Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | FARIA ANTUNES | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO DENÚNCIA DE CONTRATO NECESSIDADE DE CASA PARA HABITAÇÃO CAUSA DE PEDIR FACTOS CONCRETOS MATÉRIA DE DIREITO DIREITO DE HABITAÇÃO ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA MORATÓRIA DESOCUPAÇÃO ACÇÃO DE DESPEJO | ||
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Nº do Documento: | SJ200506220017111 | ||
Data do Acordão: | 06/22/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 4961/04 | ||
Data: | 11/06/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA. | ||
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Sumário : | I - A necessidade do locado é um requisito autónomo que integra a causa de pedir da acção de denúncia do contrato de arrendamento para habitação própria, sendo mesmo a principal base ou o mais importante fundamento de tal denúncia. II - É um conceito abstracto a preencher por factos materiais concretos, sendo uma questão de direito, sindicável pelo STJ, determinar se a matéria de facto cimentada nos autos pode integrar aquele conceito de direito. III - A necessidade só ocorre quando se comprovar um verdadeiro estado de carência motivado por um condicionalismo que, segundo a experiência comum, determinaria a generalidade das pessoas que nele se encontrassem a precisar do arrendado para habitação, devendo portanto ser séria e medida por um critério objectivo, não se podendo confundir com uma simples maior comodidade. IV - É ao Estado, às regiões autónomas e aos municípios, e não aos senhorios ou inquilinos, que cabe satisfazer o direito constitucional a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. V - O artº 114º do RAU concede uma moratória especial para desocupação do prédio ao arrendatário comercial ou industrial, não carecendo de ser pedida por este, por se tratar de uma faculdade directamente resultante da lei. - A contagem dessa moratória inicia-se com o termo do contrato ou da sua renovação, sendo irrelevante a data do trânsito em julgado da decisão definitiva da acção de despejo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" e consorte B instauraram acção de despejo contra C - Sociedade de Empreendimentos Turísticos S.A., pedindo: - deverão ser declarados findos os contratos de arrendamento urbano 2 existentes nas fracções identificadas pelas letras "F - Sexto" e "E - Sexto", do prédio sito ao Caminho Velho da Ajuda, na freguesia de São Martinho, denominado "Apartamentos ...", na cidade do Funchal, por denúncia dos senhorios nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 69º do RAU; e - deverá a Ré ser condenada a entregar aos Autores, para o final da renovação dos contratos, as referidas fracções livres de pessoas e coisas com as legais consequências, mediante o pagamento da indemnização a que se refere o artigo 72º do R.A.U.; - ou, quando assim não se entenda, deverão os contratos de arrendamento serem declarados nulos, como consequência do abuso de direito factualmente descrito nesta petição; - ou, quando mesmo assim não se entenda, deverão ser modificados os contratos de arrendamento, sendo deste modo, aumentadas equitativamente as respectivas rendas para 333 euros mensais cada, por forma a ser restabelecido o equilíbrio entre Autores e Ré obtido através das condições que fundamentaram o contrato de arrendamento "sub judice". A R. contestou, pedindo a improcedência da acção, com a absolvição do pedido, e deduziu reconvenção, para o caso de ser condenada a entregar as fracções arrendadas, pedindo a condenação dos AA/reconvindos a pagar-lhe: - a indemnização prevista no artº 72º do RAU, correspondente a dois anos e meio de renda das duas fracções, no valor de 4.519,20 euros, e - a indemnização prevista no nº 3 do artº 120º do mesmo diploma, no valor de 92.000 euros, correspondente à quota-parte que cabe aos AA nas obras de conservação do edifício, suportadas pela ré. Os AA replicaram. Na 1ª instância foi proferida a final sentença em que se decidiu: - declarar-se a extinção, por denúncia do senhorio, do