Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | LOPES PINTO | ||
Descritores: | RECURSO ALEGAÇÕES ESCRITAS REMISSÃO CONTRATO DE ARRENDAMENTO HIPOTECA VENDA JUDICIAL CADUCIDADE RENDA INDEMNIZAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ200502150047861 | ||
Data do Acordão: | 02/15/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 2942/02 | ||
Data: | 04/27/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
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Sumário : | I - Constitui desvio processual a apresentação de alegações de recurso por remissão mas que, se a decisão recorrida tiver sido lavrada por remissão, deverá ser tratada com benevolência. II - Extinto o arrendamento por caducidade a renda é devida, agora como indemnização, até à entrega do locado nada, no entanto, se opondo a que o senhorio permita por acto de tolerância a permanência de pessoas no arrendado sem nada pagarem; fazendo pela interpelação cessar a tolerância e sendo recusada a entrega, o terceiro comete um acto ilícito e a indemnização devida é directamente fixada na lei. III - Não determina a lei quando em caso de venda de prédio hipotecado e arrendado após a hipoteca opera a caducidade. Na falta de disposição que a regulamente seria pensável recorrer à distinção entre arrendamento outorgado em data anterior à constituição da garantia e o em data posterior, fazendo decorrer daí uma diferença de tratamento - nos primeiros, operar após o termo da renovação; nos últimos, operar passados 3 meses sobre o facto que determinou a caducidade (a aquisição pela credora hipotecária, aqui). IV - Seria defensável uma certa similitude ao caso previsto na al. b) do art. 1051 CC, mas a exigência aí de acordo das partes não se coaduna facilmente com o desconhecimento que o locatário pode ter - e não é obrigado a disso se informar - da situação hipotecária do prédio. A ignorância aproveita-lhe, de um lado, a ausência de afinidade com os casos previstos nas als. seguintes e o tratamento favorável que a lei dá ao locatário, por outro lado, induzem como mais razoável que ela opere apenas após o termo da renovação, salvo se para este faltar um lapso de tempo inferior a 3 meses, hipótese em que prevaleceria este prazo (CC - 11,3). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" propôs contra B e marido C acção de reivindicação a fim de ser reconhecido o seu direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada pela letra R, inscrita na matriz da freguesia de S. Domingos de Rana sob o art. 5199-R e descrita na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº 00346, se condenar os réus a lha entregarem e a pagarem-lhe a indemnização pelos danos causados de 9.087.752$00 acrescida das quantias que posteriormente se vencerem até à efectiva desocupação. Contestando, os réus excepcionaram a oponibilidade do arrendamento celebrado com o anterior proprietário, contrato reconhecido pela autora, a prescrição do direito a indemnização e o abuso de direito, impugnaram e, reconvindo, pediram se julgue válido e eficaz em relação à autora o contrato de arrendamento outorgado em 83.06.20 entre a ré e o anterior proprietário, concluindo pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção. Após réplica, prosseguiu o processo até final onde procedeu parcialmente a acção por sentença que a Relação confirmou. De novo inconformados e reeditando (adiante, nos pronunciaremos sobre tal) as suas alegações da apelação, excepto quanto à indemnização - parte que desenvolveram mais, pediram revista, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações - - nulo o acórdão por omissão de pronúncia; - o contrato de arrendamento outorgado com o anterior proprietário é oponível à autora que adquiriu o imóvel em processo executivo, não afectando a sua validade nem a sua eficácia o facto de já antes o bem estar hipotecado; - o arrendamento, dada a sua natureza obrigacional, não caduca no caso de venda em execução, - não sendo admissível interpretar extensivamente o art. 824-2 CC sob pena de se criar novo direito real, violando o numerus clausus estabelecido no art. 1036 CC; - a autora aceitou tacitamente, antes e depois de ter adquirido o imóvel, a validade e oponibilidade do arrendamento; - não se provou que a autora tenha sido prejudicada no seu direito nem desvirtuada a garantia