Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | RAMALHO PINTO | ||
| Descritores: | REVISTA EXCECIONAL RELEVÂNCIA JURÍDICA | ||
| Data do Acordão: | 06/05/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA EXCEPCIONAL | ||
| Decisão: | ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL | ||
| Sumário : |
Justifica-se a intervenção do STJ, em termos de revista excepcional, quando se está perante questões que, não tendo até ao momento sido objecto de abundante tratamento doutrinal e jurisprudencial, implicam a clarificação e densificação de conceitos, revelando-se da maior acuidade, e estando-se perante uma situação com indiscutível dimensão paradigmática. | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo 2646/21.4T8PDL.L1.S2 Revista Excepcional 157/24 Acordam na Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: AA instaurou acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, E.P.E.R., pedindo que a acção seja julgada procedente por provada e, em consequência, a Ré seja condenada: a) No pagamento do valor de €30.261,92, a título de créditos laborais emergentes da cessação do contrato, tal como detalhadamente explicado supra nos artigos 53.º a 55.º, exigíveis desde 15.09.2021, montante ao qual acrescem os juros vencidos e vincendos, computados à taxa legal em vigor para as obrigações cíveis, desde aquela data até efectivo e integral pagamento; b) No pagamento do valor (nunca inferior) a € 75.000,00, a título de danos morais gerados pelo comportamento e decisões da Ré consistentes numa prática premeditada de assédio moral, ela própria destrutiva do bom nome profissional do trabalhador, da sua competência e da sua lealdade/seriedade, montante ao qual acrescem os juros vencidos, computados à taxa legal em vigor para as obrigações cíveis, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; c) No pagamento do valor (nunca inferior) a €75.000,00, a título de danos patrimoniais gerados com a perda de rendimentos originados pela cessação ilícita do contrato, e com a perda de rendimentos resultantes das chances e oportunidades profissionais que legitimamente podia aspirar e perderá por força do comportamento ilegal, arbitrário e ofensivo que de forma programada a Ré assumiu, executou e concretizou, culminando com o assassinato do seu carácter profissional, montante ao qual acrescem os juros vencidos, computados à taxa legal em vigor para as obrigações cíveis, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, com todas as legais consequências. A Ré contestou. Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo referido, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados se aplicam, julga o Tribunal a acção nos seguintes termos: a) condena a Ré, Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, EPER, a pagar ao Autor, AA, a quantia de € 9488,61, a título de compensação por cessação do contrato; b) condena a Ré a pagar ao Autor as quantias de € 3366,31, a título de retribuição de férias vencidas, € 67,04, a título de subsídio de férias vencido, e € 2384,47 + € 2384,47 + € 2115,97, a título de retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano de cessação do contrato; c) condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 3245,61, a título de crédito de horas de formação; d) condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 2463,81, a título de retribuição de isenção de horário de trabalho vencida no período compreendido entre 1 de Março e 15 de Setembro de 2021; e) condena a Ré a pagar ao Autor os juros de mora devidos sobre estas prestações acima fixadas, calculados à taxa legal, desde data de vencimento de cada uma delas até definitivo e integral pagamento; f) condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 7000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, com acréscimo dos juros de mora devidos sobre esta prestação, calculados à taxa legal, desde a data da citação até definitivo e integral pagamento; g) absolve a Ré do que mais foi peticionado; h) julga improcedente o pedido reconvencional formulado pela Ré / Reconvinte contra o Autor / Reconvindo”. * Custas a cargo do Autor e da Ré, na proporção do decaimento”. O Autor e a Ré interpuseram recurso de apelação. Por acórdão de 30.11.2022, os Juízes do Tribunal da Relação deliberaram do seguinte modo: “Face ao exposto, acorda-se em: -Julgar improcedente o recurso da matéria de facto apresentado pela Ré; -Negar provimento ao recurso da Ré e confirmar a sentença recorrida nessa parte. -Julgar parcialmente procedente o recurso da matéria de facto apresentado pelo Autor nos termos supra mencionados; -Julgar parcialmente procedente o recurso de direito do Autor e, em consequência, alterar a al.f) do dispositivo da sentença recorrida nos seguintes termos: “f) condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, com acréscimo dos juros de mora devidos sobre esta prestação, calculados à taxa legal, desde a data da citação até definitivo e integral pagamento;” -manter, no mais, a sentença recorrida. Custas do recurso da Ré pela Ré e do recurso do Autor por ambas as partes na proporção do decaimento.