Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11421/23.0T8LRS.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
SINISTRO
SEGURO AUTOMÓVEL
REGULARIZAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO PATRIMONIAL
DANO CORPORAL
SEGURO OBRIGATÓRIO
PRAZO
SEGURADORA
DECISÃO JUDICIAL
DECISÃO CONDENATÓRIA
RECURSO PER SALTUM
Data do Acordão: 11/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Se o lesado não demandou judicialmente o segurador dentro do prazo de prescrição definido no art. 483.º do CC, as sanções do art. 37.º do DL n.º 291/2007 não podem ser aplicadas porque dependem completamente de uma decisão judicial que fixe uma indemnização por danos causados por um acidente de viação.
Decisão Texto Integral:

Recorrente: AA, autor


Recorridos: Generali - Companhia de Seguros, SA, ré


*


I – Relatório


I.1 –


AA, autor, apresentou recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça da sentença proferida pelo Juiz 5 do Juízo Central Cível de Loures do Tribunal da Comarca de Lisboa Norte, proferida em 19 de Fevereiro de 2025 que julgou verificada e procedente a excepção de prescrição, e, nessa medida, absolveu a ré dos pedidos formulados pelo Autor.


O recorrente apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:

1. Face ao peticionado sob as alíneas C) e E) da petição inicial, verifica-se a aplicação ao pedido de condenação em sanção cível formulado ao abrigo destes mesmas alíneas do petitório um prazo prescricional errado, sendo esta a delimitação jurídica objetiva do presente Recurso.

2. Assim, de acordo com o preceituado no artigo 309º do Código Civil, o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos.

3. Ora, este pedido formulado sob as alíneas C) e E) da petição inicial não se fundam na génese da responsabilidade civil aquiliana, antes parte da mesma base, a ocorrência do sinistro, criando o legislador prazos diferentes para peticionar os montantes que a lei prevê para a indemnização pelos danos corporais (três anos) e para peticionar o montante devido pelo atraso na comunicação ou não comunicação da responsabilidade.

4. Tanto que o Tribunal tratou ambas as matérias como se de responsabilidade civil aquiliana se tratasse, quando não é o caso.

5. Ponto prévio, o aqui Recorrente não se conforma com a decisão da prescrição quanto aos danos corporais decido pelo Tribunal, não obstante essa questão será alvo de Recurso Autónomo para o Tribunal da Relação de Lisboa, uma vez que implicará a alteração da matéria de facto.

6. Contudo, a sanção cível peticionada nos pontos C) e E) do petitório não se confunde com o pedido formulado sob o ponto A), que emerge diretamente da responsabilidade civil aquiliana, cujo prazo prescricional foi fixado em três anos pelo legislador, e em cinco anos, se resultar que o mesmo configura crime.

7. Face ao acidente, ocorrido a 08 de março de 2016, o direito do aqui Autor somente prescreveria em 07 de março de 2036.

8. Facultando a lei, e seguindo a melhor jurisprudência, a possibilidade de o aqui Recorrente peticionar um montante que essa mesma lei define como sanção cível e que é de aplicação automática, terá o aqui Recorrente o prazo ordinário de prescrição para que, coercivamente, seja a Recorrida condenada ao pagamento de tal valor, o qual é de aplicação imediata, nem devendo, no limite, de ser um Tribunal a decretar que tal valor seja pago…

9. Ou seja, tendo em consideração o teor dos pontos 13) a 18), a Recorrida não definiu a sua responsabilidade no que diz respeito à assunção dos danos corporais.

10. Isto porquanto, a 11 de maio de 2016, conforme consta do ponto 12), encontrava-se a reanalisar a dinâmica do sinistro.

11. Nada mais referindo até à presente data, ou, pelo menos, até à data da apresentação da contestação, a 02 de janeiro de 2024.

12. Seja na sua vertente positiva – assunção de responsabilidade – seja na sua ação negativa – declinar essa responsabilidade, essa definição concreta apenas veio a suceder com a apresentação da contestação

13. Conforme resulta da aplicação a alínea a) do número 1 do artigo 37º do Decreto-lei 291/2007, a aqui Recorrida deveria informar o lesado, aqui Recorrente, se entende necessário proceder a exame de avaliação do dano corporal por perito médico designado pela empresa de seguros, num prazo não superior a 20 dias a contar do pedido de indemnização por ele efetuado, ou seja, tendo em consideração que a Recorrida sempre reconheceu a receção de todas as comunicações enviadas pelo Representante do Autor, tendo sido rececionada a Reclamação Inicial o mais tardar a 18 de março de 2016, isto porquanto o Tribunal Recorrido não fixou nos seus factos dados como provados a data em que a Recorrida efetivamente teve conhecimento do sinistro, apenas nos restando saber que efetivamente teve conhecimento do sinistro, e tendo sido formulado pedido indemnizatório, como resulta do seu teor, deveria a Recorrida ter informado o lesado, aqui Recorrente, nos termos deste normativo, até 07 de abril de 2016, o que não sucedeu.

