Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANA BARATA BRITO | ||
Descritores: | RECURSO PENAL DECISÃO PENAL ABSOLUTÓRIA RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO PENA SUSPENSA DIREITO AO RECURSO RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA INADMISSIBILIDADE | ||
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Data do Acordão: | 11/17/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - O art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, estatui que não é admissível recurso de “acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos” e a al. b), do n.º 1, do art. 432.º, do mesmo código, dispõe que se recorre para o STJ de “decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do art. 400.º”. II - À luz destas normas, o STJ tem vindo a entender que não é admissível recurso do acórdão da Relação que, em recurso, modifica o julgamento da matéria de facto e reverte a absolvição decidia pela 1.ª instância em condenação em pena não privativa da liberdade. III - O afastamento da norma legal expressa que estatui a irrecorribilidade da decisão num caso como o presente (afastamento da norma que veda o acesso ao STJ ao arguido condenado pela primeira vez em 2.ª instância em pena não privativa da liberdade) teria de justificar-se ou à luz de norma de direito internacional que o impusesse (e que obrigasse o Estado Português) ou à luz da Constituição. III - E cumprindo sempre proferir decisão dentro do sistema, justificando-a à luz da lei, da CRP e da CEDH, na interpretação destes diplomas não pode deixar de relevar a jurisprudência do Tribunal Constitucional e a jurisprudência do TEDH. IV - Em três acórdãos do Pleno do TC, todos de 13-07-2021, este tribunal acaba de pronunciar-se, por três vezes, no sentido da conformidade constitucional da tese da irrecorribilidade, seguida na jurisprudência do STJ. V - Assim, reconhecendo-se a restrição do direito ao recurso do arguido na situação sub judice, considera-se que no estádio actual da lei e da jurisprudência há que aceitar tal restrição como ainda razoável e proporcional, não se vislumbrando fundamento bastante para contrariar a jurisprudência constante do STJ. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório 1.1. No processo comum singular n.º 1206/15.3JABRG.P1.S1, do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., foi proferida sentença a absolver o arguido AA da prática de cinco crimes de devassa da vida privada do art. 192.º, n.º 1, als. b) e d), do CP, em concurso aparente com cinco crimes de fotografias ilícitas, do art. 199.º, n.º 2, al. b), do CP, dos quais se encontrava acusado. Na sequência de recurso interposto pela assistente, e julgado procedente por acórdão do Tribunal da Relação ..., foi o arguido condenado como autor de cinco crimes de devassa da vida privada do art. 192.º, n.º 1, al. b), do CP, nas penas parcelares de 10 (dez) meses de prisão por cada um e, em cúmulo jurídico, na pena única de três anos de prisão, suspensa na execução por três anos, com a obrigação de, pagar no período da suspensão a indemnização de € 25 000,00 em que foi igualmente condenado. Inconformado com a decisão do Tribunal da Relação ..., o arguido interpôs o presente recurso, concluindo: “1. Primeiramente absolvido dos crimes por que vinha acusado, no âmbito de recurso apresentado pela Assistente foi o arguido condenado pelo Tribunal da Relação ... pela prática de 5 crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo art. 192º n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com condição do pagamento de indemnização civil, no valor de € 25.000,00, na qual foi igualmente condenado. 2. O arguido não pode conformar-se com o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... porquanto entende que a sua absolvição devia manter-se, atendendo a que a prova produzida e existente nos autos não permite imputar-lhe a prática dos crimes pelos quais foi, agora, injustamente, condenado. 3. Entende o arguido que a modificação da matéria de facto, operada pelo Tribunal da Relação ..., alicerça-se no uso de meras presunções, conjeturas e suposições, em flagrante desrespeito pelo princípio da presunção de inocência, culminando com a aplicação de uma pena injusta e na condenação no pagamento de uma indemnização civil indevida. 4. A decisão do Tribunal da Relação ..., enferma de erro notório na apreciação da prova. 5. Toda a decisão do Tribunal da Relação ... é norteada pela presunção de culpabilidade do arguido, tendo-se dado como provados factos não só em absoluto desrespeito pelo princípio constitucional da presunção de inocência, mas também com recurso a meras presunções, conjeturas e suposições que andam ao arrepio da prova produzida em audiência de julgamento. 6. O acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido pelo Tribunal da Relação ..., na fundamentação da alteração da matéria de facto, permite percecionar que não só o princípio da presunção de inocência foi, flagrantemente, desconsiderado como, mais grave ainda, teve subjacente uma espécie de presunção de culpabilidade do arguido. 7. O Tribunal da Relação ..., partindo do princípio de que os ficheiros relacionados com a prática dos factos em causa foram encontrados nos computadores do arguido, socorrendo-se de presunções, conjeturas e suposições (meramente subjetivas), passou à descredibilização da dúvida demonstrada pelo Tribunal de 1ª Instância, não só no sentido de que os computadores do arguido possam ter sido acedidos por terceiros como também quanto ao invocado ato incriminatório de que foi alvo. 8. Sucede que, as presunções, conjeturas, suposições e conclusões avançadas pelo Tribunal da Relação ... para além de fazerem tábua rasa da prova produzida em audiência de discussão e julgamento (que, de resto, beneficiou da imediação e oralidade), ignora a existência de ocorrências que, de forma, flagrante, demonstram que não só os dispositivos informáticos do arguido eram acessíveis a terceiros como, também, a sua área pessoal na plataforma Moodle foi objeto de acesso indevido com adulteração das suas credenciais de acesso. 9. Não se pode, salvo o devido respeito, partir do princípio que é pelo facto de arguido ter nos seus computadores (na aplicação "Dropbox") ficheiros relacionados com o crime de que a assistente foi vítima e de que não existia alguém para além do arguido (sendo certo que da prova produzida resultou o inverso, na medida em que existiam terceiros com relações de conflito e inimizade quer com a assistente quer com a sua família) com motivo para praticar tais factos, que se pode extrapolar e presumir outros factos, nomeadamente quanto à autoria do crime. 10. Há todo um conjunto de ocorrências que foram, salvo o devido respeito, ignoradas pelo Tribunal da Relação e que se, correta e minuciosamente, analisadas ditariam, por certo, a manutenção da absolvição do arguido. 11. Com efeito, os factos que o Tribunal da Relação ... levou ao elenco dos factos provados (designadamente os respeitantes à autoria dos crimes imputados ao arguido) foram apurados num plano que vão muito além das regras das meras presunções naturais, tendo o Tribunal Recorrido incorrido em erro notório na apreciação da prova, por violar o princípio da presunção de inocência, pelo que o douto Acórdão padece do vício previsto no artigo 410º n.º 2, do Código de Processo Penal, especialmente o referido na alínea c). 12. O Tribunal da Relação, parte, desde logo, de duas premissas erradas, quer quanto ao facto de o arguido ter tido acesso, em exclusivo, ao computador da assistente, quer quanto à existência de ficheiros relacionados com o crime nos "discos rígidos" dos computadores do arguido. 13. A alteração do ponto 25) dos factos provados e r) dos não provados, na sentença da 1ª instância, para o renumerado ponto 31) do Acórdão recorrido não tem sustentação na prova produzida nem é permitida com recurso a qualquer presunção, não se vislumbrando da leitura do Acórdão qual o seu fundamento. 14. Não obstante ter sido verdade que, em momentos pontuais, o arguido auxiliou a Assistente na resolução de assuntos relacionados com o seu computador (conforme confessado pelo mesmo), daqui não pode extrapolar-se para um "Era sempre" ou "Foi sempre" o arguido que a auxiliou em tais questões, com exceção de qualquer outra pessoa, sobretudo atento o período temporal em referência e, muito menos, pode presumir-se que fosse nesse computador "antigo" que a Assistente tivesse armazenadas as fotografias íntimas em causa (que, por curiosidade, não foi averiguado se estariam presentes no "novo" computador, de forma a poder aferir-se e provar-se que, efetivamente, as mesmas ali existiriam). 15. Do mesmo passo que o Tribunal da Relação alterou o que constava do ponto s) dos factos dados como não provados na sentença da 1ª instância, passando a dar tal matéria de facto como provada no renumerado ponto 32), não se alcançando qual o raciocínio, fundamento e elementos de prova de que o Tribunal da Relação ... se serve para dar como provada tal matéria, sobretudo com a pretensa segurança e exatidão com que o faz. 16. Foi feita prova cabal de que quer os computadores da Assistente, quer os computadores do arguido eram utilizados por terceiros. 17. O Tribunal da Relação ... dá como provado é que durante mais de 10 anos, ninguém, com exceção do arguido e da própria Assistente, utilizou o referido computador, conclusão que não só é ilógica como contraria as mais elementares regras da experiência e, sobretudo, a prova produzida. 18. É notório o completo desprezo do Tribunal da Relação ... pela prova produzida e pelo princípio da presunção de inocência. 19. O raciocínio do douto Tribunal da Relação ao imputar ao arguido a ação de copiar os ficheiros e de criação da pasta Dropbox assenta numa premissa técnica errada. 20. Ao contrário do que sustenta o Tribunal da Relação, a criação da pasta "Dropbox" não é manual nem decorreu de qualquer ação por parte do arguido, porquanto a aplicação Dropbox, assim que instalada no sistema operativo de um computador cria automaticamente uma pasta designada "Dropbox" no disco rígido. 21. Por outro lado, o Tribunal da Relação utiliza indevidamente, salvo o devido respeito, o conceito de localização "nos discos rígidos" dos computadores do arguido. 22. Os ficheiros em causa, ao contrário do que é sustentado no douto Acórdão recorrido, não se localizam (localmente) nos discos rígidos do arguido mas apenas se encontram associados à aplicação Dropbox instalada (automaticamente como se disse supra), precisamente, nos discos rígidos. 23. Pelo que existe um erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal da Relação ..., dando como provado um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. 24. Esta distinção técnica é essencial para que possa distinguir entre uma ação manual de cópia de ficheiros (e aí os ficheiros existiriam localmente nos discos rígidos) e uma ação automática de sincronização de ficheiros (em que os ficheiros apenas se encontram nos discos rígidos por associação à aplicação dropbox - como é o caso). 25. E é esta falta de distinção técnica que, salvo o devido respeito, influencia o raciocínio do Tribunal da Relação quanto aos restantes factos que decidiu dar como provados, mormente no que à autoria dos crimes imputados ao arguido diz respeito. 26. O Tribunal da Relação cai, salvo o devido respeito, no erro palmar de considerar que o depoimento da testemunha BB é isento e equidistante, sobretudo quando tal testemunha mesma continua ao serviço da ..., sob a dependência da mãe da Assistente, caracterizada como alguém autoritário e a quem foram assacados diversos episódios de assédio no trabalho. 