Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
446/22.3GAVFR-W.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: HABEAS CORPUS
FUNDAMENTOS
PRISÃO PREVENTIVA
INDEFERIMENTO
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
PRISÃO ILEGAL
TENTATIVA
BURLA QUALIFICADA
ROUBO AGRAVADO
CONTAGEM DE PRAZOS
SANÇÃO PECUNIÁRIA
Data do Acordão: 04/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. O motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de se reconduzir, necessariamente, à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

II. Constitui entendimento pacífico, na jurisprudência deste Supremo Tribunal, ser a partir da data da prolação de despacho de aplicação da prisão preventiva que se contam os prazos máximos da medida de coação e não do momento da detenção que o tenha precedido.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO

1. AA, com os restantes sinais dos autos, veio, através da sua advogada, apresentar petição de habeas corpus, por considerar que se encontra ultrapassado o prazo máximo de prisão preventiva em que se encontra, nos termos e com os fundamentos que se transcrevem:

«1. O ora peticionante encontra-se preso ininterruptamente no estabelecimento prisional desde o dia 23 de Outubro de 2023, data em que foi detido na sequência de buscas domiciliarias e mandados de detenção fora de flagrante delito, (cumpridos) aguardou detido e veio a ser presente a juiz em 25 de Outubro e proferido despacho que decretou a sua prisão preventiva em 26 de Outubro de 2023, conforme despacho judicial.

Os arguidos AA, BB e CC, os dois primeiros em situação de reincidência – artigo 75.º do Código Penal, com dolo directo, em concurso real, em coautoria, na prática de:

- 4 crimes de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e n.º 2 b), 204.º n.º1 d), h) e n.º 2 g) do Código Penal,

- 1 crime de roubo agravado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e n.º 2 b), 204.º n.º 1 d), h) e n.º 2 g), 22.º e 23.º do Código Penal,

- 3 crimes de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217.º n.º 1, 218.º n.º 1 e n.º 2 alíneas b) e c) do Código Penal,

- 1 crime de burla qualificada na forma tentada, p. e p. pelos artigos 217.º n.º 1, 218.º n.º 1 e n.º 2 alíneas b) e c), 22.º, 23.º do Código Penal.

O arguido AA, em autoria com dolo directo, em concurso real, e em situação de reincidência – artigo 75.º do Código Penal na prática de:

- 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º n.º 1 c) da Lei das Armas – 5/2006.

O julgamento teve o seu inicio decorreram varias sessões não teve ainda sido prolatado acórdão.

Estipula o art. 215 do Código de processo penal os prazos máximos de prisão preventiva, prevendo no seu n 1 os prazos gerais e nos números seguintes as condições para agravação das mesmas .

Não foi decretada a especial complexidade.

Temos assim por assente que o prazo máximo da prisão preventiva e de um ano e seis meses.

Nos termos da alínea c do n.º 2 do art 222 do Cod de processo penal , nas situações em que e expirado o prazo máximo no caso atingido no dia 23 com a sua constituição de arguido e na data em que foram cumpridos os mandados e que ficou preso, e ainda assim o arguido permanece preso privado da liberdade e a petição de habeas corpus o meio adequado e idóneo para solucionar tal violação dos Direitos Fundamentais.

Entende-se assim que para efeitos de habeas corpus a contagem de prazo de detenção começa no momento em que a pessoa e detida, não na data da validação da detenção. O habeas corpus visa garantir que uma pessoa detida seja apresentada ao juiz, pelo que a contagem do prazo começa a partir do momento da sua detenção

A este propósito em caso semelhante decidiu o supremo tribunal de justiça proc. 256.16-7 PAPVZ-B.S1 de 25.07.2017.

Do Pedido:

Por se entender que se encontra excedido o prazo máximo de prisão preventiva deve o arguido ser de imediato restituído à liberdade aguardando os ulteriores termos sujeito a TIR.»

2. Foi prestada a informação referida no artigo 223.º, n.º1, parte final, do Código de Processo Penal (doravante, CPP), nos termos que, seguidamente, se transcrevem:

«Tomou este Tribunal conhecimento, neste momento, do requerimento de habeas corpus apresentado pelo arguido AA.

