Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4048/22.6T8GMR.G1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL
DESPEDIMENTO
EXTINÇÃO DE POSTO DE TRABALHO
Data do Acordão: 07/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL
Sumário :
É claramente necessária para uma melhor aplicação do direito a resposta à questão de saber se, por um lado, é suficiente que algumas das funções desempenhadas pela Autora sejam transferidas para um órgão da entidade empregadora e, por outro, se mencionando a decisão de despedimento que havia outra trabalhadora com um posto de trabalho de conteúdo funcional idêntico e qual o critério de seleção do trabalhador a despedir, pode o Tribunal, caso o referido critério não conduza à seleção da Autora, concluir que o posto de trabalho da outra trabalhadora não tinha um conteúdo funcional idêntico.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 4048/22.6T8GMR.G1.S1

Acordam na Formação prevista pelo artigo 672.º n.º 3 junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

AA, Autora da presente ação declarativa, com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, em que é Ré a Sociedade Musical de ..., veio interpor recurso de revista excecional do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil (doravante designado de CPC).

No seu recurso, para além da questão de determinar qual a consequência de a compensação por despedimento por extinção do posto de trabalho não ter sido paga na íntegra – questão excluída do objeto da presente revista por despacho do Relator por se tratar de questão nova que só foi colocada pela primeira vez na apelação – coloca a questão de saber se o seu posto de trabalho se deve considerar extinto na sequência da reorganização da Ré.

Com efeito, a Autora que tem a categoria profissional de chefe dos serviços administrativos (facto C) viu uma parte das suas funções ser transferida para a Comissão Permanente nomeada pela Direção (facto T: “um conjunto de funções que eram até então desempenhadas pela autora passaram diretamente para a esfera daquele órgão”). A Autora questiona se isso será suficiente para a extinção do posto de trabalho, tanto mais que na comunicação da decisão de despedimento se mencionou que “os serviços administrativos têm atualmente a desempenhar funções 3 (três) trabalhadores” (facto AB) e, posteriormente, “a ré enviou à autora a carta de decisão do despedimento, na qual, sob a epígrafe “critérios de seleção”, menciona-se que “os serviços administrativos de ... têm atualmente a desempenhar funções 2 (dois) trabalhadores: V.Exa. e a Dra. BB” (facto AC), tendo-se dito que a seleção da Autora resultaria de a Colega BB ser licenciada, o que não se logrou provar no presente processo.

Foram dados como provados nas instâncias os seguintes factos:

“A.

A ré é uma associação sem fins lucrativos que se dedica à promoção de atividades culturais e ao ensino musical.

B.

A autora foi admitida ao serviço da ré, mediante contrato de trabalho, em novembro de 1995, a tempo parcial e, pelo menos a partir de abril de 1996, a tempo inteiro, para exercer, como exerceu, as funções de funcionária administrativa nas instalações de ....

C.

A autora tem a categoria profissional de ... dos serviços administrativos da ré, funções que exercia, auferindo a retribuição base mensal de 1.210,00 € (mil duzentos e dez euros).

D.

Em 15.07.2022, a ré procedeu ao despedimento por extinção do posto de trabalho da autora.

E.

A ré, por carta datada de 21.02.2022, comunicou à autora, a intenção de proceder ao seu despedimento por extinção do posto de trabalho, ao abrigo do disposto nos artigos 367.º e ss. do Código do Trabalho.

F.

A autora, devidamente notificada, respondeu à ré, por carta datada de 18.03.2022, opondo-se aos fundamentos do despedimento, e requereu a intervenção da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), nos termos do disposto no artigo 370.º, n.º 2 do C.T., para emitir relatório/ parecer.

G.

A ACT emitiu o relatório solicitado pela autora, tendo concluído estarem preenchidos os pressupostos legais e procedimentais para levar a cabo o despedimento por extinção do posto de trabalho da autora.

H.