contrato de arrendamento, celebrado, em 30 de Janeiro de 1979, com a Ré "C - Sociedade de Empreendimentos Turisticos, S.A.", referente às fracções "F - Sexto" e "E - Sexto" do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominado "Edifício ...", localizado no Caminho Velho da Ajuda, freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, inscrito na matriz predial sob o artigo 3010 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o nº 47196, a folhas 48 verso do livro B -130; - Condenar a aludida Ré no despejo das mencionadas fracções, decorridos que estejam três meses sobre o trânsito em julgado da sentença, mediante o pagamento de uma indemnização correspondente a dois anos e meio de renda à data do despejo; - Julgar o pedido reconvencional improcedente, dele absolvendo os Autores/reconvindos A e mulher, B. Inconformada, apelou a R. para a Relação de Lisboa, que alterando a sentença, decidiu julgar: - O arrendamento da fracção E (face à necessidade da filha Gina) validamente denunciado - denúncia que implicará um prazo de desocupação de dois anos contados do trânsito desse acórdão; - Improcedente o pedido de denúncia relativo ao arrendamento da fracção F. Inconformadas, recorrem agora ambas as partes de revista, fechando as respectivas minutas recursórias com as conclusões que a seguir se sintetizam: Conclusões dos AA: 1ª - Ao decidir improcedente a denúncia relativamente ao "F-Sexto", e que o prazo de desocupação é de dois anos contados do seu trânsito em julgado, o acórdão fez incorrecta aplicação dos artºs 71º e 114º do RAU, e dos princípios consagrados nos artºs 65º, 44º e 62º da CRP; 2ª - Os factos constitutivos do direito de denúncia para habitação dos descendentes em primeiro grau são apenas ser o senhorio proprietário dos prédios há mais de cinco anos, e não terem os descendentes, há mais de um ano, na respectiva localidade, casa própria ou arrendada que satisfaça as suas necessidades de habitação (artº 71º, a) e b) do RAU), factos que os AA provaram, não tendo que provar a necessidade de habitação dos filhos como requisito autónomo, por já resultar daqueles factos provados; 3ª - Mas no caso de se julgar necessária a prova da necessidade da habitação como requisito autónomo da denúncia, o facto de o filho ser estudante e viver em casa de pessoas amigas, por favor, não afasta a necessidade da habitação, pois se trata de casa alheia onde vive em situação de favor ou tolerância, não tendo obrigação de viver nessa situação precária, fonte de desinteligência e mal estar; 4ª - Carecendo o filho dos recorrentes de privacidade, comodidade e independência, de um espaço próprio e pessoal onde possa dormir, confeccionar e tomar as refeições, tratar das roupas, passar os tempos livres, estar só, receber e conviver com familiares e amigos; 5ª - Sendo embora habitual os estudantes habitarem em quartos arrendados ou em repúblicas estudantis, não é menos verdade que assim é porque não têm alternativa; 6ª - O direito fundamental à habitação previsto no nº 1 do artº 65º da CRP confere a todos o direito a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto que preserve a intimidade pessoal e a privacidade; 7ª - O direito à habitação, é um direito social, análogo aos direitos, liberdades e garantias, que reveste a natureza de um direito de defesa, oponível às entidades públicas e privadas - artºs 17º e 18º, nº 1 da CRP. 8ª - O despejo de apenas uma das fracções para habitação dos dois filhos dos recorrentes, não resolve completamente o problema da necessidade de habitação, pois penas resolveria o problema de habitarem por favor em casa alheia, mantendo-se o problema dos dois irmãos, de sexo diferente, terem que partilhar o mesmo quarto; 9ª - O senhorio pode pedir o despejo de duas casas, desde que uma só não chegue para a habitação da família, se não possuir outra que só por si satisfaça aquela necessidade; 10ª - É do ponto de vista do senhorio que se avalia da existência do fundamento para a denúncia do contrato, não de quem tem maior necessidade do locado, devendo o interesse dos recorrentes