Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SOUSA PEIXOTO | ||
Descritores: | DOCUMENTO IDÓNEO TRABALHO SUPLEMENTAR DOCUMENTO PARTICULAR FORÇA PROBATÓRIA MATÉRIA DE FACTO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA JUROS DE MORA | ||
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Nº do Documento: | SJ200712190037884 | ||
Data do Acordão: | 12/19/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA. | ||
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Sumário : | 1. Os créditos resultantes da prestação de trabalho suplementar, vencidos há mais de cinco anos, só podem ser provados por documento idóneo. 2. Documento idóneo será o documento escrito com origem na própria entidade empregadora, que demonstre a existência dos factos constitutivos do crédito e que seja suficientemente elucidativo, de molde e dispensar a sua integração ou dilucidação através de outros meios de probatórios, designadamente testemunhas, pois, de contrário, já não seria o documento que constituiria o meio idóneo de prova a que alude o n.º 2 do art.º 38.º da LCT. 3. As escalas de serviço sem autoria definida não são documento idóneo para provar a prestação de trabalho suplementar ocorrida há mais de cinco anos. 4. Saber se determinado documento é idóneo ou não para efeitos do disposto no art.º 38.º, n.º 2, da LCT é uma questão de direito material probatório de que o Supremo pode conhecer. 5. Quando não impugnados, os recibos de vencimento devidamente assinados pelo trabalhador fazem prova plena de que a entidade empregadora pagou ao trabalhador as importâncias neles referidas, mas não provam que as ditas importâncias foram pagas a título diferente daquele que neles são mencionadas. 6. A entidade empregadora entra em mora a partir do vencimento da retribuição, a não ser que a mesma seja ilíquida e essa falta de liquidez seja imputável ao trabalhador. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Na presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, proposta no Tribunal do Trabalho do Porto, o autor AA pediu que a ré Empresa-A, Empresa de Segurança, S. A. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 36.422,20 a título de trabalho suplementar, trabalho em dias de descanso, trabalho nocturno e em dias de descanso compensatório, prestado nos anos de 1997 a 2002 inclusive, acrescida de € 8.289,42 de juros de mora já vencidos e dos demais que se vencerem até integral pagamento, bem como a quantia de € 905,20 de férias não gozadas no ano de admissão (1997) e € 149,63 que a ré lhe exigiu por conta da farda que lhe forneceu. Na contestação, a ré arguiu a prescrição dos créditos salariais vencidos há mais de cinco anos, ou seja, até 11.2.1998, impugnou a prestação de trabalho em dias de descanso semanal, alegou que o trabalho efectivamente prestado pelo autor em dias feriados, bem como o trabalho suplementar por ele prestado em dias úteis foi pago com os acréscimos legais e que os descansos compensatórios foram remidos a dinheiro, tendo pago, a esses títulos, 340.530$00 em 1998, 182.755$00 em 1999, 540.728$00 em 2000, 259.300$0 em 2001 e € 465,00 em 2002, sob as rubricas “gratificação”, “tickets”, “horas extra” e “H.F.” (horas feriados). E mais alegou que a quantia exigida ao autor por conta da farda não se destinava ao pagamento da mesma, funcionando apenas como caução, para garantir a devolução da mesma aquando da cessação do contrato de trabalho. Realizado o julgamento, a acção foi julgada parcialmente procedente, mas o Tribunal da Relação anulou o julgamento, para ampliação da matéria de facto e, no final do segundo julgamento, foi proferida nova sentença que julgou improcedente a prescrição invocada pela ré, com o fundamento de que o autor havia demonstrado, por documentos idóneos, a existência dos créditos alegadamente prescritos, e condenou a ré a pagar ao autor: (i) € 31.969,49 a título de trabalho suplementar prestado entre 1998 e 2002 para além do seu horário de trabalho, em dias de descanso semanal e dias feriados e de trabalho nocturno, incluindo a média de trabalho nocturno a considerar no cálculo dos subsídios de férias e de Natal; (ii) a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença relativamente ao trabalho suplementar prestado no ano de 1997 (incluindo o prestado em dias de descanso semanal e dias feriados e o trabalho nocturno prestado no mesmo lapso de tempo, incluindo a média de trabalho nocturno a considerar no cálculo dos subsídios de férias e de Natal); (iii) juros de mora contados desde o vencimento dos respectivos créditos. Além disso, a sentença ordenou ainda que às quantias devidas ao autor fosse deduzida a quantia de € 5.472.07 já paga pela ré. Ambas as partes recorreram da sentença, a ré a título principal e o autor a título subordinado, tendo o Tribunal da Relação julgado parcialmente procedente o recurso da ré e improcedente o do autor e, revogando parcialmente a sentença, condenou a ré a pagar ao autor a quantia global de € 17.748,91 a título de trabalho suplementar prestado pelo autor entre 1998 e 2002, trabalho em dias de descanso semanal e dias feriados, e trabalho nocturno prestado pelo autor no mesmo período temporal, incluindo a média de trabalho nocturno a considerar no cálculo dos subsídios de férias e de Natal e a quantia que vier a liquidar-se relativamente ao trabalho suplementar prestado pelo autor no ano de 1997 (incluindo o prestado em dias de descanso semanal e dias feriados, trabalho nocturno prestado no mesmo período temporal, incluindo a média de trabalho nocturno a considerar no cálculo dos subsídios de férias e de Natal), deduzidas da quantia de € 6.394,85 já paga pela ré ao autor. Inconformada com o acórdão da Relação, a ré interpôs o presente recurso de revista, tendo concluído as respectivas alegações da seguinte forma: 1.