Encontram-se os arguidos sujeitos à medida de coação prisão preventiva que lhes foi aplicada por despacho do dia 26.10.2023 [os diferentes prazos máximos da prisão preventiva contam-se desde a data da prolação dos atos (despacho a decretar a prisão preventiva), vide CPP anotado, Fernando Gama Lobo, pág. 446 e ac. STJ 11.10.2005, in CJ], que foi sucessivamente mantida nos posteriores despachos que reavaliaram a verificação dos pressupostos da sua aplicação.

Assim, em face do disposto no artigo 215.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, o prazo máximo de um ano e seis meses, afigura-se-nos que o prazo de máximo da prisão preventiva aplicada aos arguidos termina no dia 26.04.2025, razão pela qual se mantém – neste sentido acórdão do STJ, 869/18.2JACBR-G.S1, datado de 11.11.2021, relator Eduardo Loureiro, in base de dados do STJ, que decidiu que os prazos de duração máxima de prisão preventiva previstos no art. 215.º, do CPP contam-se a partir do momento em que o arguido é sujeito a essa medida de coacção, por despacho judicial.

Mais se regista que a leitura do acórdão se encontra agendada para o dia de hoje.

Ao abrigo do disposto no artigo 223.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, e com certidão do presente despacho a encabeçar, extraia certidão do despacho que aplicou as medidas de coação, dos despachos posteriores pelos quais o Tribunal reviu os pressupostos das medidas de coação aplicadas, e remeta com urgência ao Senhor Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.»

3. O processo encontra-se instruído com a documentação pertinente.

4. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, realizou-se audiência, em conformidade com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 223.º do CPP.

Após o que a secção reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que se seguem.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Questão a decidir:

Saber se o peticionário se encontra ilegalmente em prisão preventiva, nos termos do artigo 222.º, n.º 2, al. c), do CPP - ilegalidade proveniente de, alegadamente, manter-se preso para além do prazo máximo fixado por lei.

2. Factos

A matéria factual relevante para o julgamento do pedido resulta da petição de habeas corpus, da informação prestada, da certidão que acompanha os presentes autos e da consulta CITIUS do processo, extraindo-se os seguintes dados de facto e processuais (em súmula):

1. O arguido/ora peticionário foi submetido a 1.º interrogatório de arguido detido, tendo-lhe sido imposta, no final dessa diligência, por despacho de 26 de outubro de 2023, a medida de coação de prisão preventiva, por se considerar fortemente indiciada a prática por parte do mesmo de factos integradores, além do mais, do crime de associação criminosa, e, em coautoria, de diversos crimes de roubo agravado, de burla qualificada (consumados) e de burla qualificada na forma tentada.

2. A medida de coação imposta foi sendo sucessivamente reexaminada e mantida.

3. Em 22 de abril de 2024, foi deduzida acusação contra o peticionário e demais arguidos nos autos, sendo imputada ao arguido / peticionário:

- a prática, em coautoria entre todos os arguidos e em concurso real, de um (1) crime de associação criminosa do artigo 299.º, n.º1 do Código Penal;

- prática, em coautoria com o arguido BB, em concurso real e em situação de reincidência nos termos do artigo 75.º do Código Penal de: 5 (cinco) crimes de roubo agravado dos artigos 210.º, n.º1 e n.º2, b), 204.º, n.º1, d), h) e n.º2, g) do Código Penal; 4 (quatro) crimes de burla qualificada dos artigos 217.º, n.º1, 218.º, n.º1 e n.º2, b) e c) do Código Penal; 3 (três) crimes de burla qualificada na forma tentada dos artigos 217.º, n.º1, 218.º, nºs 1 e 2, b) e c), 22.º, 23.º do Código Penal;