superar o da recorrida; 11ª - E a inquilina está garantida contra a demonstração fraudulenta dos requisitos da denúncia para habitação, porquanto, frustrada a efectiva habitação subsequente à denúncia, tem ela direito a indemnização e a reocupar o prédio, nos termos do artº 72º, nº 2 do RAU; 12ª - No que concerne ao prazo para a desocupação do prédio, carece o acórdão de razão visto a recorrida não ter pedido em reconvenção a desocupação dos prédios nos termos do nº 2 do artº 114º do RAU - pelo que não podia a Relação condenar a recorrida a proceder à desocupação apenas decorridos dois anos sobre a decisão - e também porque, a ser aplicável o disposto no artigo 114º do RAU, a lei é expressa quanto ao início de contagem do referido prazo: "... o arrendatário só é obrigado a desocupar o prédio decorrido um ano após o termo do contrato ou da sua renovação", sendo irrelevante a data do trânsito em julgado da decisão definitiva da acção de despejo; 13ª - A ré, nas alegações da apelação não sustentou que "os efeitos da denúncia só poderão valer para depois dos dois anos posteriores ao trânsito da decisão", mas sim que os efeitos da denúncia deveriam ser reportados a 1 de Janeiro de 2004, entendendo que só é obrigada a despejar as fracções decorridos dois anos sobre o termo do contrato, conforme pontos 26 e 27 das respectivas conclusões; 14ª - Por tudo o exposto, deverá, como bem se decidiu na 1ª instância, ser declarada a denúncia também relativamente ao arrendamento do F-Sexto (face à necessidade do filho Paulo), e ser declarado que o despejo das duas fracções ocorrerá decorridos que sejam três meses sobre o trânsito em julgado, ou, se assim se não entender, decorridos dois anos a contar do termo do contrato ou da sua renovação, independentemente da data do trânsito em julgado da decisão. Conclusões da Ré: 1ª - Relativamente à Fracção "E-Sexto" não existia à data da entrada da acção em juízo, nem existe agora uma necessidade da D, séria, efectiva, imprescindível e actual, do local arrendado; 2ª - E mesmo que essa necessidade de habitação existisse, também não ficou demonstrado que a indicada fracção resolveria o problema de habitação da mesma e tal teria de ser demonstrado, sob pena de resultar inútil a imposição ao inquilino da caducidade do arrendamento por denúncia; 3ª - No que respeita ao pedido reconvencional de indemnização de 500.000 euros, devia ter sido considerado provado que a recorrente gastou essa quantia, não "a título de investimentos" mas sim de obras de conservação ordinária do edifício para evitar a sua degradação - constando dos depoimentos das testemunhas o facto de dizerem respeito ao funcionamento dos elevadores, sistema de electricidade, canalização, pinturas exteriores e interiores - pelo que deveriam ter sido suportadas pelo senhorio, tendo a recorrente direito a indemnização correspondente ao seu reembolso; 4ª - No caso do tribunal ter dúvidas sobre qual a parte do valor despendido correspondente à fracção "E-Sexto", sempre deveria ter condenado os recorridos ao seu pagamento - ressalvando a parte a que contratualmente a recorrente se tinha obrigado a suportar - relegando o apuramento dos valores concretos em causa para liquidação em execução de sentença. Contra-alegaram ambas as partes. Corridos os vistos. Decidindo. Questão prévia Nas contra-alegações dos AA, foi suscitada a questão da deserção do recurso da Ré, atento o artº 698º, nº 2 do CPC. Segundo os demandantes, a R. apresentou as alegações de recurso em 11.2.2005, quando o termo do prazo foi em 9.2.2005, acrescentando que a R. não pagou a multa devida nem a Secretaria a notificou para a pagar, nos termos do artº 145º do CPC. A questão prévia, porém, improcede. Com efeito, como se vê de fls. 288, 289 e 290, a Secretaria notificou a R./recorrente para pagar a multa de 667,50 euros, nos termos do artº 145º, nº 6 do CPC, e como a multa não foi paga, o Ex.mo Desembargador relator consignou no despacho de fls. 317 que a final se terá em conta o não pagamento da multa, o que está correcto, visto que, com a nova redacção do