Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01S3999
Nº Convencional: JSTJ00002106
Relator: EMÉRICO SOARES
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVER DE LEALDADE
INJÚRIA CONTRA A ENTIDADE PATRONAL
Nº do Documento: SJ200204100039994
Data do Acordão: 04/10/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 251/01
Data: 03/29/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: LCCT89 ARTIGO 9 N1 N2 I.
LCT69 ARTIGO 20 A.
CCIV66 ARTIGO 980.
CP95 ARTIGO 181.
Sumário : I - A imputação pelo trabalhador à sua entidade patronal de conduta desonesta praticada através dos seus órgãos gestores sem prova dos factos a consubstanciarem a imputação resulta totalmente gratuita e fortemente lesiva dos interesses do empregador e revela uma evidente quebra do dever de lealdade a que o trabalhador estava legalmente obrigado com o empregador.
II - A circunstância de o trabalhador ter agido em estado de exaltação com o serviço que estava a efectuar não afasta a culpa e a gravidade do seu comportamento, designadamente se aquelas imputações foram feitas mais do que uma vez, significando persistência na sua conduta com o propósito de atingir o empregador.
III - O termo injúrias utilizado na alínea i) do n. 2 do art. 9 da LCCT corresponde à ofensa verbal, feita directa ou indirectamente, correspondendo à difamação.
IV - A enumeração dos comportamentos do trabalhador que constituem justa causa de despedimento feita no nº. 2 do artº. 9º da LCCT é meramente exemplificativa.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

No Tribunal do Trabalho de Figueira da Foz, A, residente em Pereirões, Tocha, Cantanhede, intentou a presente acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, na forma ordinária, contra "B, S.A.", com sede na Rua ..., Porto, pedindo que seja declarada a nulidade do despedimento do Autor levado a cabo pela Ré e que esta seja condenada a pagar-lhe todas as prestações salariais que deixou de auferir desde a data da declaração do despedimento até á sentença, a liquidar em execução de sentença, acrescidas de juros de mora à taxa legal, desde o vencimento de cada uma dessas importâncias, bem como a reintegrar o Autor ao seu serviço, no seu posto e local de trabalho e com a categoria profissional, antiguidade e retribuição que lhe pertencem.
Para tanto, alegou em síntese: foi admitido para trabalhar sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré hoje denominada "B, S.A." em 16 de Novembro de 1970, para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de assistente 1 na unidade fabril da ..., mediante retribuição; a Ré, na sequência de processo disciplinar, em Julho de 1999 proferiu a decisão de o despedir; o processo disciplinar carecia de fundamento, uma vez que a Ré pretendia fazer cessar o contrato de trabalho e o mesmo só foi movido para o pressionar a aceitar acordo de rescisão. Por isso, o despedimento é abusivo; o processo disciplinar é nulo porque foram desrespeitados os direitos de defesa previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 10 do DL n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, chegando a Ré a impedir que a defesa pudesse inquirir as testemunhas por si indicadas; reclamou o A. contra a escala de serviço ilegal da Ré, levando à intervenção dos serviços da Inspecção de Trabalho e, por isso, o despedimento presume-se abusivo nos termos do artigo 32º n.º1 al. a) da LCT (Dec. 49408, de 24 de Novembro de 1969); não há justa causa para o despedimento e, por isso, o mesmo é ilícito, não sendo verdade parte dos factos que lhe são imputados; a sanção de despedimento não é adequada aos factos considerados provados na decisão disciplinar.

Citada, veio a Ré contestar, alegando, em síntese, que procedeu ao despedimento do Autor na sequência de processo disciplinar instaurado, tendo concluído nesse processo pela responsabilidade do Autor na prática dos factos constantes da decisão final do processo, que são justa causa de despedimento. Quanto às nulidades arguidas pelo Autor, considera-as inexistentes. Concluiu, pedindo a improcedência total da acção.
Impugnou ainda o valor atribuído à causa pelo Autor, incidente que foi julga-do improcedente conforme despacho proferido a fls. 68.
Foi proferido despacho saneador, no qual se reconheceu como válida e regular a instância.
Foram elaboradas especificação e questionário, com reclamações.
No decurso do julgamento, que se realizou com gravação da prova, o Mmo. Juiz aditou ao questionário quatro quesitos e respondeu depois à matéria de facto como consta do despacho de fls. 146 a 148, após o que proferiu a douta sentença, de fls. 150 a 162, que, na improcedência da acção, absolveu a Ré dos pedidos.
Inconformado com essa decisão, dela levou o Autor recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que, pelo também douto acórdão de fls. 265 a 301, julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Dirigiu o Recorrente ao Tribunal um pedido de aclaração que veio a ser satisfeito pelo acórdão de fls. 313 a 315.
Novamente irresignado, traz o Recorrente recurso de revista para este Supremo Tribunal, apresentando oportunamente a sua alegação que termina com as seguintes conclusões:
A) Não havendo fundamento legal para continuar a discutir a matéria de facto, o A. vencido, mas não convencido, tem de restringir o presente recurso à matéria de direito.