Entretanto, por comunicação datada de 27.04.2022 e rececionada no dia 04.05.2022, foi a autora notificada do seu despedimento por extinção do posto de trabalho.

I.

A ré fez cessar, por mútuo acordo, durante os anos 2021 e 2022, pelo menos cinco contratos de trabalho.

J.

Também tentou negociar com a autora a cessação do seu contrato de trabalho por mútuo acordo, mas aquela nunca mostrou abertura para tal.

K.

A autora era funcionária dos serviços administrativos da ré localizados na cidade de ....

L.

E a ré fez cessar o contrato de trabalho da autora recorrendo à modalidade de despedimento por extinção do posto de trabalho.

M.

A extinção do posto de trabalho da autora fundamentou-se em motivos de mercado, estruturais e tecnológicos.

N.

Eliminado pelo Tribunal da Relação.

O. No ano civil de 2020 a ré teve um resultado económico negativo de cerca de € 29.000,00.

P.

Na pandemia de covid-19 os serviços administrativos da ré encerraram temporariamente, com recurso ao teletrabalho,

Q.

Eliminado pelo Tribunal da Relação.

R.

Ocorreu a alteração/ diminuição do horário de atendimento da secretaria que era das 08h00 às 20h30 e que, desde setembro de 2021, passou a ser apenas das 09h00 às 17h30.

S.

Ocorreu a deslocação física dos serviços administrativos da ré para novas instalações no “Teatro ...”.

T.

A Comissão Permanente nomeada pela Direção assumiu a chefia direta do pessoal administrativo desde julho de 2021, sendo que um conjunto de funções que eram até então desempenhadas pela autora passaram diretamente para a esfera daquele órgão.

U.

Os serviços administrativos da ré, em ..., tinham, na altura do despedimento da autora, a desempenhar funções a autora, BB e CC.

V.

A ré não tem instituído qualquer sistema de avaliação.

W.

A autora tem o 12.º ano de escolaridade e a BB exerce funções de técnica superior.

X.

O despedimento foi comunicado à autora, por escrito, em 27.04.2022 e concretizou-se no dia 15.07.2022.

Y.

No dia 15.07.2022, a ré pagou à autora, através de transferência bancária, a quantia líquida de 20.764,19 € (vinte mil setecentos e sessenta e quatro euros e dezanove cêntimos).

Z.

Deste valor, 17.645,83 € (dezassete mil seiscentos e quarenta e cinco euros e oitenta e três cêntimos) foi imputado pela ré à compensação por despedimento calculada nos termos do disposto no artigo 366.º do C.T. (por remissão do artigo 372.º do C.T.).

AA.

O remanescente, no valor de 3.118,36 € (três mil cento e dezoito euros e trinta e seis cêntimos), foi imputado pela ré a créditos salariais vencidos e exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho naquela data (retribuições, férias, subsídio de férias, subsídio de Natal e proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal).

AB.

Na carta identificada em E., referiu-se que “os serviços administrativos têm atualmente a desempenhar funções 3 (três) trabalhadores”.

AC.

Seguidamente, a ré enviou à autora a carta de decisão do despedimento, na qual, sob a epígrafe “critérios de seleção”, menciona-se que “os serviços administrativos de ... têm atualmente a desempenhar funções 2 (dois) trabalhadores: V.Exa. e a Dra. BB”.

AD.

Seguidamente, enunciam-se os critérios de seleção do n.º 2 do artigo 368.º do Código de Trabalho, e conclui-se que, não existindo sistema de avaliação, se opta pela extinção do posto de trabalho da autora, em virtude de “a funcionária BB ser licenciada” e a autora ter apenas o 12.º ano de escolaridade, aplicando-se assim a alínea b) do n.º 2 do citado artigo.

AE.

A trabalhadora CC tem como habilitações o 12.º ano.

AF.

Em julho de 2022 CC auferia um salário base de 1 439,50€ mensais.

AG.

De janeiro a novembro de 2021 CC auferiu uma comissão de serviço.