nº 6 do artº 145º do CPC (emprestada pelo artº 5º do DL 324/2003, de 27/12), o não pagamento da referida multa deixou de implicar a perda do direito de praticar o acto (no caso de alegar). Nos termos do artº 713º, nº 6, ex vi artº 726º do CPC, dá-se por reproduzida a matéria de facto tida por provada na 1ª instância, para a qual também a Relação remeteu. Como facilitação da abordagem, análise, discorrência e decisão das questões essenciais postas nas revistas, tratá-las-emos sem compartimentação estanque dos dois recursos. Resulta do nº 3 do artº 71º do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo DL nº 321-B/90, de 15/10, que o direito de denúncia para habitação dos descendentes em 1º grau está sujeito à verificação cumulativa dos seguintes requisitos: - Ser o senhorio proprietário... do prédio há mais de cinco anos...; - Não terem os descendentes em 1º grau, há mais de um ano... na respectiva localidade... casa própria ou arrendada que satisfaça as suas necessidades de habitação. Sustentam os AA que lograram provar esses dois requisitos - o que a R. não contesta - devendo por isso ser julgado procedente o pedido de denúncia do contrato de arrendamento referente à fracção "F-Sexto", visto da prova daqueles dois requisitos já resultar a necessidade dessa habitação para o filho Paulo Jorge, não sendo a necessidade do arrendado para habitação dele um requisito autónomo a provar pelos autores, ao invés do que entendeu a Relação e defende a demandada. Falece porém razão aos AA, neste particular. Lê-se no artº 69º, nº 1, a) - subordinado à epígrafe "Casos de denúncia pelo senhorio" - que: «... o senhorio pode denunciar o contrato para o termo do prazo ou da sua renovação... quando necessite do prédio para... habitação... dos seus descendentes em 1º grau» (o negrito é da nossa autoria). Se o legislador se contentasse com os dois requisitos do artº 71º, não carecia de consignar na al. a) do artº 69º a exigência da necessidade (Quando necessite...). Apenas quando tal necessidade existir é que poderá porventura registar-se um "caso de denúncia pelo senhorio". Tem-se entendido maioritariamente que a necessidade do prédio para habitação deve ser alegada e provada pelo senhorio (artº 342º, nº 1 do CC), por ser um requisito autónomo que integra a causa de pedir na acção de denúncia do arrendamento para habitação própria (do senhorio ou dos filhos), sendo a causa de pedir complexa, por ser constituída pela necessidade do locado para habitação e pelos requisitos do artº 71º. Neste sentido foram já proferidas várias decisões pelo STJ, citando-se a título de exemplo os acórdãos de 22.11.95 (relator o Conselheiro Ramiro Vidigal) e de 6.7.2004 (relator o Conselheiro Araújo Barros), o primeiro apenas sumariado, e o segundo com sumário e texto integral, ambos em www.dgsi.pt (Processos 0871115 e 04B2064, respectivamente). A já real e efectiva, ou pelo menos iminente necessidade habitacional será mesmo a principal base ou o mais importante fundamento da denúncia do contrato de arrendamento para habitação. Constituindo a necessidade exigida pela al. a) do nº 1 do artº 69º do RAU um conceito abstracto, a preencher por factos materiais concretos, é uma questão de direito sindicável pelo STJ determinar se a matéria de facto cimentada nos autos foi pelas instâncias devidamente interpretada ao concluírem pelo preenchimento ou não da aludida necessidade habitacional. Como se disse, a necessidade das casas para habitação dos filhos - ou dos próprios senhorios - tem de ser iminente, ou actual, devendo neste caso ser real e efectiva, dentro de um critério objectivo, em função das condições de vida, interesses e carências sentidas, sob pena de, se assim não fosse, se poder transformar em mero pretexto para obter a desocupação. Como se expende no segundo aresto do STJ atrás citado, a necessidade de habitação tem que ser real, séria, actual ou futura, não eventual mas iminente, traduzida em razões ponderosas, não se confundindo com uma maior comodidade, ocorrendo quando o estado de carência seja objectivamente motivado por um