto à melhor interpretação da lei no que à novidade dos factos ou meios de prova concerne. II. – E torna inviável equacionar sequer a sua inquirição, por não se saber se esse meio de prova era desconhecido do tribunal e dos demais sujeitos processuais (arguido e/ou Ministério Público) à data do julgamento ou, ainda que conhecido do arguido nessa data, as razões que justificadamente impediram a sua apresentação, mais ainda s, como neste caso ocorre, nada de concreto ser alegado sobre a consistência do seu conhecimento, direto ou indireto, difuso ou preciso sobre os acontecimentos e qual a sua razão de ciência. III. - Incerteza que, associada ao fundamento de revisão previsto na al. d) do n.º 1 do artigo 449º do CPP, não permite afirmar o que nele se exige acerca da verificação cumulativa da novidade do facto ou meio de prova desconhecido ao tempo do julgamento ou, pelo menos, que a sua não apresentação e consideração na sentença condenatória resulte de circunstâncias justificativas da sua não apresentação tempestiva e que da sua produção e consideração resulte não uma qualquer dúvida, mas graves dúvidas sobre a justiça da condenação. IV. – Donde não se justificar sequer a sua admissão e produção, como bem se decidiu na 1ª instância, e ser inevitável a negação do pedido de revisão, por manifesta falta de fundamento, em conformidade com a sua natureza excecional e o equilíbrio entre os valores da segurança e certeza jurídicas e da justiça material que a justificam e constituem seus necessários pressupostos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 401/19.0PAABT-C.S1 (Recurso de revisão) Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório I. 1. A arguida/condenada AA veio, em 22.03.2024 (referência 8390130), através do seu ilustre defensor, interpor o presente recurso extraordinário de revisão da sentença do Juízo Local Criminal de ..., do Tribunal Judicial da comarca de Santarém, de 21.03.2022, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28.06.2023, e transitada em julgado em 7.12.2023, nos termos dos artigos. 449º, n.º 1, al. d), 450º, n.º 1, al. c), e 451º, todos do Código de Processo Penal (CPP), apresentando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição): «Em conclusão: 1. Da ratio essendi da revisão - A presente providência assenta a sua esfera de gravidade no equilíbrio ténue entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material (CPP Anotado – Simas Santos e Leal Henriques, p.1042 e segs.).Não pode pois sobrepor-se a segurança do injusto sobre a justiça (cfr. Os mesmos autores em Recursos em Processo Penal, 3ª Edição, p.163 / Cavaleiro Ferreira in Revisão Penal, Scientia Iuridica, XIV nº92 a 94, p.616).Por conseguinte, o que se almeja neste recurso extraordinário é uma nova decisão judicial que se substitua através da repetição do julgamento, a uma outra já transitada em julgado. 2. Do fundamento jurídico-legal da revisão - Tal qual se alegou no ponto anterior no âmbito de presente recurso extraordinário, tem a defesa da arguida BB, por presente e adquirido que, no domínio do processo penal, tal como, no domínio do processo civil, esta “providência excepcional” tem por fito obviar a decisões injustas, fazendo prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito (a que o caso julgado dá guarida).Com efeito, o Artigo 449 nº 1 alínea d) do CPP dispõe que a “revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova, que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”. Este fundamento diz respeito apenas a decisões condenatórias, sendo que tais fundamentos de revisão têm de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, a ponto de seriamente se colocar a hipótese da absolvição da pessoa condenada. São estes os fundamentos que estão directamente conexionados com a garantia constitucional do Artigo 29 nº 6 da Lei Fundamental, impondo-se pois como exigência, não só de justiça material, como também de salvaguarda do princípio de dignidade humana, em que assenta todo o edifício jurídico-constitucional do Estado de Direito democrático. 3. Do fundamento jurídico-legal da revisão, in casu - Ora, numa aproximação do geral para o concreto, somos a afirmar que, in casu, o segmento do normativo susceptível de aplicação efectiva, reporta-se ao Artigo 449 nº 1 alínea d) do Código de Processo Penal. Assim, e considerando a alínea d) do supra citado normativo, na qual se dispõe que se descobrirem novos factos ou meios de prova, que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, é possível a revisão em nome da defesa. Nesta esteira, sufragamos a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça, no entendimento de que, os factos ou elementos de prova que fundamentam a revisão das decisões penais devem ser novos no sentido de não terem sido apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo réu no momento em que o julgamento teve lugar (cfr. Os Acs. Do STJ de 60.12.02, BMJ 101-487, de 65.02.08, BMJ 152-126, de 68.03.20, BMJ 175-220, de 70.03.11, BMJ 195-156, de 74.02.20, BMJ 234-191, de 82.03.31, BMJ 315-210 e respectiva anotação e de 89.11.15, AJ, nº3 Proc. nº 39 992). Para o efeito, nesses factos se incluem, quer os factos constitutivos do próprio crime (os seus elementos essenciais), quer os factos dos quais, uma vez provados, se infere a existência ou inexistência de elementos essenciais do crime. No fundo, todos os factos que devem ou deveriam constituir o tema da prova, os meios de prova directa e os meios de prova indirecta. 4. Do fundamento de facto da presente revisão - Começando pelos meios de prova que foram apreciados no processo, a primeira questão que a nosso ver, foi erradamente enquadrada, relaciona-se com os meios de prova que determinaram a condenação a ora recorrente BB a crimes de falsificação de documentos e burlas agravada. Sobretudo há luz dos meios de prova agora surgidos. No que concerne às declarações da arguida, o mesmo sempre clamou alto e a bom som (para quem se predispôs a ouvi-lo), que não tinha praticado os crimes da forma a que foi condenado. Que não tinha efectuado burla e que a sua entidade patronal não tinha sido prejudicada 5. Tanto mais que alguns dos crimes que a recorrente veio a ser condenada já se encontravam prescritos e por essa razão era impossível a sua condenação e ao sê-lo tratasse de uma nulidade, de que merece e reveste-se de conhecimento oficioso 6. E convenhamos, no rigor dos princípios, inexiste nos autos qualquer prova documental, entenda-se documentos, perícias, analise contabilísticas etc que permita provar ainda que a titulo indiciário a verificação dos elementos constitutivos do tipo de crime. E no mais que concerne à matéria de prova inexistem também qualquer reporte da prova testemunhal no que à prova directa dos factos essenciais diz respeito. Aqui chegados e de antemão, emerge a problemática dos valores das faturas, e da interpretação que hás mesmas é atribuída. Mormente, como é o caso, quando tais elementos de prova não colhem apoio na demais prova indirecta que foi produzida, isto é, quando as conversas interceptadas, e a sua interpretação, não tem qualquer suporte empírico probatório que as complemente, corroborando o sentido da interpretação atribuída pela investigação 7. Mas face a aos documentos requerido e a confissão da recorrente, inexiste qualquer outro elemento probatório que possa sequer indiciar ou sustentar o sentido da investigação que possam imputar a recorrente os factos 8. E por isso o recorrente clamou e clama pela sua inocência. E tal como a Igreja Romana reabilitou Galileu, trezentos e quarenta e sete anos depois da sua condenação, acreditamos que a Justiça feita, reconheça a inocência da arguida, e nos permita reabilitar para a sociedade, o Homem, …injustamente presa. Assim, os novos meios de prova que a nosso ver, de per si e/ou combinados com os que não foram apreciados no processo, e ora requeridos suscitam graves duvidas sobre a justiça da condenação são: - os dois documentos juntos e a inquiriçao da testemunha arrolada. Neste termos, vem a arguida BB muito respeitosamente requerer junto de V.Exa, enquanto meio de prova essencial para a descoberta da verdade material, se digna admitir os meios de prova requeridos e se inquira e reinquira as testemunhas arroladas e que caso desejam sejam tomadas declarações da arguida ora recorrente que não tinha antecedentes criminais, por crimes desta natureza e se apresentou voluntariamente para cumprimento da sua Pena, o que não pode ser esquecido, omitido ou olvidado Termos em que muito respeitosamente se requer a V. Exas. Venerandos Conselheiros, que, depois de considerados os meios de prova acima indicados e analisadas as motivações acima aduzidas, seja por vos decretada a revisão da sentença mencionada e para o efeito seja o processo remetido in totum para novo julgamento. Pelo que assim procedendo, farão V. Exas. a habitual justiça. P.E.D. O Advogado» I. 2. Por despacho da juíza titular do processo principal, de 1.04.2024 (referência 96086569), foi indeferida a requerida audição da testemunha CC, bem assim como a reinquirição de outras testemunhas que indica como tendo sido ouvidas no processo e demais diligências probatórias enunciadas, admitindo-se o recurso e determinando-se a notificação ao Ministério Público para, querendo, responder. I. 3. O Ministério Público no tribunal recorrido, por requerimento de 5.04.2024 (referência 29088), respondeu ao recurso da condenada, apresentando as seguintes conclusões: «Em conclusão 1. A testemunhas CC não foi ouvida em qualquer fase do presente processo, não tendo sido arrolada pela arguida ou pelo Ministério Público. 