AH.

Pelo menos até 2020 os diretores da ré auferiram remunerações.

AI.

A ré aplica aos filhos dos elementos da Direção, órgãos sociais e funcionários, descontos de 50% no valor da propina mensal.

AJ.

Há sócios a quem não é cobrada a quota anual.

AK.

A ré assegura a prestação de serviços e promoção de espetáculos e outras manifestações culturais.

AL.

A ré celebrou e tem em vigor com o Ministério da Educação (DGeste), e com a Câmara Municipal de ..., a Câmara Municipal de ... ou a Universidade do ..., protocolos que lhe aportam, anualmente, receitas, designadamente mediante a prestação de serviços.

AM.

O contrato de patrocínio assinado com a DGeste em agosto de 2020 significa um apoio financeiro para a ré do montante de € 2.193.440,00 (dois milhões, cento e noventa e três mil, quatrocentos e quarenta euros), a pagar até ao ano letivo de 2025/2026.

AN.

O Estado financia os alunos da ré.

AO.

A ré admitiu auxiliares e professores.

AP.

Antes da pandemia de Covid-19 a gestão informatizada de alunos, tesouraria e faturação existia através da plataforma MUSA, implantada há vários anos e que continua em serviço.

AQ.

A parte da contabilidade é realizada por uma empresa externa a quem a ré paga mensalmente uma avença para o efeito.

AR.

A “Comissão Permanente” está prevista no “Regulamento do Conservatório de ...”.

AS.

O “Conservatório de ...” organiza os aspetos académicos relacionados com a lecionação de aulas de música da ré.

AT.

No artigo 2.º do regulamento referido em AR. consta:

«Artigo 2º - Documentos orientadores

São instrumentos de autonomia especificados nos estatutos das escolas do ensino particular e cooperativo, os seguintes documentos:

1. Âmbito Pedagógico:

a. Projeto Educativo;

b. Regulamento Interno;

c. Regimentos Internos;

d. Plano Anual de Atividades;

e. Relatório Anual de Atividades;

f. Projeto Curricular de Escola;

g. Regulamento de Avaliação de Desempenho Docente;

h. Código de Boa Conduta para a Prevenção e Combate ao

Assédio no Trabalho;

2. Âmbito Administrativo

a. Relatório Anual de Atividades;

b. Conta de Gerência;

c. Orçamento;»

AU.

No artigo 7.º do regulamento, refere-se o seguinte:

«Artigo 7º - Direção do Conservatório

1. A direção do Conservatório, a cargo da Sociedade Musical de ... é o órgão de gestão para as áreas de pessoal, administração, gestão, finanças, do património e de representação.

2. A direção da Sociedade Musical de ... nomeará uma comissão permanente com o intuito de operacionalizar a gestão corrente do Conservatório.»

AW.

Resulta do artigo 18.º do mesmo regulamento:

«Artigo 18º - Serviços Administrativos /Tesouraria e restante Corpo Não Docente

1. Aos serviços administrativos/Tesouraria, compete:

a. Organizar e cumprir todos os atos administrativos e contabilísticos necessários ao bom funcionamento do Conservatório dentro dos prazos legais;

b. Informar a Direção Pedagógica de todos os atos administrativos e contabilísticos realizados;

c. Preparar atempadamente todo o material necessário ao normal funcionamento dos diferentes órgãos de administração e gestão do Conservatório;

d. Dever de sigilo profissional;

e. Organizar e regular a distribuição de salas de acordo com o regulamento proposto pela direção pedagógica que se encontra em anexo;

f. Zelar pelo cumprimento dos horários dos docentes.

3. O horário de funcionamento é definido pela Direção Pedagógica em articulação com a Direção da Sociedade Musical de ..., atendendo às necessidades da Comunidade Escolar e encontra-se afixado no átrio da secretaria.»

AX.