14. Deste modo, deve a ora Recorrida pagar ao Recorrente, a título de penalizações, o valor de €100,00/dia decorridos 2.786 dias até à data da entrada da contestação - 02 de janeiro de 2024 - sobre a receção da carta datada de 15.03.2016, recebida no máximo em 18.03.2016, determinando então as referidas penalizações a partir do final do dia 17.05.2016, perfazendo o montante global de 278.600,00€.

15. Isto porquanto, desde 11 de maio de 2016 que a Ré aguardou para momento ulterior a sua definição de responsabilidade no que diz respeito a danos corporais, nos termos do artigo 39º nº1 do Decreto-Lei 291/2007, e essa definição apenas veio a ocorrer com a apresentação da contestação.

16. Termos em que, no diz respeito à aplicação das sanções cíveis previstas nos termos conjugados dos artigos 37º nº 2 alínea b), 39º nº1 e 40º nº2 do Decreto-lei 291/2007, o prazo prescricional será de 20 anos, devendo ser revogada a douta Sentença Recorrida no que diz respeito à aplicação deste prazo prescricional, no que concerne às alíneas C) e E) do Pedido formulado pelo aqui Recorrente.

17. Devendo ser revogada a douta Sentença Recorrida e substituída por outra que não só determine que não se verifica a aplicação do prazo prescricional de três anos no que concerne à aplicação desta sanção cível, como também que condene a Recorrida no pagamento dessa mesma sanção, pela violação dos prazos legalmente estipulados no Decreto-lei 291/2007.


Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverão julgar o presente Recurso procedente por provado e, consequentemente, revogar a Sentença no trecho ora Recorrido, substituindo-a por outro que julgue procedente, por provada, as presentes alegações de recurso.


A recorrida apresentou contra-alegações que encerram com as seguintes conclusões:

1. O Autor através de requerimento apresentado nos autos em 2 de Abril de 2015, vem apresentar recurso da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, recurso esse per Saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando conjuntamente as suas alegações de direito.

2. Quer nas suas alegações de direito, quer nas conclusões apresentadas o Autor limitou e circunscreveu o seu recurso à questão da decisão da prescrição do direito do Autor no que respeita à aplicação da sanção pecuniária prevista e estabelecida nos art. 39 e 40 do D.L. 291/2007.

3. Vem o Autor atacar a douta Sentença proferida pelo tribunal a quo por entender que fez errada interpretação e aplicação do direito no que respeita à figura da prescrição, relativa ao direito do Autor receber da Ré a sanção pecuniária prevista no D.L. 291/2007, defendendo que, no que se refere a este ponto a aplicação do prazo de prescrição ordinário de 20 anos, entendendo que se aplica o disposto no art. 309º do CC.

4. O Autor propõe uma ação para efetivação de direito de indemnização decorrente de acidente de viação, foi assim configurada a ação pelo próprio Autor, pelo que os pedidos formulados se fundam na responsabilidade civil extracontratual, emergente de acidente de viação, sendo que, em obediência ao princípio do dispositivo é aos factos alegados pelas partes que será aplicado o Direito.

5. No âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos ou pelo risco, o direito à indemnização, prescreve no prazo de três anos, o qual começa a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, conforme o disposto no artigo 498º, nº 1 do Código Civil. Dispõe ainda o nº 3 do citado preceito que “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”.

6. Para a aplicação do prazo mais longo de 5 anos, previsto no n.º 3 do art. 498º do CC, incumbe ao Autor a prova do enquadramento jurídico da situação, ou seja, que o ilícito constituía efetivamente crime, prova essa que não foi feita, nem conseguida, uma vez que não se demonstrou que a culpa na produção do acidente tenha sido do condutor do veículo seguro na recorrida.

7. Pelo exposto, no caso concreto terá aplicação o n.º 1 do art. 498º do CC, mormente a aplicação do prazo de prescrição de 3 anos, contado desde a data do acidente.

8. Resultando dos factos provado 1), 23), 24) e 25) da douta Sentença que o acidente em causa nos autos ocorreu a 08/03/2016, o prazo prescricional para intentar a ação destinada à efetivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação começou a correr no dia 09/03/2016 (cfr. arts. 279º, al. b) e 296º do Cód. Civil); e completou-se no dia 09/03/2019.

9. Nesse período, não ocorreu qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição, pelo que, à data da notificação judicial avulsa já havia decorrido há muito o prazo prescricional.

10. O Autor no seu recurso pretende fazer crer a este Venerando Tribunal que para a questão concreta do pedido de condenação da sanção pecuniária do DL. 291/2007, o prazo prescricional a aplicar é de 20 anos. Sustentando a sua posição, alegadamente, no Acórdão de 30 de novembro de 2022, Proc:576/20.6T8EVR.E1.S1, Supremo Tribunal de Justiça.

11. Da leitura atenta do douto Acórdão, verifica-se que não corresponde à letra, sentido e fundamentação do mesmo a interpretação que o Autor lhe quer dar, ou quer fazer parecer, pelo contrário, resulta sem qualquer margem para dúvida, que o prazo de prescrição a aplicar é o prazo contido no art. 498º do CC. Sendo que este douto tribunal entendeu, e bem que esse prazo, leia-se o estipulado no art. 498 do CC, não pode se encurtado, por via interpretativa, por forma a que o lesado passe dispor de um prazo menor para exercer o seu direito à indemnização prevista nos art. 39 e 40 do D.L.291/2007.