ª - O objecto do presente recurso é o mui douto acórdão da Relação do Porto, com processo à margem referenciado, na parte em que negou provimento ao 2.º recurso de apelação, confirmando parcialmente a decisão da primeira sentença. 2.ª - Em 12 de Janeiro de 2004, a fls.161 a 165, foi prolatada a primeira sentença condenatória da ré, da qual foi interposto o 1.º recurso de Apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por mui douto Acórdão proferido a 25 de Janeiro de 2005, decidido "anular a decisão recorrida, repetindo-se o julgamento da matéria de facto para ampliação da mesma nos pontos acima referidos..." 3.ª - Nas conclusões do 2.° recurso de apelação, a apelante pôs essencialmente em causa a decisão sobre a matéria de facto proferida em 1.ª instância, nomeadamente que não deveria ser dado como provado o novo ponto 15 dos [factos], defendeu que os documentos juntos pelo recorrido na 1.ª audiência (as ditas "escalas de serviço") não são documentos idóneos para prova dos créditos por trabalho prestado no ano de 1997 e sustentou também que tendo sido dados como provados os pagamentos referidos no novo ponto 16, face aos recibos juntos, deveria também ser considerado como provado que a R. pagou ao A. as importâncias de Esc. 340.530$00, 182.755$00 e 540.728$0, sob as rubricas "tikets", "grat" e "Horas Extra", para pagamento de trabalho suplementar, pois eram documentos particulares, não impugnados que fazem prova plena das declarações neles contidas, vide n.ºs 1 e 2 do art.º 376.° do C. Civil. 4.ª - No mui douto acórdão recorrido, para além de conceder provimento parcial ao recurso da R., reconhece-se ainda que a decisão sobre a matéria de facto não é "modelar" para, de seguida, se dizer que respeita os mínimos, ou seja, "não deixou de observar o dever de fundamentação, esclarecendo o processo de convicção do julgador na parte controversa". 5.ª - A "parte controversa" neste processo era a de saber, em concreto, qual o horário de trabalho, diário semanal e mensal do recorrido, sendo certo que foi este o motivo pelo qual no anterior Acórdão de 25/01705 se mandou repetir o julgamento da matéria de facto, para ampliação da mesma exactamente sobre esta matéria. 6.ª - O A. considerou que o seu horário era o constante das tais "escalas de serviço", as quais a R. sempre impugnou por não serem da sua autoria, nem se encontrarem assinadas por algum seu representante, que as validasse, pelo que se impunha um especial cuidado do Sr. Juiz de 1.ª Instância na avaliação da prova produzida sobre a validade e autoria das ditas escalas, para se poder concluir se os horários delas constantes foram os efectivamente praticados pelo A. 7.ª - Sustentou-se nas alegações de recurso que o ponto 15 não deveria ter sido dado como provado, pois não explicitava de forma rigorosa os fundamentos que foram decisivos para tomar tal decisão, pelo que a falta ou insuficiência de fundamentação a tomava nula, por violação do n° 2 do art.º 653.° do CPC. 8.ª - No mui douto acórdão "sub judice" discorda-se do entendimento do recorrente, considerando-se adequada a fundamentação apresentada no ponto em causa (o 15), porquanto o mesmo resultou "provado não só em função dos depoimentos prestados pelas testemunhas, nomeadamente da testemunha BB, ex-funcionário da R., que depôs sobre a matéria em causa, e dos documentos referidos". 9.ª - A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto foi feita de forma global e não facto por facto, como o deveria ser, não se explicitando minimamente a razão de ser sobre o novo ponto 15, a tal matéria controversa, isto é, porque é que se considerou que o " O horário de trabalho do A., quando ao serviço da R., era o constante das escalas de serviço, juntas pelo autor a fls.39/110". 10.ª - Ao invés do alegado no acórdão recorrido, nesta fundamentação não se atribui uma única palavra a qualquer das testemunhas sobre se o horário de trabalho do A., quando ao serviço da ré, era o constante das sacrossantas "escalas de serviço", isto é, na própria fundamentação se reconhece que elas nada disseram sobre este crucial ponto, pelo que não podia ter sido considerado provado o novo ponto 15 em função dos depoimentos de quaisquer testemunhas. 11.ª - No acórdão sob recurso, como se disse, reconhece-se que a fundamentação da matéria de facto não é modelar, mas não se teve a coragem de dizer que ela não esclarece efectivamente o percurso cognitivo do Sr. Juiz, que o levou a dar como provado que horário de trabalho do A., quando ao serviço da R., era o constante das escalas em causa, pois de contrário teria de reconhecer que a mesma padece do vício de falta ou insuficiência de fundamentação, por violação do art.º 653.°, n° 2, o que implicava a sua nulidade, com a consequente necessidade de mandar repetir, pela terceira ver vez, a audiência de julgamento. 12.ª - Restam como elemento de prova do ponto 15 as ditas "escalas de serviço" que, no entender do Sr. Juiz de 1.