27. Sendo este o quadro laboral e de vida da testemunha em causa, não pode, salvo o devido respeito, o Tribunal da Relação conferir-lhe qualquer credibilidade quando (e sobretudo) a mesma foi arrolada como testemunha pela Assistente, precisamente com o intuito de ir a Tribunal negar a existência da lista de passwords (quando essa questão surgiu). 28. A atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum. 29. O que, manifestamente, o Tribunal da Relação não faz, pois que, limita-se afastar a credibilidade dos depoimentos das testemunhas CC, DD, EE e, sobretudo, da testemunha FF, em favor do depoimento da testemunha BB, com recurso a meras suposições e convicções, absolutamente, subjetivas. 30. O Tribunal da Relação ... assenta o seu raciocínio em meras suposições e conjeturas, ora admitindo que, afinal, a testemunha FF até podia utilizar o computador do arguido (o que é absolutamente normal e habitual num clima de confiança e de trabalho) para, logo de seguida, fechar tal questão afirmando que caso o utilizasse seria por via de uma "área específica e com uma password própria, sem acesso à restante área, do domínio do arguido". 31. A testemunha FF afirmou, expressamente, que utilizava o computador do arguido, nada referindo quanto à existência de restrições ou utilização de áreas específicas ou limitadas com password própria como agora teoriza e conjetura o Tribunal da Relação. 32. Não obstante o Tribunal da Relação atribuir à questão da utilização, por terceiros, do computador do arguido (e conhecimento da password de acesso) uma importância fulcral, certo é que, ignorou: 1 - Que o computador de secretária utilizado pelo arguido na administração ter passado a ser utilizado por terceiros após a sua destituição (com todos os dados de acesso nele armazenados) - o informático do ..., a testemunha GG, afirmou que o computador que era utilizado pelo arguido, após a extinção do seu cargo de administrador, passou a ser utilizado por terceiros após a sua destituição, afirmando que o arguido não terá formatado/limpo o mesmo antes da sua entrega (o que se compreende, atento o curto espaço de tempo que teve para o entregar - menos de 24 horas - cfr. e-mail junto na sessão de julgamento de 06.03.2020) - cfr. depoimento da testemunha GG, na audiência de discussão e julgamento realizada a 10 de Julho de 2020, gravado no sistema digital áudio em uso no Tribunal, desde as 15:46:06 às 16:37:56, com o código 20200710154605_3615392_2871687 min. 40:46 a 41:35; 42:36 a 45:02; 50:30 a 51:13; 2 - A fragilidade da segurança e privacidade dos funcionários e docentes da instituição que se demonstrou em sede de audiência de julgamento - gabinetes sem chaves pessoais, escutas e câmaras de vigilância que foram localizadas nos gabinetes, intromissões no correio eletrónico, etc.) - cfr. depoimento das testemunhas DD, EE, FF e CC que permitiram perceber o tipo de ambiente que se vivia no seu local de trabalho, não só a conflituosa relação familiar entre a Presidente (mãe da Assistente) e os seus filhos (nos quais se inclui a Assistente HH), mas também as constantes pressões psicológicas, vigilâncias ilegais (com câmaras e escutas) e "falhas" no sistema informático, com constantes intromissões no seu correio eletrónico e dados de acesso às plataformas, conjuntura essa que tornava muito débil a privacidade e segurança dos professores e funcionários - cfr. a título exemplificativo o depoimento da testemunha EE, na audiência de julgamento realizada em 08/01/2020, com o registo, 20200128144622_3615392_2871687, desde as 14:46:15 às 15:39:15, min. 02:24 a 06:58; 3 - O facto de o gabinete, para o qual o arguido foi transferido após a sua destituição da administração, não dispor de fechadura com chave pessoal e intransmissível (antes sendo depositada, todos os dias, na secretaria do Instituto, no final do expediente) permitem perceber a vulnerabilidade a que computador portátil do arguido estava sujeito, mormente enquanto o mesmo lecionava ou mesmo durante a noite, existindo a coincidência, flagrante, relatada por uma colega do arguido, a docente e testemunha EE que relatou ter sido vítima de uma situação com contornos, técnicos, muito semelhantes à dos presentes autos, que ocorreu com o propósito de a pressionar a sair da instituição - cfr. depoimento da depoimento da testemunha EE, na audiência de julgamento realizada em 08/01/2020, com o registo, 20200128144622_3615392_2871687, desde as 14:46:15 às 15:39:15 -min. 12:03 a 21:52; 4 - O facto de todas as ações poderem ter sido realizadas não só por acesso remoto (não físico), mas também através da própria rede do Instituto a que o equipamento (computador portátil) se conectava, diariamente, via Wifi] - a testemunha II esclareceu que um administrador de rede consegue ter acesso aos ficheiros existentes no disco rígido de um computador sem que para isso necessite da sua password de acesso - cfr. depoimento na audiência de julgamento realizada em 06/03/2020 desde as 10:43:57 às 11:48:50, com o código 20200306104356_3615392_2871687, min. 06:40 a 07:19; min. 14:30 a 15:14; min. 58:17 a 58:57; min. 01:00:52 a 01:01:20 -no mesmo sentido a testemunha JJ na audiência de julgamento realizada em 05/06/2020 desde as 09:49:09 às 10:41:41, com o código 20200605094908_3615392_2871687, min. 37:34 a 37:43; min. 49:11 a 49:26; 33. Com efeito, o Tribunal da Relação ... incorre em erro notório na apreciação da prova, ao dar como provado que o arguido tinha acesso exclusivo ao seu computador (e aos ficheiros nele armazenados), quando da prova produzida resulta realidade diametralmente oposta, em manifesta violação do princípio da presunção de inocência. 34. Esta questão assume crucial importância, na medida em que é com base na mesma que o Tribunal da Relação ... afasta, incompreensiva e erradamente, a dúvida expressa pelo Tribunal de 1ª Instância quanto à utilização do computador do arguido por terceiros e presumível plantação dos ficheiros incriminatórios na sua dropbox. 35. O Tribunal da Relação atribui uma importância fulcral à questão do conhecimento da password do computador do arguido, quando tal questão foi amplamente esclarecida pelos peritos informáticos no sentido de que para plantar ficheiros num computador basta que o mesmo esteja ligado à rede sem que para isso haja, sequer, necessidade de ter conhecimento da password de acesso. 36. O Tribunal da Relação ..., para além de ter ignorado as explicações técnicas dos senhores peritos informáticos que explicaram e detalharam ao Tribunal as diversas formas de aceder aos ficheiros (copiá-los, modificá-los e eliminá-los) existentes no computador do arguido, formas essas que dispensam o conhecimento da password de acesso, ignorou, ainda, a existência do registo de "user update" na plataforma Moodle em 22/10/2014 pelas 7:44 PM (fls. 36 A dos autos) que se apurou ser um registo de alteração de dados do utilizador e credenciais de acesso à área reservada do utilizador, em momento imediatamente anterior às ações de listagem de endereços de e-mail - confrontado com esta factualidade, a testemunha GG avançou com uma explicação completamente inverosímil, afirmando, atabalhoadamente, que esse registo de "user update" acontecia sempre que se fazia o log in - cfr. depoimento da testemunha GG, na audiência de discussão e julgamento realizada a 10/12/2019, gravado no sistema digital áudio em uso no Tribunal, desde as 09:55:49 às 12:04:15, com o código 20191210095548_3615392_2871687 - min. 32:22 a 32:50; min. 34:21 a 34:30; 37. "Explicação" que é completamente inverosímil, bastando atentar aos alegados registos da plataforma Moodle para se constatar e existência de registos de "Log In" que não são acompanhados de qualquer registo de "User Update" - mormente o registo de "User Update" de 30/07/2014 pelas 5:07 PM - pág. 36 A dos autos, 38. O Administrador de sistema que lhe antecedeu, a testemunha ... II e o administrador de sistemas, a testemunha ... JJ, contrariaram a "explicação" avançada pela testemunha GG, afirmando que o registo de "User Uptade" reporta-se sempre a uma alteração do perfil do utilizador, seja relacionada com as características do utilizador, seja relacionada com as credenciais de acesso - cfr. depoimento da testemunha JJ na audiência de julgamento realizada em 05/06/2020 desde as 09:49:09 às 10:41:41, com o código 20200605094908_3615392_2871687, min. 50:17 a 50:40 e depoimento da testemunha II na audiência de julgamento realizada em 06/03/2020 desde as 10:43:57 às 11:48:50, com o código 20200306104356_3615392_2871687, min. 05:31 a 06:04, min. 11:54 a 13:01, min. 13:04 a 13:12. 39. E é precisamente esse registo de "User Uptade" que passou despercebido, salvo o devido respeito, à investigação e que corrobora o facto de as credenciais de acesso (password) do arguido terem sido alteradas em momento anterior à pesquisa que alicerçou a suspeita sobre si, num período em que o arguido se encontrava de baixa médica. 40. Corroborando, ainda o facto de o arguido ter tido a necessidade de solicitar nova password quando regressou da baixa médica uma vez que estava impossibilitado de aceder ao Moodle. 41. Tal questão e posicionamento da testemunha GG assume especial relevância e gravidade, sobretudo porque a investigação foi iniciada e direcionada pelo mesmo - é próprio Inspetor da Polícia Judiciária KK quem afirma que na impossibilidade de seguir o caminho técnico padrão para este tipo de situações, guiou-se pelo relatório produzido pelo informático do ... (GG) - cfr. depoimento do Inspetor KK, na audiência realizada em 14/01/2020, com o registo 20200114143032_3615392_2871687, desde as 11:31:08 às 12:35:04, min. 01:19 a 07:00, min. 07:14 a 10:22. 42. Pelo que o depoimento e as considerações do Sr. Inspetor, porque assentes em pressupostos que se vieram a revelar inverosímeis (mormente a respeito do relatório elaborado pelo informático GG) não têm nem a amplitude nem permitem, que o Tribunal da Relação escreva que "Deve realçar-se a este propósito o depoimento da testemunha KK (Inspector da Polícia Judiciária), bem como os esclarecimentos do Senhor Perito da Polícia Judiciária LL, os quais são muito elucidativos quanto às razões pelas quais o arguido deve ser considerado o autor dos factos, tendo ambos sido peremptórios ao considerar não terem dúvidas quanto a esta conclusão." 43. O Sr. Inspetor KK, quer o perito LL, ambos da Polícia Judiciária, limitaram-se a constatar que, efetivamente, na aplicação Dropbox (que permite a sincronização de ficheiros em todos os computadores em que estiver instalada) do arguido existiam ficheiros relacionados com os crimes em causa, porém, não averiguaram a origem de tais ficheiros, a data e a forma como os mesmos foram criados, transferidos ou copiados, ou mesmo o endereço de IP utilizado para o efeito, para poderem afirmar quem foi o seu autor. 44. Circunstância que assume gravidade acrescida, atendendo a que o computador de secretária que o arguido utilizava na administração passou a ser utilizado por terceiros após a sua destituição e não ter sido objeto de qualquer perícia, considerando que o arguido, após a destituição, passou a utilizar um gabinete que não dispunha de computador de secretária - cfr. depoimento do Inspetor KK, na audiência realizada em 14/01/2020, com o registo 20200114143032_3615392_2871687, desde as 11:31:08 às 12:35:04, min. 34:19 a 36:48, min. 01:45:31 a 01:46:05. 