12. O facto jurídico que dá causa à aplicação do D.L. 291/2007 é a ocorrência do acidente de viação, que produza danos na esfera jurídica do lesado e a inerente culpa do condutor do veículo seguro na Seguradora demandada.

13. A responsabilidade da empresa seguradora emerge do facto ilícito praticado pelo seu segurado, na medida em que este dê causa ao sinistro, encontrando-se toda a situação jurídica enquadrada no âmbito da responsabilidade civil extracontratual.

14. O requisito inicial é a verificação do sinistro e posterior confirmação das causas e danos, nomeadamente da culpa.

15. A Ré não assumiu a culpa na produção do acidente, por entender que o seu segurado não era responsável pela produção do mesmo, sendo que após audição da prova em sede de julgamento, veio o douto tribunal a quo dar como não provada a versão trazida aos autos pelo Autor, não se tendo provado a culpa do segurado da recorrida.

16. Pelo que, se encontra desde logo arredada a responsabilidade da recorrida e consequentemente a obrigação de indemnizar por parte da mesma.

17. Acresce que, o lesado aqui Autor em momento algum instou a recorrida, ou lhe participou qualquer sinistro. As missivas elencadas nos pontos 8 a 18 dos factos provados da douta Sentença foram, todas, remetidas pelo Senhor BB, que auto se intitulava representante do lesado, mas que nunca juntou qualquer procuração nesse sentido, pelo que não pode considerar-se que existiu representação e que as comunicações dirigidas pelo Sr. BB revistam a natureza que o Autor lhe pretende dar.

18. No D.l. 291/2007 encontra-se expressamente previstos os requisitos formais que deve revestir a participação de sinistro, os quais não se mostram preenchidos na eventual participação e sinistro pelo lesado, aqui Autor.

19. Tudo coligido e tendo por base e limitações do recurso interposto pelo Autor, conclui-se que: nos autos está em causa a aplicação do instituto da responsabilidade civil extracontratual decorrente da verificação de um acidente de viação.

20. Tendo por base os pedidos e objeto da ação, o prazo de prescrição a aplicar aos autos é o previsto no art. 498º do CC, nomeadamente o prazo de 3 anos a contar desde a data da verificação da ocorrência do sinistro.

21. Este mesmo prazo prescricional é aplicável á sanção pecuniária decorrente do art. 40 do D.L. 291/2007, sendo que, quer na data da notificação judicial avulsa, quer na data da interposição da ação, já o direito do Autor há muito se encontrava prescrito.


Pelo exposto, a ora recorrida entende que, salvo o devido respeito por opinião contrária, deve a douta Sentença proferida pelo tribunal a quo ser mantida na integra, indeferindo-se o recurso Per Saltum interposto pelo A.


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I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso


O recurso é admissível ao abrigo do disposto no art.º 678.º do Código de Processo Civil.


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I.3 – O objecto do recurso


Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão:

1. Prazo de prescrição


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I.4 - Os factos


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. No dia 08 de Março de 2016, pelas 07h50m, na Avenida Dr. Augusto Pais Martins, sentido sul/norte (centro comercial Strada Outlet para o cemitério de Odivelas), freguesia e concelho de Odivelas, ocorreu um acidente envolvendo motociclo com a matrícula V1 conduzido pelo aqui Autor AA e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula V2, conduzido pelo Sr. CC e propriedade de DD, segurado pela ora Ré através da apólice de seguro nº ........54

2. Na ocasião referida em 1), os condutores dos veículos referidos em 1) circulavam ambos no sentido sul/norte,

3. O condutor do veículo com a matrícula V2, efectuou uma manobra de mudança para a faixa da esquerda, e em circunstâncias não concretamente apuradas veio a ocorrer o embate do veículo conduzido pelo autor no veículo segurado na ré;

4. Deste acidente foi lavrado «Auto de Participação de Acidente» pela Polícia de Segurança Pública – cfr. documento 2 junto com a petição inicial - e deslocados ao local os meios de socorro necessários ao transporte do aqui Autor para o Hospital Beatriz Ângelo;

5. O Condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula V2 foi o primeiro a assistir no local o Autor;

6. Na descrição do acidente efectuada pelo Autor e que integra o «Auto de Ocorrência» referido em 3), fez constar o Autor, além do mais: Resultado da queda parti a clavícula do lado direito e duas constelas, com operação agendada. – cfr. documento 2 junto com a petição inicial;

7. A Ré celebrou com DD, um contrato de seguro responsabilidade civil automóvel, através da apólice n. ........54 que garantia responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo de matrícula V2 – cfr. doc. 1 junto com a contestação;

8. Com data de 15-03-2016 BB elaborou escrito, dirigido á Ré, onde sob o assunto


Comunica, além do mais, o seguinte:








- cfr. documento 3 junto com a petição inicial;