ª instância, foram instrumentais para a descoberta da verdade, apesar de impugnadas pela R., por não serem da sua autoria, nem se encontrarem assinados por qualquer seu representante, que as validasse, sendo consideradas no acórdão recorrido como documentos idóneos, porém, salvo melhor opinião, mal, pois não são documentos autênticos ou autenticados, mas sim meros documentos particulares, forjados pelo A., pelo que lha competia fazer a prova de que eram verdadeiros (art.º 374.º, n.º 2, do C. Civil), o que, como se alegou, não o fez. 13.ª - A decisão "sub judice" veio dar razão parcialmente à recorrente, no que se refere aos pontos não provados, concretamente o ponto 3, dado como não provado, reconhecendo que não foi fundamentada esta decisão e aditando o facto sob o n.º 17: "Nos anos de 1999 e 2000, a título de trabalho suplementar, a R. pagou ao A. , sob a rubrica de "tikets ", a quantia global de 922,78 €." 14.ª - De novo, ficou o acórdão em causa, aquém do expectável, pois a ora recorrente, para além de ter pago o montante de 185.000$00 (922,78 E) (novo ponto 17), a título de trabalho suplementar nos anos de 1999 e 2000, sob a rubrica de tikets, pagou ainda, as quantias de 351.070$00 (e não 340.530$00 como se indicou) e 540.000$00, respectivamente no anos de 1998 e 2000, sob as rubricas de "horas extras" e “grat.”, como resulta dos recibos juntos na contestação, assinados pelo A. (Docs. n.º 6 a 38). 15.ª - Não se desconhece que ao Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, está vedada a censura da matéria de facto fixada pelas instâncias, salvo em caso de ofensa de alguma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. 16.ª - Mas também é certo que Supremo pode exercer censura sobre o uso que a Relação tenha feito dos poderes conferidos pelo art.º 712.° do C. P. C., designadamente alterando ou anulando a decisão, mandando repetir o julgamento, quando se considere indispensável a averiguação de factos com interesse para a boa decisão da causa, segundo as várias soluções das questões de direito. 17.ª - Ao não assim proceder, violou o acórdão recorrido a supra citada disposição legal, sendo que a fiscalização da aplicação da citada disposição legal é uma "questão de direito", perfeitamente enquadrada na competência do tribunal de revista, pelo que o acórdão sob censura, ao conceder apenas provimento parcial na decisão da matéria de facto, violou a lei de processo, ao não usar de todos os poderes conferidos no art.º 712.º do CPC. 18.ª - A recorrente, na sua alegação de recurso, defendeu a tese de que as escalas de serviço, juntas pelo A. não são documentos idóneos para prova dos créditos por trabalho suplementar alegadamente prestado no ano de 1997, em desconformidade com o exigido pelo n.° 2 do art.º 38.º da LCT, porém, no muito douto acórdão recorrido, entendeu-se que o que a recorrente pretendeu foi a eliminação parcial do ponto n.º 5 dos factos assentes e que tais documentos, apesar de impugnados são documentos idóneos. 19.ª - Não se põe em causa que o A. tenha trabalhado no ano de 1997 para além do seu horário de trabalho, nos termos aí indicados, o que se questiona é se as escalas de serviço que serviram de fundamento para dar como provado que o A. prestou tal trabalho suplementar revestem a idoneidade exigida pelo art.º 38.º, n° 2, para prova da existência de tal crédito, vencido há mais de 5 anos. 20.ª - Este prazo de 5 anos, como entende a generalidade da doutrina e é jurisprudência pacifica, (vide entre outros os acórdãos citados Ac. Rel. Lisboa de 23/3/2006, in C. J. ano 2006 Tomo II, a fls. 144), não é um prazo prescricional, como se dizia na sentença, mas um especial regime probatório, pois estes créditos dada a sua antiguidade "só podem ser invocados mediante prova particularmente segura" (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª Edição a fls. 484). 21.ª - As ditas escalas de serviço, juntas pelo A., não preenchem este requisitos, não provieram da R., que nem sequer está identificada nas mesmas, foram por esta sempre impugnadas, pelo que não podem determinar o reconhecimento dos créditos em causa, devendo, portanto, ser revogada a sentença quanto à condenação da R. no pedido relativo aos créditos de 1997, ao contrário do decidido no mui douto Acórdão da Relação sob recurso. 22.ª - A recorrente foi condenada em juros de mora à taxa legal desde o vencimento até integral pagamento. Acontece, porém, que os créditos do A. são ilíquidos, sendo condenada em quantias a liquidar em execução de sentença, pelo que, de acordo, com o disposto no art.º 805.º, n.º 3, do C. Civil, só são devidos a partir da liquidação da dívida. 23.ª - O acórdão recorrido violou o disposto no n.° 2 do art.º 653.°, n.° 2 do 659.° e 712.° do CPC, n.° 2 do art.º 38.° da LCT e art.os 374.°, n.° 2 do 376.° e n.° 3 do 805.° do Código Civil. A recorrente termina pedindo a sua absolvição do pagamento do crédito por trabalho suplementar alegadamente prestado pelo autor no ano de 1997, por se encontrar prescrito, dando-se ainda como recebidas as quantias de 351.070$00 no ano de 1998 e a de 540.728$00 no ano de 2000, ordenando-se a anulação e repetição do julgamento se tal for necessário. O autor contra-alegou defendendo a confirmação do julgado e, neste Supremo tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se pelo deferimento parcial da revista, em “parecer” a que as partes não reagiram. Corridos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir: 2. Os factos Os factos que vêm dados como provados pela Relação são os seguintes: 1. O autor (A.., de ora em diante) foi admitido ao serviço da ré (R., de ora em diante) em 01.MAI.97, mediante contrato sem termo para, sob as suas ordens e direcção, prestar serviço de vigilância nos seus clientes, em locais e com horário pré-estabelecido pela R., mediante retribuição. 