45. Os depoimentos do senhor inspetor e perito da Polícia Judiciária assentaram no princípio de que o arguido tinha um motivo (alegada denúncia por baixa fraudulenta que não se comprovou, sequer, ter existido e não existindo, aliás, conforme se provou, qualquer conflito ou animosidade do arguido para com a assistente) e de ter na dropbox dos seus computadores ficheiros relacionados com os crimes em causa, porém existem outras circunstâncias (e provas) a que os senhores investigadores não tiveram acesso e que, caso tivessem, teria ditado, com forte probabilidade, o arquivamento do inquérito. 46. A testemunha GG (... do ...) assumiu uma figura central na condução da investigação, sendo certo que a sua credibilidade merece muitas cautelas, por se tratar de um funcionário subordinado da mãe da Assistente (MM) - a testemunha MM afirmou que após a destituição do arguido do cargo de administrador, chamou ao seu gabinete o ... GG, exigindo-lhe "lealdade" e "fidelidade" sob pena de proceder ao seu despedimento, bem como a retirada de todos os privilégios informáticos que o arguido tivesse na instituição - cfr. depoimento na audiência de discussão e julgamento realizada a 10 de Julho de 2020, gravado no sistema digital áudio em uso no Tribunal, desde as 14:46:34 às 15:46:05, min. 19:41 a 23:38, min. 28:37 a 33:25; 47. Depoimento que confirma não só a relação de subordinação da testemunha GG à mãe da Assistente (a presidente do ...) mas também que não deixam margem para dúvidas quanto ao facto de ao arguido terem sido retirados todos os privilégios (informáticos) de que dispunha enquanto administrador, logo a seguir à sua destituição (e, por isso, em data muito anterior aos factos constantes da acusação) 48. Por esta razão, é absolutamente inócua a conclusão do Tribunal da Relação ... no sentido de que "...não se concretizou relativamente a nenhuma destas testemunhas (JJ e GG) qualquer razão para que tivessem praticado os factos descritos, sendo certo que a testemunha GG afirmou não ter detectado qualquer acesso indevido (ataque de hacker) ao sistema." porquanto não só o depoimento da testemunha GG é incoerente e inverídico como não pode, salvo o devido respeito, o Tribunal da Relação especular e presumir sobre as alegadas "razões", "intenções" e "motivações" dos intervenientes de forma a isolar o arguido como único e potencial autor dos factos. 49. As ações humanas são complexas e assumem, muitas das vezes, contornos bizarros, sádicos, obscuros e incompreensíveis, muito para além da simplicidade com que o Tribunal da Relação olhou para os factos e decidiu condenar o arguido. 50. A faculdade de o computador do arguido ser acessível por via remota (ou através da própria rede do instituto a que se ligava diariamente) deitam por terra a pretensa certeza do Tribunal da Relação no sentido de que não é verosímil que alguém tivesse acesso contínuo e em datas diferentes ao computador do mesmo. 51. Por outro lado, o teor dos ficheiros existentes na pasta a que se alude no ponto 10 dos factos provados no Acórdão (anterior ponto 8) é altamente comprometedor e revelador do ardil incriminatório de que o arguido foi alvo. 52. Com efeito, para além de todos os ficheiros relacionados com a prática do crime (incluindo fotografias e listagens de endereços de e-mail) foi criado, na mesma pasta, um ficheiro com uma simulação do valor de indemnização por despedimento em nome do arguido. 53. Citando a expressão do arguido em audiência de discussão e julgamento, seria como "juntar a gasolina e os fósforos". 54. Tal circunstancialismo corrobora o facto de quem executou tal operação pretendia manter os ficheiros incriminatórios no computador do arguido, estando todos colocados numa única pasta, contendo imagens, passwords, etc. 55. Uma análise minuciosa de tais ficheiros, as suas datas de criação e um pedido à aplicação Dropbox para se perceber onde, quando e de que equipamento provieram, era essencial. 56. Também a conclusão e a certeza de que "...um dos elementos cruciais, ainda não abordados, é a constatação, defendida com veemência pelo Senhor Perito, de que há um acto que só pode ter sido praticado no computador portátil do arguido, qual seja, o de a pasta “xx” ter sido apagada física e localmente da reciclagem desse equipamento (no dia 15-04 2016, pouco antes da busca, esclareceu a testemunha KK) e não por mero comando à distância através da Dropbox, sendo certo que essa pasta permaneceu no conteúdo do computador pessoal fixo do arguido." não corresponde tecnicamente à verdade, porquanto utilizando um programa de acesso remoto (que nada tem a ver com a dropbox) e procedendo-se à eliminação de um ficheiro (designadamente da reciclagem) do computador, tudo se passa (em termos de registo de dados) como se a ação tivesse sido realizada física e localmente pelo utilizador - cfr. depoimento da testemunha II na audiência de julgamento realizada em 06/03/2020 desde as 10:43:57 às 11:48:50, com o código 20200306104356_3615392_2871687, min. 01:00:52 a 01:01:20. 57. Não se demonstrou, que a password que permitiu abrir os ficheiros relacionados com os crimes fosse utilizada pelo arguido fosse para que efeito fosse e, por isso, não pode ser associada ao mesmo apenas porque tem as iniciais do seu nome. 58. Por outro lado, para além do que se disse supra quanto à possibilidade de acesso aos computadores do arguido sem que o mesmo se pudesse aperceber (seja por via de acesso remoto seja por via de acesso via rede wifi da instituição), não tinha o arguido forma de aperceber-se se a sua password fosse invalidada, porquanto se encontrava de baixa médica e, por isso, sem necessidade de aceder às plataformas informáticas da Escola. 59. Os ficheiros armazenados na dropbox do arguido eram facilmente acessíveis (como, de resto, o foram) sendo certo que o tempo (4 meses) que o Sr. perito da Polícia Judiciária demorou a aceder aos ficheiros (armazenados em formato winrar, não sendo, por isso, qualquer formato com características especiais) decorre do fraco poder de computação (que opera por tentativa/erro) do sistema informático policial, conforme foi explicado pela testemunha ... II, adiantando o mesmo que, se fosse utilizado um computador com elevado poder de computação, o acesso aos ficheiros não demoraria mais do que alguns dias. 60. Quanto à questão da sincronização da dropbox com os computadores a que esteja associada não é tecnicamente correto afirmar-se, como se faz no douto Acórdão recorrido, que ao utilizador seja perguntado se pretende a sincronização de ficheiros (porventura introduzidos num outro equipamento associado à dropbox) porque, para além dessa sincronização ser automática, o programa não informa o utilizador dos ficheiros (em concreto) com que se irá sincronizar. 61. Desta forma, não tinha o arguido forma de percecionar os acessos alheios, tanto mais que a sincronização automática de ficheiros é uma ação completamente banal e usual no dia a dia. 62. O julgamento realizado demonstrou as, muitas, fragilidades da investigação criminal que conduziu à acusação do arguido bem como as, notórias e flagrantes, contradições constantes da acusação (assente, sobretudo, na versão técnica de um subordinado da mãe da Assistente - a testemunha GG). 63. O Tribunal da Relação faz agora vingar uma tese que para além de altamente questionável (sobretudo do ponto de vista técnico/informático e das questões que, inexplicavelmente decidiu ignorar, incorrendo em erro notório na apreciação da prova) é violadora do princípio da presunção de inocência. 64. Lendo-se a fundamentação que alicerça a alteração da matéria de facto, constata-se que a mesma é repleta de presunções, conjeturas e suposições que andam ao arrepio da prova produzida. 65. Um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada e baseada em juízos arbitrários, conforme supra se demonstrou. 66. Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, percetível da simples leitura do texto da decisão, porquanto a decisão proferida extraiu das provas produzidas uma ilação (a de que foi o arguido o autor dos factos) que as mesmas não lhe permitem extrair, em manifesta violação do princípio da presunção de inocência. 67. De facto, analisando as circunstâncias vindas de descrever e o seu contexto na impossibilidade de se apurar o autor dos factos em causa (que, ao contrário do que parece sustentar-se no douto Acórdão recorrido, não incumbe ao arguido apontar, identificar ou averiguar) e perante a existência de uma dúvida razoável (não tendo o arguido forma de provar a sua inocência porquanto já lançou mão de todas as diligências de prova que estavam ao seu alcance) o douto Tribunal ad quem deve aplicar o princípio fundamental de direito in dubio pro reo, um dos corolários do princípio da presunção de inocência, estatuído no artigo 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. 68. Verifica-se, assim, a existência de erro notório na apreciação da prova, quanto à matéria de facto, agora, dada como provada e que imputa ao arguido a autoria dos crimes - art. 410º n.º 2, b) e c) do Código de Processo Penal. 69. Pelo exposto, deverá o douto aresto recorrido ser alterado, repristinando-se a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença da 1ª instância e, em consequência, deverá absolver-se o arguido dos crimes por que vem condenado. 70. Caso o Venerando Supremo Tribunal de Justiça não dê razão ao arguido/recorrente, no anteriormente requerido, o que apenas por elementar cautela de patrocínio se concebe, mormente no sentido de o mesmo ser absolvido da prática dos crimes de que vem condenado, sempre se dirá que a pena única aplicada de 3 anos de prisão, não obstante suspensa na sua execução, é manifestamente desproporcionada e contrária aos princípios das penas. 71. A indemnização a que foi condenado a pagar, para além de constituir um valor exagerado e desproporcionado (a fls. 307 dos autos a própria Assistente referiu ser ajustada a quantia de € 7.500,00 a título de compensação e como condição para aceitar a suspensão provisória do processo - o que, à data, não foi aceite pelo arguido) a imposição da obrigação do seu pagamento, como condição da suspensão da execução da pena de prisão, é impossível de ser cumprida pelo arguido e violadora do princípio da razoabilidade, o que conduzirá à sua prisão por incapacidade económica de pagar o valor que consta na condição suspensiva. 72. A suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º n.º 1 do Código Penal, condicionada ao pagamento da indemnização civil, impõe um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia. 73. Analisado o douto Acórdão recorrido, é manifesta a ausência dessa ponderação. 74. Aliás, se realizasse tal juízo, o douto Tribunal da Relação apenas podia ter concluído que a condição que impôs ao arguido é impossível de cumprir, atento o facto de aquele auferir um vencimento líquido mensal de € 1.400,00, tendo a mulher desempregada, uma prestação do empréstimo no valor de € 600,00 e uma filha na Universidade que do mesmo depende economicamente. 75. Pelo exposto, o douto Acórdão recorrido deve ser declarado nulo, por omissão de pronúncia, quanto ao juízo de prognose sobre a razoabilidade da satisfação da condição imposta ao condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica presente e futura. 76. A decisão recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 29º e 32º, da Constituição da República Portuguesa, nos artigos 70º, 483º, 494º e 496º do Código Civil e os artigos 14º; 15º; 50º, 70º, 71º e 192º do Código Penal e o disposto no artigo 410º do Código de Processo Penal.” O Ministério Público e a assistente responderam ao recurso, pronunciando-se ambos no sentido da improcedência e da confirmação do acórdão da Relação. Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu desenvolvido parecer no sentido da improcedência do recurso, sufragando a confirmação do acórdão da Relação, e concluindo que “deve ser rejeitado o recurso interposto pelo arguido, nos termos do disposto nos arts 399.