2. A recorrente não alegou nem apresentou prova de que ignorasse a existência da testemunha ou que a mesma estivesse impossibilitada de depor. 3. A recorrente não alegou que o depoimento desta testemunha fosse de molde a suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação. 4. Pelo exposto, a requerida inquirição desta testemunha mostra-se violadora do disposto nos art.ºs 449.º, n.º 1, d) e 453.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, pelo que deve ser indeferida. 5. As demais diligências probatórias requeridas pela recorrente não se mostram adequadas a fazer prova relativamente à verificação ou não do crime sub iudice – maus tratos. 6. De facto, do eventual conteúdo de um computador portátil, de prova documental ou do depoimento das testemunhas DD, EE e FF (nunca ouvidas neste processo, nem invocado o seu desconhecimento ou a sua impossibilidade de depor), nada se poderá extrair quanto ao crime imputado à recorrente AA. 7. Efectivamente, tais elementos de prova surgem no texto do recurso associados ao crime de burla imputado à arguida BB, que apenas podemos conceber tratar-se de uma referência a outro processo judicial que, por lapso, não foi expurgada do documento pelo seu signatário. 8. Quanto à alegada ausência de fotogramas, diga-se ainda que foi feito registo videográfico dos factos imputados à arguida, registo esse que foi junto aos autos e reproduzido em audiência de julgamento, pelo que se revela, também aqui, impertinente a produção desta prova em sede de recurso extraordinário de revisão. 9. Pelo exposto, terá de concluir-se que, por inadmissibilidade legal ou por impertinência, serão de rejeitar as diligências de prova requeridas. 10. E, nesse seguimento, pela inexistência de quaisquer elementos novos capazes de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da decisão proferida nos presentes autos e já transitada em julgado, deverá o presente recurso improceder. * Nestes termos, deve o recurso extraordinário de revisão improceder, confirmando-se a decisão proferida e já transitada em julgado, pois que assim se fará, com o douto suprimento de Vossas Excelências, JUSTIÇA!» I. 4. Por sua vez, a juíza titular no Juízo Local Criminal de ..., em despacho de 7.04.2024 (referência 96178489), exarou a seguinte informação e ordenou a oportuna remessa do processo a este Tribunal instruído com os elementos referidos no artigo 451º, n.º 3, do CPP (Transcrição parcial): «(…) Cumpre, pois, proferir informação, de acordo com o artigo 454.º do Código de Processo Penal aos Ex.mos Colendos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça. O recurso extraordinário de revisão impõe a quebra de caso julgado e é permitido nos artigos 29.º, nº 6 da Constituição da República Portuguesa e artº 4.º, nº 2 da Convenção dos Direitos do Homem: os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da decisão. Os fundamentos do recurso de revisão consistem na existência de factos novos (ou meios de prova) que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação – cfr. al. d), nº 1 do art 449º do CPP. O mesmo é afirmar que tais factos eram ignorados ao tempo do julgamento e, por outro lado, que os mesmos provoquem uma grave dúvida (não apenas uma mera dúvida) sobre a justiça da condenação (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 28/10/2009, processo nº40/03.8 TELSB.C.S1, disponível em www.dgsi.pt). Acresce que, de acordo com a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça consideram-se novos os factos ou os meios de prova que fossem desconhecidos ou não pudessem ser apresentados ao tempo do julgamento, pelo tribunal ou pelas partes. Tanto assim que o nº 2 do artigo 453.º impede o recorrente de arrolar testemunhas que não hajam sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou caso estivessem impossibilitados de depor. O Tribunal de 1ª Instância teve-se em consideração a prova pericial, documental junta aos autos, nomeadamente: (…) Como bem sublinha o MP, “As testemunhas CC não foi ouvida em qualquer fase do presente processo, não tendo sido arrolada pela arguida ou pelo Ministério Público. A recorrente não alegou nem apresentou prova de que ignorasse a existência da testemunha ou que a mesma estivesse impossibilitada de depor. A recorrente não alegou que o depoimento desta testemunha fosse de molde a suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.” O que subscreve-se na íntegra por melhor não se saber dizer e que aqui se considera reproduzido. De facto, por não ter sido alegada factualidade tinha conhecimento a testemunha arrolada, foi indeferido a realização das diligências, por inadmissibilidade legal. *** Concatenada a prova produzida em sede de julgamento, valorada a mesma à luz das regras da lógica, da experiência comum e da normalidade, não resultaram, para este Tribunal de 1ª Instância, quaisquer dúvidas de que, contrariamente ao afirmado pela arguida. Com efeito, tal decisão foi confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora. Neste conspecto, a arguida não identifica quais são os factos novos que poderá colocar em crise a decisão já transitada em julgado e muito menos que conhecimento terá a testemunha que possa colocar em causa a única testemunha inquirida, a qual nem sequer estava presente, ou as imagens gravadas no interior da residência onde a arguida e a ofendida se encontravam, no dia e hora dos acontecimentos e onde mais ninguém se encontrava presente. Da mesma banda, cumpre assinalar que as declarações da arguida, no que se reporta aos factos ora suscitados e os quais até se desconhecem, não mereceram, igualmente, qualquer credibilidade considerando, nos moldes sobejamente expostos. Como já se referiu em devido tempo, não foi alegado pela arguida quais os factos novos que poderão colocar em crise a sentença condenatória e muito menos que conhecimento tem esta testemunha acerca de tais factos (os quais foram objeto de filmagem e foram praticados sem a presença de terceiros) e bem ainda não justificou que ignorava a sua existência ao tempo da decisão nem alegou que esta testemunha esteve impossibilitadas de depor. Acresce que a arguida foi condenada pela prática de um crime de pela prática, em autoria material, de um crime de maus tratos, previsto e punido nos artº 152º- A, nº 1 do CP, na pena de DOIS (2) anos e QUATRO (4) MESES de prisão; e não de Burla, como alega a arguida, nem esta foi condenada em 6 anos de prisão, pugnando pela auditoria das constas da sociedade. Ora, nada disto está em causa nestes autos, pelo que os meios de prova requeridos para efeito do disposto no art 453º, nº 1 do C.P.P. se mostram inadequados ao crime pelo qual a arguida veio a ser condenada. Nesta conformidade, atentas as razões aduzidas na presente informação, afigura-se, salvo o devido respeito por entendimento contrário, e na certeza de que os Colendos Senhores Juízes Conselheiros melhor decidirão, que o presente recurso extraordinário de revisão não merece provimento. *** Subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça. Antes da subida: Dê conhecimento da presente informação ao TEP e ao EP onde a arguida se encontra reclusa. Notifique a presente informação ao MP e à arguida. Instrua os presentes autos com o CD contendo as imagens identificadas na sentença.». I. 5. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público, em 10.04.2024, emitiu o seguinte parecer (referência 12303527), que se transcreve expurgado do respetivo relatório e das notas de rodapé: «(…) Desde já se tem a dizer – tal como já o fizeram, quer o Ministério Público na resposta que apresentou ao recurso, quer a Senhora magistrada titular do processo na muito completa informação prestada nos termos do artº 454º do CPP – que o requerimento que serve de base ao pedido se mostra deficientemente elaborado, ao que tudo indica por lapsos decorrentes da utilização, para a sua elaboração, de anterior peça processual. Tal decorre, de forma evidente, de serem referidos factos e circunstâncias que nenhuma relação possuem com o presente processo, chegando a mencionar-se provas que aqui não foram produzidas (por exemplo testemunhas que não constam das que foram aqui inquiridas), provas que nunca poderiam ter sido produzidas (como a auditoria de contas de uma sociedade que aqui não é interveniente) ou foram e são referidas como inexistentes provas, quando, afinal, existem (gravações de imagens), ofendidas que aqui não assumem tal qualidade (‘Impala’, ‘Descobripress’), pena diversa da aplicada (é mencionada a de 6 anos de prisão) e, final e principalmente, é referido o nome de uma outra arguida (BB) que terá sido condenada pela prática de crime diverso (burla) daquele pelo qual a recorrente o foi… Por outro lado, há a referir que todas as críticas que são efetuadas à decisão condenatória no que se refere ao que esta entendeu como provado (quer nestes autos, quer naquele em que se verificou a condenação de uma arguida chamada BB) são totalmente irrelevantes em termos de recurso de revisão, devendo ser consideradas como não escritas, pois que se mostra ultrapassada a fase de recurso ordinário, ligar onde teriam cabimento aqueles argumento. Agora, transitada em julgado a condenação, a lei apenas permite a revisão dentro dos apertados limites constantes no artº 449º do CPP. Ora, do atrás referido decorre que, saneando o pedido, o que «sobra» de aplicável ao caso (e aceita-se esta utilidade, embora ainda com algumas dúvidas quanto a ser, efetivamente, tal testemunha referente a este processo ou àquele em que a tal BB foi condenada…) é a indicação de uma nova testemunha que, ao que resulta do que é argumentado, poderia importar alteração da decisão condenatória. Testemunha de nome CC, residente em .... Parece-nos – na senda do referido pelos Senhores magistrados do processo (em peças processuais muito completas de grande assertividade e que em tudo nos permitimos dar aqui por reproduzido) – que não basta a indicação de uma nova testemunha, não ouvida nem referenciada anteriormente no processo, para possibilitar a admissão de um recurso de revisão. Na verdade: Se certo é que a requerente tem legitimidade para o pedido (artº 450º, nº 1, al. b), do CPP), tendo sido pela mesma cumpridas as formalidades necessárias (artº 451º do mesmo diploma), reportando-se o recurso, como é exigido, a decisão transitada em julgado (artº 449º, nº 1, também do CPP), certo é igualmente que não se verifica o preenchimento das condições substanciais que permitiriam admitir a pretendida revisão. Com efeito e é sabido, a possibilidade de revisão de uma decisão transitada em julgado, ou seja, depois de todas as vias ordinárias de contestação da decisão estarem esgotadas, visa obter a reposição da verdade dos factos e a consequente aplicação do que se será, então, igualmente uma verdadeira justiça. Se nalguns casos a revisão é admitida sem grandes (ou, pelo menos, com menores) dúvidas serem levantadas, como nos casos das alíneas a), b), e), f) e g) do nº 1, do artº 449º do CPP, já noutros exige-se uma maior apreciação acerca do que é invocado, como são as situações mencionadas nas alíneas c) e d) do mesmo preceito – serem os factos que serviram de fundamento à condenação inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença (al. c)) ou se se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (al.d), graves dúvidas estas que são igualmente exigidas nas situações da alínea anterior. No caso dos autos sendo clara a invocação do fundamento da alínea d) do nº 1 do artº 449º, necessário seria que tivessem sido alegados fundamentos que importassem a conclusão de que, na decisão contestada, não foram tidos em conta elementos de prova que teriam levado a decisão diferente ou, pelo menos, que existem fortes suspeitas de que, tendo sido conhecidos aqueles elementos, a decisão teria seria diferente, e de forma determinante (é daí que resulta a impossibilidade de ser admitida revisão quando apenas se visa corrigir medida concreta da pena fixada, como resulta do nº 3 do artº 449º). E, sendo aquele o fundamento, havia logo necessidade de a requerente dar cumprimento ao disposto no artº 453º, nº 2, quando este refere que não podem ser indicadas testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão, ou que estiveram impossibilitadas de depor. Ora, esse requisito não se mostra preenchido. Motivo que levou, aliás, a que a Mmª juiz do processo não tivesse procedido à pretendida inquirição (despacho de 01.04.2024, com a referência 96086569). Mas, mesmo se tivessem sido invocadas aquela exigências, haveria ainda a referir que, como referido no Acórdão deste STJ de 20.11.2014 no Processo 131/06.3GCMMN-A.S1 [Relator – Souto de Moura] “A al. d) do art. 449.º do CPP exige que se descubram novos factos ou meios de prova. Os factos ou meios de prova novos são os que eram desconhecidos por parte do tribunal à data do julgamento, podendo ser do conhecimento de quem cabia apresentá-los, mas, neste último caso, só serão invocáveis em sede de recurso de revisão desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes, da sua apresentação.” Ora, também quanto a isto, nada veio a recorrente alegar em termos de poder justificar o ter-se «esquecido» de indicar aquela testemunha. Mas ainda: mesmo se o tivesse feito, mesmo se tivesse de forma consistente justificado aquele «esquecimento», sempre a jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal aponta no sentido de que isso não seria suficiente para poder ser admitida a revisão, pois que, como referido no acórdão de 24.06.2021, no Processo 1922/18.8PULSB-A.S1 [relatora – Conselheira Helena Moniz] «A generalidade da doutrina tem entendido que são novos os factos ou os meios de prova que não tenham sido apreciados no processo que levou a condenação do agente, por não serem do conhecimento da jurisdição na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora pudessem ser do conhecimento do condenado no momento em que foi julgado. Entendimento que o Supremo Tribunal de Justiça partilhou durante largo período de tempo, de jeito que podia considerar-se pacífico. Mas, a jurisprudência do STJ foi sendo alterada, tendo avançado, posteriormente, para uma jurisprudência que impõe que a novidade também se refira ao desconhecimento, pelo arguido, dos factos e meios de prova que pretende chamar à colação para rever a decisão condenatória, apelando, nomeadamente, ao princípio da lealdade processual. E nesta jurisprudência atual, ainda se destaca, uma outra interpretação do direito de revisão, definindo-se como “novo” “o facto ou meio de prova que, para além do tribunal, também o arguido desconhecia na altura do julgamento ou que, conhecendo, estava impedido ou impossibilitado de apresentar, justificação”. Ou seja, nos últimos tempos, jurisprudência sofreu uma limitação, de modo que, pelo menos maioritariamente, passou a entender-se que, por mais conforme à natureza extraordinária do recurso de revisão e mais adequada à busca da verdade material e ao respetivo dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais, só são novos os factos e/ou os meios de prova que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento e que, por não terem aí sido apresentados, não puderam ser ponderados pelo tribunal. Algo de semelhante ocorre quando o Código de Processo Penal, no art. 453.º, n.º 2, determina que nos casos em que o recorrente queira indicar testemunhas “não possa indicar testemunhas que não tenham sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estavam impossibilitadas de depor”. No caso os autos, a recorrente limita-se a indicar o nome de uma testemunhas «nova». Nada mais. E daqui que, sem necessidade de maiores considerações, se tenha forçosamente de entender ser manifestamente infundado o seu pedido de revisão da decisão condenatória, devendo ser, consequentemente, negado nos termos do artº 455º, nº 3, do CPP e aplicada a sanção prevista no artº 456º do mesmo diploma. (…)». I.6. Observado o contraditório relativamente ao parecer do Ministério Público, a recorrente nada veio acrescentar. I. 7. Colhidos os vistos e submetidos os autos à Conferência, cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentação II. 1. Persistindo embora alguma controvérsia acerca da sua verdadeira natureza – pedido de anulação/ação de impugnação ou verdadeiro recurso1 – a revisão criminal é hoje reconhecida no nosso ordenamento jurídico como direito/garantia fundamental de reação a decisões penais (condenatórias) transitadas (gravemente) injustas, consagrado no artigo 29º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa (CRP)23, a que, em cumprimento do correspondente mandato constitucional, o CPPP dá execução nos artigos 449º a 466º, perspetivando-a como medida excecional ou extraordinária e, por isso, circunscrita às situações e aos fundamentos aí taxativamente previstos, assumindo uma interpretação restritiva de tal preceito constitucional, em atenção à necessária concordância prática entre a certeza e segurança jurídicas reclamadas pela dignidade da pessoa e pelo Estado de Direito em que se baseia a República Portuguesa e a verdade histórica e justiça material que deles igualmente dimanam, nos termos dos artigos 1º e 2º da CRP4. Trata-se de um procedimento bifásico – a fase rescindente e a fase rescisória – a primeira a decorrer perante o STJ no sentido de admitir ou não a revisão, e a segunda perante o tribunal da condenação, tendo sido favorável ao pedido a decisão do STJ, para “julgamento novo sobre os novos elementos”5. II. 2. O caso que nos ocupa encontra-se naquela primeira fase e tem em vista verificar se ocorrem ou não os fundamentos invocados pelo requerente, tal como sintetizados nas acima transcritas conclusões, as quais, como é pacífico, delimitam o respetivo objeto6, e se, em caso afirmativo, deles podem extrair-se graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação, no caso do(s) novo(s) meio(s) de prova que invocou, é dizer, se no caso em apreço ocorre alguma situação enquadrável na alínea d) do n.