No artigo 58.º do mesmo regulamento resulta que:

«Artigo 58º - Deveres do Pessoal não Docente

Os deveres do pessoal não docente são:

a. Colaborar no acompanhamento e integração dos alunos na comunidade educativa, em articulação com os docentes, pais e encarregados de educação.

b. Ser assíduo e pontual.

c. Cumprir, com esmero e sentido de responsabilidade as tarefas que lhe forem atribuídas mantendo-se disponível sempre que necessário para outras.

d. Aceitar as determinações da Direção Pedagógica e respeitar as instruções dos professores.

e. Respeitar e manter boas relações com os alunos, professores, colegas, Encarregados de Educação e comunidade educativa em geral.

f. Tratar os alunos com a máxima correção, não excluindo a firmeza, quando necessário.

g. Impedir a presença, na Escola, de pessoas estranhas à comunidade educativa.

h. Não se ausentar do sector que lhe está destinado, a não ser em caso de emergência ou quando solicitado por um professor para cumprimento duma tarefa de índole escolar.

i. Colaborar para que haja ordem, disciplina, limpeza e asseio no estabelecimento de ensino.

j. Providenciar no sentido de todas as salas estarem apetrechadas com o material necessário ao normal funcionamento das aulas ou outro material que seja solicitado pelos professores.

k. Comunicar à Direção Pedagógica, as faltas dos professores.»

AY.

No artigo 6.º do Regulamento consta o organograma do Conservatório, no qual os serviços administrativos/tesouraria e restante pessoal não docente aparecem como reportando à Comissão Permanente.

AZ.

O 1.º Secretário da Direção da ré e membro da “Comissão Permanente” DD, é funcionário da empresa “A..., S.A.”, prestou serviços à ré, como trabalhador independente, tendo sido remunerado.

BA.

O tesoureiro e membro da Comissão Permanente EE, igualmente funcionário da empresa “A..., S.A.” - recebeu da ré quantia não apurada a título de “trabalho independente”, por serviços prestados.

BB.

A funcionária BB vive maritalmente com um dos membros da Direção e da Comissão Permanente – DD -, de quem tem dois filhos.

BC.

A sogra do tesoureiro da instituição, EE, foi admitida ao serviço da ré, para um lugar de auxiliar.

BD.

A autora procedeu à devolução da quantia total de 20.764,19€ que lhe foi transferida na data de cessação do contrato.

BE.

A autora esteve de baixa médica prolongada por doença do foro psicológico entre março de 2021 e o dia 29 de dezembro de 2021.

BF.

Os motivos da doença da autora eram conhecidos da ré.

BG.

Por e-mail enviado no dia 29 de dezembro de 2021, às 13:07h, a autora comunicou à ré o seu regresso ao serviço no dia imediatamente seguinte, 30 de dezembro de 2021, enviando cópia da declaração médica e, devido à situação epidemiológica que então se atravessava, solicitou instruções de modo a saber qual o seu local de trabalho ou se iria ser abrangida pelo teletrabalho.

BH.

Às 22:37h do mesmo dia, a autora recebeu uma comunicação via e-mail da ré a informá-la de que a 30 e 31 havia tolerância de ponto e que os serviços se encontravam encerrados, mais lhe dizendo que oportunamente lhe seria “comunicada os moldes de funcionamento dos serviços para o período subsequente”.

BI.

No dia 1 de janeiro de 2022, às 23:21h, a ré enviou à autora um e-mail sugerindo o gozo de um período de férias entre o dia 3 e o dia 8 de janeiro, com o argumento de que se reportavam ao ano anterior e teriam de ser gozadas até 30 de abril e que não estavam a decorrer atividades letivas nesse período.

BJ.

A autora não aceitou a sugestão, sugerindo a realização de teletrabalho nos termos regulamentares então em vigor, solicitando instruções de trabalho para o referido Período, mediante e-mail enviado no dia 02-01-2022, às 01h27.

BK.