9. A Ré deu ordem de Reparação nº ORDOF ..99, determinada com data de 21/03/2016, referente ao motociclo de modelo Ducati – 848 e matrícula V1, no valor global de 4.348,30€ (IVA incluído) – cfr. documento 4 junta com a petição inicial;

10. A Ré, por carta simples datada de 27 de Abril de 2016, enviada pela sua Divisão de Sinistros Automóveis Danos Materiais, com referência ao motociclo V1 e apólice ........54, referência de sinistro nº ........17 e ocorrência nº........39, sob o assunto: Comunicação de Responsabilidade comunica a EE (proprietário do veículo conduzido pelo condutor aquando do embate referido em 1):




cfr. documento 5 junto com a petição inicial;

11. Em face da comunicação enviada pela aqui Ré a 27 de Abril de 2016, BB, remete escrito à Ré, datado de 06 de Maio de 2016, onde sob o assunto lhe comunica o seguinte:

lhe comunica o seguinte:






- cfr. documento junto como doc. 6 com a petição inicial;

12. Com data de 11 de Maio de 2016, a aqui Ré, por meio de carta registada enviada pela sua Divisão de Sinistros Automóveis Danos Materiais, com referência à apólice ........54, referência de sinistro nº .....18 e ocorrência nº .....36, endereçada ao aqui Autor e enviada para a sua residência sita na Rua 1, comunica-lhe o seguinte:

- cfr. documento 7 junto com a petição inicial;

13. Com data de 20 de Abril de 2017, BB dirige novo escrito à Ré, onde sob o assunto:

lhe comunica,


- cfr. documento 8 junto com a petição inicial;
14. Com data de 8 de Agosto de 2018, BB remete novo escrito à Ré, onde, sob o assunto

lhe comunica:

- cfr. documento 9 junto com a petição inicial;

15. Com data de 10/10/2019, BB, remeteu novo escrito à Ré, onde sob o assunto

lhe comunica:







- cfr. documento 10 junto com a petição inicial;
16. Com data de 24/09/2020, BB remete novo escrito à Ré, onde sob o assunto:


lhe comunica:





- cfr. documento 11;

17. Com data de 01/02/2021, BB remete novo escrito à Ré, onde sob o mesmo assunto dos escritos anteriores, lhe comunica, além do mais, o seguinte:


(…)

- cfr. documento 12 junto com a petição inicial;

18. Com data de 19/02/2021 BB remete novo escrito à Ré, onde sob o mesmo assunto dos anteriores escritos, lhe comunica, além do mais:








- cfr. documento 13 junto com a petição inicial;

19. O Autor não circulou com a moto que lhe tinha sido cedida, desde a data do acidente até à data 26.07.2016 (aquela em que a moto lhe foi entregue reparada);

20. Mostra-se junto documento aos autos, com a denominação Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, subscrito por FF, com data de 30 de Janeiro de 2021, com o seguinte teor:






- cfr. documento 14 junto com a petição inicial;

21. Com referência ao período de 01/0172015 a 31/12/2015, o Autor declarou à Autoridade Tributária e Aduaneira um rendimento global de € 7.070,00 e como rendimento colectável € 2.966,00 – cfr. documento junto com o documento 13 da petição inicial;

22. 22) A Ré não respondeu aos escritos referidos em 13) a 18)

23. Com data de 01/03/2021 o Autor instaurou notificação judicial avulsa da Ré, com a finalidade de, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 323.º do Código Civil, interromper o prazo prescricional para o exercício do direito de indemnização dos danos emergentes do referido acidente de viação, e interpelando-a ao pagamento da quantia de € 528.135,14 – cfr. documento junto como documento 15 com a petição inicial;

24. Mediante despacho proferido a 02 de Março de 2021, foi determinado pelo Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 7, no âmbito do processo nº 5257/21.8T8LSB que se procedesse à notificação nos termos requeridos – cfr. documento 16 junto com a petição inicial;

25. A notificação judicial avulsa foi efectuada por Agente de Execução no dia 09 de Março de 2021.

26. O pagamento da taxa de justiça suportada com a entrada da notificação judicial avulsa pelo autor ascendeu a 51,00€ (cinquenta e um euros).

27. No local do acidente a faixa de rodagem permite dois sentidos de transito, com separador central, existindo duas filas de transito no sentido em que circulavam os veículos envolvidos no sinistro.

28. O local apresenta-se em curva ligeira à esquerda com boa visibilidade,

29. Sendo o pavimento betuminoso e em bom estado de conservação com limite de velocidade de 50 Kms/h.

30. De acordo com o auto de ocorrência referido em 4) os vestígios encontrados no local referem-se a «Marcas de arrastamento do veículo 2 (veículo conduzido pelo Autor)

31. O veículo seguro apresentava um risco/marca na parte lateral traseira, sendo que não havia tinta do mesmo no veículo do Autor;

32. O Autor foi observado pelos serviços clínicos da Ré, que lhe atribuiu um período de ITA de 02/03/2016 a 31/03/2016; QD grau 4, de grau 1, IPP de 4 pontos, que não exigem esforços acrescidos;

33. O Autor foi assistido e sujeito a cirurgia no Hospital Beatriz Ângelo, tendo esta entidade emitido a informação clínica junta em cópia, como o articulado de réplica à contestação;

34. Com data de 27 de Maio de 2016, sob o assunto Comunicação da Responsabilidade comunica a Ré a EE (proprietário do veículo com a matrícula V1):


- cfr. documento 1 junto com o articulado de réplica;

35. A Ré abriu processo interno de investigação de sinistro, tendo sido elaborado relatório de investigação final, onde consta, além do mais:


15. Apreciação Técnica do Sinistro


De acordo com os elementos apurados não é possível fazer prova de que no dia 08 de março de 2016 pelas 07h50m tenha ocorrido um acidente de viação na Avenida Doutor Augusto País Martins em Odivelas em que tenham estando envolvidos o VS e o VT.