º 1 do artigo 449º do CPP. Vejamos, no que aqui releva, o teor daa sentença recorrida (transcrição, já incorporando a redação dada pelo TRE ao ponto 10 da matéria de facto provada, única alteração à sentença efetuada pelo acórdão desse Tribunal que negou provimento ao recurso dela interposto pela arguida): «(…) III – Fundamentação de Facto: Produzida a prova e discutida a causa resultaram os seguintes: A) FACTOS PROVADOS 1. GG reside na Rua ..., em ..., local onde desenvolve a atividade de acolhimento residencial de idosos, ali mantendo habitualmente três idosos, aos quais presta todos os cuidados diários. 2. No desempenho daquela sua atividade e, pelo menos no período que se situa entre o mês de outubro de 2018 e o mês de novembro de 2019, GG, contratou os serviços da arguida, AA, a qual a auxiliava na prestação de cuidados aos idosos e ainda nas tarefas de limpeza, auferindo a quantia de € 3,00 por cada hora de trabalho realizada. 3. No mês de novembro de 2019, GG, mantinha ao seu cuidado e na sua residência, três idosas do sexo feminino, entre as quais a sua mãe, HH, nascida a .../.../1935, a qual padece de “Alzheimer” e as outras com 96 e 87 anos de idade, respetivamente. 4. Todas as idosas se encontravam acamadas e partilhavam o mesmo quarto. 5. Pouco tempo depois de a arguida ter começado a trabalhar na casa de GG, esta começou a aperceber-se que o corpo da sua mãe, HH, surgia muitas vezes com hematomas; 6. Por desconhecer a causa daqueles hematomas, GG chegou a questionar a arguida sobre os mesmos, tendo aquela dito que desconhecia tais marcas mas que, e eventualmente, seriam consequência do embate do corpo da idosa nas grades da cama. 7. No dia 28 de novembro de 2019, e no período compreendido entre as 12.00h e as 13.00h, GG, teve necessidade de se ausentar da sua residência, tendo deixada a sua mãe e as outras duas idosas acolhidas na sua residência, entregues aos cuidados da arguida AA. 8. Assim, naquele dia e naquele período de tempo, a arguida dirigiu-se ao quarto das três idosas, aproximou-se da cama de HH, pessoa acamada e de 84 anos de idade, e cuja cama se encontrava mais à esquerda do quarto; 9. Naquele momento e após a ofendida deitar para o chão os comprimidos e um copo com água, e sem que nada o fizesse prever, a arguida levantou a mão direita ao ar, após o que começou a bater com a mesma no corpo de HH, atingindo-a, por diversas vezes, no rosto, nos braços e omoplata direita, assim como lhe puxou os cabelos, e, mantendo os cabelos presos nas mãos, arrastou a ofendida pela cama, o que fez por quatro vezes, bem como a arrastou por uma vez, puxando-a pelo braço esquerdo; 10. De igual modo, atingiu a ofendida na cabeça com um copo de plástico de cor azul, com força tal que fez o copo cair ao solo a alguma distância da vítima; 11. A arguida apertou ainda o pescoço da vítima com uma das mãos, ao mesmo tempo que, e com a outra mão, agarrava e puxava os cabelos daquela. 12. Em consequência da atuação da arguida, HH, sofreu equimose arroxeada na região malar direita com 2 cm. de diâmetro, equimose arroxeada na região dorsal do punho direito, com 2cm. x 1cm., assim como dores nesses mesmos locais. 13. As referidas lesões determinaram para HH, um período de 5 (cinco) dias de doença. 14. A arguida ao agir como se descreveu representou e quis bater em HH, utente da casa de acolhimento de GG e mãe da mesma, à data dos factos com 84 anos de idade, doente de “Alzheimer”, incontinente e acamada, conforme fez, bem sabendo que a mesma ali se encontrava devido à sua idade avançada e doença e, que sobre ela, na qualidade auxiliar de cuidadora de idosos, impendia os deveres de cuidado e zelo, os quais violou. 15. Sabia a arguida que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e tinha capacidade de se determinar de acordo com esse conhecimento. Mais se provou que: 16. A idosa HH faleceu no dia ... de ... de 2020. 17. A idosa HH padecia à data dos factos de um quadro demencial evoluído de causa mista (vascular e Alzheimer), apresentando períodos de agitação psicomotora, entretanto melhorada com ajuste terapêutico, ficando mais sonolenta a menos reativa. 18. A idosa HH, à data dos factos, estava acamada, incontinente e com total desorientação no tempo, no espaço (não conhecia a filha, por exemplo) e apresentava status post AVC´s de repetição. 19. A idosa HH, em face das circunstâncias referidas em 16 a 17, não consegui defender-se ou resistir aos atos de agressão perpetrado pela arguida, concluindo-se que se encontrava em situação particularmente indefesa em face da patologia de que sofria. 20. A arguida apresenta fatores de risco leve como potenciadores de violência, nomeadamente, atividade laboral instável, ter crítica parcial para os atos que cometeu, falta de apoio social, (vive sozinha com poucas relações), insight reduzido, impulsividade e situações de stress. 21. A arguida tem dificuldade em se pensar, pensar no outro (baixa empatia) e pensar o Mundo que a rodeia. 22. A arguida revela dificuldade no controlo dos impulsos agressivos perante uma situação de stress. 23. A arguida tem falta de apoio pessoal, não beneficiando de apoio de terceiros perante situações de stress. 24. A arguida apresenta sintomas depressivos e ansiosos, mas esta sintomatologia não justifica alterações comportamentais. 25. Em termos de adaptação à realidade, a arguida demonstra ter conhecimentos adequados sobre a vida familiar, normas sociais, direitos e deveres legais. 26. A arguida sofre de Perturbação de Ajustamento, com sintomas ansiosos e depressivos. 27. No dia 28.11.2019, a arguida já apresentava sintomas depressivos e ansiosos reativos às condições de trabalho, mas que não impediriam de avaliar a ilicitude dos seus atos e de se determinar com essa avaliação. 28. A arguida mantém sintomas depressivos e ansiosos ligeiros e reativos ao processojudicial, mas este quadro não lhe provoca alterações comportamentais que justifiquem o cometimento de novos ilícitos tipificados como crime. 29. A arguida tende a relacionar-se com os outros de forma distante e desconfiada. 30. A arguida é capaz de distinguir o bem do mal e é capaz de se determinar de acordo com essa distinção. 31. A arguida tenta de forma notória, minimizar o seu comportamento agressivo embora possua consciência da inadequação do comportamento adotado. 32. É evidente a ausência de empatia pela vítima, estando focada nos alegados maus tratos (para com outros utentes) que denuncia como padrões punitivos doanterior local de trabalho. 33. A arguida é imputável. 34. A arguida foi confrontada, de imediato, com as imagens captadas pela câmara por parte da filha da ofendida (GG) e nem sequer assumiu a conduta nem formalizou qualquer pedido de desculpas. 35. A arguida entende justificada a sua conduta por estar desavinda com GG e por no seu entender aquela incentivar a perpetração de agressões a outros idosos. 36. A arguida, após a instauração do processo judicial, não formalizou qualquer pedido de desculpas à ofendida. 37. A arguida entende que as questões a que foi submetida pelo Tribunal na audiência de julgamento se destinavam a prejudicá-la (“estão a tentar enrolar-me”). 38. A arguida proferiu as seguintes expressões, durante a audiência de julgamento “Pronto, está bem, peço desculpa” e “Se falhei ou se errei, então, peço desculpa”. 