hipotecária - nem que tenha sofrido prejuízos pela ocupação pelos réus - e se os tiver havido foi a autora quem lhes deu causa só accionando ao fim de 8 anos - nem se teria colocado a fracção no mercado imobiliário; - não é devida indemnização que, a sê-lo, estaria prescrita nos termos do art. 498 CC, - decidindo com base no art. 1045 CC não se respeitou a causa de pedir e ofendeu-se o princípio do contraditório; - caso assim se não entenda, a renda depositada na A entre os meses de Fevereiro e Setembro de 1990 devem ser restituídas aos réus mas disso não conheceu o acórdão; - violado, além das disposições citadas, o disposto no art. 695 CC. Contraalegando, defendeu a autora a confirmação do julgado. Colhidos os vistos. Nos termos dos arts. 713 n. 6 e 726 CPC remete-se a descrição da matéria de facto para o acórdão recorrido, sem prejuízo de se sintetizar aquele núcleo que ao conhecimento da revista interessa: a favor da autora foram registadas 2 hipotecas, uma em 80.11.05 sobre o prédio onde se situa a fracção autónoma R em causa e a outra em 81.10.26 sobre esta fracção, tendo a última como devedor hipotecário, o seu proprietário D, o qual, em 83.06.20, a deu de arrendamento, com início em 83.07.01, à ré para sua habitação; em 90.09.04, adquiriu a autora, no processo executivo movido pela Fazenda Nacional a D, essa fracção que então continuava ocupada pelos réus; estes, em 90.04.18, por estarem interessados em a comprar, fizeram uma proposta à autora simultaneamente informando serem arrendatários; porque a autora já antes se recusara a receber as rendas, a ré, a partir de Fevereiro de 1990, passou-as a depositar na A à ordem do Juiz de Direito da Comarca de Cascais; em 98.02.23, a autora instou com os réus para desocuparem a fracção e lha entregarem livre. A presente acção foi instaurada em 99.12.16. Decidindo: - 1.- Os réus, alegando na revista, «mantêm as alegações e suas conclusões apresentadas no Tribunal da Relação de Lisboa e aqui dão por integralmente reproduzidas» (fls. 372). Não prevê a lei processual a possibilidade de as alegações serem feitas por remissão, o que bem se compreende pois que nelas o recorrente deve expor os motivos por que discorda da decisão de que se recorre e não de uma outra anterior. Um tal desvio processual deverá ser compreensivelmente encarado com benevolência quando a decisão recorrida tenha sido lavrada apenas ao abrigo do disposto no art. 713 n. 5 CPC, isto é, o seja pura e simplesmente por remissão. Não foi esse o caso - pronunciou-se sobre a inoponibilidade do arrendamento à autora e sobre o não reconhecimento pela mesma desse contrato. Nessa medida, há uma ausência de alegações quanto a estes dois pontos o que limita o objecto do recurso (por isso, apenas um breve apontamento - a sentença procedeu a uma incursão histórica bastante exaustiva e analítica quer da actividade legislativa quer da doutrina quer da jurisprudência, fornecendo os elementos de estudo necessários à adopção de uma solução e fundamentou devidamente a que juridicamente teve por mais correcta; não se descortina razão para alterarmos a solução adoptada, coincidente com a que já anteriormente foi perfilhada no ac. do STJ de 00.07.06, in CJSTJ VIII/2/150, subscrita pelo ora relator como adjunto). Os réus já quanto à sua condenação em indemnização não se limitaram à remissão. Assim, o objecto do acórdão está limitado às arguidas nulidades dele e à condenação dos réus em indemnização. 2.- As conclusões são um resumo do exposto nas alegações, sintetiza-as e indica quais os fundamentos por que o recorrente pretende a revogação (parcial ou total) do acórdão ou a anulação do julgamento. Não é possível concluir do que se não expôs. Os réus nada expuseram sobre o que, nas «conclusões», têm como nulidades em que o acórdão incorreu. 3.