No dia 2 de janeiro de 2022, às 22:41h, a ré comunicou à autora que “registava a sua posição” e remeteu-lhe como instrução de trabalho para a semana de 3 a 7 a “pesquisa online de todas as referências e conteúdos relativos à atividade da instituição, por ordem cronológica decrescente, organizada mensalmente por ano civil”, devendo os documentos ser guardados em Pdf e catalogados em Excel (com data, link, órgão de publicação, etc.), justificando aquela tarefa com a alegada “elaboração de um portefólio digital, revestindo-se de uma importância fundamental na instrução de candidaturas que estamos a preparar”.

BL.

A autora fez o trabalho e enviou-o por e-mail de 7 de janeiro de 2022, às 16:53.

BM.

Nesse mesmo dia foi a autora informada pela ré de que “na ausência de aceitação da nossa proposta de gozo de férias do ano 2021 e uma vez que as mesmas têm de ser obrigatoriamente gozadas até 30 de Abril (…) vimos comunicar que deverá gozá-las entre o dia 10 de Janeiro de 2022 e o dia 11 de Fevereiro de 2022, direito que nos assiste, atenta à falta de acordo (…)”.

BN.

A autora opôs-se mediante comunicação por e-mail, enviado a 07-01-2022, às 22h34, à qual juntou um parecer jurídico, mais referindo que aguardava instruções, já que continuava em vigor o regime de teletrabalho, e que, caso não as recebesse, se apresentaria ao serviço na segunda feira seguinte, 10 de janeiro.

BO.

A ré respondeu por e-mail enviado no dia 8 de janeiro às 22:01h (sábado), comunicando à autora que se manteria em teletrabalho toda a semana seguinte e fornecendo-lhe novas instruções, dizendo-lhe que “tendo em conta a sua vasta experiência, bem como o interesse demonstrado em questões do foro jurídico, vimos solicitar-lhe a compilação de toda a matéria legislativa referente ao ensino artístico especializado, desde a sua criação até aos dias de hoje, concretamente a legislação específica e as referências a esta tipologia de ensino na legislação geral”, justificando essas instruções com a alegada “futura criação de uma pasta partilhada com toda a legislação referente à atividade desenvolvida pelo Conservatório de ..., documentação essa que permitirá agilizar a tomada de decisão e pronúncia da Direção Pedagógica, assim como o expediente dos serviços administrativos”.

BP.

Ao mesmo tempo que determinava que a autora continuaria em regime de teletrabalho, a ré determinou que todos os outros trabalhadores prestassem trabalho presencial, pelo que a autora foi a única a não retomar fisicamente o seu posto de trabalho.

BQ.

No dia 8 de janeiro de 2022, pelas 22:16h, a ré dirigiu nova comunicação à autora solicitando-lhe a indicação do período em que pretendia gozar as férias de 2021, no período compreendido até 30 de abril de 2022.

BR.

A autora respondeu por e-mail de 11 de janeiro, às 19h46, indicando o período de 31 de janeiro a 11 de fevereiro, 28 de fevereiro e 4 a 22 de março.

BS.

No dia 11 de janeiro, às 17h46, a autora enviou novo e-mail à ré, mostrando o seu descontentamento e estranheza por só ela se encontrar em teletrabalho, enquanto todos os outros trabalhadores da ré e todos os serviços (incluindo os administrativos) se encontravam a funcionar em regime presencial, pelo que sentia discriminada, solicitando instruções sobre se deveria apresentar-se ao serviço presencial no dia seguinte.

BT.

Na mesma comunicação, a autora insurgiu-se contra as instruções de trabalho que lhe haviam sido dadas, mostrando o seu descontentamento por lhe ter sido impedido o acesso à plataforma MUSA – afinal, a sua ferramenta habitual de trabalho, e informou que não poderia realizá-las, em virtude de uma avaria na rede de comunicações de internet da sua área de residência, enviado comprovativo.

BU.