Pelo participado/reclamado o sinistro terá ocorrido da seguinte forma:


O VS circulava na Avenida Doutor Augusto País Martins no sentido Oeste/ Este na via de trânsito direita.


O VT circulava na Avenida Doutor Augusto País Martins no sentido Oeste/ Este na via de trânsito esquerda.


Em plena curva para a esquerda, o CVS ao efectua uma manobra de mudança de via, ou seja da via direita para a via esquerda, acabando por embater com a lateral esquerda traseira do VS na lateral direita do VT, provocando a sua queda/despiste.


15.1 Elementos Suspeitos Obtidos:


Danos VT.


Dinâmica do sinistro.


Circunstâncias do sinistro.


Enquadramento de danos VS/VT.


Ausência de vestígios de vidros/plásticos do farolim do VS… apenas foram anotados na PAV vestígios de arrastamento do VT.

2. Elementos de Prova Obtidos:


Danos no VS encontram-se a uma altura do solo de 78/79 centímetros, tendo um comprimento de 25 centímetros, ao longo deste comprimento à altura ao solo é constante.


Os danos foram feitos da frente para trás e começaram por ser mais superficiais indo aumentando a sua intensidade.


O VT não apresenta danos de embate no VS, tem unicamente danos de arrastamento na lateral direita.


Apenas o punho direito se encontra a uma altura ligeiramente aproximada, 87 centímetros, dos danos no VS.


Este punho não apresenta, no entanto, danos de ter embatido no VS, teria forçosamente de apresentar danos na sua zona traseira e transferência de tinta.


No que concerne à dinâmica a mesma não é compatível com os danos, sinistro teria ocorrido no momento em que o VT se encontra a descrever uma curva à esquerda, ou seja encontra-se inclinado para a esquerda, só este fato tornava impossível o embate do punho sem que antes tivesse ocorrido o embate da lateral direita do VT no VS, para além disso é totalmente impossível que estando a curvar para a esquerda e alegadamente a travar o CVT conseguisse manter uma trajectória constante de forma a poder embater no VS fazendo ai danos que mantem em toda a sua extensão uma altura constante ao solo, ou seja, de forma rectilínea.


Os danos no VS também vão aumentando de intensidade conforme se vão aproximando da zona traseira, ou seja contrariamente ao normal o VT ao ser embatido não tinha uma alteração de trajectória na direcção contraria ao lado onde se encontrava o obstáculo – cfr. documento junto com o requerimento de 13/05/2024 aos autos;

36. O Autor, em consequência do embate referido em 1) apresenta as seguintes sequelas:


− Membro superior direito (ombro):


- cicatriz hipocrómica na região clavicular direita, obliqua nferomedialmente, com 10.5x0.5cm de comprimento. Sem deformidade clavicular, sem alterações ao toque.


- extensão 20º activo, 40º passivo (esquerdo 40º activo), leva mão direita até região lombar (mão esquerda até região interescapular), sem alterações da abdução, adução flexão e abdução do ombro


− Membro superior esquerdo:


- Sem limitações da mobilidade de D1 da mão;

37. De acordo com o relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito cível levado a cabo pelo INML, na sequência de perícia realizada ao Autor no dia 23/08/2024, do embate referido em 1) resultou:


A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 23/12/2016.


− Período de Défice Funcional Temporário Total sendo fixável num período total de 9 dias;-- Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo fixável num período total de 282 dias;--.


− Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total sendo fixável num período total de 39 dias;


− Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial sendo fixável num período total de 252 dias.;


− Quantum Doloris fixável no grau 4/7;


− Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 4 pontos, sendo de admitir a existência de Dano Futuro ..............................


− As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares .......................................


− Dano Estético Permanente fixável no grau 2 /7. .......................................


− Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3 /7.– cfr. relatório junto aos autos a 27/08/20924.—

38. A acção deu entrada em juízo no dia 08/11/2023.—


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Factos não provados, com relevância para a decisão da causa:


a) na ocasião referida em 1. dos factos provados ao iniciar o autor, que circulava na faixa da esquerda, a curva para a esquerda, logo antes da rotunda ali existente, o condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula V2, conduzido pelo segurado da Ré, ao efectuar a mudança de faixa de rodagem do seu lado esquerdo, pela qual circulava o ora Autor, cortou-lhe a curva, indo por força desta manobra, colidir lateralmente com o Autor, e em deslocação paralela à sua; empurrando-o contra o separador de cimento delimitador dos dois sentidos de trânsito ali existente, com o qual chegou a colidir.


b) O condutor do veículo de matrícula V2, efectuou uma mudança de faixa de circulação sem previamente se ter assegurado que o podia fazer em condições de segurança


c) O condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula V2 deu-se prontamente culpado quanto ao causar do acidente;


d) No embate referido em 1), o Autor tinha umas calças no valor de € 120,00 as quais ficaram danificadas;


e) No embate referido em 1), o Autor tinha umas botas no valor de € 200,00 as quais ficaram danificadas


f) No embate referido em 1) o Autor tinha casaco de cabedal, no valor de € 600,00, que ficou danificado


g) No embate referido em 1) o Autor tinha um capacete, no valor de € 500,00, que ficou danificado


h) No embate referido em 1) o Autor tinha consigo um iPhone, no valor de € 850,00, que ficou danificado;


i) No embate referido em 1) o Autor tinha consigo um relógio, no valor de € 150,00, que ficou danificado;


j) No embate referido em 1) a aranha e viseira da moto, com o valor de € 224,82, ficaram danificadas


j) Em 2015 o autor auferia um rendimento médio mensal de € 589,16


k) o autor, por via do referido em 1.d dos factos provados, carece de medicamentos mensais, no valor de € 7,50; de tratamentos médicos de carácter mensal de € 7,50; de tratamentos médicos mensais que ascendem a €25,00; de tratamentos de fisioterapia mensais que ascendem a €15,00 de efectuar deslocações para o efeito que importam o valor de € 3,00;


l) O Autor pagou 8,71€ (oito euros e setenta e um cêntimos) e 3,85€ (três euros e oitenta e cinco cêntimos), referente a despesas com envio de duas correspondências registadas para a Ré, a datada de, 01.02.2021, e a datada de 19.02.2021;


m) o Autor pagou 60,00€ (sessenta euros) com a necessidade que teve em obter o «Auto de Ocorrência» relativo ao Acidente de Viação lavrado pela Polícia de Segurança Pública de Loures.


n) Sem prejuízo das missivas remetidas pela ré, a mesma assumiu perante o Autor a responsabilidade por este sinistro.


*


II – Fundamentação

Prazo de prescrição

Considera o Autor, aqui recorrente, que o Tribunal de 1.ª instância incorreu em erro de julgamento ao ter decidido:


“(…) Tendo o acidente em causa nos autos ocorrido a 08/03/2016, o prazo prescricional para intentar a ação destinada à efetivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação começou a correr no dia 09/03/2016 (cfr. arts. 279º, al. b) e 296º do Cód. Civil); e completou-se no dia 09/03/2019.


Nesse período, não ocorreu (nem tal vem alegado), qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição, pelo que, à data da notificação judicial avulsa (09/03/2021), já havia decorrido há muito .


É pois, de proceder a exceção invocada.


A prescrição configura exceção peremptória, que impede o efeito jurídico dos factos articulados pelo Autor – artigo 576.º, 1 e 3 do CPC, importando a absolvição dos pedidos formulados.—“


Em seu entender, tendo formulado o pedido de condenação da Ré a pagar-lhe as seguintes quantias:

“a) €70.312,62, a título de danos materiais, sem prejuízo da ampliação do pedido no que respeite à atualização do salário;

b) € 68.571,43, a título de danos não patrimoniais;

c) €273.100,00, a título de penalização imposta pelo DL 291/2007 relativa ao incumprimento da alínea e) do nº1 do Artigo 36º do Decreto-Lei 291/2007;

d) Juros contabilizados a 8% ano desde a data de 17 de maio de 2016, a incidir sobre a quantia elencada em A) e B) que perfaz à data de propositura da presente ação o valor de € 83.102,13, continuando a vencer-se juros à taxa de 8% até ao efetivo e integral pagamento da quantia peticionada em A) por parte da Ré.

e) Condenação em montante igual ao mencionado em C) a favor da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões.”

em virtude de acidente de viação a que deu causa um segurado da Ré, o prazo de prescrição aplicável aos direitos respeitantes aos pedidos enunciados sob as alíneas c) e e) é o prazo de 20 anos constante do art.º 309.º do Código Civil, diversamente do prazo de prescrição aplicável ao direito de indemnização por danos emergentes de acidente de viação.


A sentença recorrida analisou o prazo de prescrição para intentar a acção destinada à efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, indicando que, por se tratar de direito de indemnização com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, nos termos do disposto no art.º 498.º, n.º 1 do Código Civil é de três anos, na ausência de demonstração de que o facto ilícito constituía crime, declarando, ainda, não existirem causas interruptivas ou suspensivas do prazo de prescrição.


O recorrente indica nas alegações que, apresentou recurso de apelação, quanto à decisão de improcedências dos demais pedidos, com pedido de reanálise da prova produzida mas que, em todo o caso, tal curto prazo de prescrição nunca poderia ser aplicado aos pedidos formulados nas alíneas c) e e) por se tratar de uma obrigação civil - artigos 37º nº 2 alínea b), 39º nº1 e 40º nº 2 do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto - que apenas tem em comum com a indemnização pelos danos sofridos com acidente de viação, ter sido originada nesse mesmo acidente .