B) Em sede de direito, coloca-se desde logo a questão de saber se uma referencia injuriosa a eventuais associadas da entidade patronal é relevante para efeitos de justa causa que possa conduzir ao despedimento de um trabalhador e a resposta tem de ser negativa, face ao disposto no art. 9, n. 2 , al. i) do Dec. Lei n.º 64-A/89, de 27/2, onde apenas se prevê a prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, de injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhadores da empresa, elementos dos corpos sociais ou sobre a entidade patronal individual não pertencente aos mesmos órgãos, seus delegados ou representantes.
C) Face a este normativo legal, as injúrias apenas são fundamento de despedimento se forem dirigidas a outros trabalhadores da empresa, a elementos dos corpos sociais da empresa e à entidade patronal individual.
D) além disso, dúvidas não existem de que o A. nunca podia ser despedido com justa causa se tivesse apelidado de ladrões ou dissesse que andam a roubar a "Cooperativa Agrícola C" ou a "D", ou qualquer dos seus dirigentes ou funcionários.
E) Acresce que só são consideradas injúrias as referências directas a pessoas, como consta do artº. 181º, n.º 1 do Cód. Penal, aliás, como sempre consideraram a doutrina e a jurisprudência portuguesas e, por isso, a convicção do julgador de que o A. nas suas afirmações quis injuriar a R., não releva para efeitos laborais, pois, como se verificou, a lei não considera relevantes para efeitos de despedimento as injúrias à empresa, como tal.
F) Por outro lado, não podem considerar-se justa causa de despedimento as referencias injuriosas feitas de forma abstracta e genérica sem indicar concretamente que se referem à entidade patronal, como foi decidido pelo Ac. da Rel. de Lisboa de 6/11/85, publicado na Col. de Jur., 1985, tomo 5, pág. 135 e pelos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05-03-1997, proferido no processo n.º 179/96 - 4.ª Secção (Relator: Cons. Carvalho Pinheiro) e de 03-02-1999, proferido na Revista 27/98 - 4.ª Secção (Relator: Cons. Sousa Lamas).
G) Aliás, tal como no citado Ac. da ReI. de Lisboa, são imputadas ao A. palavras vagas e genéricas - são os ladrões e anda tudo a roubar -, proferidas em estado de exaltação - al. E) da especificação -, porque estava convencido de que lhe tinham alterado os valores das descargas celulares, o que afectava o preço do leite que lhe seria pago - al. D) da especificação, pelo que nunca podia ser despedido.
H) Até porque o ora recorrente tinha quase 29 anos de contrato de trabalho e apenas foi objecto de uma sanção há cerca de 12 anos, sem que se diga qual o respectivo fundamento. - Cfr. Ac. da Rei. de Lisboa de 2/12/98, na Col. Jur., ano XXIII, tomoV, pág. 165.
I) Além disso, referências injuriosas eventualmente dirigidas à entidade patronal - o que se refere apenas como mera hipótese de raciocínio - em duas conversas havidas separadamente e isoladamente com dois trabalhadores não podem ser consideradas justa causa de despedimento.
J) Dado que a sanção tem de ser adequada à culpabilidade do trabalhador.- Artº 10º, n.º 9 da Lei dos Despedimentos e para além da antiguidade - quase 30 anos de serviço -, as afirmações imputadas teriam sido produzidas em conversas particulares, sem a presença de outras pessoas, portanto sem qualquer divulgação pública, pelo que não se verificam no caso presente nenhum dos requisitos enunciados, pois as palavras não foram proferidas publicamente, nem de forma reiterada - os factos passam-se todos no mesmo dia -, nem se demonstra que possam perturbar a relação de trabalho do A. com a R., relação essa duradoura de mais de 30 anos.
K) O que acontece é que a R. "B, S.A." andava há vários meses a tentar que o A. aceitasse um acordo de rescisão lesivo dos seus direitos e como o não conseguiu inventou uma justa causa de despedimento, que o não é legalmente.
L) Está provado até documentalmente que "o ora defendente reclamou contra a ilegalidade da escala de serviço, levando à intervenção dos Serviços da Inspecção do Trabalho", pelo que, nos termos do artº. 32º, nº. 1, al. a) da LCT, presume-se abusivo o despedimento do ora recorrente, até porque está demonstrado que o A. foi despedido, porque se recusou a aceitar as condições de rescisão do contrato de trabalho que lhe foram apresentadas pela R. "B, S.A.".
M) O acórdão recorrido considera que as expressões imputadas ao A. se dirigem contra ora recorrida, pelo que e desde logo, teria de julgar a acção procedente.
N) Além disso, não considerou a falta de publicidade, nem revela em que medida é que a relação laboral não poderia subsistir, pois todas as afirmações têm a ver com a situação concreta análises de leite, portanto são consequência do facto de o A. ser produtor de leite.