condicionalismo que, segundo a experiência comum, determinaria a generalidade das pessoas que nela se encontrassem a precisar do arrendado para sua habitação. Ora, atentos estes princípios gerais, afigura-se dever ser sufragada a generalidade da fundamentação factual e jurídica, desenvolvida no acórdão em crise, quer relativamente à denúncia do contrato de arrendamento concernente à fracção "E-Sexto", para habitação da filha D, quer relativamente à não denúncia do contrato de arrendamento no que tange à fracção "F-Sexto", para habitação do filho Paulo Jorge. Quanto à filha D, a necessidade da fracção era iminente já à data da propositura da acção, tanto assim que, tendo terminado o curso volvido um curto espaço de tempo, retornou à Região Autónoma da Madeira, onde já trabalha, no Funchal. Qualquer pessoa que, como ela, tenha terminado os estudos, encontrado trabalho e namore, sente compreensivelmente o justo anseio de arranjar casa independente para morar, deixando de viver em casa de familiares, amigos, em lares, repúblicas de estudantes, casas universitárias, etc.. Satisfazendo a fracção autónoma "E-Sexto" - apesar de ser um T0 - minimamente as actuais necessidades dela, pois é ainda solteira. Não se trata já, quanto a ela, de almejar maior comodidade, mas de obter uma situação habitacional que tenha correspondência condigna com a sua idade e estatuto pessoal e social, e sobretudo, o que é verdadeiramente importante, de a eximir de ter de compartilhar o mesmo quarto que o irmão ocupa, situação a que actualmente está comprovadamente sujeita e que é de todo desaconselhável, para não dizer, humilhante. Diferentemente, o filho dos AA, que pelos vistos continua a ser solteiro e estudante, está habituado desde há vários anos a ocupar um quarto, como a generalidade dos estudantes, buscando os pais com a denúncia do "F-Sexto" apenas maior comodidade para ele. Com efeito, provou-se apenas que foi viver para o Funchal, por motivos escolares, há cerca de 5 anos, tendo desde então vivido em quartos, passando em 2002 a viver num quarto cedido por pessoa amiga dos pais, que também habita na mesma casa juntamente com um seu filho, ignorando-se contudo em que circunstâncias tal cedência foi feita e se mantém, por exemplo se ocorreu e perdura por mero favor ou tolerância, ou se aconteceu e permanece por o dono da casa dever favores aos autores, se é uma cedência gratuita ou se tem alguma contrapartida, e qual, etc, etc.. Assim, atendendo à escassez dos factos provados, a única situação verdadeiramente gravosa para o filho dos AA consiste na circunstância de actualmente partilhar, conjuntamente com a irmã D, o mesmo quarto, o que representa realmente uma grande desvantagem, que, todavia, cessará com a saída da D para ir habitar na fracção "E-Sexto", uma vez deixada livre e desocupada de pessoas e coisas pela ré. E nem se esgrima, para justificar a denúncia quanto ao "F-Sexto", com o direito constitucional - consagrado no artº 65º, nº 1 da CRP - a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. Com efeito, trata-se de um direito cuja satisfação não cabe nem aos senhorios nem aos inquilinos. O próprio Tribunal Constitucional já por várias vezes se pronunciou sobre tal direito, traçando-lhe umas fronteiras dentro das quais não tem guarida a interpretação que dele fazem os AA. Podem consultar-se, v.g., em www.dgsi.pt, os acórdãos de 1.4.92 (relator o Conselheiro Alves Correia - nº convencional ACTC00003196), de 8.4.92 (relator o Conselheiro Messias Bento - nº convencional ACTC00003216), e de 12.5.93 (relator o Conselheiro Ribeiro Mendes - nº convencional ACTC00004016), nos quais se entendeu, grosso modo, que o conteúdo do direito de habitação não pode ser determinado ao nível das opções constitucionais, antes pressupõe uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, resultando dos nºs 2 a 4 daquele preceito da lei fundamental que é ao Estado que incumbem certas obrigações para assegurar o direito à habitação, nalguns casos com intervenção das autarquias locais, e que, seja qual for a natureza daquele