º, 400.º, nº 1, al. e), 420.º, nº 1, al. b), 414.º, nºs 2 e 3 e 432.º, nº 1, al. b), todos do CPP; no caso de ser admitido, o objecto do mesmo deverá ser reduzido à decisão relativa à determinação do quantum da pena única aplicada, emite-se parecer no sentido da sua improcedência.” O arguido respondeu ao parecer reiterando as razões do seu recurso, recurso que considera admissível atenta a recorribilidade por si sustentada do acórdão da Relação, e adita a final: “(…) a fragilidade da condenação do arguido é tão evidente que o Ministério Público, no seu douto parecer de 04/01/2021 junto do Tribunal da Relação ... (no parecer sobre o recurso interposto pela Assistente, na sequência da absolvição do arguido na 1ª Instância) escreveu, a respeito do princípio do in dubio pro reo (…) “a sentença recorrida explica sobejamente as razões pelas quais chegou ao estado de dúvida, de incerteza quanto à prática dos factos por parte do arguido, pelo que não nos parece possível produzir qualquer juízo de censura e afirmar a violação do princípio estabelecido no art. 127º do CPP. Termos em que, corroborando a resposta da Exmª Colega, emitimos parecer no sentido da improcedência do recurso." E, na sequência da decisão condenatória proferida pelo Tribunal da Relação ..., o mesmíssimo Magistrado do Ministério Público, na sequência do Recurso, agora interposto pelo arguido, defendeu, no seu douto parecer (para o qual, no seu parecer, remeteu a Exma. Procuradora-geral adjunta ) que (…) “o recurso deve ser julgado improcedente." Ou seja, o mesmo Ministério Público que emitiu parecer no sentido de ser de confirmar a sentença absolutória proferida pela 1ª Instância, em respeito ao princípio do in dubio pro reo, é o mesmo Ministério Público que após a condenação, ex novo, pelo Tribunal da Relação ..., emite parecer no sentido de nenhum vício poder ser apontado a essa nova decisão. Com efeito, salvo o devido respeito, para além da falta de coerência de tais doutos pareceres, os mesmos são sintomáticos de uma condenação injusta, alicerçada em meras conjeturas e presunções, desagregada da prova produzida e violadora do princípio da presunção de inocência. Pelo exposto, o arguido/recorrente reitera e mantém na íntegra os fundamentos do seu recurso, discordando em absoluto do teor do douto parecer proferido pela Exma. Procuradora-geral adjunta, devendo, consequentemente, o recurso que apresentou, ser admitido e apreciado por esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, nos seus precisos termos.” Não tendo sido requerida audiência, teve lugar a conferência. 1.2. O acórdão recorrido, na parte que interessa ao recurso, tem o seguinte teor: “(…) Assim, convertendo os factos não provados impugnados em provados, com as limitações indicadas, e reformulando os provados na mesma medida, configura-se e renumera-se a matéria de facto nos seguintes termos: Factos Provados 1) O arguido AA é, pelo menos desde 2009, docente no ..., tendo, em data não concretamente apurada mas anterior ao Verão de 2014, acumulado as funções de docente com um cargo de Administração; 2) A ofendida HH também é docente na área da ... do referido ..., funções que acumula, pelo menos desde 2008, com a de gerente; 3) O cargo de Presidente do identificado ... – adiante designado por ... – é há vários anos exercido pela mãe da ofendida, NN; 4) No ano de 2009, a ofendida teve necessidade de mudar de computador, pelo que solicitou ao arguido AA, atenta a relação de amizade que tinham e os conhecimentos daquele na área da informática, que lhe efectuasse o back-up do seu computador e transferisse o respectivo conteúdo para o novo computador, o que aquele fez; 5) Nessa data a ofendida tinha guardadas no seu computador seis fotografias onde a mesma é retratada a praticar sexo oral com um namorado que teve, em trajes menores e que haviam sido tiradas pela própria ofendida em 2006; 6) O arguido tem um computador da marca Asus, modelo ..., com o n.º de série ... e um computador portátil da marca Toshiba, modelo ..., com o n.º de série ...; 7) Na sequência de busca realizada à residência do arguido a 11-05-2016, nos discos rígidos dos referidos computadores foram encontradas cópias das referidas imagens na pasta designada por “AA”, sendo que dentro desta existia a pasta “Dropbox”, que permite a sincronização de dados que estavam previamente guardados na “Cloud”; 8) Para tanto, na data referida em 4) ou em momento posterior, o arguido acedeu aos ficheiros de imagem identificados em 5), com extensão “.jpg”, e, sem autorização da ofendida, guardou-os e oportunamente transferiu-os para os discos rígidos dos seus próprios computadores, referidos em 6), e aí os guardou – para além de os ter guardado na “cloud”-, o que fez com fim não concretamente apurado; 9) O arguido, para além de ter copiado tais imagens para a “cloud” – espaço existente num servidor remoto -, guardou também uma cópia automaticamente efectuada nos discos rígidos, na referida pasta designada por “AA”, sendo que dentro desta criou a pasta “Dropbox”; 10) O caminho para os ficheiros das fotografias era: a)-C:\DocumentsandSettings\AA\Osmeusdocumentos\Dropbox\Assuntos Pessoais; b) - dentro desse caminho – directoria – existia a subdirectoria “Meo” e dentro desta, o ficheiro “CCcam.txt”, que no seu interior fazia referência à password “...6”; c)- a palavra passe em causa, usada sobre o ficheiro “xx.rar” – que se encontrava no mesmo caminho, na subdirectoria “xx” – abria o ficheiro em causa, que continha as três fotografias da assistente supra descritas; d) - dentro da subdirectoria “xx” existiam também os ficheiros “links.txt”, “lista.txt” e “mails.xlsx”; e) - no 1.º encontrava-se a listagem dos endereços – URL -, de ficheiros com extensão “jpg”, que correspondem ao hash MD5 dos ficheiros que se encontravam guardadas no interior do ficheiro comprimido “xx.rar”, sendo que existe uma correspondência entre as imagens referenciadas nesta listagem e as constantes do ficheiro “xx.rar”; 11) O arguido guardou a listagem dos endereços – URL -, de ficheiros com extensão “jpg” nos termos referidos na al. e) do ponto 8); 12) Durante o Verão de 2014, o arguido e a sua mulher foram destituídos dos respectivos cargos de Administração e de Direcção, mantendo a partir de então as funções de docência; 13) Pouco tempo após as respectivas destituições, quer o arguido, quer a sua mulher apresentaram baixa médica e deixaram de leccionar no ...; 14) Em 22 de Outubro de 2014, pelas 18h45.54 (UTC), o arguido estava de baixa médica, não se encontrando em exercício de funções; 15) Não obstante, nessa data, pelas 18h45.54 (UTC), aproveitando-se do seu acesso na qualidade de “administrador do sistema”, o arguido entrou na plataforma Moodle disponibilizada pelo ... – o que só poderia ser efectuado por um administrador do sistema - e copiou os primeiros 72 endereços electrónicos aí associados, tendo de imediato e após tal acção efectuado o logout, para mais tarde vir a fazer uso dos mesmos, eventualmente de forma a prejudicar algum/alguns membro/s da Administração, por discordar da destituição de que havia sido alvo; 16) O arguido guardou a cópia da extracção da plataforma Moodle – com cerca de 2049 endereços de correio electrónico – nos discos rígidos dos seus computadores supra identificados, dentro da subdirectoria “xx”, nos ficheiros “lista.txt” e “mails.xlsx” – a que se chegava seguindo o caminho supra descrito; 17) O arguido foi sujeito a Junta Médica em 09 de Novembro de 2015, tendo visto a baixa médica ser levantada, tendo tido alta imediata e com indicação de apresentação no ... no dia seguinte; 18) Perante o processo a que foi sujeito, o arguido AA, e como forma de se vingar e retaliar, decidiu então, em data não concretamente apurada mas anterior ao dia 17-11-2015, fazer uso das fotografias de carácter íntimo e reservado da ofendida que tinha na sua posse, divulgando-as perante terceiros através de mensagens enviadas por correio electrónico para os destinatários a cujos endereços electrónicos já tinha acedido; 19) Para tanto, em 12-11-2015, o arguido criou a conta de correio electrónico ..., disponibilizada pela sociedade alemã T... GmbH; 20) Em data não concretamente apurada, mas entre o dia 12 e o dia 16 de Novembro de 2015, o arguido guardou no ficheiro “links.txt” referências aos endereços electrónicos ... e ... e à respectiva palavra-passe: “putefiadocaralho”; 21) No dia 16 de Novembro de 2015, entre as 14h55 e as 15h02, o arguido AA acedeu à conta ..., utilizando a palavra-passe “putefiadocaralho” e elaborou as duas mensagens às quais foram anexadas as três fotografias onde a ofendida é retratada a praticar sexo oral, e, sem o conhecimento ou autorização daquela, enviou-as através da identificada conta de e-mail para o correio electrónico profissional – correio electrónico disponibilizado pelo ... - de 26 pessoas relacionadas com o ... – professores e alunos, endereços a que havia acedido da forma supradescrita – cópia da plataforma Moodle do ...; 22) No dia 16-11-2015 o arguido acedeu à plataforma de correio electrónico disponibilizado pela Google; 23) No dia 17 de Novembro de 2015, entre as 18h44 e as 18h52, o arguido, decidiu novamente elaborar três mensagens, do mesmo modo supradescrito, o que fez, às quais anexou as mesmas três fotografias da ofendida e enviou-as para 90 destinatários, também de professores e alunos do ..., endereços a que havia acedido da forma supradescrita; 24) Os destinatários das mensagens são: - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ... - ... - ...; - ...; - ... ; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ..., - ..., - ... ; - ..., - ...; - ..., - ...; - ..., - ..., - ...; - ...; - ...; - ...; - ... - ... ; - ...; -...; -...; - ...; -...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; 25) Para além do envio para cerca de 72 pessoas associadas ao Moodle do ... à data de 22-10-2014 – sendo que das diversas pessoas posteriormente a tal data associadas ao Moodle nenhuma recebeu tais mensagens –, o arguido procedeu também ao envio das mensagens para diversos endereços pertencentes aos domínios Sapo e Hotmail – exteriores ao serviço de correio electrónico disponibilizado pelo ..., num total de 116 destinatários; 26) Um dos destinatários da mensagem, ..., mal recebeu a mensagem, entrou em contacto com a ofendida que de imediato encetou diligências junto do informático do ... para que este bloqueasse o acesso dos destinatários da mensagem ao conteúdo da mesma; 27) Não obstante tais diligências, vários destinatários conseguiram visualizar o conteúdo das mensagens enviadas, designadamente os destinatários com contas pertencentes aos domínios Sapo e Hotmail; 28) Não satisfeito, o arguido, no dia 22 de Fevereiro de 2016, decidiu elaborar seis novas mensagens, entre as 15h39 e as 15h42.50 (GMT), às quais foram anexadas novamente as seis fotografias supradescritas da ofendida, que enviou através da conta ..., desta feita para diferentes destinatários – 95 –, entre os quais: - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ... - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; - ...; 29) No dia 03 de Março de 2016, o arguido decidiu novamente enviar duas novas mensagens, para 35 destinatários, o que fez entre as 14h29 e as 14h30, sendo que um dos destinatários era a própria ofendida; 30) Tais mensagens eram de idêntico conteúdo ao supra descrito, mencionando no “assunto”: “near you”; 31) Era sempre o arguido AA quem tratava de questões relacionadas com o computador da assistente, designadamente instalação de