O) O acórdão recorrido, para além de fazer incorrecta apreciação da prova produzida, violou por erro de interpretação e aplicação o disposto no artº. 9º nºs. 1 e 2, al. i) do Dec. Lei 64-A/89, de 27/2, pelo que deve ser revogado e substituído por outra decisão que julgue procedente a presente acção. como é de lei e de Justiça.
Contra-alegou a Recorrida, defendendo a improcedência do recurso e a confirmação do acórdão em recurso
Neste Supremo Tribunal a Digma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer que se acha a fls. 342 a 348, no qual manifesta o seu entendimento no sentido de a revista ser negada.

Colhidos que se mostram os vistos dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre apreciar e decidir, sendo que a única questão que o Recorrente suscita nas conclusões da sua alegação prende-se com saber, fundamentalmente, se a materialidade factícia apurada justifica ou não a aplicação ao mesmo ora Recorrente da sanção de despedimento com justa causa.

O Tribunal recorrido fixou a seguinte matéria de facto:
1.- O Autor foi admitido para trabalhar sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré, hoje denominada "B, S.A." em 16 de Novembro de 1970, para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de assistente 1 na unidade fabril da ..., mediante retribuição - alínea A) da especificação;
2.- Em 4 de Junho de 1999, a Ré enviou ao Autor uma carta a comunicar que lhe havia sido instaurado processo disciplinar - alínea A1) da especificação;
3.- A Ré, com a data de 99.06.15, enviou ao autor nota de culpa com vista ao seu despedimento, extraída do processo disciplinar que lhe moveu, com os seguintes dizeres:

"NOTA DE CULPA"
Nos autos de processo disciplinar em que o arguido A, encontram-se reunidos elementos de prova suficientes para se lhe imputarem os comportamentos seguintes:
1.1 - O arguido está classificado como Ajudante /Auxiliar de Colhedor de amostras e desempenha funções ajustadas a tal categoria profissional na unidade fabril da Tocha;
1.2 - O arguido é também, produtor de leite sendo que tal produto lhe é pago através da "Cooperativa Agrícola C";
2.1 - Cerca do meio dia do dia 25 de Maio passado, o arguido encontrava-se fora da sala de recepção de leite da unidade fabril da ...;
2.2 - Foi aí abordado pelo Sr. E que, após o haver cumprimentado, lhe perguntou, por mera cortesia, se estava tudo bem com ele;
2.3 - Respondeu-lhe, de imediato, o arguido dizendo ao Sr. E que não, que andavam a pagar mal o leite;
2.4 - O arguido declarou, de seguida, ao Sr. E que eram todos uns ladrões, pretendendo englobar quer a "D, U.C.R.L."., quer a acusante;
2.5 - Na circunstância, o arguido declarou ao Sr. E que tinha conhecimento que foram alterados os valores de descargas celulares que, na realidade, apontavam para valores de um milhão de células e que posteriormente tinham sido alterados para valores da ordem dos três milhões de células;
2.6 - O arguido declarou ainda ao Sr. E que, em relação a leite entregue pelo arguido, lhe havia sido diminuído em três pontos o nível de inibidores;
2.7 - O Sr. E respondeu-lhe que tal não era possível;
2.8 - Então, o arguido corrigiu tal afirmação, declarando que, no conjunto dos restantes valores, lhe haviam retirado três pontos;
2.9 - O arguido dava amostras de estar muito exaltado;
3.1 - Ainda no mesmo dia e local e também por volta do meio dia, apareceu no cais de recolha da unidade fabril da ... o motorista Sr. F (Sr. F);
3.2- o Sr. F pretendia levar o camião tanque com que, no dia seguinte, havia de proceder à recolha do leite;
3.3- Porque o referido camião se encontrava a lavar, o Sr. F ficou a aguardar, no cais de recolha, que a lavagem terminasse;
3.4- Foi , então que o arguido se lhe dirigiu dizendo-lhe o seguinte: "Andam aí todos a roubar; já foram caçados a roubar, mas isto vai mudar; já há um movimento para substituir a Direcção da "Cooperativa Agrícola C" ";
3.5- O Sr. F perguntou, então, ao arguido se o Sr. G não estava a fazer bom serviço;
3.6- Respondeu-lhe o arguido dizendo que não, que andavam todos a roubar;
3.7- O arguido, com a expressão "andavam todos a roubar" referia-se quer à "Cooperativa Agrícola C", quer à "D, U.C.R.L.", quer à acusante;
3.8- Nas mesmas circunstâncias, o arguido declarou ainda ao Sr. F o seguinte: " E o Engº H também vai sofrer as consequências porque anda a colaborar com o roubo em benefício da "B, S.A." e da "D, U.C.R.L."'