39. A arguida não manifesta qualquer arrependimento na sua atuação. Das condições pessoais, familiares, económicas e sociais da arguida 40. A arguida vive sozinha há mais de dez anos. 41. A arguida toma conta de um idoso numa casa particular, atividade que segundo afirma lhe ocupa o tempo todo, colaborando também ainda como auxiliar num lar durante os fins de semana. 42. A arguida tem uma filha, que tem vida organizada no T........ 43. A arguida tem dois netos, convivendo com a família da filha de forma esporádica. 44. A arguida não desenvolve qualquer atividade de lazer estruturada, dedicando os seus tempos livres a atividades que realiza sobretudo sozinha, como ver televisão. 45. A arguida afirmou gostar de passar o tempo sozinha, não procurando conviver e estando esporadicamente com a filha e os netos. 46. A arguida tem o 4º ano de escolaridade, em idade normativa. 47. Posteriormente, já como adulta, voltou a estudar como aluna noturna, tendo chegado a frequentar o 11º ano de escolaridade. 48. Aos 17 anos, a arguida começou a trabalhar como costureira no hotel de .... 49. Durante quarenta e três anos prestou serviço não só como costureira, mas também noutros setores de atividade do hotel. 50. Encontra-se reformada há cerca de sete anos. 51. Considerando a sua reforma como diminuta, a arguida decidiu começar a trabalhar como cuidadora de idosos, beneficiando assim, de um acréscimo na sua situação económica. 52. A arguida mostrou-se revoltada com a situação. 53. Ao longo da entrevista a arguida esteve bastante ansiosa, tendo avaliado a situação e a referenciado como resultado do seu conflito com a entidade patronal. Dos antecedentes criminais 54. A arguida não tem antecedentes criminais averbados B) FACTOS NÃO PROVADOS Não foram apurados quaisquer factos com interesse para a boa decisão da causa. C) Fundamentação da Matéria de Facto O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica e conjugada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento globalmente considerada, atendendo aos dados objetivos fornecidos pela mesma. Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica dos meios de prova, destacando-se: Prova pericial Relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal de fls. 22 a 24, datado de 05 de dezembro de 2019, sendo que “o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador” (artigo 163.º/1 do Código de Processo Penal), a qual permitiu dar como provada as lesões que a ofendida apresentava após a data dos factos e tempo de cura. Este relatório conjugado com o auto de visionamento das imagens infra descrito, permitiu concluir que as lesões apresentadas pela ofendida tiveram origem na conduta da arguida. Pelo exposto, deu-se como provado os factos 12 e 13. Importa sublinhar que no dia em que a ofendida se apresentou perante o perito médico, não obstante de consciente, estava desorientada, nada colaborante e com mau estado geral. Ou seja, esta circunstância sublinhada na perícia médica corrobora a veracidade do relatório médico de fls. 139 a 140 infra mencionado, descredibilizando igualmente as declarações da arguida que a ofendida seria uma pessoa capaz de tratar de si e dotada das suas capacidades mentais, de forma até ser considerada a ser capaz de tratar da sua pessoa e não necessitar de terceiros para cuidar das suas necessidades básicas. Igualmente descredibilizou as declarações da arguida quando referiu que o relatório médico teria sido “comprado” pela GG (?!). Esqueceu-se a arguida que este relatório médico não foi junto pela GG, mas determinado por despacho judicial e constante de fls. 136. Portanto, estas suas declarações (da arguida) apenas serviram para mostrar a atitude interna da mesma e da total ausência da capacidade de autocritica da mesma. (factos 36 a 39). Relatórios de perícia sobre personalidade da arguida de fls. 145 a 161, elaborada ao abrigo do art 160º do CPP, sendo que “o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador” (artigo 163.º/1 do Código de Processo Penal), conjugado com aditamento de fls. 167 a 168 a qual permitiu dar como provado os factos 20 a 33. A prova documental, cujo teor não foi impugnado, infra descrita: Auto de denúncia de fls. 30 a 31 e aditamento de fls. 31, o qual permitiu dar como provado o dia, hora e local dos acontecimentos (facto 7). Auto de apreensão de um DVD+R, marca Philips, de fls. 42, contendo imagens gravadas no interior da residência onde a arguida e a ofendida se encontravam, no dia e hora dos acontecimentos, cuja apreensão foi validada. Auto de visionamento e tratamento de imagens de fls. 55 a 75 conjugado com a visualização do DVD+R, junto aos autos em sede de audiência de julgamento e a requerimento da arguida, sendo certo que a mesma também revelou não se lembrar de ter agredido a ofendida com o copo de plástico azul na cabeça desta última. Antes de mais cumpre apreciar da validade desta prova. Como se deixou expresso no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 04/03/2010 (base de dados da DGSI, processo 1630/08.8 PFSXL.L1-9) “Tem sido entendimento da jurisprudência que não constitui crime a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente quando sejam enquadradas em lugares públicos, visem a proteção de interesses públicos, ou hajam ocorrido publicamente. Será, por isso, considerada criminalmente atípica a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, designadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos ou que hajam ocorrido publicamente” (no mesmo sentido, entre outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/06/2001, CJ STJ, tomo II, p. 221 e acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 03/02/2010 e 14/10/2009, base de dados da DGSI, processos n.ºs 371/06.5 GBVNF.P1 e 103/05.5GCETR.C1.P1). Ponderou o Tribunal que, nos termos do disposto no artigo 79.º n.º 2 do Código Civil, que não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem exigências de polícia ou de justiça, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada em lugares públicos e que hajam decorrido publicamente. Importa ainda ter presente que, a ser a arguida a visada nas filmagens, tudo foi filmado no interior da residência e, como tal, num local privado e com a finalidade de proteger a integridade física das pessoas idosas que estavam sob a responsabilidade de GG. Na verdade, não se pode olvidar que o direito penal não protege a materialidade da imagem do crime, pelo que as filmagens e os videogramas constantes nos autos terão de ser necessariamente admissíveis, pese embora a sua obtenção tenha sido operada sem o respetivo consentimento da visada. Sublinha-se ainda que, uma vez que a filha da ofendida (GG) tinha contratado mais pessoas, para além da arguida, para tomar conta dos idosos que ali permaneciam e dado que os factos praticados foram realizados na presença de pessoas de provecta idade, sem olvidar que a ofendida padecia de um quadro demencial avançado, cuja veracidade das suas declarações poderiam ser facilmente colocadas em causa, atribuindo-as a um devaneio própria da doença que padecia, não lhe restou alternativa senão colocar uma máquina de filmar com o propósito de descobrir o autor de tais condutas. Como tal, não contendendo as imagens captadas com factos relativos à esfera íntima privada da arguida (o que determinaria a sua nulidade por violação do artigo 32.º n.º 8 da Constituição da Republica Portuguesa) e não existindo qualquer compressão (consentida pelo disposto no artigo 18.º n.º 2 da Constituição da Republica Portuguesa) intolerável, desproporcionada ou desnecessária do direito à imagem consagrado no artigo 26.º da Constituição da Republica Portuguesa, impõe-se considerar que a sua utilização não consubstancia qualquer meio de prova proibido, nos termos do disposto no artigo 126.º n.