Em suporte da sua pretensão refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 576/20.6T8EVR.E1.S1, em 30 de Novembro de 2022, acessível em www.dgsi.pt., porém, faz dele uma errada interpretação, como resulta evidente do seu texto de que transcrevemos a parte mais significativa para esta decisão:

“O DL 291/2007 de 21 de Agosto - Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel - que transpõe parcialmente para ordem jurídica interna a Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, que altera as Directivas n.ºs 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Directiva 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (5.ª Directiva sobre o Seguro Automóvel) estabelece no seu artigo 40.º , sob a epígrafe - Resposta fundamentada – que:

1. A comunicação da não assunção da responsabilidade, nos termos previstos nas disposições identificadas nos n.ºs 1 dos artigos 38.º e 39.º, consubstancia-se numa resposta fundamentada em todos os pontos invocados no pedido nos seguintes casos:

a) A responsabilidade tenha sido rejeitada;

b) A responsabilidade não tenha sido claramente determinada;

c) Os danos sofridos não sejam totalmente quantificáveis.

2. Em caso de atraso no cumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas nos n.ºs 1 dos artigos 38.º e 39.º, quando revistam a forma constante do número anterior, para além dos juros devidos a partir do 1.º dia de atraso sobre o montante previsto no n.º 2 do artigo anterior, esta constitui-se devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de uma quantia de (euro) 200 por cada dia de atraso.

O artigo 36 do referido diploma enuncia o modo como deve proceder a empresa de seguros quando lhe é comunicada a ocorrência de um sinistro automóvel de que não resultem danos corporais – intitula-o de diligência e prontidão – definindo prazos muito curtos para marcar as peritagens que devam ter lugar, concluir essas peritagens, disponibilizar os relatórios das peritagens, comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade.

O art.º 38.º indica o que deve considerar-se uma proposta razoável de indemnização e estabelece uma penalização para o incumprimento dos deveres de diligência e prontidão, ou para a apresentação de uma proposta de indemnização não razoável ou insuficiente duplicando a taxa legal dos juros de mora, nas situações nele expressas.

Quando a empresa de seguros não comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade, ou se atrasar no cumprimento dos referidos deveres, nos termos do n.º 2 do referido art.º 40.º, para além dos juros em dobro sobre os montantes indemnizatórios, constitui-se devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de uma quantia de 200 euros por cada dia de atraso, sem a relacionar com o valor dos danos a indemnizar.

O sistema é relativamente simples, tem como finalidade directa compelir a empresas seguradoras à rápida regularização dos sinistros assim protegendo os lesados, em casos ocorrência de um sinistro automóvel dos danos que acrescem na sua esfera jurídica pela não reparação rápida dos danos que o sinistro lhe causou, e, indirectamente, diminuir o recurso à via judicial para resolução deste tipo de conflitos.

Contrariamente ao entendido pelas instâncias não é o lesado que tem na sua disponibilidade o valor desta penalização, mas a empresa seguradora. Mesmo que a autora tivesse, como alegado na contestação, como estratégia, deixar arrastar o assunto durante anos para depois reclamar quantias exorbitantes a título de penalização, a empresa seguradora só deixa que essa estratégia surta efeitos porque não cumpre os deveres que lhe são impostos pelo DL 291/2007 de 21 de Agosto.

Ao lesado confere a lei um prazo para obter judicialmente o reconhecimento do seu direito, muito curto, três anos – art.º 498.º do Código de Processo Civil - que decorrido sem haver sido instaurada essa acção, determinará a declaração de prescrição do direito. Mas, dentro desse prazo de três anos, até que uma norma legislativa venha encurtá-lo, não é legitimo que, por via interpretativa, entendam os tribunais que passa o lesado a dispor de um menor prazo de prescrição apenas porque aquela penalização aumenta a cada dia que passa. Idêntico e diário aumento sofrem os juros de mora.

A norma do art.º 40.º em análise foi instituída em benefício dos lesados, por isso, uma simples análise lógica permite concluir que seria um absurdo que, por causa dela, os lesados passassem a ter de instaurar as acções relativas a acidentes de viação em um mês, ou dois, para que a penalização da seguradora fosse menor.

Não foram alegados, nem provados quaisquer factos de que possa decorrer a conclusão de que antes de terminado o prazo de prescrição o lesado estava em condições de propor a acção de indemnização. Mas, mesmo que estivesse, nada na lei permite obrigá-lo a propor a acção de indemnização num prazo curto. O lesado pode, até ao final do prazo de prescrição, ter a expectativa de que a empresa seguradora possa vir a acordar na solução extrajudicial do litígio, pode não ter condições financeiras, ou psicológicas para avançar com uma contenda judicial, em momento anterior, mas, sobretudo a lei confere-lhe o direito de escolher, posto que dentro do prazo de prescrição, se e quando irá instaurar essa acção de indemnização.”

