Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | LUIS FONSECA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL MANDATÁRIO JUDICIAL ADVOGADO CULPA NEXO DE CAUSALIDADE MATÉRIA DE FACTO | ||
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Nº do Documento: | SJ200306050014382 | ||
Data do Acordão: | 06/05/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 8420/02 | ||
Data: | 12/05/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: O Dr. A demanda a Companhia de Seguros B pedindo a condenação da ré na quantia de 2.603.071$60, correspondente ao capital e juros vencidos, bem como os juros vincendos até integral pagamento. Alega para tanto que, no exercício da sua profissão de advogado, representou um banco numa acção que correu termos no tribunal de trabalho e que por sua culpa o seu cliente foi condenado. Por isso, assumindo a sua responsabilidade, pagou a quantia em que o seu cliente foi condenado. Participou a ocorrência à ré, sua seguradora por riscos de responsabilidade civil profissional, mas esta não o reembolsou da quantia que pagou. Contestou a ré, excepcionando o incumprimento de cláusulas contratuais do seguro por parte do autor, acrescentando que o cliente do autor sempre seria condenado porque nenhuma razão lhe assistia. O autor replicou. No saneador foram julgadas improcedentes as excepções suscitadas pela ré, designadamente a falta de participação do sinistro e assunção da responsabilidade pelo autor, declarando-se nulas as cláusulas do seguro que penalizavam com a nulidade do contrato a conduta do segurado que infringisse tais cláusulas. Condensado, o processo seguiu seus termos normais, realizando-se a audiência de julgamento. Foi proferida sentença onde, julgando-se a acção improcedente, se absolveu a ré do pedido. O autor apelou, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 5 de Dezembro de 2002, dando provimento à apelação, condenado a ré a pagar ao autor a quantia de 11.274,45 Euros, acrescida de juros de mora vencidos desde 31/7/95, e vincendos, às sucessivas taxas legais de 15% ao ano, até 29/9/95; de 10% ao ano desde 30/9/95 até 22/2/99 e de 7% ao ano, desde 23/2/99, até integral pagamento, absolvendo-se a ré do mais excedentemente pedido pelo autor em sede de capital e juros. A ré interpôs recurso de revista para este Tribunal, concluindo assim, a sua alegação do recurso: 1- A falta involuntária do autor à audiência realizada no Tribunal de Trabalho, em que patrocinava o aí réu, C, não foi por si determinante da condenação do banco. 2- Ao autor, enquanto mero advogado do banco, apenas foram conferidos poderes para "acordar, confessar ou transigir" e não o poder representar o banco em audiência de julgamento ou de nela prestar declarações em seu nome. 3- O Banco não se fez representar por qualquer membro do Conselho de Administração nem por pessoa mandatada por esse conselho com os poderes necessários para aí ser ouvida pelo Juiz sobre a sua versão dos factos. 4- O autor chegou tardiamente à audiência de julgamento em consequência de uma avaria súbita no seu carro, pelo que a sua falta resultou de causa fortuita alheia à sua vontade e não devido a negligência, descuido ou leviandade. 5- Não há qualquer nexo psicológico entre o facto e a vontade do autor. 6- Para que haja responsabilidade civil do advogado é necessária a verificação cumulativa dos seus pressupostos, não existindo responsabilidade civil se falta qualquer deles. 7- In casu não existe culpa nem nexo de causalidade, não se verificando violação deontológica do autor perante o cliente Banco. 8- Na ausência de demonstração dos factos estruturantes da acção, esta tem que improceder. 9- Ao decidir de forma diversa, o acórdão da Relação não fez a análise do "caso concreto", não observando o correcto entendimento dos preceitos citados, designadamente, o disposto nos artigos 89º do CPT (então vigente), 157º e 163º do Cód. Civil, 405º, nº 2 do C. das Sociedades e 21º, nº 1, do C.P.C. e, por fim, o estabelecido nos artigos 342º, 483º, nº 1 e 487º, nº 2, ex vi nº 2 do art. 799º, todos do Cód. Civil. 10- Consequentemente, carecendo a acção de fundamentos sérios, de facto e de direito, a ré, ora recorrente, não tem de indemnizar o autor. Contra alegou o autor, pronunciando-se pela improcedência do recurso da ré. Corridos os vistos, cumpre decidir. Estão provados os seguintes factos: 1- O autor exerce a profissão de advogado. 2- D suscitou contra C - , acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma sumária, que correu termos, sob o nº 248/93, pela 3ª Secção do 2º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa. 3- Formulou, aí, os seguintes pedidos: « - se declare nulo o processo disciplinar contra ele instaurado e, consequentemente, se declare ilícito o despedimento que lhe foi comunicado em 19/11/92 e - o R seja condenado a pagar-lhe as retribuições vencidas em 15.07.93 no valor de 135.192$00 e as vincendas até à data da sentença - sendo certo que o A auferia mensalmente 135.192$00 - bem como os respectivos juros legais ». 