3.9- Acrescentou, ainda, o arguido que já havia um movimento para substituir a direcção da "Cooperativa Agrícola C" e para vender o leite aos espanhóis;
4.1 - Por ter, entretanto, chegado ao local o Sr. Engº H, o arguido pôs, de imediato, termo à conversa com o Sr. F abandonando o local;
5.1- Ao agir como acima se indicia, o arguido ofendeu gravemente a acusante, a sua accionista "D, U.C.R.L." e a associada desta, "Cooperativa Agrícola C";
5.2- Tais comportamentos do arguido são susceptíveis de ocasionar gravíssimos danos à acusante.
Como agravante dos comportamentos acima indiciados, milita o facto de o arguido ter sido punido, em 7 de Outubro de 1987, com a sanção disciplinar de suspensão do trabalho, por dez dias, com perda de retribuição, nos termos de DECISÃO de que o arguido tomou conhecimento e cujo conteúdo se dá por transcrito.
Caso se confirmem os comportamentos acima indiciados, ter-se-á de concluir que o arguido violou os deveres que lhe estão apontados nas alíneas a), b), c), d), f), e g) do n.º 1 do artº. 20º, do Regime Jurídico aprovado pelo Dec.-Lei n.º 49408 de 24/11/69 e alíneas a), d), e j) da cláusula 9º do C.C.T. para os Lacticínios.
Tais comportamentos, atenta a sua gravidade e consequências, obstam a que se mantenha a relação de trabalho.
Assim, considerando o preceituado no art. 90, n. 1 e 2, alíneas e) e i) do regime Jurídico aprovado pelo Dec. Lei nº 64-A/89 de 27 de Fevereiro, é intenção da acusante aplicar ao arguido a sanção disciplinar de DESPEDIMENTO LEGITIMADO, COM JUSTA CAUSA, intenção que inequivocamente se leva ao seu conhecimento, em cumprimento do disposto no Artº. 10º, n.º 1 do mesmo diploma.
Porto, 15 de Junho de 1999
I
Departamento de Recursos Humanos"; - alínea B) da especificação;
4.- A Ré, com a data de 99.07.08, enviou ao autor decisão final desse processo disciplinar que lhe moveu, comunicando-lhe o despedimento, com os seguintes dizeres:

"DECISÃO"

I - Nos autos de processo disciplinar em que é arguido A, deduziu-se-lhe a acusação que consta da Nota de Culpa cujo texto, aqui dado por reproduzido, para os efeitos legais, lhe foi dirigido através do seguro dos correios.
II - Em sua defesa, o arguido ofereceu a resposta que consta do documento que nos foi endereçado em 24 de Junho passado e cujo texto se dá também, por reproduzido.
III - Procedeu-se à audição das testemunhas J, L, M e F, sendo que o arguido declarou, em 2 de Julho corrente, que prescindia da audição da testemunha, por si arrolada, E.
IV - Não havendo que efectuar quaisquer outras diligências de prova, inexistindo Comissão de Trabalhadores e não constando que o arguido seja ou tenha sido representante sindical, nada impede que decidamos.
V - Dão-se como provados os seguintes factos:
1.1 - O arguido está classificado como Ajudante/auxiliar de Colhedor de Amostras e desempenha funções ajustadas a tal categoria profissional na unidade fabril da ...;
1.2 - O arguido é, também, produtor de leite sendo que tal produto lhe é pago através da "Cooperativa Agrícola C";
2.1 - Cerca do meio dia do dia 25 de Maio passado, o arguido encontrava-se fora da sala de recepção de leite da unidade fabril da ...;
2.2 - Foi aí abordado pelo Sr. E (Sr. E) que, após o haver cumprimentado, lhe perguntou, por mera cortesia, se estava tudo bem com ele;
2.3 - Respondeu-lhe, de imediato, o arguido dizendo ao Sr. E que não, que andavam a pagar mal o leite;
2.4 - O arguido declarou, de seguida, ao Sr. E que eram todos uns ladrões, pretendendo englobar quer a "D, U.C.R.L." ("D, U.C.R.L.") quer esta empresa;
2.5 - Na circunstância, o arguido declarou ao Sr. E que tinha conhecimento que foram alterados os valores de descargas celulares que, na realidade, aponta para valores de um milhão de células e que posteriormente tinham sido alterados para valores da ordem dos três milhões de células;
2.6- O arguido declarou ainda ao Sr. E que, em relação a leite entregue pelo arguido, lhe havia sido diminuído em três pontos o nível dos inibidores;
2.7- O Sr. E respondeu-lhe que tal não era possível;
2.8- Então, o arguido corrigiu tal afirmação, declarando que, no conjunto dos restantes valores, lhe haviam retirado três pontos;
2.9 - O arguido dava mostras de estar muito exaltado;
3.1 - Ainda no mesmo dia e local e também por volta do meio dia, apareceu no cais de recolha da unidade fabril da ... o motorista Sr. F (Sr. F);
3.2 - O Sr. F pretendia levar o camião tanque com que, no dia seguinte, havia de proceder à recolha do leite;
3.3 - Porque o referido camião se encontrava a lavar, o Sr. F ficou a aguardar, no cais de recolha, que a lavagem terminasse;