º 3 do Código de Processo Penal. Tudo para concluir que nada obstará a que o tribunal valore as imagens recolhidas nos autos e visualizadas em sede de audiência de julgamento, pois em face dos contornos muito restritos em que a conduta delituosa foi praticada e perante a inexistência de testemunhas oculares, pois a pessoas que se encontravam no quarto com a ofendida estão igualmente acamadas e todas com 87 e 96 anos de idade, o que fragilizaria muito o seu depoimento, esta recolha de imagens é o único meio de prova para o efeito, sendo certo que a ofendida veio a falecer quando os presentes autos se encontravam em fase de inquérito. Isto posto, passemos a analisar o conteúdo das filmagens. Se as imagens constantes de fls. 59 a 75 já eram suficientes esclarecedoras da perfídia da atuação da arguida sobre a ofendida, revelando o desprezo total por um ser humano que está acamado e impossibilitado de fugir, por a cama ter as grades levantadas, ficando à mercê da atuação da arguida, quando se procede à visualização do vídeo em si, o cenário que já era dantesco, agravou-se de forma substancial. Na verdade, aquando a visualização do vídeo, o julgador teve uma noção exata da atuação da arguida, do seu comportamento abjeto. A arguida imbuída de um espírito de elevada maldade (pois não há outras palavras para descrever o que se vê) desfere chapadas, puxa cabelos, arrasta a vítima (pessoa que estava ao seu cuidado) pela cama como se de um saco de batatas se tratasse, coloca a sua mão no pescoço da ofendida, em gesto em tudo similar à sufocação, arrastando-a pela cama com uma força desproporcional e, por fim, agredindo-a com um copo de plástico na cabeça. Após, inicia a atividade de mudar a roupa da ofendida e da cama com movimentos muito bruscos, revelando total desprezo por aquele ser humano. Aquele filme não é mais que um cenário hediondo, grotesco e verdadeiramente descritivo da atuação pérfida da arguida. Sendo certo que da perícia efetuada à arguida a mesma conclui que esta não revela empatia pela vitima, a verdade é qua a visualização da filmagem revela mais do que isso, revela a frieza de ânimo com que a arguida atuou, sem qualquer motivo que o justifique, atuando com elevada vilania e mesquinhez, sobre uma pessoa com total ausência de capacidade para se defender e que está subjugada à agressora fria e cruel. E mais, após a sua atuação pérfida, nos minutos seguintes não se vê qualquer conduta que revele arrependimento, pois a arguida passa a limpar o chão como se nada se tivesse passado, nem sequer olhando para a ofendida ou praticando algum gesto que revelasse algum arrependimento na sua conduta. Na verdade, este vídeo revela à saciedade a perfídia com que a arguida atuou, a qual não revelou qualquer sentimento de proteção e cuidado pela vitima, descredibilizando, outrossim, as declarações da arguida que reportou, que depois “caiu nela” e até se arrependeu. Porém, a visualização do filme revela o contrário! Revela uma atuação vilã e com total ausência de escrúpulos por banda da arguida. Tanto as fotografias como o filme revelam, de forma gritante, a violência com que a ofendida foi agredida, pois as lesões constatadas pelo perito médico no dia 5 de dezembro (ou seja, 7 dias após o evento) são consideráveis tanto na face como no braço direito (conforme o relatório pericial). Pelo exposto, da conjugação desta prova permitiu o Tribunal dar como provado os factos 7 a 11. Certidão de nascimento de fls. 121 a 122, a qual permitiu dar como provada a idade da ofendida à data dos factos constantes no libelo acusatório (facto 8) e a data da sua morte (facto 16). Relatório médico de fls. 139 a 140, datado de 15/02/2021, respeitante à vítima, o qual permitiu apurar que a ofendida tinha um quadro demencial evoluído, de causa mista (vascular e Alzheimer), o que permitiu dar como provado aos factos 17 a 19. Relatório social de fls. 185 a 188, o qual permitiu apurar as circunstâncias de vida da arguida e sua personalidade, porquanto elaborado de forma objetiva, fundamentada, conseguido através de entrevista com a arguida, a qual se mostrou bastante reativa inicialmente, mas acabando por colaborar, permitindo dar como provado os factos nº 40 a 53, as quais foram complementadas e corroboradas pelas declarações da arguida em sede de audiência. CRC de fls. 191, o qual permitiu aferir da inexistência de antecedentes criminais da arguida (facto 54). As declarações da arguida, a qual optando por falar, assumiu a factualidade, mas enjeitando no entanto, a responsabilidade, afirmando que respaldou a sua atuação por a filha da ofendida, GG, incentivar tanto a arguida como as demais pessoas que ali trabalhavam a agredir os doentes ou dar-lhe banho com água fria. Igualmente justificou a sua conduta por estar nervosa por a sua filha ter esclerose múltipla, a qual carece do seu apoio e ainda de ajuda financeira, sendo que as suas declarações foram totalmente descredibilizadas quer pelo relatório pericial, quer pelo relatório social que afirmam qua a arguida tem contactos esporádicos com a filha e com os netos. As declarações confessórias da arguida, ainda que de escassa relevância atenta a prova reunida nos autos, não revelaram qualquer ausência de arrependimento, nem interiorização do quão reprovável foi a sua conduta. Apesar de a mesma revelar que sabia que bater é errado, começou por justificar que a ofendida HH estaria nas suas plenas capacidades mentais pois falava e até cantava o fado. Quando confrontada com o relatório médico de fls. 139 a 140, justificou o seu teor por o mesmo ter sido “comprado” pela GG. Mais uma vez, de modo a que refletisse sobre a sua atuação, foi informada que tinha sido o Tribunal a determinar tal prova e vendo-se sem escapatória, abriu o choro dizendo que estava nervosa por a filha ter esclerose múltipla e que esta precisava muito do seu apoio. Choro que não foi valorado porque esta afirmação foi colocada em crise pelo relatório pericial realizado à sua personalidade e ainda pelo relatório social, os quais referem que a arguida tem contactos esporádicos com a filha, não resultando que a mesma tenha uma relação de proximidade com a sua filha, pelo que falece este seu argumento, o qual, mesmo que fosse verdade não desculparia a sua atuação. Depois tentou justificar a sua atuação porque a GG, proprietária da residência onde os factos se passaram, instava a arguida e as demais funcionárias a perpetrar agressões ou a dar banho com agua fria aos idosos, o que não parece verosímil atendendo a que a própria GG instalou câmaras dentro da residência, nomeadamente dentro dos quartos. Ora, se fosse verdade que ordenava tratos vis a idosos, jamais iria ali colocar câmaras de filmagem de modo a captar as agressões. Sendo certo que ouvida GG, esta negou veementemente tal imputação. Portanto, também aqui claudicaram as declarações da arguida. Em suma, não mereceram credibilidade as declarações da arguida, nas “justificações” apresentadas, uma vez que foram frontal e inexoravelmente colocadas em crise, quer pela prova documental, quer pela peva testemunhal. Nomeadamente, como se aludiu supra. Portanto, não se acreditou nas diferentes e sucessivas versões apresentadas pela arguida ao longo das suas declarações, por irrealistas ou por descredibilizadas pela demais prova junta aos autos. Repare-se que da avaliação pericial psiquiátrica-psicológica, resultou que a arguida apresenta fatores de risco leve como potenciadores de violência, nomeadamente, atividade laboral instável, ter crítica parcial para os atos que cometeu, falta de apoio social, (vive sozinha com poucas relações), insight reduzido, impulsividade e situações de stress, tem dificuldade em se pensar, pensar no outro (baixa empatia) e pensar o Mundo que a rodeia. A arguida revela dificuldade no controlo dos impulsos agressivos perante uma situação de stress. A arguida sofre de Perturbação de Ajustamento, com sintomas ansiosos e depressivos. No dia 28.11.2019, a arguida já apresentava sintomas depressivos e ansiosos reativos às condições de trabalho, mas que não impediriam de avaliar a ilicitude dos seus atos e de se determinar com essa avaliação. A arguida tende a relacionar-se com os outros de forma distante e desconfiada. A arguida tenta de forma notória, minimizar o seu comportamento agressivo embora possua consciência da inadequação do comportamento adotado. E conclui a perícia que é evidente a ausência de empatia pela vítima, estando focada nos alegados maus tratos (para com outros utentes) que denuncia como padrões punitivos do anterior local de trabalho. Ora, todas estas características de personalidade foram amplamente evidenciadas ao longo do seu depoimento, evidenciando um total desrespeito pela vítima que estava ao seu cuidado e a qual não tinha as mínimas condições físicas e mentais para se defender da atuação da arguida. Na verdade, à medida que ia sendo confrontada com a prova documental e com a exibição da filmagem da sua atuação, a arguida confirmou que era a pessoa que estava a cuidar da idosa existente nos autos, mas angariava sucessivas “justificações” para o sucedido, que eram facilmente colocadas em crise com a demais prova, surgindo assim a “estória” de GG incentivar a agressão aos utentes naquela residência de acolhimento de idosos. E pela mesma razão não se acredita na versão de que a ofendida estava capaz de se defender, porquanto a mesma foi descredibilizada relatório médico e pela perícia médica de avaliação de dano corporal nos moldes já referidos e que aqui se considera reproduzido. Não mereceram, pois, credibilidade as declarações da arguida, em face do acima exposto, quando se valorou a demais prova documental e as declarações de GG, por serem mais credíveis. Por outro lado, da prova carreada nos autos, não resultou que tivessem sido terceiros a praticar atos, tal como constam dos factos 1 a 15 e 35. A arguida apresentou um discurso preparado e contido para se