Resulta claro do acórdão proferido proc. 576/20.6T8EVR.E1.S1 que o lesado em acidente de viação não estava obrigado a instaurar a acção de indemnização muito antes de terminado o prazo de três anos a que se refere o art.º 498.º, n.º 1 do Código Civil para que a penalização da seguradora não atingisse um montante avultado. Ali nunca foi indicado que o prazo de prescrição do direito de exigir este montante, a título de penalização da seguradora, corresponde ao prazo ordinário de prescrição.

Não está expressamente definido um prazo de prescrição do direito de exigir a penalização da seguradora em caso de incumprimento por parte desta dos deveres que lhe são impostos pelo DL n.º 291/2007 de 21 de Agosto.

Todavia, ele emerge das normas que a regulamentam, e, o presente caso é paradigmático, pois, considerado que prescreveu o direito à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente originados pelo acidente de viação, impossível se apresenta a aplicação das sanções à entidade seguradora que o recorrente peticiona.

Como resulta do preâmbulo do DL n.º 83/2006 de 3 de Maio que procedeu, relativamente aos danos materiais à transposição para a ordem jurídica nacional de parte da 5.ª Directiva do Seguro Automóvel, Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, que altera as Directivas n.ºs 72/166/CEE, do Conselho, de 24 de Abril, 84/5/CEE, do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, 88/357/CEE, do Conselho, de 22 de Junho, 90/232/CEE, do Conselho, de 14 de Maio, e 2000/26/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Maio, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, teve ele um dos seguintes objectivos “(…) para o reforço da protecção dos interesses económicos dos consumidores a que se referem os artigos 3.º e 9.º da Lei de Defesa do Consumidor, há a necessidade de serem fixados prazos em relação aos vários procedimentos exigidos para a regularização do sinistro que estabeleçam um horizonte temporal determinado e que permitam a regularização em tempo útil, sem demoras injustificadas, em consonância, aliás, com o Programa do XVII Governo Constitucional, que reconhece que a promoção dos direitos e interesses dos consumidores têm contribuído para fazer da política de defesa do consumidor um importante factor de modernização das economias e de melhoria das condições de vida dos cidadãos.”

O DL n.º 291/2007 de 21 de Agosto, alargou o «procedimento de proposta razoável» à regularização de sinistros com danos corporais, mantendo genericamente as regras procedimentais estabelecidas para a generalidade dos acidentes de viação ocorridos em Portugal causadores de danos materiais pelo DL n.º 83/2006 de 3 de Maio. Nos termos do art.º 36.º deste diploma tem a seguradora o dever de :

e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), - [dois dias a contar do momento em que lhe foi comunicado o sinistro] - informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico;

Tendo recebido notícia de que o acidente de viação que lhe foi participado envolve danos corporais, rege o disposto no art.º 37.º. O incumprimento dos deveres impostos à seguradora implica sanções diversas, consoante o dever incumprido, mas o seu texto é particularmente esclarecedor nesta matéria:

Em caso de incumprimento dos deveres fixados na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º :

1. são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo.

Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial, ou, até à data estabelecida na decisão judicial (art.º 38.º).

Se estiver prescrito o direito de indemnização por danos causados em virtude de acidente de viação torna-se impossível o cálculo desta penalização por inexistência de montante da indemnização fixado pelo tribunal.

Mas o que acabou de dizer-se relativamente à proposta razoável e regularização de sinistro em caso de danos materiais, repete-se quando estejam em causa danos corporais, como analisado no art.º 39.º do mesmo DL. Assim, no caso da proposta da empresa de seguros tiver sido efectuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, os juros nos termos do número anterior são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, e, relativamente aos danos não patrimoniais, a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos”.

Por seu lado o atraso no cumprimento dos deveres importa, além das sanções no nº 2 e 3 do art.º 38.º, o pagamento ao lesado e ao Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de (euro) 200 por cada dia de atraso.

Se tiver decorrido o prazo de prescrição constante do art.º 483.º do Código Civil, o tribunal não conhece sequer do mérito da acção, não fixa qualquer indemnização e não pode aplicar qualquer uma destas sanções.

A finalidade destas sanções é proteger o sinistrado e garantir que a regularização do sinistro, que lhe causou danos, decorra de forma rápida e eficaz e não seja a sua morosidade causa de outro dano. O mecanismo adoptado para atingir tal finalidade foi o estabelecimento de prazos claros, curtos e a aplicação de sanções ao segurador inadimplemente, que podem ter valor monetário significativo. Todavia, se o lesado não demandou judicialmente o segurador dentro do prazo de prescrição definido no art.º 483.º do Código Civil, também as sanções não podem ser aplicadas porque dependem completamente de uma decisão judicial que fixe uma indemnização por danos causados por um acidente de viação.

O prazo de prescrição ordinária não tem qualquer aplicação às sanções previstas nos art.ºs 38.º a 40.º do DL n.º 291/2007 de 21 de Agosto.

Dado que a acção está pendente de recurso de apelação onde se mostra questionada a matéria de facto e a matéria de direito, a acção terá o destino que lhe for determinado pelo tribunal da Relação.

***

III – Deliberação


Pelo exposto, acorda-se em negar a revista.


Custas pelo recorrente.


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Lisboa, 27 de Novembro de 2025


Ana Paula Lobo (relatora)

José Teles Pereira

Catarina Serra