3.4 - Foi, então, que o arguido se lhe dirigiu dizendo-lhe o seguinte: "Andam aí todos a roubar, já foram caçados a roubar, mas isto vai mudar, já há movimento para substituir a Direcção da "Cooperativa Agrícola C";
3.5 - O Sr. F perguntou, então, ao arguido se o Sr. G não estava a fazer bom serviço;
3.6- Respondeu-lhe o arguido dizendo que não, que andavam todos a roubar;
3.7- O arguido, com a expressão "andavam todos a roubar" referia-se quer à "Cooperativa Agrícola C", quer à "D, U.C.R.L.", quer a esta empresa;
3.8- Nas mesmas circunstâncias, o arguido declarou ainda ao Sr. F o seguinte: E o Engº H também vai sofrer as consequências porque anda a colaborar com o roubo em benefício da "B, S.A." e da "D, U.C.R.L.";
3.9- Acrescentou, ainda, o arguido que já havia um movimento para substituir a direcção da "Cooperativa Agrícola C" e para vender o leite aos espanhóis;
4.1 - Por ter, entretanto, chegado ao local o Sr. Engº H, o arguido pôs, de imediato, termo à conversa com o Sr. F abandonando o local;
VI - Ao assumir os comportamentos que acima se consideram como provados, o arguido violou dolosamente os deveres que lhe estão apontados nas alíneas a), b) c), d), f) e g) do n.º 1 do artº. 20º do Regime Jurídico aprovado pelo Dec-Lei n. 49408 de 24/11/69 (L.C.T.) e alíneas a), d) e j) da cláusula 9ª do C.C.T. para os Lacticínios.
É óbvio que, agindo como se deu como assente, o arguido ofendeu gravemente esta empresa, a sua accionista "D, U.C.R.L." e, ainda, a associada desta "Cooperativa Agrícola C".
VII - É facto que a relação de trabalho tem uma vocação de perenidade o que leva apenas se justifique o recurso à sanção expulsiva e rescisória do contrato de trabalho quando se revelarem inadequadas, para o caso, as medidas conservatórios ou correctivas.
Ora, salientar-se-á, antes de mais, que o arguido já foi punido, em 7 de Outubro de 1987, com a sanção de suspensão do trabalho, com perda de retribuição, por dez dias.
Sem embargo, os comportamentos, agora, assumidos pelo arguido são de tal forma graves que a ruptura da relação de trabalho se apresenta como irremediável.
De facto, não nos pode ser exigível outra decisão, que não a do despedimento, legitimado com justa causa, sob pena de sair ferida, de forma exagerada e violenta, a n/ sensibilidade e a n/ liberdade psicológica.
VIII - Por tudo o exposto, ao abrigo do preceituado nos artºs. 26º e 27º da L.C.T. decidimos aplicar ao arguido A, a sanção disciplinar de DESPEDIMENTO LEGITIMADO COM JUSTA CAUSA que os factos provados e atrás expostos integram.
Porto, 08 de Julho de 1999
I
Departamento de Recursos Humanos" - alínea C) da especificação;
5.- No dia 25 de Maio de 1999, o Autor respondeu ao Sr. E dizendo que andavam a pagar mal o leite e, na circunstância, declarou ainda ao Sr. E que tinha conhecimento que foram alterados os valores de descargas celulares que, na realidade, apontavam para valores de um milhão de células e que posteriormente tinham sido alterados para valores da ordem dos três milhões de células; mais declarou, na ocasião, ao Sr. E que, em relação a leite entregue pelo arguido, lhe havia sido diminuído em três pontos o nível de inibidores; o Sr. E respondeu-lhe então que tal não era possível e o Autor corrigiu tal afirmação, declarando que, no conjunto dos restantes valores, lhe haviam retirado três pontos - alínea D) da especificação e resposta ao quesito 3º;
6.- Nessa ocasião, o Autor dava mostras de estar muito exaltado - alínea E) da especificação;
7.- No dia 26 de Maio de 1999, o Engº M do Departamento de Recursos Humanos da Ré convocou o Autor para uma reunião em que lhe apresentou uma proposta de acordo de rescisão que o Autor não aceitou - alínea F) da especificação;
8.- O A., para além de trabalhador subordinado da Ré, era, em Maio de 1999, produtor de leite, sendo associado da "Cooperativa Agrícola C" - 2ª alínea E) da especificação;
9.- À data do despedimento, o Autor auferia a remuneração mensal de base de 89.000$00, sendo certo que a tal remuneração acrescia a importância mensal de 13.850$00, a titulo de diuturnidades e a de 5.888$00, também mensal, referente a prémio de antiguidade, bem como subsidio de turno que à data do despedimento era de 9.790$00 - resposta aos quesitos 1º, 2º e 31º (aditado em audiência);
10.- A "Cooperativa Agrícola C" integra, com variadíssimas outras cooperativas de produtores de leite, a "D, U.C.R.L." ("D, U.C.R.L.") - resposta ao quesito 5º;