- a prática, em situação de reincidência e em coautoria com os arguidos BB e CC, em concurso real, de: 4 (quatro) crimes de roubo agravado dos artigos 210.º, nºs 1 e 2, b) e 204.º, nºs 1 d), h) e 2, g) do Código Penal; 1 (um) crime de roubo agravado na forma tentada dos artigos 210.º, nºs 1 e 2, b), 204.º, nºs 1, d), h) e 2, g), 22.º e 23.º do Código Penal; 3 (três) crimes de burla qualificada dos artigos 217.º, n.º1, 218.º, n.º1 e n.º2, b) e c) do Código Penal;

- a prática, em autoria material, em concurso real, e na situação de reincidência nos termos do artigo 75.º do Código Penal de 1 (um) crime de detenção de arma proibida do artigo 86.º, n.º1, c) da Lei das Armas (Lei nº5/2006).

4. No dia 24 de abril de 2025, o coletivo do Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, proferiu acórdão em que o ora peticionário, foi condenado:

- como coautor material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217.º n.º 1, 218.º n.º 1 e n.º 2 alínea c) do Código Penal [em relação aos factos a que se refere o NUIPC 51/22.4... (Apenso C)], na pena de 5 (cinco) anos de prisão;

- como coautor material e na forma consumada, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e n.º 2 b), 204.º n.º 1 d), e n.º 2 g) do Código Penal [em relação aos factos a que se refere o NUIPC 446/22.3...], na pena de 8 (oito) anos de prisão;

- como coautor material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217.º n.º 1, 218.º n.º 1 e n.º 2 alínea c) do Código Penal [em relação aos factos a que se refere o NUIPC 13/23.4... Apenso B], na pena de 8 (oito)anos de prisão;

- como coautor material e na forma consumada, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e n.º 2 b), 204.º n.º 1 d), e n.º 2 g) do Código Penal [em relação aos factos a que se refere o NUIPC 166/23.1... Apenso H], na pena de 8 (oito) anos de prisão;

- como coautor material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217.º n.º 1, 218.º n.º 1 e n.º 2 alínea c) do Código Penal [em relação aos factos a que se refere o NUIPC 117/23.3... (Apenso G)], na pena de 5 (cinco) anos de prisão;

- como coautor material e na forma consumada, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e n.º 2 b), 204.º n.º 1 d), e n.º 2 g) do Código Penal [em relação aos factos a que se refere o NUIPC 122/23.0... Apenso I], na pena de 8 (oito) anos de prisão;

- como coautor material e na forma consumada, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e n.º 2 b), 204.º n.º 1 d), e n.º 2 g) do Código Penal [em relação aos factos a que se refere o NUIPC 658/23.2... (Apenso Q)], na pena de 8 (oito) anos de prisão;

- como coautor material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada na forma tentada, p. e p. pelos artigos 217.º n.º 1, 218.º n.º 1 e n.º 2 alíneas c), 22.º, 23.º do Código Penal [em relação aos factos a que se refere o NUIPC 834/23.8... (Apenso O)], na pena de 2 (dois) anos de prisão;

- como coautor material e na forma consumada, de um de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217.º n.º 1, 218.º n.º 1 e n.º 2 alínea c) do Código Penal [em relação aos factos a que se refere o NUIPC 367/23.2... (Apenso U)], na pena de 5 (cinco) anos de prisão;

- como coautor material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º n.º 1 c) da Lei das Armas – 5/2006], na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi o ora peticionário condenado na pena única de 15 (quinze) anos de prisão.

5. No referido acórdão, foi determinada a manutenção da prisão preventiva imposta ao arguido, ora peticionário.

*

3. Direito

3.1. Nos termos do artigo 27.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), todos têm direito à liberdade e ninguém pode ser privado dela, total ou parcialmente, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança, excetuando-se a privação da liberdade, no tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos no n.º 3 do mesmo preceito constitucional.

O artigo 31.º da CRP consagra o direito à providência de habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer pela própria pessoa lesada no seu direito à liberdade, ou por qualquer outro cidadão no gozo dos seus direitos políticos, por via de uma petição a apresentar no tribunal competente.