2. A execução do trabalho do A. decorre normalmente em turnos variáveis, sendo o A. obrigado, por força da obediência a escalas pré-elaboradas pelos seus superiores, a trabalhar para além do horário normal das 173 horas, em dias feriados. 3. A R. tem mais de 10 empregados ao seu serviço. 4. O trabalho prestado pelo A. para além do horário de trabalho foi executado com o conhecimento e a aceitação da ré, sendo exigido por esta. 5. No ano de 1997, o A. trabalhou, para além do seu horário de trabalho, 832 horas, 96 horas em dias de folga, 101 horas em dias de feriado e 771 horas entre as 20.00 horas e as 07.00 horas. 6. No ano de 1998, o A. trabalhou, para além do seu horário de trabalho, 515 horas e 10 minutos, 94 horas em dias de folga, 65 horas em dias de feriado e 1136 horas entre as 20.00 horas e as 07.00 horas. 7. No ano de 1999, o A. trabalhou, para além do seu horário de trabalho, 185 horas e 40 minutos, 304 horas em dias de folga, 108 horas em dias de feriado e 948 horas entre as 20.00 horas e as 07.00 horas. 8. No ano 2000, o A. trabalhou, para além do seu horário de trabalho, 559 horas e 5 minutos, 184 horas em dias de folga, 114 horas em dias de feriado e 928 horas entre as 20.00 horas e as 07.00 horas. 9. No ano de 2001, o A. trabalhou, para além do seu horário de trabalho, 260 horas, 32 horas em dias de folga, 59 horas em dias de feriado e 989 horas entre as 20.00 horas e as 07.00 horas. 10. No ano de 2002, o A. trabalhou, para além do seu horário de trabalho, 74 horas e 20 minutos, 8 horas em dias de folga, 64 horas em dias de feriado e 897 horas entre as 20.00 horas e as 07.00 horas. 11. No exercício das suas funções, o A. é obrigado a utilizar uma farda de modelo preconizado pela ré e por esta fornecida aos seus empregados. 12. O A., aquando da entrega da referida farda, prestou uma caução de Esc. 30.000$00, exigida pela R. para assegurar a restituição dessa farda quando findasse o contrato com o A. 13. A R. pagou ao A.., para pagamento do trabalho suplementar prestado pelo autor em 2001 e 2002 (pontos 9. e 10.), respectivamente, as quantias de Esc. 259.300$00 e € 465,00, sob as rubricas por si designadas de gratificações, tickets, horas extra e H.F. (horas feriado). 14. Em 1998, a remuneração mensal do A. foi de Esc. 94.750$00; em 1999 foi de Esc. 97.750$00; em 2000 foi de Esc. 100.000$00; em 2001 foi de € 518,75 e em 2002 foi de € 534,71. 15. O horário de trabalho do A., quando ao serviço da R., era o constante das escalas de serviço juntas pelo autor a fls. 39/110. 16. A R. pagou ao A. as seguintes quantias, a título de subsídio de trabalho nocturno prestado pelo autor em horário normal: - Esc. 37.012$00 correspondentes a 278 horas, de Outubro a Dezembro de 1997; - Esc. 138.193$00 correspondentes a 1.016,50 horas, em 1998; - Esc. 128.054$00 correspondentes a 908,50 horas em 1999; - Esc. 139.869$00 correspondentes a 968,00 horas, em 2000; - € 732,21 correspondentes a 979,00 horas, em 2001; - € 771,17 correspondentes a 1.001,00, em 2002. 17. Nos anos de 1999 e 2000, a título de trabalho suplementar, a R. pagou ao A., sob a rubrica de “tickets”, a quantia global de € 922,78 [ (2)]. 3. O direito Como emerge das conclusões apresentadas pela recorrente, as questões por ela suscitadas no recurso são as seguintes: - saber se o facto contido no n.º 15 deve ser dado como não provado; - saber se deve ser dado como provado que a ré pagou ao autor, para além das quantias referidas no n.º 17 dos factos, as quantias de 351.070$00 e de 540.000$00, sob a rubrica de “horas extra” e “grat”, a título de trabalho suplementar prestado, respectivamente, nos anos de 1999 e 2000; - saber se a ré deve ser absolvida do pedido no que toca ao trabalho suplementar prestado pelo autor em 1997; - saber desde quando é que são devidos os juros de mora. 3.1 Da alteração da matéria de facto (n.ºs 15 e 17) No que toca ao n.º 15 da matéria de facto, no qual se deu como provado que “[o] horário de trabalho do A., quando ao serviço da R., era o constante das escalas de serviço juntas pelo autor a fls. 39/110 ”, a ré pretende que o mesmo seja eliminado, pois, segundo ela, a convicção do M.mo Juiz assentou unicamente nas escalas de serviço que foram juntas pelo autor, a fls. 36 a 110 dos autos, documentos esses que a Relação considerou idóneos, apesar de não serem da autoria da ré e de por ela terem sido impugnados, sem que o autor tivesse feito a prova da veracidade dos mesmos, conforme lhe competia. Por sua vez, no que respeita ao n.º 17 da matéria de facto, no qual se deu como provado que “[n]os anos de 1999 e 2000, a título de trabalho suplementar, a R. pagou ao A., sob a rubrica de “tickets”, a quantia global de € 922,78”, a ré pretende que nele se dê também como provado que, para além daquela importância, ela pagou ainda ao autor, a título de trabalho suplementar, sob as rubricas “tickets”, “grat.” e “Horas Extra”, as quantias de 340.530$00, em 1998, de 182.755$00, em 1999 e de 540.728$00, em 2000, com fundamento nos docs. n.