11.- A "D, U.C.R.L.", através dos seus serviços de produção e recolha de leite, procedia - e procede - à recolha do leite produzido pelo Autor e por um universo de milhares de produtores de leite - resposta ao quesito 6º;
12.- A R. dedica-se à industrialização de produtos lácteos, em várias unidades fabris e, nomeadamente, na unidade fabril da ..., onde o Autor lhe prestava trabalho - resposta ao quesito 7º;
13.- Sobre a Ré, a "D, U.C.R.L." detém uma participação no capital da mesma - resposta ao quesito 8º;
14.- O leite recolhido pela "D, U.C.R.L." - incluindo o que o Autor produzia - é por esta vendido à Ré e o seu preço varia de acordo com a sua qualidade - (resposta ao quesito 9º);
15.- Era e continua a ser a Ré quem procede à análise do leite recolhido pela "D, U.C.R.L.", para tanto, dispondo de moderno laboratório, onde se procede à análise individual de cada partida de leite entregue, pelos respectivos produtores ou por um conjunto de produtores a partir de postos de recolha - resposta ao quesito 10º;
16.- Para tanto, aquando da recolha de qualquer quantidade de leite entregue pelos produtores é tirada uma amostra que é submetida a análise no laboratório da Ré, onde aparecia identificada por um código de barras - resposta ao quesito 11º;
17.- A intenção da Ré ao instituir os sistema de código de barras era o de não permitir a quem procede à análise saber a quem pertence o leite analisado e fazer com que só depois de efectuada cada análise, e num sector diferente, se averiguasse atento o respectivo código de barras a quem pertencia o leite, definindo-se, então o preço a pagar a cada produtor - resposta ao quesito 12º;
18.- No caso do Autor o leite era-lhe, e é, pago através da "Cooperativa Agrícola C" e este, como Ajudante/Auxiliar de Colhedor de Amostras ao serviço da Ré, desde há mais de 20 anos, procedendo, diariamente, à recolha de amostras de leite, sabia, assim, esses procedimentos quanto às análises e pagamento do leite (nomeadamente do leite por si produzido) - resposta ao quesito 13º;
19.- Cerca do meio dia do dia 25 de Maio de 1999, o Autor encontrava-se fora da sala de recepção de leite da unidade fabril da ..., quando foi abordado pelo Sr. E, que não era trabalhador da Ré, sendo empregado de escritório da "D, U.C.R.L.", que o cumprimentou e lhe perguntou se estava tudo bem com ele, passando-se o descrito em III.4, supra, declarando-lhe o Autor, ainda, que eram todos uns ladrões, pretendendo englobar quer a "D, U.C.R.L.", quer a Ré - resposta ao quesito 14º;
20.- Ainda no mesmo dia e local e também por volta do meio dia, apareceu no cais de recolha da unidade fabril da ... o motorista Sr. F que pretendia levar o camião tanque com que, no dia seguinte, havia de proceder à recolha do leite - resposta ao quesito 15º;
21.- Porque o referido camião se encontrava a lavar, o Sr. F ficou a aguardar, no cais de recolha, que a lavagem terminasse e então o A. dirigiu-se-lhe dizendo-lhe o seguinte: "andam aí todos a roubar; já foram caçados a roubar, mas isto vai mudar; já há um movimento para substituir a Direcção da "Cooperativa Agrícola C"" - resposta ao quesito 16º;
22.- O Sr. F perguntou, então, ao Autor se o Sr. G - que era dirigente quer da "D, U.C.R.L.", quer da "Cooperativa Agrícola C" - não estava a fazer bom serviço - resposta ao quesito 17º;
23.- Respondeu-lhe o A. dizendo que não, que andavam todos a roubar - resposta ao quesito 18º;
24.- O A., com a expressão "andavam todos a roubar" referia-se quer à "Cooperativa Agrícola C", quer à "D, U.C.R.L.", quer à Ré - resposta ao quesito 19º;
25.- Nas mesmas circunstâncias, o Autor declarou ainda ao Sr. F o seguinte: "e o Engº H também vai sofrer as consequências porque anda a colaborar com o roubo em benefício da "B, S.A." e da "D, U.C.R.L."" - resposta ao quesito 20º;
26.- Acrescentou, ainda, o Autor que já havia um movimento para substituir a direcção da "Cooperativa Agrícola C" e para vender o leite aos espanhóis - resposta ao quesito 21º;
27.- O Autor foi punido, em 7 de Outubro de 1987, com a sanção disciplinar de suspensão com perda de retribuição que cumpriu de 8 a 17 do mesmo mês e ano - resposta ao quesito 23º;
28.- Em 1998, o Autor reclamou contra a escala de serviço na Ré, levando à intervenção dos Serviços da Inspecção do Trabalho - resposta ao quesito 29º;

O Recorrente afirmando-se embora vencido mas não convencido quanto à fixação desta facticidade, reconhece, todavia que tem de restringir o presente recurso à matéria de facto fixada. E na verdade assim tem de ser atento as limitações impostas ao Supremo Tribunal pelos artºs. 729º e 722º do Cód. Proc. Civ.