defender, mas quando questionada para justificar certos pormenores para os quais não estava preparada, a mesma acabava por claudicar, verbalizando que os magistrados estavam a fazer perguntas para a “enrolar”, ou seja, como se estivessem ali para a perseguir ou condenar injustamente, o que revelou a saciedade a falta de capacidade de autocritica da conduta perpetrada contra a idosa. O depoimento da arguida foi variando em termos de postura emocional, ou apresentando um choro (que soava a falso) ou atacando a prova, dando a entender que a mesma não padecia de imparcialidade (quando revelou que o relatório medico de fls. 139 a 140 foi comprado pela assistente). Igualmente extraiu o Tribunal que a arguida apresenta uma personalidade avessa aos ditames do direito e respeito pelo ser humano, pois durante toda a audiência, quando eram relatados factos que contrariavam as suas teses, abanava a cabeça, cruzava os braços, mostrando irritação, sem olvidar as suas respostas quando confrontada com a irrealidade da sua versão, chegou ao ponto de colocar em causa a imparcialidade dos magistrados, revelando desrespeito pelo próximo, concluiu o Tribunal, que a arguida não tem respeito pelo seu semelhante. Portanto, das declarações prestadas pela arguida extraiu-se, como se referiu, a sua atitude interna e manifesta falta de capacidade de arrependimento e de autocritica, pois, quando confrontada com as agressões, a mesma proferiu expressões “Pronto, está bem, peço desculpa”, como se estivesse a fazer um favor; ou “se falhei ou se errei, então peço desculpa” o que revela que nem a sua sujeição a julgamento e após ter visualizado as filmagens, interiorizou o mal e gravidade elevada da sua conduta. Assim, deu-se como provado os factos 35 a 39. Prova testemunhal, nomeadamente: GG, filha da ofendida, prestou declarações descomprometidas, objetivas e sinceras, não se extraindo das mesmas qualquer sentimento de vingança, antes pelo contrário. De facto, a testemunha referiu que após ter visto a mãe com uma nódoa negra na cara, visualizou as imagens. Confrontou a arguida com as mesmas, a qual nem assumiu a conduta nem formulou qualquer pedido de desculpas. Por esse motivo apresentou queixa na polícia, pois se tivesse pedido desculpa, nem sequer tinha feito a denúncia. Referiu igualmente que havia contratado a arguida um ano antes, pagando-lhe salário e assumindo que tinha plena confiança na arguida. Instada pelo tribunal, referiu que tinha mais funcionárias a trabalhar para si naquele período e que nunca deu ordens no sentido de agredir os idosos que estavam à sua responsabilidade nem dar-lhes banho com água fria, mostrando alguma perplexidade com a questão. Na verdade, todas as suas declarações foram valoradas, mas estas últimas pelo facto de ter instalado câmaras de filmar. Quem instalaria câmaras de filmar quando tinha ordenado a prática de agressões? Pelo que, mostra-se mais plausível instalar câmaras para saber a razão dos idosos aparecerem com nódoas negras do que para se filmar atos ilegais de agressão. Portanto, valorou-se positivamente as suas declarações, as quais permitiram dar como provado os factos 1 a 6 e 34 a 36. Quanto aos factos provados indicados sob os números 14 e 15, o Tribunal considerou-os provados com recurso às regras da experiência comum, as quais permitem inferir a intenção subjetiva da arguida, atentos os factos objetivos dados como provados. De facto, é presunção natural de que quem desfere chapadas, puxões de cabelos, aperta pescoço, arrasta pela cama se forma muito brusca e lhe atira um copo de plástico na cabeça, quando a pessoa se encontra impossibilitada de fugir (atenta a sua idade, o facto de estar acamada e com as grades colocadas na cama, sem olvidar que se trata de uma pessoa com um quadro demencial avançado), pretende ofender a sua integridade física e psíquica, molestando-a fisicamente e causando-lhe dor. Por outro lado, resulta ainda provado que a arguida agiu da forma descrita sem qualquer justificação, apenas impelido pela sua personalidade (falta de empatia com a vítima), bem sabendo da desproporção e o método de agressão que utilizou, numa posição em que não se podia defender, atenta a sua idade e a sua quase inexistente mobilidade. IV -- Do enquadramento jurídico-penal (…) No caso, a arguida vem acusado de um crime de maus tratos, previsto e punido pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal. (…) Conclui-se pela condenação da arguida pela prática, como autora – artigo 26.º CP – de um crime de maus tratos – artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), CP. Da determinação da medida da pena O crime de maus tratos pelo qual a arguida vai acusada é abstratamente aplicável uma pena de prisão de um a cinco anos. (…) Assim, estabelecida que se mostra a moldura penal abstracta aplicável – pena de prisão - ao caso vertente, cabe agora determinar a medida concreta da pena. (…) Tudo ponderado, entende o tribunal como justo e adequado condenar a arguida na pena de 2 anos e 4 meses de prisão. Considerando o quantum da pena de prisão, há que ponderar se será de substituir esta pena, por uma das medidas substitutivas. A resposta só pode ser negativa, pois a personalidade da arguida, o seu modo de vida, conduta anterior e posterior reclamam pena carcerária. (…) Pelo exposto, entendemos não ser de suspender a execução da pena de prisão, a fim de prevenir o cometimento de futuros crimes e repor a confiança por parte do cidadão no sistema judicial, determinando que a arguida cumpra a pena de prisão de forma efetiva. (…)» * Por seu turno, o acórdão do TRE, para onde a requerente recorreu da sentença revidenda, como antes referido, apenas alterou a redação do ponto 10 da matéria de facto provada, mantendo-a em tudo o mais. II. 3. Como suprarreferido a recorrente fundamenta o pedido de revisão cm circunstância passível de enquadramento na alínea d) do n.º 1 do artigo 449º do CPP, com o seguinte teor: “Artigo 449.º Fundamentos e admissibilidade da revisão 1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: a) (…); b) (…); c) (…); d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. e) (…);; f) (…); g) (…). 2 – (…). 3 – (…). 4 – (…)”. * Considerando que dos elementos que instruem o pedido resulta inviável enquadrar o caso sub judice em qualquer das restantes hipóteses previstas no elenco taxativo dos fundamentos da revisão constante do artigo 449º, n.º 1, prevenindo a obrigação do seu conhecimento oficioso, como parece defender João Conde Correia, in ob. e loc. cit., avancemos para a apreciação da hipótese suscitada pela recorrente. A) Descoberta de novos meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação. Como foi assinalado pela juíza titular do processo e pelo Ministério Público, na 1ª instância e no Supremo Tribunal, quaisquer que sejam as razões subjacentes, o pedido de revisão formulado pela recorrente assenta num evidente equívoco, nomeadamente por falta quase absoluta de correspondência com os factos que foram objeto de julgamento na sentença revidenda e as provas nele consideradas e valoradas com os respetivos fundamentos, sendo concordante apenas quanto ao facto indesmentível de nele ter intervindo como arguida e sido condenada, mas já não, mesmo nesse âmbito, quanto ao crime e à pena em que foi condenada. Efetivamente, enquanto no processo lhe foi imputado um crime de maus-tratos, p. e p. pelo artigo 152º-A, n.º 1, do Código Penal (CP), pelo qual foi condenada em pena de prisão efetiva de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses, em cujo cumprimento se encontra atualmente, na petição de recurso alude a crimes de burla e de falsificação e a uma pena de prisão de 6 (seis) anos. Por ouro lado, refere-se a uma outra arguida, de nome BB, a uma empresa ofendida, como sua entidade patronal, a testemunhas ouvidas e à omissão de auditorias financeiras e análise de computadores de todo incompreensíveis no âmbito deste processo, em que a arguida é a peticionante, foram examinadas provas foto-videográficas e ouvidas apenas a arguida e a sua entidade patronal e filha da vítima, pessoa idosa entretanto falecida. Total desfasamento, por conseguinte, de que decorre a completa impossibilidade de satisfação e incongruência do pedido de realização de algumas das diligências probatórias que também equaciona e implicitamente pede, como as referidas auditorias e perícia informática ao computador pessoal daquela arguida, restando apenas, de útil e possível, se legalmente admissível, a inquirição da testemunha que indica, de nome CC, de ..., que, de resto, a juíza titular indeferiu. Esse evidente desencontro e incongruência poderia justificar um convite ao esclarecimento ou correção do pedido, mas, considerando que a recorrente, na pessoa do seu defensor originário e