ºs 6 a 38 (recibos de vencimento) que por ela foram juntos com o requerimento de [fls. 265], recibos esses que se encontram assinados pelo autor e que por este não foram impugnados, fazendo, por isso, prova das declarações neles contidas (art.º 376.º, n.os 1 e 2, do C.C.). Passando a conhecer das referidas questões, importa começar por dizer que os poderes do Supremo relativamente à matéria de facto fixada nas instâncias são muito restritos, quando funciona como tribunal de revista. Efectivamente, como decorre do disposto nos art.os 722.º, n.º 2 e 729.º, n.os 1 e 2, do CPC, “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (art.º 722.º, n.º 2), “[a]os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado” (art.º 729.º, n.º 1) e “[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º” (art.º 729.º, n.º 2). Nos termos das disposições referidas, o Supremo, funcionando como tribunal de revista, limita-se, em regra, a aplicar o direito e não pode sindicar a decisão que foi proferida nas instâncias sobre a matéria de facto, ou seja, não pode apreciar se as instâncias decidiram bem ou mal ao dar determinado facto como provado ou como não provado, isto é, não pode sindicar a convicção que o tribunal recorrido formou acerca da existência ou inexistência de determinado facto. Mas já pode sindicar se, na formação da sua convicção, o tribunal recorrido respeitou, ou não, os preceitos legais atinentes, pois, neste caso, o que estará em causa já não será uma questão de facto, mas sim uma questão de direito. A regra de que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada pelo Supremo comporta, todavia, a excepção prevista na segunda parte do n.º 2 do art.º 722.º, que permite ao Supremo alterar a referida decisão quando essa decisão tiver violado disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. É o que acontece, por exemplo, se o tribunal recorrido der como provado determinado facto que, por força de disposição expressa da lei só pode ser provado por documento escrito, sem que o respectivo documento esteja junto aos autos. Fora daquela situação excepcional, que no fundo se reduz a uma questão de direito (de direito material probatório), o Supremo nada pode fazer relativamente aos factos que o tribunal recorrido deu como provados. Quando muito, poderá, lançando mão do poder que lhe é conferido no n.º 3 do art.º 729.º, ordenar a devolução do processo ao tribunal recorrido, quando entender que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou quando entender que aquela decisão sofre de contradições que inviabilizam a decisão jurídica do pleito. E, sendo assim, a decisão da Relação, relativamente ao n.º 15 da matéria de facto, só poderia ser sindicada pelo Supremo, se, por força de norma expressa da lei, a existência do horário de trabalho do trabalhador só pudesse ser feita por certa espécie de prova. Uma vez que o nosso ordenamento jurídico não contém qualquer norma nesse sentido, o horário de trabalho do autor podia ser provado através de qualquer meio de prova, uma vez que no nosso direito vigora a regra da livre admissibilidade dos meios de prova (art.º 655.º do CPC), nada obstando, portanto, a que as instâncias dessem como provado o facto contido no n.º 15, quer com base na prova testemunhal produzida nos autos, quer com base nas escalas de serviço para que o mesmo remete, quer com base nestes dois meios de prova. Deste modo, ainda que se entendesse, como diz a ré, que o M.mo Juiz formou a sua convicção, relativamente ao aludido facto, apenas com base nas referidas escalas de serviço (o que não corresponde minimamente à verdade, uma vez que, na fundamentação da matéria de facto, o M.mo Juiz diz claramente que a matéria de facto assente resultou do depoimento prestado em audiência de julgamentos pelas testemunhas CC, DD, EE, BB e FF e, instrumentalmente, dos documentos juntos aos autos), a verdade é que daí não resultava a violação de qualquer norma do direito material probatório, o que significa que o caso não é subsumível na situação excepcional prevista na segunda parte do n.º 2 do art.º 722.º, não podendo, por isso, o Supremo ajuizar da bondade da decisão da Relação de manter o n.º 15 no elenco da factualidade dada como provada. No que toca ao n.º 17 da matéria de facto, a situação já é subsumível ao disposto na segunda parte do n.º 2 do art.º 722.º, uma vez que a pretensão formulada pela ré assenta em documentos que, segundo ela, fazem prova plena do pagamento ao autor das quantias por ela alegadas. Tais documentos são os recibos de vencimento de fls. 272 a 305 inclusive (que correspondem aos documentos com os n.ºs 6 a 38 que ela juntou com o requerimento de fls. 265-266). Os documentos em causa estão efectivamente assinados pelo autor e não foram objecto de impugnação pelo mesmo. Na verdade, notificado da junção dos documentos anexos ao dito requerimento, o autor limitou-se a dizer que os docs. sob os n.ºs 1, 2, 57 a 63 apenas indiciavam que ele pediu que a ré lhe pagasse as horas suplementares em tickets, mas não comprovavam que ele tivesse recebido essas horas e no seu justo valor, que o teor dos docs. n.ºs 62 e 63 indiciava que os feriados também eram remunerados e que “[o]s restantes documentos respeitam a recibos de retribuição pagos pela ré, parte dos quais o autor só agora tem a possibilidade de examinar, visto a ré não lhe permitir que ficasse com cópia”. É óbvio que o autor não impugnou a autoria nem o teor das declarações emitidas nos documentos com os n.