- A Relação confirmou a condenação dos réus a indemnizarem a autora pelos valores e fundamentos referidos na sentença. Para efeitos indemnizatórios foram considerados dois períodos - um desde a extinção, por caducidade, do contrato de arrendamento até à interpelação em 98.02.23 dos réus para entregarem a fracção autónoma à autora e o outro após esta data até à efectiva entrega. Para o primeiro a prestação tida por devida equivale ao valor da renda que vigorava no termo do arrendamento - 8.500$00 e para o outro o seu dobro - 17.000$00, tudo com fundamento no disposto no art. 1045-1 e 2 CC. Não havendo outros factores a ponderar essa a solução ditada pela lei. Na realidade, a primeira situação equivale ao ‘prolongamento’ do contrato até à entrega da fracção devendo o locatário, a ré aqui, continuar a pagar, mas agora como indemnização, a renda pois a continua a usar em prejuízo da autora; na segunda situação, recusando a entrega quando o contrato já está extinto e foi interpelado para a fazer comete um acto ilícito e o montante da indemnização é directamente fixado na lei. Na réplica, a autora justificou o lapso de tempo decorrido desde a aquisição da fracção até interpelar a ré pelo estudo (longo) a que teve de proceder para comprovar que o arrendamento não lhe era oponível (arts. 7 a 9). Diversamente afirmou a sentença, sem que a autora tenha reagido (CPC - 684-A, n. 1) - situação de mera tolerância da autora (fls. 249). Ficou definitivamente arrumada esta questão. Na medida em que se trata de direito disponível, ficava ao critério da autora receber ou não aquela prestação, não se impunha ter de a receber. A tolerância terminou com a interpelação pela qual dá a conhecer à ré a vontade de a fazer cessar e que a fracção lhe seja entregue. Porque tolerância, bem ou mal caracterizada irreleva agora, não assiste direito à autora a reclamar indemnização pela ocupação pela ré relativa ao período de tempo em que ela (tolerância) perdurou. Nesse segmento, não pode ser mantido o acórdão. 4.- Como consequência do que se concluiu no nº anterior é óbvio não assistir razão aos réus para excepcionarem a prescrição. Defendem os réus que, a proceder a inoponibilidade do arrendamento, lhes devem ser devolvidas as quantias depositadas referentes aos meses de Fevereiro a Setembro de 1990. Em 90.09.04, adquiriu a autora a fracção autónoma. Não determina a lei quando em caso de venda de prédio hipotecado e arrendado após a hipoteca opera a caducidade. Na falta de disposição que a regulamente seria pensável recorrer à distinção entre arrendamento outorgado em data anterior à constituição da garantia e o em data posterior, fazendo decorrer daí uma diferença de tratamento - nos primeiros, operar após o termo da renovação; nos últimos, operar passados 3 meses sobre o facto que determinou a caducidade (a aquisição pela credora hipotecária, aqui). Seria defensável uma certa similitude ao caso previsto na al. b) do art. 1051 CC, mas a exigência aí de acordo das partes não se coaduna facilmente com o desconhecimento que o locatário pode ter - e não é obrigado a disso se informar - da situação hipotecária do prédio. A ignorância aproveita-lhe, de um lado, a ausência de afinidade com os casos previstos nas als. seguintes e o tratamento favorável que a lei dá ao locatário, por outro lado, induzem como mais razoável que ela opere apenas após o termo da renovação, salvo se para este faltar um lapso de tempo inferior a 3 meses, hipótese em que prevaleceria este prazo (CC - 11, n. 3). Aplicando in casu temos um arrendamento com início em 83.07.01, sucessivamente renovado e em que o facto que determinou a caducidade ocorreu em 90.09.04. A extinção operou em 91.07.01, pelo que assiste direito à autora em receber as rendas vencidas até essa data. Só após ela se pode ter a ocupação como feita por mera tolerância da autora, pois deixara de haver título que, oponível a esta, a justificasse. Consequentemente, o problema de indemnização apenas se podia colocar após tal data mas pela razão já apontada não é devida até ao momento em que, com a interpelação, cessou a tolerância. Cabe ao tribunal de 1ª instância, respeitando o antes referido, ordenar a tramitação em ordem ao levantamento, seja o favor da ré seja o a favor da autora, das quantias depositadas. Termos em que se concede parcialmente a revista - - absolvendo-se os réus do pedido de indemnização relativa ao período entre 91.07.01 e 98.02.23, e consequente condenação proferida; - se reconhece o direito da autora ao recebimento das rendas entre 90.09.04 e 91.06.30; - se ordena que a tramitação para o levantamento das quantias depositadas se processe pela 1ª instância; - no mais, se confirmando o acórdão. Custas pela autora e réus na proporção de, respectivamente, 1/5 e 4/5. Lisboa, 15 de Fevereiro de 2005 Lopes Pinto, Pinto Monteiro, Lemos Triunfante. |