subscritor da peça recursiva foi notificada da resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público no tribunal que proferiu a sentença, da informação oportunamente prestada pela juíza titular e do parecer do Ministério Público neste Tribunal, do qual foi igualmente notificado o defensor entretanto nomeado, na sequência da comunicada revogação pela condenada do mandato conferido ao primitivo defensor, e nada disseram, aquele convite perfila-se desnecessário e dispensável, prosseguindo-se com a apreciação do recurso limitado à requerida audição da testemunha assim singelamente indicada e identificada, que, relembre-se, foi indeferida pela juíza titular, por não verificação dos necessários pressupostos. Alegou a requerente que a inquirição daquela testemunha, CC, “de per si e/ou combinados com os que não foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação”. Sem deixar de registar a lapso, ou talvez não, de invocar a combinação daquele meio de prova com os que não foram apreciados no processo, à revelia da previsão legal, que demanda que a grave injustiça da condenação resulte precisamente da combinação dos novos meios de prova ou factos com aqueles apreciados no processo, resta apreciar se tal meio de prova, mesmo com este sentido corretivo, tem ou não virtualidade para, neste caso, suscitar as graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação. Antes de mais, vejamos se aquela simples indicação e identificação do meio de prova – testemunhal - reveste ou não as exigências de novidade legalmente previstas, às quais o Ministério Público e a juíza titular opuseram sérias e pertinentes reservas. Na verdade, como resulta da motivação e das conclusões do pedido de revisão, a requerente não faz qualquer alusão aos factos que são do conhecimento, direto ou indireto, da testemunha indicada, ao facto de saber ou não da sua existência antes mesmo do julgamento e, em caso afirmativo, porque não a indicou em tempo útil para ali ser ouvida, razões que, de resto, fundamentaram o indeferimento da sua inquirição pela juíza titular do processo principal. Em tais termos, seja qual for a posição que se adote quanto à melhor interpretação da lei no que à novidade dos factos ou meios de prova concerne – aqueles desconhecidos do tribunal e dos demais sujeitos processuais (arguido e/ou Ministério Público) à data do julgamento ou aqueles que, ainda que conhecidos do arguido nessa data, ele não tenha justificadamente conseguido apresentar7 -, não se torna viável equacionar sequer a sua inquirição, por se desconhecerem aquelas circunstâncias e nada de concreto vir alegado sobre a consistência do seu conhecimento, direto ou indireto, difuso ou preciso sobre os acontecimentos e qual a sua razão de ciência. Incerteza que, associada ao fundamento de revisão previsto na al. d) do n.º 1 do artigo 449º, não permite afirmar o que nele se exige acerca da verificação cumulativa da novidade do facto ou meio de prova desconhecido ao tempo do julgamento ou, pelo menos, que a sua não apresentação e consideração na sentença condenatória resulte de circunstâncias justificativas da sua não apresentação tempestiva e que da sua produção e consideração resulte não uma qualquer dúvida, mas graves dúvidas sobre a justiça da condenação,. Donde, forçoso é concluir, como se consignou no despacho judicial e resposta e parecer do Ministério Público acima parcialmente transcritos, em linha com a doutrina e a jurisprudência8, que o depoimento da referida testemunha, de per si ou combinado com os demais elementos de prova apreciados na sentença recorrida, não tem virtualidades para suscitar qualquer dúvida, muito menos dúvida grave sobre a justiça da condenação da recorrente, não justificando sequer ser inquirida, como bem se decidiu na 1ª instância. Como referem Henrique Salinas e Paulo Pinto de Albuquerque, “só esta interpretação faz jus à natureza excecional do remédio da revisão e, portanto, aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da proteção do caso julgado”9. Termos em que se considera manifestamente infundado o pedido de revisão em apreço e, em consequência, sem necessidade de outras considerações, dever o mesmo ser negado, com condenação da requerente em custas, acrescidas de quantia a fixar nos termos do artigo 456º, in fine, do CPP. III. Decisão Em face do exposto, acorda-se em negar a revisão requerida pela condenada AA, por manifesta falta de fundamento, nos termos do artigo 455º, n.º 3, do CPPP. * Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC (artigos 456º do CPP e 8º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa), acrescidas do pagamento de 6 (seis) UC, nos termos do artigo 456º, in fine, do CPP. Lisboa, d. s. c. (Processado e revisto pelo Relator) João Rato (Relator) Jorge Gonçalves (1º Adjunto) Agostinho Torres (2º Adjunto) Helena Moniz (Presidente da Secção)
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1. No sentido de que não se trata de um recurso, mas antes de ação de impugnação ou pedido de anulação de decisão anterior transitada em julgado, cfr. José Manuel Damião da Cunha, in “Recurso Extraordinário de Revisão – Algumas Especificidades de Regime e de Tramitação”, e Germano Marques da Silva, in “Recurso Extraordinário de Revisão em Processo Penal”, pp. 70 e ss. e 92 e ss., respetivamente, do Livro Digital “Processo Penal – Recursos”, que recolheu as intervenções do Colóquio realizado no Supremo Tribunal de Justiça, no dia 22 de maio de 2022, editado em Julho de 2023 e integrado na Coleção Livros Digitais do Supremo Tribunal de Justiça, acessível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2023/10/livro-digital-coloquio-processo-penal-2022.pdf. No sentido de que se trata de um verdadeiro recurso extraordinário, tal como o CPP o acolhe e regula no Capítulo II do Título II do Livro IX, parece inclinar-se Pereira Madeira, em anotação ao artigo 449º, in “Código de Processo Penal Comentado”, de António Henriques Gaspar, et all.,3ª Edição Revista, Almedina 2021. Também assim o Conselheiro Orlando Gonçalves, in “As Especificidades do Recurso Extraordinário de Revisão de Sentença Penal”, igualmente recolhido no acima referenciado Livro Digital “Processo Penal – Recursos”, pp. 108 a 117.↩︎ 2. À semelhança do que também o artigo 4º, n.º 2, do Protocolo n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) prevê.↩︎ 3. Como se lhe referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação ao citado artigo, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4ª edição revista, Coimbra Editora 2007, e João Conde Correia, in “O «Mito do Caso Julgado» e a Revisão Propter Nova”, pp. 541 e ss. 1ª Edição, Coimbra Editora 2010, obra igualmente relevante para melhor conhecer e compreender a origem, natureza, evolução e âmbito de aplicação da revisão a nível internacional e nacional. Sobre a origem e evolução da revisão criminal e a sua configuração atual pode ver-se ainda, com interesse e vasta resenha doutrinal e jurisprudencial, o acórdão do STJ, de 11.10.2023, proferido no processo n.º 1991/18.0GLSNT-C.S1, relatado pelo Conselheiro Pedro Branquinho Dias, disponível em https://www.dgsi.pt.↩︎ 4. Perspetiva que João Conde Correia, in ob. e loc. cit., analisa criticamente, parecendo mesmo considerar que a lei ordinária não cumpriu cabalmente o referido mandato constitucional.↩︎ 5. Palavras de Pereira Madeira in ob. e loc. cit.↩︎ 6. Cfr. artigos 412º e 451º, n.º 2, do CPP e, na doutrina e jurisprudência, as correspondentes anotações de Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar et al., 2021 - 3ª Edição Revista, Almedina, e João Conde Correia, in ob. e loc. cit., pp. 547 e 548, que, apesar de também ele considerar a revisão como “uma verdadeira ação de anulamento”, admite que lhe sejam aplicáveis os requisitos de ordem formal resultantes do artigo 412º do CPP. Todavia, parece entender que o STJ pode e deve apreciar ex officio qualquer situação fundamentadora da revisão não alegada pelo requerente.↩︎ 7. Para maiores desenvolvimentos sobre a questão e os autores e jurisprudência que adotam as diferentes posições, ver, por todos e em acréscimo aos indicados na informação da juíza titular e no parecer do Ministério Público, no sentido mais lato, João Conde Coreia, in ob e loc. cit., e mais restritivo, Henrique Salinas e Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação aos artigos 449º e ss. no “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção dos Direitos Humanos”, / org. [de] Paulo Pinto de Albuquerque, Lisboa, UCP Editora, 2023, 2 vol, 5ª edição, ambos com vastas referências doutrinárias e jurisprudenciais.↩︎ 8. Cfr. Germano Marques da Silva, Pereira Madeira e João Conde Correia, in ob. e loc.cit., e a jurisprudência referenciada pelo segundo.↩︎ 9. In ob. e loc. cit.↩︎ |