ºs 6 a 38 e, por essa razão, os ditos documentos fazem prova plena quanto às declarações nele atribuídas ao seu autor (uma vez que não foram arguidos de falsos) e os factos compreendidos nessas declarações consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, por força do disposto no art.º 376.º, n.os 1 e 2, do C.C. Ora, constando dos ditos documentos que o autor recebeu as importâncias que neles são referidas, tem de se considerar plenamente provado que a ré pagou efectivamente ao autor as importâncias que deles constam e que tais importâncias foram pagas a título do que neles também é indicado: vencimento, subsídio de Natal, trabalho nocturno, “grat.”, subsídio de férias, subsídio de alimentação, H. Extras e tickets. Como já foi referido, a ré pretende que, com base nesses documentos, se dê como provado que, nos anos de 1998, 1999 e 2000, pagou ao autor a título de trabalho suplementar, respectivamente as quantias de 340.530$00, 182.755$00 e 540.728$00, sob as rubricas “tickets”, “grat.” e “horas extra”. Todavia, como é fácil de ver, a força probatória dos documentos em causa não vai tão longe, isto é, não prova que as quantias pagas sob aquelas rubricas tivessem como objectivo o pagamento do trabalho suplementar. É certo que, na contestação, a ré alegou que tinha pago ao autor 340.530$00 em 1998, 182.755$00 em 1999, 540.728$00 em 2000, 259.300$00 em 2000 e € 465,00 em 2002, para pagamento do trabalho suplementar e acréscimos legais, do acréscimo legal pelo trabalho prestado em dias feriados e pelo descanso compensatório (art.º 25.º da contestação) e alegou que aquelas quantias foram pagas sob as rubricas “gratificações”, “tickets”, “horas extra” e “H.F.” (horas feriados) e que se destinavam ao pagamento efectivo de tudo aquilo a que o autor tinha direito aos títulos referidos. E também é verdade que, no art.º 20.º do requerimento de fls. 265-266, a ré alegou que, sem prejuízo dos factos provados no julgamento anterior, tinha pago ao autor 351.070$00 em 1998, 182.755$00 em 1999 e 540.337$00 em 2000, que tais quantias eram referentes ao trabalho suplementar, acréscimos legais e descanso compensatório. que as mesmas tinham sido pagas sob as rubricas “tickets”, “grat” e “Horas Extra” e que aí fez uma remissão para os docs. n.ºs 6 a 38 que anexou àquele requerimento (3). Acontece, porém, que na resposta à contestação, o autor já tinha impugnado expressamente o assim alegado pela ré, negando ter recebido da ré qualquer importância a título de descanso compensatório, afirmando que “não é verdade ou inteiramente verdadeiro o que a ré afirma no art.º 26.º [da contestação], sendo certo que recebeu gratificações e tickets, mas que tanto quanto sabe, as primeiras destinavam-se a retribuir o trabalho feito em férias e os segundos ao pagamento do subsídio de refeição. E, sendo assim, falece a pretendida admissão dos aludidos factos por acordo. E, como do que atrás fica dito decorre, também não há fundamento legal para efectuar qualquer censura ao decidido pela Relação no âmbito dos poderes que lhe são conferidos pelo art.º 712.º, nem para ordenar a repetição do julgamento, ao abrigo do disposto no art.º 729.º, n.º 3, do CPC, como a ré parece pretender (conclusões 15.º, 16.º e 17.ª). De facto, não tendo a prova testemunhal sido objecto de gravação e não havendo nos autos meios de prova com força probatória suficiente que, por si sós, permitissem que a Relação fosse mais longe do que aquilo que foi (recorde-se que a Relação aditou à matéria de facto o n.º 17, com base na confissão feita pelo autor no depoimento de parte, a fls. 417), não podemos deixar de concluir que não houve qualquer violação, por parte da Relação, do disposto no art.º 712.º do CPC. 3.2 Dos créditos por trabalho suplementar prestado no ano de 1997 Na decisão recorrida, confirmando, aliás, o que a esse respeito tinha sido decidido na 1.ª instância, a ré foi condenada a pagar ao autor “a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença relativamente ao trabalho suplementar prestado no ano de 1997 (incluindo o prestado em dias de descanso semanal e dias feriados e o trabalho nocturno prestado no mesmo lapso de tempo, incluindo a média de trabalho nocturno a considerar no cálculo dos subsídios de férias e de Natal)”. A ré discorda de tal decisão, por entender que os créditos referentes ao trabalho suplementar prestado em 1997, estando vencidos há mais de cinco anos, quando a acção foi proposta, só podiam ser provados por documento idóneo, face ao disposto no art.º 38.º, n.º 2, da LCT, e por entender que as escalas de serviço que serviram de fundamento para dar como provado que o autor prestou o aludido trabalho suplementar não revestem a idoneidade exigida no n.º 2 do citado art.º 38.º, ao contrário do que foi decidido no acórdão da Relação. Importa referir que no recurso de apelação, a ré já tinha suscitado a idoneidade das escalas de serviço apresentadas pelo autor para provar a prestação do referido trabalho suplementar e pediu que a sentença fosse revogada nessa parte, sem, todavia, ter impugnado expressamente o ponto n.º 5 da matéria de facto. A Relação, porém, interpretou a alegação da ré como uma forma indirecta de atacar o n.