anti-vírus, novos programas e avarias; 32) Para além da ofendida e com o consentimento desta, apenas o arguido tinha acesso ao conteúdo do seu computador; 33) O arguido, ao registar no seu computador as fotografias da ofendida a praticar sexo oral, sem o seu consentimento, utilizando-as para seu proveito próprio, actuou de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito conseguido de devassar a intimidade da vida sexual daquela; 34) O arguido, no dia 16-11-2015, ao divulgar as fotografias da ofendida a praticar sexo oral, sem o seu consentimento e contra a sua vontade, assim as utilizando, actuou de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito conseguido de expor e devassar a intimidade da vida sexual daquela, expondo-a à humilhação pública, o que fez enviando-as para 72 endereços electrónicos de colegas professores e alunos da ofendida, o que lhe causou grande vexame; 35) O arguido, no dia 17-11-2015, ao divulgar as fotografias da ofendida a praticar sexo oral, sem o seu consentimento e contra a sua vontade, assim as utilizando, actuou de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito conseguido de expor e devassar a intimidade da vida sexual daquela, expondo-a à humilhação pública, o que fez enviando-as para 72 endereços electrónicos de colegas professores e alunos da ofendida, o que lhe causou grande vexame; 36) O arguido, no dia 22-02-2016, ao divulgar as fotografias da ofendida a praticar sexo oral, sem o seu consentimento e contra a sua vontade, assim as utilizando, actuou de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito conseguido de expor e devassar a intimidade da vida sexual daquela, expondo-a à humilhação pública, o que fez enviando-as para 35 endereços electrónicos de colegas professores e alunos da ofendida, o que lhe causou grande vexame; 37) O arguido, no dia 03-03-2016, ao divulgar as fotografias da ofendida a praticar sexo oral, sem o seu consentimento e contra a sua vontade, assim as utilizando, actuou de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito conseguido de expor e devassar a intimidade da vida sexual daquela, expondo-a à humilhação pública, o que fez enviando-as para 35 endereços electrónicos de colegas professores e alunos da ofendida, o que lhe causou grande vexame; 38) O arguido tinha perfeito conhecimento que os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei penal; 39) O arguido foi responsável pela área de informática no ...; 40) Como retaliação das más relações que vinha tendo com a mãe da ofendida/demandante, o arguido decidiu deliberada e conscientemente e com o propósito de devassar a sua vida privada e a sua intimidade sexual, enviar as suas fotografias para mais de 200 destinatários, sendo a maior parte desses destinatários, alunos e professores do ... -local de trabalho de ambos; 41) Com a sua conduta o arguido expos e devassou publicamente a intimidade da vida sexual da ofendida/demandante, contra a sua vontade e sem a sua autorização, humilhando-a e vexando-a perante colegas de trabalho e os próprios alunos; (pedido de indemnização civil) 42) A ofendida/demandante tinha uma relação de amizade e confiança com o arguido, sendo que este e a sua esposa eram amigos dos seus pais desde tenra idade da ofendida; 43) A ofendida convivia com o arguido com regularidade, sendo visitas de casa da família uns dos outros, tendo este acompanhado o seu crescimento de perto; 44) O arguido tem formação e conhecimentos técnicos na área de informática; 45) As referidas fotografias foram enviadas para mais de 200 destinatários, sendo a maior parte desses destinatários, alunos e professores do ... - local de trabalho de ambos; 46) O que humilhou e vexou a assistente perante colegas de trabalho e os próprios alunos; 47) Na data da divulgação de tais fotografias a ofendida/demandante já se encontrava casada e tinha uma bebé pequena, com uma relação conjugal estável; 48) A ofendida/demandante teve conhecimento da divulgação das referidas fotografias por uma colega de trabalho, que mal as recebeu no seu e-mail, logo comunicou à ofendida, sendo que esta ficou em estado de choque, completamente desesperada e desorientada; 49) A ofendida/demandante teve de contar o sucedido ao seu marido, com muita vergonha e constrangimento; 50) A ofendida/demandante sentiu-se envergonhada, humilhada, vexada, com a exposição pública a que foi alvo, perante o seu marido, todos os seus familiares, colegas de trabalho e alunos; 51) A ofendida/demandante não conseguiu ir trabalhar durante mais de um mês, refugiu-se no interior da sua habitação, não queria sair ou ver alguém, com a vergonha que sentia, viveu assim momentos de profundo desespero, não sabendo como lidar com a situação; 52) A ofendida/demandante, que desconhecia quantos eram os destinatários das fotografias e quem eram esses destinatários, foi tomando conhecimento de que foram enviadas as fotografias para todos os seus alunos, o que a deixou desgastada, atormentada, envergonhada e profundamente humilhada, perante os seus alunos; 53) A ofendida/demandante não conseguia lidar com tal situação e exposição pública da sua privacidade e intimidade sexual, não conseguia encarar e enfrentar as pessoas, nomeadamente os seus alunos, pelo que ficou de baixa mais de um mês; 54) A ofendida/demandante trabalha em ... e reside em ..., sendo que também tem alunos da cidade ..., temeu que tais fotografias fossem divulgadas por quem as recebeu ou exibidas aos seus amigos, familiares, vizinhos, conhecidos e desconhecidos; 55) Vivia em agonia e das poucas vezes que saiu de casa, não conseguia sequer olhar nos olhos das pessoas com quem se cruzava, sentindo-se envergonhada e constrangida; 56) A ofendida/demandante passava os dias enclausurada na sua habitação e chorava; 57) Tais factos destabilizaram a ofendida/demandante emocionalmente, ficando transtornada psicologicamente, irritada e sem paciência, nomeadamente para a sua filha bebé e para o marido; 58) A ofendida/demandante deixou de fazer as suas rotinas diárias, tais como, dar aulas, que tanto a satisfaz profissionalmente, deixou de privar com os amigos, de ir almoçar ou jantar fora, de levar a sua filha ao parque, entre outras; 59) Apesar da ofendida/demandante ter regressado à escola, para dar aulas, fê-lo num estado de profunda agonia, ansiedade, vergonha, tristeza e receio do que poderia vir a ouvir sobre a sua pessoa, dos próprios olhares dos alunos e professores, dos comentários; 60) Estado esse que se prolongou no tempo, sentindo-se amedrontada e receosa sempre que via alguém, com quem ainda não tinha estado; 61) A sua primeira aula, foi muito constrangedora, tendo mesmo acabado por chorar em frente aos seus alunos; 62) A ofendida/demandante era uma pessoa muito extrovertida, alegre, comunicativa, o que deixou de ser devido aos factos acima descritos; 63) Tudo isto fez com que a Ofendida/Demandante, além de ter ficado traumatizada, ficasse deprimida e passasse a ter um comportamento muito triste, introvertido, deixando de conversar normalmente, inclusive com familiares e amigos, isolando-se sempre que podia, nomeadamente no seu local de trabalho, acontecendo não raras vezes ter problemas de sono e pesadelos; 64) Toda esta situação foi bastante comentada no meio escolar e onde a Ofendida/Demandante reside, pela família, vizinhos, amigos e conhecidos o que causou e continuou a causar imenso sofrimento, inquietude, preocupação, revolta, vergonha; 65) De tal forma que a Ofendida/Demandante evita frequentar os locais de convívio social, coisa que fazia até à data dos factos acima descritos, para que não seja inquirida a respeito do sucedido, o que mais agudiza o seu sofrimento; (contestação) 66) As sequelas psicológicas sofridas pela Ofendida/Demandante irão perdurar para sempre, condicionando a vida normal; 67) Desde a data da sua admissão em 01/09/1998, que o arguido exerce funções de docente na ... e na ...; 68) Sendo tais estabelecimentos de ensino detidos pelo ... (NIPC ...); 69) A gerência do ... tem sido exercida por MM e pelos seus filhos HH e OO; 70) A partir de Agosto de 2014, não mais foi pago ao arguido e à sua mulher o valor correspondente ao subsídio de exclusividade, o que sucedeu sem qualquer aviso prévio ou explicação; 71) O que levou o arguido a propor a ação que corre termos sob o Processo n.º 3646/17...., no Juízo do Trabalho ... - Juiz ..., instância essa onde peticiona o pagamento dos créditos laborais que lhe são devidos e onde foi já proferida sentença, que condenou o Instituto no pagamento da quantia de € 25.940,23; 72) O arguido é tido como um cidadão pacífico, respeitador e respeitado no meio social nem que se insere; 73) E que sempre pautou a sua conduta social e laboral pela lealdade, respeito e honestidade; Mais se provou que: 74) A mulher do arguido era ... da ...; 75) O arguido não tem averbada no seu registo criminal qualquer condenação; 76) O arguido é professor e aufere um vencimento mensal líquido de € 1400 por mês; 77) Vive com a mulher em casa própria, que adquiriu com recurso a um empréstimo bancário; 78) Paga mensalmente a prestação de cerca de € 600 por mês relativa ao referido empréstimo bancário; 79) A mulher é professora e está desempregada; 80) Tem 2 filhos, um com ... anos e uma com ... anos, estudante ... em ..., que ainda depende economicamente dos pais; 81) É proprietário de dois veículos automóveis: um da marca ..., modelo ..., do ano de 2002 e um da marca ..., modelo ..., do ano de 2001; 82) É ainda proprietário de um veículo motorizado, uma ... 650 do ano de 2011; 83) Despende mensalmente com a filha ... cerca de € 600 a € 650 e com medicamentos cerca de € 100. B. Matéria de facto não provada a) O arguido acumulava um cargo de Direcção do ..., juntamente com a sua cônjuge e com a gestão da área informática; b) Em Outubro de 2015, o pai da ofendida PP, que também ocupou um cargo na Direcção do ..., efectuou denúncia no ISS de ..., alegando que a baixa médica requerida e apresentada por ambos era fraudulenta; c) O arguido, em consequência de tal denúncia, foi sujeito à Junta Médica referida em 17); d) O descrito no ponto 22) ocorreu pelas 18h36 (UTC) e através da utilização do IP ...; e) Foi no momento referido em 4) que o arguido se apercebeu de que a ofendida/demandante tinha guardadas no seu computador fotografias de cariz sexual; f) A retaliação que se refere no ponto 40) tinha também por base más relações que o arguido vinha tendo com o pai da assistente; g) O arguido procurava cruzar-se propositadamente no ... com a ofendida/Demandante sempre com sorrisos irónicos;- h) Consequentemente, a ofendida/Demandante vivia o seu dia-a-dia perturbada, vexada e humilhada pelo Arguido/Demandante; i) A actuação do Demandado foi bastante comentada no meio escolar e onde a Ofendida/Demandante reside, pela família, vizinhos, amigos e conhecidos; j) O Arguido/Demandado aproveitou-se da relação de amizade que tinha com ofendida, bem como dos seus conhecimentos informáticos, aproveitando-se ainda da confiança que esta depositava, atenta a sua relação também de colegas de trabalho, utilizando a ofendida para atingir os seus pais, acto este pensado, premeditado e intencional ; k) O corte salarial referido em 70), bem como outro tipo de acções que foram levadas a efeito junto do arguido e esposa, tiveram como único propósito, pressioná-los a abandonar as suas funções de direção e de docência na escola. * Subsunção dos factos ao direito Vem imputada ao arguido AA a prática, em autoria material e na forma consumada de 5 (cinco) crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo art. 192.º, n.