A ré respondeu, às 23h03, informando que a autora deveria manter-se em teletrabalho até 14 de janeiro e, unilateralmente e sem ter em conta as indicações da autora (que alegou trazerem “constrangimentos”, sem contudo referir quais em concreto…), marcou-lhe as férias para o período de 17 de janeiro a 18 de fevereiro.

BV.

Por comunicação de 14 de janeiro, às 20h52, a autora enviou novo e-mail, no qual enviou o trabalho que lhe havia sido solicitado, comunicando ainda à ré o seguinte:

“Reitero uma vez mais que este trabalho, com a amplitude e dimensão com que me são exigidas, não integra o conteúdo funcional da minha categoria profissional. Mais reitero que estas v/ solicitações se afastam completamente das minhas funções habituais, constituindo, a meu ver e em simultâneo com a v/ tentativa de afastamento físico do meu local de trabalho, uma forma de me impedir de desempenhar as funções de chefe de serviços administrativos, de que sou a única titular na Instituição. Com efeito, só assim se pode interpretar o facto de eu ser a única funcionária colocada em teletrabalho na semana que agora finda (10 a 14 de Janeiro), quando todos os outros funcionários foram autorizados a desempenhar fisicamente as suas funções nas instalações da instituição. Uma vez mais insisto que essa situação de discriminação em relação à minha pessoa não foi esclarecida por V.Exas.

Também em relação ao calendário de férias por mim sugerido, e depois de invocarem que o mesmo causaria “constrangimentos na organização do trabalho e dificuldades de compatibilidade com as férias dos restantes trabalhadores” considero que esse argumento não é válido, já que V.Exas. não concretizam em que medida e de que modo, e em relação a que trabalhadores específicos, é que existirão esses constrangimentos e incompatibilidades, acrescendo que eu sou a única funcionária da instituição com a categoria de chefe de serviços administrativos, pelo que considero não me ter sido convenientemente explicada a v/ posição.

De salientar que, apesar de me sentir negativamente discriminada, manifestei a intenção de cumprir esse calendário, com excepção de um pequeno período de 4 dias para dar apoio à minha filha, tendo sugerido essa alteração a V.Exas. No entanto, não tive até agora qualquer resposta a essa sugestão, o que não posso deixar de lamentar.

A estipulação unilateral do meu gozo de férias no período imediatamente seguinte ao período de teletrabalho que me foi imposto impede-me, uma vez mais, de ocupar fisicamente o meu posto de trabalho, pelo que não tenho qualquer dúvida, face à atitude de V.Exas., que por alguma razão pretendem impedir, por todos os meios e pelo máximo período de tempo possível, que regresse ao meu posto de trabalho e ao exercício das minhas verdadeiras funções, viola o meu direito à ocupação efectiva, o que de resto é evidenciado pelo facto de, apesar dos meus reiterados pedidos, não terem restabelecido as minhas credenciais de acesso à plataforma “Musa”.

A v/ atitude é grave e constitui um atropelo aos meus direitos enquanto trabalhadora dessa Instituição há mais de 25 anos, o que me causa ansiedade e agrava o meu estado de saúde. Sinto-me humilhada, discriminada, atingida na minha dignidade enquanto trabalhadora de uma Instituição a que dei mais de metade da minha vida, e para a qual não me deixam regressar como é de meu direito. Por causa desta situação fui forçada a consultar o meu médico assistente que me obrigou a colocar um aparelho para monitorização do meu ritmo cardíaco, tal é a situação de ansiedade, insegurança, humilhação e discriminação e expectativa em que me têm colocado.”.

BW.

A esta comunicação respondeu a ré por e-mail de 16 de janeiro, domingo, às 18:18h, recusando as acusações da autora.

BX.

A autora respondeu nos termos do documento n.º 17, junto com a contestação.

BY.

A ré, através do seu Ilustre Mandatário, propôs a celebração de um acordo de revogação do contrato de trabalho, que a autora recusou.

BZ.