4- O autor foi, nessa acção, constituído mandatário judicial pelo C. SA, com poderes gerais forenses, e « os especiais para acordar, confessar ou transigir». 5- A acção foi contestada pelo réu e, nela, foi designado o dia 23 de Maio de 1994, às 10 horas, para a audiência de julgamento. 6- No dia e hora marcados, para essa diligência, deixaram de comparecer, no tribunal, quer o C SA, quer o ora autor. 7- A audiência realizou-se, tendo, no final da mesma, o senhor juiz presidente proferido um despacho do seguinte teor:« Aguardem os autos por cinco dias a justificação da falta, após o que me voltem conclusos. » 8- O ora autor compareceu, no tribunal, a uma hora em que a audiência de julgamento já havia sido encerrada. 9- No mesmo dia 23 de Maio de 1994, o ora autor fez entrar um requerimento, dirigido ao processo, onde dá a saber que só « por avaria súbita », no automóvel em que se deslocava, não tendo podido contactar, em tempo útil o tribunal, aqui deixou de comparecer à hora agendada, concluindo por pedir se « considere justificada a falta » e se marque « nova data para a audiência de julgamento ». 10- Por decisão de 15/6/94, proferida na mesma acção, julgou-se improcedente essa alegada « justificação do impedimento ». 11- E proferiu-se sentença, cujo dispositivo reza assim: « Em audiência de julgamento o A optou pela indemnização prevista no nº 3 do art. 130 do DL 64-A/89 - sendo certo que foi admitido ao serviço em 1.1.91. Face ao indeferimento do requerido e visto o art. 89º, nº 3 do CPT condeno o R nos pedidos efectuados pelo A ». 12- Esta decisão, que foi objecto de recurso, foi confirmada pelo acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Maio de 1995, e transitou em julgado no dia 22.6.95. 13- D apôs, por seu punho, a sua assinatura em um escrito, denominado « Declaração de quitação » e aonde estava aposta a data de 30.6.95. 14- Nesse escrito diz-se: « D ... declara ter recebido do Exmo Sr. Dr. A, advogado ... com escritório em Lisboa, a quantia de 2.460.325$00 (dois milhões quatrocentos e sessenta mil trezentos e vinte e cinco escudos) com a qual ficam integralmente satisfeitos os seus créditos perante o - Banco C SA, decorrentes da decisão judicial tomada no proc. nº 248/93 que correu seus termos pelo 2º juízo e 3ª secção do tribunal de trabalho de Lisboa ». 15- A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores ajustou com a ré Companhia de Seguros B SA um contrato de « seguro de grupo » - responsabilidade civil », titulado pela apólice nº 2-1-91-029000/00 do ramo « seguro multi-garantias ». 16- O autor aderiu a este seguro, com início em 1/2/90, ficando transferida para a ré, mediante essa adesão, a responsabilidade civil a ele imputável por danos causados a terceiros no exercício da profissão de advogado, até ao limite de capital de 10.000.000$00 e com a franquia mínima de 150.000$00. 17- Com início em 1/1/94 a franquia mínima relativa ao seguro acordado, foi ajustada em 200.000$00. 18- Com a data de 5/5/95 o autor enviou à ré uma carta, dando-lhe a saber dos factos que haviam acontecido na acção judicial do trabalho, e « em vista do funcionamento da apólice ». 19- Aí escreveu estar o banco, seu constituinte, « obrigado a pagar ao autor as importâncias da condenação e eu, por força do mecanismo da responsabilidade civil, obrigado a indemnizar o Banco das importâncias que o mesmo tiver de despender, bem como das custas do processo ». 20- Com a data de 27/7/95, o autor enviou à ré uma carta onde lhe dava a saber « que a importância que tive de pagar ao Sr. D, transitada que foi em julgado a sentença que condenou o meu constituinte, foi de esc. 2.460.325$00 » e lhe solicitava « a brevidade possível no respectivo reembolso ». 21- Com data de 31/8/95, a ré enviou ao autor uma carta onde, acusando a recepção das de 5/5 e 27/5, lhe comunicava a « improcedência da "reclamação" formulada ... por se não verificarem todos os pressupostos da responsabilidade civil de advogado ». 22- Com a data de 31/10/95 a ré enviou ao autor uma carta, corroborando a anterior comunicação de 31/8/95. 23- O ora autor entregou a D a quantia de 2.460.325$00 (dois milhões quatrocentos e sessenta mil trezentos e vinte e cinco escudos). 