Em anotação ao artigo 31.º, n.º 1, da CRP, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508):

«Na sua versão atual, o habeas corpus consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros, garantido nos arts. 27.º e 28.º (...). A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos no art. 27.º, quando efetuada ou ordenada por autoridade incompetente ou por forma irregular, quando tenham sido ultrapassados os prazos de apresentação ao juiz ou os prazos estabelecidos na lei para a duração da prisão preventiva, ou a duração da pena de prisão a cumprir, quando a detenção ou prisão ocorra fora dos estabelecimentos legalmente previstos, etc.

Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade.»

A lei processual penal, dando expressão ao referido artigo 31.º da CRP, prevê duas modalidades de habeas corpus: em virtude de detenção ilegal e em virtude de prisão ilegal.

Dispõe o artigo 222.º do CPP, sob a epígrafe “Habeas corpus em virtude de prisão ilegal”:

«1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.»

A jurisprudência deste Supremo Tribunal vem considerando que constituem fundamentos da providência de habeas corpus os que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos suscetíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão (acórdão de 06.04.2023, proc. n.º 130/23.0PVLSB-A.S1, disponível em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).

Tem também decidido uniformemente o Supremo Tribunal de Justiça que a providência de habeas corpus, por um lado, não se destina a apreciar erros de direito, nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade (por todos, o acórdão do STJ, de 04.01.2017, proc. n.º 109/16.9GBMDR-B. S1, e jurisprudência nele citada) e, por outro, que a procedência do pedido pressupõe a atualidade da ilegalidade da prisão, reportada ao momento em que é apreciado o pedido (entre muitos, o acórdão de 19.07.2019, proferido no proc. n.º 12/17.5JBLSB, com extensas referências jurisprudenciais).

Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se, necessariamente, à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

Como se tem afirmado, em jurisprudência uniforme, o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar (a) se a prisão, em que o peticionário atualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, proferida por autoridade judiciária competente, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c) se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (acórdãos de 16.11.2022, proc. 4853/14.7TDPRT-A.S1, de 18.05.2022, proc. 37/20.3PJLRS-A.S1, e de 06.09.2022, proc. 2930/04.1GFSNT-A.S1).

3.2. No caso concreto, o arguido/peticionário considera que a prisão preventiva que lhe foi imposta por despacho proferido no dia 26.10.2023 se mantém para além do prazo fixado na lei.

Vejamos.

Em matéria de prisão preventiva, os prazos a considerar são os previstos no artigo 215.º, do CPP, sob a epígrafe «prazos de duração máxima da prisão preventiva», onde se dispõe, nomeadamente, e com interesse para o presente caso:

«1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:

a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;

b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;

c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância;

d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.

2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respetivamente, para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime:

(…)

d) De burla, insolvência dolosa, administração danosa do sector público ou cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação económica em negócio; (…)».

Tendo em vista os crimes fortemente indiciados no momento da imposição da prisão preventiva e os que foram imputados posteriormente ao ora peticionário na acusação, o prazo de duração máxima da prisão preventiva, sem haver condenação em 1.ª instância, era de um ano e seis meses [artigo 215.º, n.ºs 1, al. c) e 2, do CPP].

Diversamente do que sustenta o peticionário, constitui entendimento pacífico, na jurisprudência deste Supremo Tribunal, ser a partir da data da prolação de despacho de aplicação da prisão preventiva que se contam os prazos máximos da medida de coação e não do momento da detenção que o tenha precedido (neste sentido, entre muitos, o acórdão de 11.11.2021, proc. 869/18.2JACBR-G.S1).

Aliás, o acórdão citado pelo peticionário – de 25-05-2017 e não de 25-07-2017, como erradamente indica – não diverge do referido entendimento, mencionando, sempre, a data do despacho de aplicação da medida de prisão preventiva, aquando do interrogatório judicial, não se percebendo, por conseguinte, a invocação desse aresto.