º 1, als. b) e d), do CPPenal. Estabelece o indicado preceito, com a epígrafe “Devassa da vida privada”, nas suas alíneas b) e d), que: «1 - Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual: (…) b) Captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objectos ou espaços íntimos; (…) ou d) Divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra pessoa; é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.» Através desta norma protege-se a privacidade das pessoas, em conformidade com o direito fundamental reconhecido no art. 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. No caso em apreço, está em causa a devassa, através da imagem, da intimidade da vítima, último reduto ou área nuclear da liberdade pessoal . Os factos são bem explícitos e evidenciam sem necessidade de quaisquer explicações a forma grotesca como foi violada a intimidade da vítima. Na situação dos autos, considerando que o envio de mensagens ocorreu em quatro ocasiões diferentes, três delas distanciados temporalmente e outras duas em dias seguidos mas com destinatários diferentes, não se suscitam dúvidas quanto à autonomização de um crime em cada uma dessas situações. Por outro lado, resulta também dos autos que o arguido, mesmo após aquele envio de mensagens, guardava um registo das imagens da assistente nos seus computadores, correspondendo esta conduta a uma diferente resolução autónoma das demais. De outro modo as imagens teriam desaparecido com o envio das mensagens, servindo apenas para tal fim. Quanto a este específico crime (registo das imagens) é seguro que a antijuridicidade da sua prática se manteve enquanto o registo se manteve nos computadores do arguido, tratando-se de um crime permanente . Assim, tal como resultou demonstrado em julgamento, a devassa da intimidade da assistente mantinha-se activa à data da apreensão dos computadores através dos ficheiros aí existentes, os quais estavam permanentemente acessíveis ao arguido e a quem o mesmo os quisesse revelar. Está, assim, demonstrada a prática pelo arguido de 5 (cinco) crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo art. 192.º, n.º 1, al. b), do CPenal. Uma vez que se trata do registo e divulgação de imagens todos os factos são enquadráveis naquela al. b) e não a al. d) do indicado preceito. * Determinação da pena Decorre do acórdão para fixação de jurisprudência n.º 4/2016 (DR nº 36, série I, de 22-02-2016) que «em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido, deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º, nº 3, alínea b), 368º, 369º, 371º, 379º, nº 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424º, nº 2, e 425º, nº 4, todos do Código de Processo Penal.» Passa, pois, a determinar-se na presente decisão a espécie e a medida concreta das penas a aplicar ao arguido. Qualificados juridicamente os factos há que proceder à fixação, dentro dos limites da moldura penal abstracta que ao crime compete, das penas que concretamente deverão ser aplicadas ao arguido, por obediência aos critérios expressos nos arts. 40.º e 71.º do CPenal. Ao crime de devassa de devassa da vida privada, p. e p. pelo art. 192.º, n.º 1, al. b), do CPenal, corresponde uma moldura penal abstracta de um mês a um ano de prisão ou multa de 10 a 240 dias. (arts. 41.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, do CPPenal). Nos termos do art. 40.º do CPenal, as finalidades das penas são a protecção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, determinando-se que a culpa constitui o seu limite. Ou seja, é estabelecido, no que respeita à função e fins das penas, um modelo de prevenção , que exclui a culpa como seu fundamento. E é dentro deste quadro que devem ser interpretados e aplicados os critérios de determinação da medida concreta da pena inscritos no art. 71.º do CPenal, os quais «devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente» . Com efeito, específica o art. 71.º do CPenal que na determinação da medida concreta da pena deve o julgador ter em atenção que: «1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. 3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.» No caso dos autos, a ilicitude dos factos levados a cabo pelo arguido é elevadíssima, já que está em causa a imagem da vítima no âmbito de um nível de intimidade (prática de sexo oral e em trajes menores) que é reconhecido pela comunidade como um dos patamares mais íntimos de qualquer indivíduo enquanto pessoa. O modo de execução mantém a censura no mesmo patamar de reprovação, já que evidencia o desprezo do arguido pelo bem jurídico violado, pois permitiu que se perpetuasse no local de trabalho, perante alunos (incluindo todos aqueles de quem a visada era docente) e colegas professores (mais de 200 destinatários), a devassa daqueles momentos de profunda intimidade (muitos destinatários ficaram com as mensagens, pois nos endereços exteriores ao ... não foi possível a sua eliminação e mesmo nestes casos pode ter sido possível a cópia da mensagem), devassa que manteve nos seus computadores, podendo também aceder àquelas imagens pelo endereço de e-mail utilizado para o envio de mensagens. Todo o contexto em que ocorreram os factos denuncia um profundo desfasamento perante os valores éticos comummente aceites pela sociedade. Como é compreensível, a visada sentiu profundo abalo e humilhação com esta exposição, esteve sem conseguir ir trabalhar durante mais de um mês, passando os dias enclausurada em casa e a chorar. Agrava ainda mais este contexto a circunstância de o arguido ter uma relação de amizade e confiança com a vítima, conhecendo-a desde tenra idade por intermédio dos pais, sendo visitas de casa da família uns dos outros, não sentindo pejo em ultrapassar todas esses obstáculos éticos para satisfazer um desejo de vingança face ao afastamento da administração. O dolo é directo e intenso, perante o elevado grau de divulgação das imagens. O arguido continua a exercer a profissão de professor, sendo as condições económicas medianas e compatíveis com essa inserção profissional. O arguido tinha formação na área da informática, possuindo todas as condições para perceber a dimensão da violação do bem jurídico atingido e a perversidade da sua conduta ao escolher como destinatários os alunos e colegas de trabalho da visada, opção que, claramente, procurou para potenciar as sequelas da devassa, factores que relevam ao nível das exigências de prevenção especial, agravando-as. Não tem antecedentes criminais. Não ficou demonstrado qualquer acto ou manifestação de arrependimento, tanto mais que o arguido negou a prática dos factos. As transformações que a sociedade sofreu na última década, designadamente ao nível das interacções pessoais, com multiplicação de situações em que há divulgação por meios informáticos de imagens de cariz sexual, tornaram as exigências de prevenção geral que esta criminalidade reclama elevadas e em processo de crescimento. As exigências de prevenção especial são também de relevo, pois, não obstante a ausência de antecedentes criminais , a conduta do arguido revela falhas graves ao nível da sua formação ética, exigindo um esforço acrescido de ressocialização. Importa, ainda, ter presente que, nos termos do art. 70.º do CPenal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. No caso concreto, entende o Tribunal que as finalidades da punição resultariam goradas com a aplicação ao arguido de uma pena de multa, atenta a gravidade da conduta e as necessidades de prevenção impostas no caso dos autos, que reclamam a aplicação de pena mais severa. Assim, ponderando os factos provados à luz dos critérios enunciados, com realce para os factores acima referidos, mostra-se adequado fixar ao arguido uma pena de 10 (dez) meses de prisão por cada um dos cinco crimes de devassa da vida privada. Estabelecidas as penas parcelares, importa agora proceder ao cúmulo jurídico do conjunto das cinco penas de 10 (dez) meses de prisão aplicadas ao arguido, em cumprimento do disposto no art. 77.º do CPenal, ponderando em conjunto os factos e a sua personalidade. Com efeito, uma pluralidade de infracções cometidas pelo mesmo arguido pode dar lugar ou a um concurso de penas ou a uma sucessão de penas. A este propósito, preceitua o art. 77.º, n.º 1, do CPenal que «Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.» Elemento relevante e fundamental para determinar a possibilidade de efectivação de cúmulo jurídico das penas é, pois, que «os vários crimes tenham sido praticados antes de ter transitado em julgado a pena imposta por qualquer um deles, representando o trânsito em julgado de uma condenação penal o limite temporal intransponível no âmbito do concurso de crimes, excluindo-se do âmbito da pena única os crimes praticados posteriormente» . No caso em apreço, na avaliação do facto global, cabe realçar o elevadíssimo desvalor da conduta e do resultado, já que a exposição da intimidade da visada ao longo de quatro meses, em quatro datas distintas e perante destinatários diferentes, num total de mais de 200, foi renovada em cada uma dessas datas, permitindo-se uma vez mais em cada uma delas perpetuar aquela devassa, confirmada e aumentada em cada uma das novas divulgações, assumindo o conjunto desta actuação proporções devastadoras, revelando baixeza de índole e uma atitude profundamente desconforme aos valores aceites em sociedade e um carácter a necessitar de séria reprimenda. Por tal razão, impõe-se que a compressão a realizar por via do cúmulo jurídico seja menos acentuada e se afaste um pouco do padrão normal (de soma da pena mais elevada a um terço do somatório das demais penas). Determina ainda o art. 77.º, n.º 2, do CPenal que «A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes». De acordo com o assim preceituado, a pena única de prisão resultante do cúmulo jurídico das penas, nos termos supra-referidos, deve ser fixada entre um mínimo de 10 (dez) meses de prisão e um máximo de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão. Tudo ponderado, à luz do art. 71.º do CPenal, afigura-se adequada ao juízo de censura ético-jurídico da conduta global a aplicação ao arguido de uma pena de 3 (três) anos de prisão. Da suspensão da execução das penas de prisão Determina o art. 50.º, n.º 1, do CPenal que «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.» Esta pena de substituição só pode e deve ser aplicada quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, como decorre do art. 50.