24- O que fez no dia 30 de Julho de 1995. É pelas conclusões da alegação do recurso que se delimita o seu âmbito - cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C. As questões suscitadas no recurso respeitam à falta de pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente inexistência de culpa nem de nexo de causalidade existente entre a conduta do autor e o prejuízo. Nos termos do art. 89º, nº 3 do Cód. Proc. Trab. de 1981, aplicável à questão, « Se o réu faltar (à audiência de julgamento) e não justificar a sua falta nem se fizer representar por mandatário judicial, é condenado no pedido, excepto se tiver provado por documento suficiente que a obrigação não existe; se apenas se fizer representar por mandatário judicial, consideram-se provados os factos alegados pelo autor que forem pessoais do réu. » Entendeu-se no acórdão recorrido que foi a falta do autor à audiência de julgamento, no processo sumário laboral respectivo, causa da condenação do Banco patrocinado no pedido. Isto porque o ora autor, «constituído mandatário judicial do C, SA, em acção de CIT, em que aquele era réu, não compareceu à audiência de julgamento aprazada no processo respectivo, a que também não compareceu o seu patrocinado, que não justificou a falta (como ele próprio não logrou fazer, no particular ensejo que lhe foi patrocinado pelo Exmº Juiz do aludido processo). Assim, não podia deixar o ali Réu de ser - como acabou - por ser condenado no pedido deduzido pelo Autor ». Acrescentando-se que « a não se ter verificado a falta do aqui A., e não se mostrando junto aos autos o tal documento suficiente bem poderia, ainda assim ser feita prova, por outra via, da inexistência da obrigação, em termos de improceder a acção ». Vem-se entendendo que o nexo naturalístico (o facto condição sem o qual o dano não se teria verificado) constitui matéria de facto que não cabe na competência do S.T.J. - cfr. entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 29/1/69, BMJ 183º- 179, de 2/12/69, BMJ 192º- 200, de 1/7/70, BMJ 199º- 107, de 15/10/71, BMJ 210º- 116, de 2/1/83, BMJ 323º- 360, de 27/3/84, BMJ 335º- 278, de 9/2/93, BMJ 424º- 582 e de 2/3/95, revista nº 86.202. Com efeito, o âmbito da revista é preenchido exclusivamente, por questões de direito. De qualquer forma, sempre se dirá que, consagrando o art. 563º do Cód. Civil, a teoria da causalidade adequada, na vertente negativa, segundo a qual um facto é causa (em termos juridicamente relevantes) de um dano quando é uma das condições sem as quais o dano não se teria produzido, desaparecendo essa qualidade, quando o facto for, segundo as regras da experiência comum, totalmente irrelevante para a produção do resultado - cfr. acórdão do S.T.J. de 3/12/98, B.M.J. 482- 207, é indubitável, como os factos revelam, que a falta do ora recorrido ao julgamento teve um relevo importante na condenação do seu cliente. Não tendo a ora recorrente logrado provar que a condenação do cliente do ora recorrido se teria verificado, mesmo que este tivesse estado presente e interviesse na audiência de julgamento. No que respeita à culpa, entendeu-se no acórdão recorrido que « Nas circunstâncias apuradas, dúvidas não ficam quanto a ter o Autor violado as obrigações assim para ele decorrentes do exercício do patrocínio, ao não comparecer na audiência de julgamento em causa. » Isto porque « Impõe-se-lhe ... que exerça o mandato com a diligência de um bom pai de família, na consideração da "diligência do homem médio, mas também do tipo de mandato e as circunstâncias em que é executado". » É jurisprudência do S.T.J. que a culpa fundada na inobservância dos deveres gerais envolve unicamente matéria de facto, da competência exclusiva das instâncias - cfr. entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 5/3/74, BMJ 235º- 253, de 6/3/80, BMJ 295º- 369, de 20/12/90, BMJ 402º- 558; e de 24/5/95, C.J./S.T.J., ano de 1995, tomo 2, pág. 292. Mas acrescenta-se, citando o acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Maio de 1995, transitado em julgado (fls. 34 dos autos) que « Na situação que já ao tempo se verificava no trânsito lisboeta, qualquer cidadão sabia que, quer por avarias, quer por acidentes, quer ainda pela própria intensidade do tráfego, eram comuns os atrasos nas viagens que se tinham de fazer na direcção do centro da cidade de Lisboa. O advogado do Réu devia assim ter prevenido esses possíveis atrasos, saindo da sua residência a horas tais que lhe permitissem fazer face a qualquer percalço, como o que diz ter-lhe sucedido, e chegar a tempo à audiência marcada. Como o não fez, pois que não conseguiu chegar a horas ao Tribunal recorrido, por forma a participar na audiência, só a si mesmo deve culpar do sucedido. » Com efeito, o ora recorrido teve culpa na condenação do seu cliente pois chegou atrasado à audiência de julgamento, quando esta já estava encerrada, determinando a condenação no pedido, porque não previu como devia (padrão de comportamento de um bonus pater familias, associado ao tipo de mandato forense e às circunstâncias em que deve ser executado) possíveis atrasos ocasionados, quer pelo trânsito lisboeta, quer por avarias, quer por acidentes, que devia ter acautelado, indo a horas que permitissem fazer face a tais transpornos. Verificam-se assim todos os pressupostos da obrigação de indemnizar e a recorrente, por força do contrato de seguro, deve reembolsar o ora recorrido do que este pagou. Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas pela recorrente. Lisboa, 5 de Junho de 2003 Luís Fonseca Lucas Coelho Santos Bernardino. |