Vejamos, então, se procede ou não, face à facticidade apurada, a justa causa invocada pela R. para impor ao Autor a sanção de despedimento.
Referindo-se à justa causa de despedimento, dispõe o n.º 1 do art. 9º do Dec.-Lei n.º 64-A/89, de 27-2 (Regime Jurídico da Cessação do Contrato de Trabalho - adiante designado pela sigla LCCT) que "o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento". O n.º 2 do mesmo artigo e diploma enumera comportamentos do trabalhador que podem constituir justa causa de despedimento, mas fá-lo apenas exemplificativamente, como, obviamente, decorre do emprego da expressão "nomeadamente" ali usada, do que resulta que outros comportamentos do trabalhador podem traduzir justa causa de despedimento, desde que os mesmos, pela sua gravidade e consequências, tornem imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral.
A Ré dedica-se à industrialização de produtos lácteos em várias unidades fabris e, nomeadamente, na unidade fabril de ..., onde o Autor prestava Trabalho. Como sociedade comercial que é, possui, naturalmente, uma organização empresarial, com vista a alcançar os seus objectivos que, em última análise, se traduzem na obtenção do melhor lucro para posterior repartição entre os seus sócios - art. 980º do Cód. Civil. Como unidade produtiva, só poderá almejar a plena satisfação do seu escopo se os vários elementos que a compõem laborarem em boa harmonia entre si. Quaisquer factores de perturbação que sejam introduzidos nas relações internas da organização, não podem deixar de minar a finalidade que uma sociedade se propõe atingir. Dois dos elementos activos que nessa organização se destacam são a entidade patronal e os trabalhadores, ou seja, o empregador e o empregado, cujo labor conjunto, harmónico e convergente, mostra-se indispensável para o bom desempenho do objectivo societário no sentido da obtenção da maior e melhor produtividade.
Para prevenir os conflitos que entre esses elementos possam surgir e que, afectando a organização empresarial podem minar o equilíbrio da vida social no seu conjunto "com todos os reflexos na paz e no regular funcionamento das instituições colectivas"(1) entendeu o Estado por bem intervir, produzindo legislação tida por adequada, estabelecendo os deveres da entidade patronal para com os trabalhadores e destes para com aquela e bem assim fixar as garantias do trabalhador e, isto, em atenção a que sobre o contrato de trabalho "assenta a existência e digna subsistência do Trabalhador ..."(2) e aquele equilíbrio da vida social no seu conjunto
Compreende-se, assim, que a lei só permita o despedimento do trabalhador se ocorrer justa causa, nos termos referidos no n.º 1 do art. 9º da LCCT.
Entre os deveres que a lei (art. 20º do Dec.-Lei n.º 49408, de 24/11/69 (adiante designado por LCT), impõe aos trabalhadores nas suas relações com a entidade patronal, figura o de "respeitar e tratar com urbanidade e lealdade a entidade patronal, os superiores hierárquicos, os companheiros de Trabalho e as demais pessoas que estejam ou entrem em relações com a empresa" (alínea a).
Pois bem. No dia 25 de Maio de 1999, por volta do meio dia, fora da sala de recepção do leite da unidade fabril da ... (na qual prestava Trabalho) tendo o Autor sido abordado por E (que não era trabalhador da Ré mas empregado de escritório da "D, U.C.R.L.") referiu-lhe aquele que "andavam a pagar mal o leite"; que "tinha conhecimento que foram alterados os valores de descargas celulares que, na realidade, apontavam para valores de um milhão de células e que posteriormente tinham sido alterados para valores da ordem dos três milhões de células" e que, em relação ao leite entregue pelo Autor, "lhe havia sido diminuído em três pontos o nível de inibidores", corrigindo depois, esta afirmação, face à resposta do E de que tal não era possível, dizendo "que, no conjunto dos restantes valores, lhe haviam retirado três pontos", declarando, ainda que eram todos - pretendendo englobar a "D, U.C.R.L.", e a Ré - uns ladrões (pontos 5. e 19. do quadro factício).
Ainda no mesmo dia e local, também por volta do meio dia, enquanto F aguardava a lavagem do camião que no dia seguinte procederia à recolha do leite, o Autor dirigiu-se-lhe dizendo: "andam aí todos a roubar; já foram caçados a roubar, mas isto vai mudar; já há um movimento para substituir a Direcção da "Cooperativa Agrícola C" ", respondendo depois à uma pergunta do F que o G - que era dirigente da "D, U.C.R.L." e da "Cooperativa Agrícola C", não estava a fazer bom serviço, que "andavam todos a roubar", referindo-se quer à "Cooperativa Agrícola C", quer à "D, U.C.R.L.", quer à Ré, acrescentando que já havia um movimento para substituir a direcção da "Cooperativa Agrícola C" e para vender o leite aos espanhóis.