A autora consultou o médico e colocou um aparelho para monitorizar o seu ritmo cardíaco, sentindo-se insegura, ansiosa, humilhada.

CA.

Terminado o prazo de 10 dias que havia concedido à ré para se retratar das insinuações da ré, a autora dirigiu-lhe nova comunicação, mostrando-lhe a sua indignação pela falta de respeito de que estava a ser alvo.

CB.

Terminadas as férias, a autora apresentou-se ao trabalho nas instalações da ré no Largo..., acompanhada de duas testemunhas, no dia 21 de fevereiro de 2022 pelas 9 horas; no entanto foi-lhe imposto o gozo de mais 7 dias de férias que ainda estavam por gozar, referentes a anos anteriores, que deveria iniciar no dia seguinte.

CC.

Nessa ocasião, foi recebida pelos responsáveis da ré, os quais lhe referiram que tinham tido uma visita inspetiva da ACT e que “estava tudo em ordem”; que tinham explicado aos Srs. Inspetores da ACT a situação da autora e que estes “tinham aconselhado a proceder à extinção do seu posto de trabalho”; que, nessa conformidade, iria receber uma carta visando essa extinção, à qual poderia responder no prazo de 15 dias; e que nesse dia poderia ficar nas instalações a desempenhar as suas funções.

CD.

A autora ficou então no seu posto de trabalho, sem password de acesso à plataforma MUSA.

CE.

Terminado o período de 7 dias de férias que lhe foi imposto, a autora regressou ao trabalho, no entanto, continuava a não lhe ser facultada a password da plataforma MUSA.

CF.

Foi-lhe fornecida a password de acesso à plataforma MUSA, no entanto, aquela que lhe forneceram era a mesma utilizada pela funcionária do polo de ..., pelo que quando ela estava a utilizar a plataforma, a autora não conseguia aceder, facto de que foi dando conhecimento à Direção da ré.

CG.

Dias depois, a ré mudou as suas instalações e todo o seu pessoal e atividades para o Teatro ..., tendo a autora permanecido nas “velhas” instalações do Largo ..., com a funcionária CC.

CH.

Todas estas situações foram comunicadas à ACT através do respetivo portal.

CI.

A autora sentiu angústia, medo e revolta; sentiu-se humilhada, desprezada e rebaixada na sua autoestima, tratada como algo descartável.

CJ.

Sentiu medo de perder o seu emprego e das consequências daí advenientes para a sua família.

CK.

A autora tem uma filha que vai ingressar na Universidade, com todos os custos que isso acarreta.

CL.

Teve dificuldade em dormir, sente-se permanentemente angustiada e ansiosa, teve de usar um aparelho para monitorizar os batimentos cardíacos, necessitou de tratamento psicológico e psiquiátrico.

CM.

A ré não proporcionou à autora qualquer formação contínua, para além de vinte horas em 2018 ou 2019.”

Factos que se deram como não provados:

“Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para decisão final deste recurso, nomeadamente:

1. A autora exerce as funções correspondentes há mais de 10 anos.

2. À CC foi aumentada exponencialmente a retribuição, tendo sido pago pela ré, no ano de 2019 = 6.503,15€; no ano de 2020 = 9.973,87€; e no ano de 2021 = 15.237,00€.

3. A ré recebe, por cada aluno de iniciação com 350,00€; do ensino básico 2.600,00€; e do secundário com 5.400,00€.

4. DD recebeu da ré, em 2020, a quantia de 500,00€, no ano de 2021 a quantia de 4.850,00€ a título de “trabalho independente”.

5. EE recebeu da ré, no ano de 2021, a quantia de 1.000,00€ a título de “trabalho independente”.

6. A autora era constantemente vigiada, quer pelas duas funcionárias da área administrativa que lhe estavam adstritas (BB e CC), quer por outros colaboradores da Instituição, que receberam ordens para a “escoltar” quando aquelas saíam (estes pediam-lhe desculpas por esse facto, mas “tinham de obedecer porque precisavam do emprego”).