º do CPenal. Para avaliar da necessidade da execução da pena de prisão importa, fundamentalmente, atender à personalidade do agente, conduta anterior e circunstâncias dos crimes, para aquilatar da probabilidade de a socialização só poder ter êxito com o cumprimento efectivo da pena de prisão. «Como refere Figueiredo Dias (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 518), pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente; que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade». E acrescenta: para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal se reporta ao momento da decisão, não ao da prática do facto. Adverte ainda o citado Professor – § 520 – que, apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa» . No caso em apreço, considerando as medidas concretas das penas parcelares e única aplicadas, o tempo já decorrido desde a prática dos factos, a inserção familiar e profissional do arguido, bem como a ausência de qualquer condenação no registo criminal, entendemos que estão reunidos os pressupostos necessários à aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, desde que acompanhada da obrigação de cumprimento de deveres. Em concreto, considerando a natureza do crime, os seus contornos e a dimensão do mal cometido à visada, esse dever deve consistir no pagamento à assistente da indemnização que será infra fixada. Considerando todas as circunstâncias já indicadas, mostra-se adequado fixar também em 3 (três) anos o prazo de suspensão da execução da pena, que será igualmente o prazo de pagamento da indemnização total, devendo, contudo no final de cada ano de suspensão estar liquidado um terço (1/3) da mesma. Assim, por se verificarem os pressupostos de que depende a sua aplicação, o Tribunal decide que deve suspender a execução da pena de 3 (três) anos de prisão a aplicar ao arguido, por igual período de 3 (três) anos, com a obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia total que vier a ser fixada a título de indemnização civil, devendo ser liquidado em cada ano um terço naquele valor, tudo a comprovar documentalmente nos autos. Por fim, resta apreciar a questão do pedido de indemnização civil deduzido, que, por inerência da obrigação de fixação da pena resultante da condenação, dada a impossibilidade de cisão do julgado, deve ser apreciado e decidido neste acórdão. Pela assistente e demandante civil HH foi deduzido pedido de indemnização civil contra o arguido e demandado civil alegando, em síntese, que, na sequência da prática pelo mesmo dos factos também descritos na acusação, o arguido e demandado civil constituiu-se na obrigação de a indemnizar pelos danos não patrimoniais por si sofridos, que elenca, no valor de € 25 000 (vinte e cinco mil euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento. Dispõe o art. 483.º, n.º 1, do CCivil que «aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou disposição legalmente destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado de todos os danos resultantes da violação». Deste modo, exige a lei, para que nasça a obrigação de indemnizar, que se verifiquem os seguintes pressupostos: - facto voluntário e ilícito do agente; - nexo de imputação do facto ao agente; - danos; - nexo de causalidade entre o facto e o dano. No âmbito da factualidade já mencionada resultou provado que o arguido praticou os factos ilícitos apreciados nestes autos, de natureza criminal e civil, e que agiu desse modo livremente determinado, com o propósito de devassar a intimidade da demandante, ciente de que as suas condutas eram punidas por lei. Verificado está, pois, o primeiro dos requisitos. O nexo de imputação do facto ao agente, verifica-se sempre que, perante as circunstâncias concretas da situação a analisar, o agente podia e devia ter agido que forma diversa, evitando como tal o resultado. No âmbito da apreciação da responsabilidade civil por acto ilícito tal conduta deve ser apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família – art. 487.º, n.º 2, do CCivil. A imputação é analisada atendendo não ao concreto agente que praticou a acção ou omissão, mas por referência ao comportamento que, naquela concreta situação, teria um homem/mulher de particular sentido de responsabilidade, de apurado zelo, previdente, cuidadoso e preocupado. No caso concreto, uma pessoa com essas características nunca teria agido nos termos apurados e expostos nesta decisão. Por outro lado, o dano e o nexo que tem que existir entre este e o facto, é elemento essencial para que alguém possa ser responsabilizado perante terceiro pelos danos que sofreu. O art. 563.º do CCivil prevê e regula a verificação deste nexo, não de forma naturalística, mas por recurso a um juízo de adequação. É, hoje, comummente aceite que a teoria da causa adequada é aquela que melhor salvaguarda os interesses em jogo. De acordo com tal orientação, “é necessário que o evento danoso seja causa provável desse efeito” – Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I pág. 579. Na base desta doutrina está um juízo de prognose, segundo o qual, se um homem médio, colocado na posição do agente, com os seus concretos conhecimentos da situação, teria previsto ou poderia prever como causa provável da sua conduta o resultado verificado, deverá o mesmo ser responsabilizado pelos danos que provocou. Também neste ponto nos parece inequívoco resultar dos autos um nexo entre o facto e os danos sofridos pela demandante civil e adiante concretizados, já que era previsível, em face da conduta do arguido a ocorrência dos prejuízos não patrimoniais apurados. O bem jurídico protegido com o tipo de crime de devassa que aqui se apreciou, e por inerência do direito à indemnização que nele se baseia, é a intimidade da vida privada, ao qual é reconhecida dignidade e protecção constitucional, sendo, por isso, os danos não patrimoniais resultantes da sua violação merecedores da protecção do direito. Perante a elevada gravidade dos factos elencados na matéria de facto (pontos de facto provados 1) a 46)) e as sequelas para a assistente e demandante civil da conduta do arguido e demandado civil, também aí descritas (pontos de facto provados 47) a 66)), e considerando o disposto nos arts. 70.º, 483.º, 494.º e 496.º do CCivil e em especial o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e a da lesada e todas as demais circunstâncias do caso já analisadas, mostra-se equitativa a fixação do montante indemnizatório no valor peticionado, de € 25 000 (vinte e cinco mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa de 4% ao ano (Portaria 291/2003, de 08-04), se outra taxa não for entretanto de aplicar, desde a data de notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.” 2. Fundamentação Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questões a apreciar respeitam à impugnação da matéria de facto, aos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, à medida e espécie de pena, e à indemnização. Cumpre, no entanto, conhecer de questão prévia, aliás suscitada pela Senhora Procuradora-Geral Adjunta no parecer. A Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo sustenta a irrecorribilidade do acórdão da Relação, lembrando que o art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, estatui que não é admissível recurso de “acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos”; que a al. b), do n.º 1, do art. 432.º, do mesmo código, dispõe que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça de “decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do art. 400.º”; que o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 595/2018 declarou, com força obrigatória geral, “a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.° 20/2013, de 21 de Fevereiro”; que o juízo de inconstitucionalidade não é aplicável à situação dos autos, uma vez que embora a decisão condenatória do Tribunal da Relação seja inovadora face à decisão absolutória da 1ª instância, ao arguido não foi aplicada pena de prisão efectiva. As quatro asserções expostas, e constantes do parecer, encontram total correspondência com a realidade dos autos, com a lei processual penal e com o juízo de inconstitucionalidade restrito à condenação em pena de prisão efectiva, formulado pelo Tribunal Constitucional. E é ainda certo que o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar constitucionalmente tolerável a limitação do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça nos casos de aplicação de penas não privativas da liberdade. Na situação sub judice, reconhece-se a existência de uma limitação do direito ao recurso do arguido, na solução preconizada, da irrecorribilidade. Sobre o problema se pronunciou na doutrina, no sentido da recorribilidade e muito impressivamente, Helena Morão, em ““Whenever yet was your appeal denied”? – Sobre o direito do arguido ao recurso de decisões de recurso” (in Revista do Ministério Público, n. 158, Ano 40, Abr-Jun 2019, pp 37-50). Neste estudo, a autora propõe o seguinte critério: “Em síntese e levando a sério o princípio geral de recorribilidade das decisões restritivas de direitos fundamentais em processo penal formulado pela jurisprudência constitucional a partir do direito ao recurso do arguido, conclui-se que, por regra, têm de ser recorríveis as decisões de recurso que comprimam, pela primeira vez, ou ampliem a restrição de um direito , liberdade e garantia do arguido, não obstante o duplo nível de jurisdição, ou seja, de se tratar de reexame de matéria decidida pelo tribunal recorrido (…), ou que se pronunciem, primariamente, sobre uma questão independente não suscitada antes com efeitos no exercício dessas posições jurídicas de vantagem, de modo a preservar, quanto a ela, o próprio duplo grau de juízo, além do direito a recorrer da defesa.” (loc. cit. p. 50) Relativamente à posição do Tribunal Constitucional, expressa em vários acórdãos, no sentido de não se revelar desproporcionado ou excessivo que o arguido fique circunscrito à faculdade de influir ex ante no juízo decisório da Relação e sem a possibilidade de uma impugnação ex post, atenta a menor gravidade da sanção e a necessidade de racionalização do acesso ao Supremo, Helena Morão considera-a “criticável, na medida em que não garante à defesa, em nenhuma etapa do processo, o direito ao recurso, nem em relação à condenação nem em relação à pena, com apoio em razões duvidosas”. E adita que a jurisprudência do Tribunal Constitucional, a cuja análise procede no estudo, “não se preocupa em justificar por que motivo não é inconstitucional que um arguido não tenha, de todo, num processo concreto, a possibilidade legal de recorrer da condenação em si.” (loc. cit. p. 45) A autora nota também que o “direito ao recurso implica (…) a oportunidade de defesa numa instância superior à que condena – como estipula, aliás, o n.º 5 do artigo 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos -, o que só pode ocorrer após o conhecimento dos fundamentos da condenação, e não se confunde, pois, com o exercício do direito de resposta à motivação do recurso da acusação ou de participação na audiência de julgamento de recurso, como manifestações do princípio do contraditório.” (loc. cit. p. 42) No entanto, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender, em inúmeros acórdãos e unissonamente, que é irrecorrível o acórdão da Relação, que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena o arguido em pena de prisão não superior a cinco anos, suspensa na execução. E assim resulta de norma legal expressa: O art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, estatui que não é admissível recurso de “acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos” e a al. b), do n.º 1, do art. 432.º, do mesmo código, dispõe que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça de “decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do art. 400.º”. No estádio actual da lei e da jurisprudência, mormente do Tribunal Constitucional, não se encontra assim fundamento bastante para divergir da jurisprudência que o Supremo tem reiterado a este propósito. Note-se que ao referido acórdão do Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, vieram recentemente juntar-se três acórdãos do Pleno do mesmo Tribunal, todos de 13 de Julho de 2021. Nestes acórdãos, do Pleno, o Tribunal Constitucional pronuncia-se, por três vezes, no sentido da conformidade constitucional da tese da irrecorribilidade, tese seguida uniformemente pelo Supremo Tribunal de Justiça, como se disse. No que agora mais releva, no acórdão n.º 524/202113 o Pleno do Tribunal Constitucional decidiu “Não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e), e 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condenem os arguidos em pena de prisão não superior a cinco anos, suspensa na sua execução;” E na fundamentação desenvolveu, sempre na linha da sua jurisprudência anterior, que “O direito fundamental ao recurso não é um direito absoluto, não sendo, portanto, imune a restrições legais. Tal como acontece com os restantes direitos, liberdades e garantias inscritos na Constituição, às restrições a este direito aplica-se o regime decorrente do artigo 18.