º 5 dos factos e considerou que as escalas de serviço, apesar de terem sido impugnadas pela ré, constituíam documentos idóneos para provar a prestação do dito trabalho suplementar, “já que deles consta o nome do A., as horas de início e termo da prestação laboral, o ano, mês e dia e a indicação de que se tratava de trabalho por turnos”. No recurso de revista, a ré volta a não impugnar directamente os factos contidos no n.º 5, mas insiste na falta de idoneidade das escalas de serviço. Com efeito, diz a ré, “[n]ão se põe em causa o ponto 5, isto é, que o A. tenha trabalhado no ano de 1997 para além do seu horário de trabalho, nos termos aí indicados, o que se questiona é se as “escalas de serviço” que serviram de fundamento para dar como provado que o A. prestou tal trabalho suplementar revestem a idoneidade exigida pelo art.º 38.º, n.º 2, para prova da existência de tal crédito, vencido há mais de 5 anos”. E mais adiante acrescenta que “[o] disposto nesta norma legal, reproduzida no art.º 381.º do novo Código do Trabalho, respeita ao meio de prova referido ao crédito e não à ocorrência dos factos que lhe dão origem”. Perante o teor de tal alegação, poder-se-ia questionar se a ré pretende realmente impugnar o teor do n.º 5 ou se admite que o mesmo seja mantido. De facto, afirmando ela peremptoriamente que não põe em causa o ponto n.º 5, ou seja, que o autor tenha prestado o trabalho suplementar aí referido, não faz grande sentido alegar que as escalas de serviço não constituem documento idóneo para provar a existência do mencionado trabalho suplementar. Tal alegação enfermaria de uma clara contradição. Trata-se, porém, de uma contradição aparente, uma vez que a ré acaba por pedir a revogação, nessa parte, do acórdão e a sua consequente absolvição no que toca ao trabalho suplementar prestado pelo autor no ano de 1997, absolvição esta que tem de ter como pressuposto a eliminação do n.º 5 da matéria de facto. Por isso, ao alegar que não põe em causa o teor do n.º 5, o que a ré quis dizer foi que admite a prestação, por parte do autor, do trabalho suplementar em causa, mas que tal prestação não pode ser considerada por não ter sido provada por documento idóneo. E, sendo assim, como entendemos que é, há que apreciar se o facto em questão podia ser dado efectivamente como provado com base nas escalas de serviço que tem vindo a ser referidas, mais propriamente com base nas escalas de serviço referentes ao ano de 1997, que se encontram juntas a fls. 38 a 47 dos autos, sendo certo o Supremo tem competência para conhecer desta questão, uma vez que a mesma é subsumível ao disposto na segunda parte do n.º 2 do art.º 722.º do CPC, tal como já foi decidido por este tribunal nos acórdãos de 2.6.99 e de 25.1.2000, ambos proferidos no processo n.º 94/99, da 4.ª Secção (4). Nos termos do art.º 38.º, n.º 1, da LCT (5), ao caso aplicável, atenta a data dos factos em apreço (1997), “[t]odos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, sem prejuízo do disposto na lei geral acerca dos créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais”. Por sua vez, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, “[o]s créditos resultantes de indemnização por falta de férias, pela aplicação de sanções abusivas e pela realização de trabalho extraordinário, vencidos há mais de cinco anos, só podem, todavia, ser provados por documento idóneo”. Como resulta do referido normativo, o disposto no seu n.º 1 refere-se à prescrição dos créditos emergentes do contrato individual de trabalho, mas o disposto no seu n.º 2 já nada tem a ver com a prescrição, pois o que nele se estabelece é tão somente um regime especial de prova relativamente a créditos de determinada natureza, quando o seu vencimento tiver ocorrido há mais de cinco anos. E a exigência desse regime especial de prova decorre precisamente do regime, também ele especial, a que estão sujeitos os créditos laborais, uma vez que a prescrição, ao contrário do que acontece com o regime geral contido no Código Civil (art.º 306.º, n.º 1), não começa a correr quando o direito puder ser exercido, mas apenas no dia seguinte à cessação do contrato, por razões que se prendem com a situação de subordinação económica em que o trabalhador se encontra na pendência do contrato e com o natural constrangimento que daí resulta em intentar uma acção judicial contra o empregador. Na verdade, aquele regime de prescrição permite a reclamação de créditos vencidos já há muito, com os problemas de prova que o decurso do tempo acarreta. Daí que o legislador tenha estabelecido um regime especial de prova para determinados créditos, quando vencidos há mais de cinco anos (6) (relativamente, naturalmente, ao momento em que são reclamados – art.º 323.º do C.C.), não em relação a todos os créditos, mas tão somente em relação a créditos que não têm grande impacto na situação económica do trabalhador: indemnização por falta de férias, pela aplicação de sanções abusivas e pela realização de trabalho extraordinário. Tais créditos extinguir-se-ão por prescrição, tal como os demais, decorrido que seja um ano a contar do dia seguinte ao da cessação do contrato, devendo entender-se como tal a cessação da relação factual que é inerente ao contrato e não a cessação jurídica deste (7) , mas, não estando prescritos, a sua existência, se vencidos há mais de cinco anos, só pode ser provada por documento idóneo A lei não diz o que deve entender-se por documento idóneo, mas a doutrina e a jurisprudência têm afirmado que terá de ser “um documento escrito que demonstre a existência dos factos constitutivos do crédito” (8), que deverá ter origem na própria entidade empregadora e que seja suficientemente elucidativo, de molde e dispensar a sua integração ou dilucidação através de outros meios de probatórios, designadamente testemunhas, pois, de contrário, já não seria o documento que constituiria o meio idóneo de prova a que alude o n.