direito, ele não confere ao cidadão um direito imediato a uma prestação efectiva, tendo como único sujeito passivo o Estado e as regiões autónomas e os municípios. Agora quanto à questão da impetrada indemnização da ré pelas obras que alegou ter feito e classificou como de reparações ordinárias (pedido reconvencional de indemnização no montante de 500.000 euros), a improcedência desse pedido não pode deixar de ser inteiramente aplaudida. Por um lado, ficou provado apenas que a ré procedeu a investimentos no hotel instalado no edifício do qual são partes as fracções autónomas arrendadas (não se sabendo ao certo se foram também feitas nessas duas fracções), e por outro lado ficou clausulado no contrato que não seriam permitidas obras sem consentimento dos senhorios - consentimento que a ré não comprovou - e que as obras não dariam lugar a indemnização, fosse qual fosse a natureza delas. Terá por conseguinte o acórdão de ser confirmado também nesta parte, mesmo porque é totalmente infundada a pretensão da alteração da matéria de facto pelo STJ, a este respeito, atento o regime instituído pelos artºs 729º, nº 2 e 722º, nº 2 do CPC, que restringem largamente os poderes do STJ em matéria de modificabilidade da decisão da matéria de facto. Finalmente, tendo-se concluído pelo acerto da denúncia do contrato de arrendamento no concernente à fracção "E-Sexto", para habitação da filha D, vejamos se os AA têm ou não razão na questão suscitada nas 12ª a 14ª conclusões recursórias (prazo para a desocupação do prédio). Respiga-se do artº 114º, nºs 1 e 2 do RAU que, cessando o contrato de arrendamento para comércio ou indústria por caducidade ou denúncia do senhorio, o prazo de desocupação, se o contrato tiver durado 10 ou mais anos, é de dois anos após o termo do contrato ou da sua renovação. Portanto, naquelas situações, o prazo para desocupação do prédio pelo ex-arrendatário inicia-se após o termo do contrato ou da sua renovação, sendo irrelevante a data do trânsito em julgado da decisão definitiva da acção de despejo. Neste mesmo sentido se pronunciou o STJ, no acórdão de 27.4.99, na CJSTJ, 1999, II, 70, por não se poder confundir "o termo do contrato ou da sua renovação" com o trânsito em julgado da decisão final da acção, sendo a solução preconizada, além de imposta pela letra da lei, a mais razoável, uma vez que impede o arrendatário de, através de expedientes dilatórios usados na acção judicial, provocar o diferimento do início do prazo para a desocupação do prédio. Descendo ao caso concreto, o arrendamento é de 30.1.79, com efeitos desde 1.1.79, pelo prazo de um ano renovável. A acção foi proposta em 8.10.2002. Como a denúncia tem de ser feita com a antecedência mínima de seis meses relativamente ao fim do prazo do contrato ou da sua renovação (artº 70º do RAU), não podia surtir efeito em 1.1.2003, mas apenas no termo da nova renovação, ou seja em 1.1.2004. Assim, deve contar-se o prazo de dois anos a partir de 1.1.2004, pelo que terá a desocupação da fracção "E-Sexto" de ser feita necessariamente pela ré até 1.1.2006, e não, como julgou a Relação, dois anos após o trânsito da decisão, devendo por isso o acórdão ser alterado nessa parte. Trata-se de uma espécie de moratória especial para desocupação do prédio, concedida ao arrendatário comercial ou industrial, como anota Antunes Varela, no Cód. Civil, vol. II, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 708. E, ao invés do que sustentam os AA, essa moratória não carecia de ser pedida pela R. na reconvenção, por se tratar de uma faculdade directamente resultante da lei. Termos em que acordam em, revogando parcialmente o acórdão recorrido: - negar a revista da ré, com custas por esta; - conceder parcialmente a revista dos autores, decidindo que a desocupação pela ré da fracção "E-Sexto", para habitação da filha dos autores D, terá de ocorrer o mais tardar até ao dia 01.01.2006, condenando ambas as partes nas custas deste recurso, na proporção de 8/10 pelos autores e de 2/10 pela ré. Lisboa, 22 de Junho de 2005 Faria Antunes, Moreira Alves, Alves Velho. |