º da Constituição. Isto significa, nomeadamente, que a restrição é possível em caso de colisão com outros bens constitucionais, devendo, nesse caso, proceder-se a uma ponderação entre os sacrifícios impostos ao arguido e os ganhos de racionalidade, celeridade, eficácia e eficiência do sistema de administração da justiça, globalmente considerado. Nesta análise, não pode ser esquecido que existe uma correlação entre o direito fundamental ao recurso e os direitos fundamentais caracteristicamente restringidos pela pena, já que é a gravidade da pena que se reflete na esfera pessoal do arguido. Não é, por isso, indiferente ao julgamento da questão de constitucionalidade da restrição do direito ao recurso qual a pena aplicada ao arguido pela decisão em causa. A gravidade da pena de prisão impede a conformidade constitucional da irrecorribilidade da decisão da Relação que, inovadoramente relativamente à absolvição da primeira instância, condena o arguido em prisão efetiva. Foi essa a conclusão a que o Tribunal Constitucional chegou no Acórdão n.º 595/2018. Estando em causa a aplicação de uma pena não privativa da liberdade, como é o caso da pena de prisão suspensa na sua execução, o caráter inovador da apreciação empreendida pelo Tribunal da Relação da matéria de facto, e consequentemente da matéria de direito, não implica consequências fundamentais na posição jurídica do arguido, designadamente na sua liberdade. Sendo uma pena de substituição, tem, por isso, autonomia face à pena de prisão efetiva substituída. (…) Este facto não permite reclamar para o momento da condenação em pena suspensa um regime igual ou análogo ao das decisões condenatórias em pena de prisão efetiva. A norma em apreciação restringe o direito ao recurso à faculdade de influir ex ante no juízo decisório que o Tribunal ad quem terá de desenvolver para fixar os termos da respetiva responsabilidade. Todavia, em face das garantias de defesa que são reconhecidas ao arguido, condenado em pena de prisão suspensa, é de concluir que a restrição ao conteúdo do direito ao recurso traduzida na impossibilidade de impugnar as consequências jurídicas do crime impostas na decisão condenatória proferida em recurso, quando estas se traduzem na imposição de uma pena de prisão suspensa, representa um sacrifício dos direitos fundamentais do arguido que não compromete as garantias de defesa e encontra ainda justificação necessária e suficiente no propósito legítimo de propiciar uma racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.” Sai assim reforçada a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, de que são exemplo os dois acórdãos que se passam a enunciar, e que se acompanham, designadamente no referente à conformidade da solução propugnada com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, por um lado, e à necessidade de medidas legislativas de regulamentação do direito ao recurso no referente ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. “Não se impondo que (o Pacto) seja directamente aplicável pelos tribunais, havendo inconsistências entre a lei interna e as disposições do Pacto, estas devam ser resolvidas por via das medidas legislativas necessárias para garantir o direito ao recurso”. O acórdão do STJ de 30.10.2019 (Rel. Lopes da Mota): “17. A este propósito, importa, desde logo, lembrar as normas relevantes do sistema internacional de protecção dos direitos fundamentais vigentes na ordem interna [Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e Protocolo n.º 7 a esta Convenção]. 18. O artigo 14.º, n.º 5, do PIDCP estabelece que «Qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença em conformidade com a lei». Esta disposição foi considerada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 595/2018 (supra, 18), apenas para «enquadramento» da análise do direito ao recurso (ponto 11). (…) Importa, todavia, notar que, embora o Pacto vigore na ordem interna, por via da ratificação (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição, que contém uma regra de recepção geral plena do direito internacional – assim, Jorge Miranda / Rui Medeiros, ob. cit., p. 89), impondo a obrigação de respeitar e garantir os direitos nele reconhecidos (artigo 2.º, n.º 1), o artigo 14.º, n.º 5, requer expressamente a adopção de medidas legislativas de regulamentação do direito ao recurso, em conformidade com a obrigação resultante do n.º 2 do artigo 2.º, segundo o qual «cada Estado-Signatário» se «compromete» a «adoptar, de acordo com os seus procedimentos constitucionais e as disposições do presente Pacto, as medidas oportunas para implementar as disposições legislativas ou de outro género que sejam necessárias para tornar efectivos os direitos reconhecidos no presente Pacto e que não estejam ainda garantidos por disposições legislativas ou de outro género». Donde decorre que, não se impondo que seja directamente aplicável pelos tribunais, havendo inconsistências entre a lei interna e as disposições do Pacto, estas devam ser resolvidas por via das medidas legislativas necessárias para garantir o direito ao recurso tal como é garantido pelo artigo 14.º, n.º 5 (como se esclarece no «Comentário Geral n.º 31», de 29.03.2004, do Comité dos Direitos Humanos (…). Nesta conformidade, se deve, assim, concluir que, apesar da desconformidade que se verifica entre a al. e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP com o artigo 14.º, n.º 5, do Pacto, por não admitir o direito ao recurso da decisão condenatória da Relação proferida em recurso de decisão de absolvição da 1.ª instância, não se encontra base legal nesta disposição de direito internacional para admissão do presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. 19. A CEDH não contém norma expressa sobre o direito ao recurso, mas o artigo 53.º dispõe que nenhuma das suas disposições pode ser interpretada no sentido de limitar ou prejudicar os direitos que tiverem sido reconhecidos de acordo com as leis dos Estados-Partes ou de qualquer convenção em que estes sejam partes, como seria o caso do PIDCP, se aplicável nas condições anteriormente referidas. 20. O artigo 2.º do Protocolo n.º 7 da CEDH (1984), veio reconhecer o «direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal», consagrando no n.º 1 o direito de acesso de «qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal» a «uma jurisdição superior» que reexamine «a declaração de culpabilidade ou a condenação». Este direito pode, porém, ser limitado pelas excepções previstas no n.º 2, relevantes para o caso em análise, em que se incluem as «infracções menores, definidas nos termos da lei» e as situações em que «o interessado [tenha sido] declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição». Pelo que, incluindo-se o presente caso nestas excepções, nenhuma questão se suscita a propósito da conformidade da lei interna com esta disposição, que, apesar da sua aplicabilidade, não oferece fundamento para admissão do recurso.” O acórdão do STJ de 26.05.2021 (Rel. Nuno Gonçalves): “I - O recurso não poder ser um direito infinita, e ilimitadamente exercido. II - Estabelece o art. 2.º, n.º 2, do Protocolo 7 da CEDH que “pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido … declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição”. III - O recurso perante o STJ está reservado para os casos de maior gravidade, graduada pela dimensão da medida da pena judicial aplicada. IV - O STJ é, em todos os sistemas judiciários e deve ser também no nosso, um tribunal que, através da resolução de questões jurídicas, estabelece jurisprudência. Razão pela qual conhece apenas de direito. V - Consequências jurídicas de gravidade merecem tratamento diferenciado, podendo a questão de direito não se satisfazer com decisão de dois tribunais de diferente hierarquia. VI - O Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 595/2018 deixou bem claro que a natureza da pena aplicada condicionava decisivamente o juízo de censura jus-constitucional formulado, realçando, vivamente, que o 1.º segmento da norma processual penal em apreço, não enferma de inconstitucionalidade material. VII - Não admite recurso acórdão da Relação que modifica o julgamento da matéria e, em consequência, reverte a absolvição decidia pela 1ª instância para condenação em pena não privativa da liberdade.” Ainda no que respeita ao Pacto (PIDCP), adite-se que já posteriormente ao acórdão do STJ de 30.10.2019, mais precisamente em 24.04.2020, o Comité dos Direitos Humanos veio reiterar a necessidade de uma conformação da nossa legislação interna (da “legislação nacional”) ao art. 14.º, n.º 5 do Pacto. Alteração legislativa no direito interno que continua sem suceder. Assim se pode ler nos pontos 4 e 5 das Recomendações constantes do Relatório do Comité, acessível em https://docstore.ohchr.org/SelfServices/FilesHandler.ashx?enc=6QkG1d%2fPPRiCAqhKb7yhshYSuxMUifRIy90VnAxQecFFu5LsMgLbK6DPLrapwcZGXfBBP%2bzn8vhH7bEXeRxYqBrwl8jTyJQesxx53Sgg%2bs%2fMpeEljV4dJlivNPUOTZbz. De tudo o que se disse, resulta que o afastamento da norma legal expressa que estatui a irrecorribilidade da decisão - da norma processual penal que veda o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça num caso como o presente - teria então de justificar-se, ou à luz da Constituição, ou à luz de norma de direito internacional que o impusesse e obrigasse o Estado Português (viabilizando assim o afastamento da norma legal expressa da lei ordinária). E cumprindo sempre proferir decisão dentro do sistema, justificando-a à luz da lei, da Constituição e da CEDH, na interpretação destes diplomas não pode deixar de relevar, em concreto e muito impressivamente, o acórdão do Pleno do Tribunal Constitucional de 13 de Julho, bem como a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Reconhecendo-se a restrição do direito ao recurso do arguido numa situação como a sub judice, há que aceitar tal restrição como ainda razoável e proporcional, não se vislumbrando fundamento bastante para contrariar aquela que tem sido a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça. Como se disse no acórdão do STJ de 30-10-2019 (Rel. Lopes da Mota), “não parece que, no estado actual da legislação e da jurisprudência, sólida e consequentemente se possa fundar um juízo de inconstitucionalidade conducente à não aplicação da al. e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP na dimensão normativa que agora releva, de modo a admitir-se o presente recurso”, impondo-se “em consequência, concluir que pela não admissibilidade do recurso, de acordo com o disposto na primeira parte da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, segundo a qual não é admissível recurso de acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação que apliquem pena não privativa da liberdade.” E a tal não obsta a circunstância de o presente recurso ter sido admitido no Tribunal da Relação, pois a “decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior” (art. 414.º, n.º 3, do CPP). 3. Decisão Face ao exposto, acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso, por inadmissibilidade legal (art. 432.º n.º 1, al. b), 400.º n.º 1 al. e) e 420.º, n.º 1, al. b), todos do CPP). Custas pelo recorrente (art. 513.º, n.º 1 do CPP), fixando-se a taxa de justiça em 6 UC´s, acrescendo a importância de 3 UC’s (art. 420.º, n.º 3, do CPP). Lisboa, 17.11.2021 Ana Barata Brito, relatora Maria Helena Fazenda, adjunta |