º 2 do art.º 38.º da LCT (9). Ora, tendo presentes as escalas de serviço que se encontram juntas aos autos facilmente se constata que tais documentos não preenchem os referidos requisitos de idoneidade, uma vez que se trata de documentos apócrifos que o autor juntou, mas cuja autoria não imputou à ré e que por esta foram impugnados, com anotações que aparentemente são da autoria do autor, por dizerem respeito à sua pessoa. Deste modo, os referidos documentos não constituem prova bastante para dar como provados os factos contidos no n.º 5 da matéria de facto, sendo certo que nos autos também não existe qualquer outro documento com idoneidade para tal, o que implica que o n.º 5 da matéria de facto seja eliminado, com a consequente absolvição da ré do pedido no que toca aos créditos reclamados pelo autor a título de trabalho suplementar prestado no ano de 1997. 3.3 Dos juros de mora Na sentença da 1.ª instância, a ré foi condenada a pagar juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias nela referidas, contados desde a data do respectivo vencimento. No recurso de apelação, a ré impugnou tal decisão, alegando que os créditos são ilíquidos e que, por isso, só são devidos a partir da liquidação, nos termos do n.º 3 do art.º 805.º, do C.C. A Relação negou provimento a tal pretensão, com o fundamento de que se trata de prestações que configuram obrigações de prazo certo, sendo, por isso, os juros devidos desde a data do respectivo vencimento, nos termos dos artigos 570.º, n.º 1, 804.º, n.º 1, 805.º, n.º 2, al. a) e 806, n.os 1 e 2, do Código Civil. No recurso de revista, a ré repete o argumento aduzido no anterior recurso e pede que os juros sejam contados apenas a partir da liquidação, ou, se assim não se entender, a partir da citação. Não tem razão a ré. Com efeito, nos termos do n.º 1 do art.º 805.º do C.C., o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. Todavia, nos termos do n.º 2, al. a), do mesmo artigo, há mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo. Neste caso, o devedor fica constituído em mora a partir da data em que a obrigação devia ter sido cumprida. As retribuições laborais são obrigações de prazo certo (art.º 93.º, n.º 1, da LCT) e, por via disso, a entidade patronal fica constituída em mora se o trabalhador, por facto que lhe não seja imputável, não puder dispor do montante da retribuição, em dinheiro, na data do vencimento, diz o art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 69/85, de 18/3. É certo que, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido (primeira parte do n.º 3 do art.º 805.º do C.C.), mas também é verdade que isso só acontece quando a falta de liquidez não for imputável ao devedor (segunda parte do n.º 3 do art.º 805.º). Ora, no caso em apreço e atenta a natureza das retribuições que ao autor são devidas, não há dúvida de que a ré dispunha de todos os elementos necessários para proceder à liquidação dos respectivos créditos, não sendo, por isso, imputável ao autor a eventual iliquidez dos mesmos. 4. Decisão Nos termos expostos, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso e revogar a decisão recorrida na parte em que condenou a ré a pagar ao autor “a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença relativamente ao trabalho suplementar prestado no ano de 1997 (incluindo o prestado em dias de descanso semanal e dias feriados e o trabalho nocturno prestado no mesmo lapso de tempo, incluindo a média de trabalho nocturno a considerar no cálculo dos subsídios de férias e de Natal)”, mantendo-se na parte restante. Custas pelas partes na proporção do respectivo decaimento, nas instâncias e no Supremo. Lisboa, 19 de Dezembro de 2007 Sousa Peixoto (Relator) Sousa Grandão Pinto Hespanhol -------------------------------------------------------------------------------------- (1) - Relator: Sousa Peixoto (R.º 228); Adjuntos: Sousa Grandão e Pinto Hespanhol. (2) - Este facto foi aditado pela Relação. (3) - Anote-se que o requerimento em causa constitui uma resposta a um requerimento apresentado pelo autor, a convite do M.mo Juiz, com vista à ampliação da matéria de facto ordenada pela Relação no seu primeiro acórdão. (4) - De que foi relator o conselheiro Almeida Devesa. (5) - Forma abreviada de designar o regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969. (6) - O prazo de cinco anos tem certamente a ver com o disposto no art.º 310.º do C.C. que fixa em cinco anos o prazo de prescrição para uma série de créditos, entre os quais figuram as prestações periodicamente renováveis. (7) - Neste sentido, vide A. Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 12.ª ed., p. 481) e Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, Abril 2002, p. 558, e o ac. STJ de 18.1.2005, proc. 923/04, da 4.ª Secção. (8) - Monteiro Fernandes, ob. cit., p. 482 e B. Lobo Xavier por ele citado em nota. (9) - Abílio Neto, Contrato de Trabalho – Notas Práticas, 13.ª ed., p. 196. |