Ora, nestas duas conversas desenha-se uma flagrante imputação pelo Autor à Ré de conduta desonesta, praticada, evidentemente, através dos seus órgão gestores, com a agravante de uma dessas conversas ter sido entretida com pessoa estranha à unidade fabril na qual o Autor prestava serviço e, a outra, com outro empregado da Cooperativa. A imputação de que a Ré, sua entidade patronal, andava a roubar os produtores do leite, sem prova de factos a consubstanciarem a imputação, resulta totalmente gratuita e fortemente ofensiva do bom nome da Ré, sendo a mesma potenciadora de graves danos nos interesses desta. E revela, inequivocamente uma evidente quebra do dever de lealdade a que o Autor estava legalmente obrigado para com a sua empregadora. E tudo isto não podia o Autor ignorar aquando da produção dessas imputações. Como muito bem refere a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer "a circunstância de o Autor ter agido em estado de exaltação com a análise do leite por ele produzido, não afasta a culpa e a gravidade do seu comportamento, já que aquelas afirmações foram por ele produzidas não apenas numa conversa, mas em duas, o que significa que o Autor persistiu na sua conduta". E também não releva, quanto a nós, o facto de essas conversas terem tido lugar no mesmo dia, local e aproximadamente à mesma hora, uma vez que na reiteração da imputação a duas pessoas distintas desenha-se um propósito de atingir a empresa Ré na sua honorabilidade. E o facto de o Autor ter com a Ré uma relação laboral que perdura há cerca de 30 anos, longe de redundar em seu benefício até agrava a sua falta na medida em que tal vivência laboral impunha maior sentido de lealdade da sua parte para com a sua empregadora e consequente comedimento nas acusações que pretendia dirigir à esta.
Argumenta o A. que as injúrias apenas são fundamento de despedimento se forem dirigidas a outros trabalhadores da empresa, a elementos de corpos sociais da empresa e a entidade patronal individual e que só são consideradas injúrias as referências directas a pessoas, como consta do artº. 181º do Cód. Penal, não considerando a lei como relevantes para efeitos de despedimento as injúrias à empresa como tal.
Cremos que o Autor labora em equívoco. Quando se imputa a uma empresa uma conduta desonesta, é, manifestamente, às pessoas físicas que agem em nome da empresa que se faz tal imputação. E daí que se compreenda que a alínea i) do n.º 2, do artº. 9º da LCCT não fale em entidade patronal colectiva que apenas juridicamente é pessoa, mas tão-só em entidade patronal individual, atenta a sua qualidade de pessoa física que, como tal, pode ser directamente atingível pela ofensa à sua integridade moral. Mas pelo facto de se tratar de pessoa colectiva, não se segue que a mesma não tenha um nome a defender no mercado em que actua, pelo que a mesma pode ser, e gravemente, afectada por comportamentos culposos negativos dos seus trabalhadores. Mas, tratando-se de ataques injuriosos, o bom nome da empresa será, normalmente, atingido por ataques às pessoas físicas que agem em nome dela.
Por outro lado, cremos que o termo injúrias na alínea i) do n.º 2 do art 9º da LCCT tem alcance mais amplo do que a definição que o código penal nos dá do crime de injúrias. Afigura-se-nos que no direito laboral "injurias" corresponderá à ofensa verbal, feita directa ou indirectamente, compreendendo portanto a difamação.
A não se entender assim, não deverá esquecer-se de que, como atrás se referiu, a enumeração dos comportamento do trabalhador que constituem justa causa de despedimento, feita no n.º 2 do citado artº. 9º, é meramente exemplificativa, pelo que a difamação pelo trabalhador que atinja a empresa sempre poderá ser erigida como justa causa de despedimento, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, se, pela sua gravidade e consequências, ela tornar imediata e praticamente impossível a continuação do vínculo laboral.
A descrita conduta do Autor traduz, assim, comportamento passivo de sanção disciplinar. E, nas circunstâncias, não é exigível à R., acusada de andar a roubar os produtores de leite, a manutenção da relação de trabalho que tinha com o acusador, seu trabalhador. Qualquer crédito de confiança que a Autor tivesse merecido da Ré, deve considerar-se esgotado com as graves imputações que aquele fez a esta.
Ora, sendo a confiança o suporte fundamental da relação de trabalho, quebrada ela, não se justifica a continuação do vínculo laboral
Consequentemente, afigura-se-nos que bem andaram as Instâncias em considerar lícito o despedimento de que o autor foi alvo.

Nega-se, por conseguinte, a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 10 de Abril de 2002
Emérico Soares,
António Manuel Pereira,
Azambuja Fonseca.
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(1) Ver preâmbulo do Dec.-Lei n.º 49408, de 24-11-69.
(2) Ibidem.