Como se diz no Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, 2.ª edição, Tomo III, p. 592:

«Os prazos de duração máxima da prisão preventiva vertidos no art. 215.º (e também da OPH por via do art. 218.º), contam-se a partir do seu “início” (art. 215.º/1), o que corresponde à data da prolação do despacho de aplicação da medida de coação, e não da data da notificação, ou, da data da detenção, até porque, em relação à detenção, o legislador fez repercutir a “obrigatoriedade do desconto” da detenção no momento do cumprimento da pena e não na execução da prisão preventiva.” [ac. STJ, 03.04.2020 (Paulo Ferreira da Cunha)]. Para contagem do prazo de prisão preventiva releva o despacho que a aplicou e não a data da prévia detenção, uma vez que a “lei atende ao prazo máximo de duração da medida de coação e não ao tempo global da privação da liberdade” [ac- STJ, 05.09.2019 (Carlos Almeida)].

Do que decorre que, tendo como termo a quo o momento do decretamento da prisão preventiva – 26.10.2023 –, o prazo de um ano e seis meses atingiria o seu termo final no dia 26.04.2025, às 24h00, porquanto se trata de um prazo de natureza substantiva, devendo computar-se nos termos dos artigos 296.º e 279.º, do Código Civil (cf. o citado acórdão de 11.11.2021).

Entretanto, no dia 24.04.2025 foi proferido o supra mencionado acórdão, em data, aliás, que foi designada no dia 2.04.2025, o que era do conhecimento do arguido/peticionário e da sua mandatária.

Com a prolação do acórdão condenatório, o prazo de prisão preventiva passou a ser o de dois anos, de harmonia com o disposto no artigo 215.º, n.ºs 1, al. d) e 2, do CPP, o que, de per si, determina o indeferimento da presente providência.

3.3. O artigo 223.º, n.º6, do CPP, estabelece: «Se o Supremo Tribunal de Justiça julgar a petição de habeas corpus manifestamente infundada, condena o peticionante ao pagamento de uma soma entre 6 UC e 30 UC.»

A jurisprudência tem considerado, a propósito do recurso, que este é manifestamente infundado quando, através de uma avaliação sumária dos seus fundamentos, se pode concluir, sem margem para dúvidas, que está votado ao insucesso.

O mesmo critério deve ser utilizado para determinar quando uma petição de habeas corpus é “manifestamente infundada”, justificando a aplicação de uma sanção processual pecuniária, penalizadora do uso manifestamente censurável da providência por evidente ausência de pressupostos e fundamentos.

É o que ocorre no presente caso, em que é patente e indubitável, numa avaliação perfunctória dos fundamentos do pedido de habeas corpus, que o prazo de prisão preventiva, diversamente do alegado, não se mostra ultrapassado.

Como já se assinalou, não oferece qualquer dúvida ser a partir da data da prolação do despacho de aplicação da prisão preventiva que se contam os prazos máximos da medida de coação.

Mesmo que não tivesse sido proferido, entretanto, acórdão condenatório em 1.ª instância, sempre a petição, apresentada em 23.04., seria prematura, sendo certo que a lei não contempla a figura do habeas corpus preventivo.

Por outro lado, sabedor de que estava designado o dia 24.04 para a leitura do acórdão e não podendo ignorar o entendimento quanto à forma de contagem do prazo de prisão preventiva, cabia ao arguido e à sua mandatária aguardarem pela referida data e, após, atuarem em conformidade, porquanto, em 24.04., o prazo de prisão preventiva não estava, seguramente, excedido.

Em consequência, deve o peticionário ser condenado, para além da tributação devida nos termos do artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III, do Regulamento das Custas Processais, também numa soma, nos termos do artigo 223.º, n.º6, do CPP, que, in casu, se fixa em 8 UC.

*

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus ora em apreciação.

Custas pelo peticionário, com 3 UC de taxa de justiça (artigo 8.º, n.º 9, do R. Custas Processuais e Tabela III anexa), sendo ainda condenado, nos termos do artigo 223.º, n.º 6, do CPP, no pagamento de uma soma de 8 (oito) UC, a título de sanção processual.

Supremo Tribunal de Justiça, 30 de abril de 2025

(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)

Jorge Gonçalves (Relator)

Jorge Reis Bravo (1.º Adjunto)

Ernesto Nascimento (2.º Adjunto)

Helena Moniz (Presidente da Secção)