7. A autora era estimada e querida de todas as pessoas que frequentavam as instalações da ré, onde prestava trabalho – professores, alunos, encarregados de educação.

8. A família da autora foi constantemente incomodada fora das horas de expediente, à noite e aos fins de semana, com mensagens enviadas pela ré.

9. No ano de 2015 a ré pagou à autora a remuneração base mensal de 883,32€, quando deveria ter-lhe pago a remuneração base de 1.400,00€.

10. No ano de 2016 a ré pagou à autora a remuneração base mensal de 1.099,76€ quando deveria ter-lhe pago a remuneração base de 1.400,00€.

11. No ano de 2017 a ré pagou à autora a remuneração base mensal de 1.123,56€, quando deveria ter-lhe pago a remuneração base de 1.400,00€.

12. No ano de 2018 a ré pagou à autora a remuneração base mensal de 1.210,00€ quando deveria ter-lhe pago a remuneração base de 1.400,00€.

13. No ano de 2019 a ré pagou à autora a remuneração base mensal de 1.210,00€, quando deveria ter-lhe pago a remuneração base de 1.400,00€.

14. No ano de 2020 a ré pagou à autora a remuneração base mensal de 1.210,00€, quando deveria ter-lhe pago a remuneração base de 1.591,00€.

15. No ano de 2021 a ré pagou à autora a remuneração base mensal de 1.210,00€, quando deveria ter-lhe pago a remuneração base de 1.591,00€.

Quanto aos restantes artigos dos articulados das partes, não se responde aos mesmos por não corresponderem a matéria de facto controvertida, mas antes a matéria de direito, conclusiva, irrelevante ou repetitiva, pelo que o Tribunal não pode (nem deve) pronunciar-se nesta sede sobre os mesmos.”

16. No ano letivo de 2019/2020, a ré tinha 835 alunos, tendo-se verificado 140 desistências ao longo do ano, e no ano letivo de 2020/2021 teve 794 alunos e 90 desistências - deveria ter sido dado como não provado. (conforme decisão infra, este número foi aditado aos factos não provados)

17. O referido em P. fez com que a ré introduzisse novas aplicações informáticas e de software, ao nível da gestão de alunos, da gestão de tesouraria e da faturação, o que facilitou e potenciou o trabalho dos serviços administrativos. (conforme decisão infra, este número foi aditado aos factos não provados)

18. A BB possui o grau de licenciatura.

O Acórdão recorrido sustentou que apesar de não se ter provado que a outra trabalhadora, BB, mencionada na carta referida em E) fosse licenciada, não se teria violado o artigo 368.º n.º 2 por que não se trataria de postos de trabalho de conteúdo funcionalmente idêntico.

Ao decidir assim o Tribunal não atribuiu qualquer relevo ao facto de no procedimento para despedimento, e mais precisamente na comunicação para despedimento referida no artigo 369.º n.º 1 do CT, o empregador ter expressamente assumido que havia dois postos de trabalho equivalentes e ter indicado como critério de seleção um critério (o das menores habilitações académicas e profissionais) que pressupunha na sua aplicação factos que não foram provados, sendo que o critério seguinte na ordem legal seria o da maior onerosidade para a empresa (e desconhece-se quanto é que auferia de retribuição a trabalhadora BB). Por outras palavras, se o próprio empregador assume formalmente que há dois postos de trabalho de conteúdo idêntico pode o Tribunal afastar a avaliação do empregador e decidir que, afinal, não eram de conteúdo idêntico?

Trata-se de uma questão que se afigura importante que seja conhecida por este Supremo Tribunal para uma melhor aplicação do Direito. (alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC).

Decisão: Admite-se a presente revista excecional

Custas a fixar a final

Lisboa, 14 de julho de 2025

Júlio Gomes (Relator)

Mário Belo Morgado

José Eduardo Sapateiro