“ O Autor veio interpor recurso de revista em termos gerais e revista excepcional. Neste STJ, pelo Relator foi proferido despacho a: - não admitir o recurso de revista geral interposto do segmento decisório f), sendo certo que o Autor não interpôs recurso de revista excepcional quanto a tal questão; - ordenar, por estarem verificados os pressupostos gerais de admissibilidade, que se remetessem os autos à Formação a que alude o artigo 672º, nº3 do C.P.C. para apreciação dos fundamentos da revista excepcional quanto à parte do acórdão recorrido em que se manteve a absolvição da Ré do pedido de pagamento de uma indemnização no valor de €75.000 a título de danos patrimoniais. Parcialmente inconformado com o teor deste despacho, reclamou o Autor- Recorrente para a Conferência, que veio a confirmar aquele despacho singular. x O processo foi distribuído a esta Formação, para se indagar se estão preenchidos os pressupostos para a admissibilidade da revista excepcional referidos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artº 672º do Código de Processo Civil. O Autor invocou nas conclusões, com vista a essa admissibilidade, o seguinte: 1º. O presente recurso é interposto igualmente contra o segmento decisório do Acórdão proferido pela Relação de Lisboa que rejeita a condenação da Ré pelos danos patrimoniais resultantes da perda de rendimentos e de chances profissionais em face da atuação da entidade empregadora, havendo aqui dupla conforme impeditiva do recurso de revista normal. 2º. Por seu turno é, não obstante, firme convicção da Recorrente que estão também verificados os pressupostos de que depende a admissão e cognição do recurso ordinário de revista excepcional, exatamente pela natureza e amplitude das matérias jurídicas em causa, a merecer uma pronúncia jurisdicional eloquente e resoluta, 3º. E bem assim pela multiplicidade de casos em que se pode reproduzir tal querela, sendo evidente a relevância da temática dos danos por perda de rendimentos e perdas de chances profissionais na esfera jurídica de um ex-trabalhador por força da atitude e atuação da uma anterior entidade empregadora, 4º. O presente recurso de revista excepcional encontra fundamento nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC que preconiza que: 1 - Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) Estejam em causa interesses de particular relevância social; Dos pressupostos de admissibilidade da presente revista excepcional 5º. O Recorrente entende que a correta indagação e aplicação concatenada dos artigos 26.º, n.º 1, da CRP, 28.º e 29.º, n.ºs 2 e 4, 126.º, n.ºs 1 e 2, 129.º, n.º 2, alíneas b), f), todos do CT e artigos 342.º, 483.º, 496.º e 562.º do CC, coloca desafios interpretativos constitutivos de questões jurídicas de magna importância, designadamente quando se deve considerar que (i) existe um nexo de causalidade adequada entre comportamentos, por ação e ou omissão, adotados e acolhidos pelas entidades empregadores e seus reflexos sobre os direitos/garantias dos (ex)trabalhadores, quando se deve considerar (ii) que é operativo e oponível esse nexo de causalidade, que tipo de prova é necessária em juízo para se aferir dessa relação causal, no mundo empírico dos eventos, quando se deve considerar (iii) que montante é justo e equitativo em termos de ressarcimento de dano por privação de rendimentos gerados pela afetação das qualidades, reputação e bom nome profissional do trabalhador, que padrão ou medidor deve ser usado – por referência a rendimentos médios de que período temporal, por exemplo. 6º. Na verdade, sendo a litigância crescente nas sociedades modernas, no seio das organizações das empresariais públicas, com recurso a várias modalidades de prestação de trabalho, sendo que os conflitos laborais necessitam desse estalão superior de compreensão e fixação de um regime compreensível e assimilável pela comunidade 7º. E o contexto da dinâmica laboral é doravante mais complexa e reticular, e sendo recorrente a disputa entre empregadores e trabalhadores, torna-se comum a disputa em torno destes direitos relativos à pós-execução do contrato de trabalho, e mormente dos danos e reflexos sobre o futuro do percurso e trajeto do trabalhador. 8º. Para mais quando não existe uma pacificação do entendimento jurisprudencial superior sobre como abordar e que tratamento oferecer à responsabilização pelos danos resultantes da privação futura de rendimentos profissionais dos trabalhadores. 9º. A exegese crítica daquelas normas recenseadas torna-se assim fulcral e decisiva para aferir a (i)licitude dos comportamentos dos responsáveis e do nexo de causalidade fundamentante do dever de indemnizar perdas futuras do trabalho, reclamando, crê-se que honestamente, pela sua extraordinária relevância jurídica, uma melhor aplicação do Direito e do entendimento escorreito da jurisprudência, dado que até bule (quase sempre) com a sorte do litígio o melindre de articulação de tais normas. 10º. O Recorrente entende assim que a interpretação a oferecer às citadas normas, para mais quando não há um tratamento consistente do tema (não pelo menos no seio dos conflitos de dinâmicas laborais), assume, inquestionavelmente, uma relevância jurídica indesmentível, 11º. Donde interessa pacificar denominadores comuns e entendimentos estandardizados do que seja o sentido de uma indemnização por privação de rendimentos futuros do trabalhador, mercê da atuação ilícita de uma entidade empregadora ou ex-entidade empregadora, e que respeito pela lei e boa-fé deve nortear as partes no pós-execução do contrato de trabalho, bem como o alcance e exigências de um nexo de causalidade adequada para fundar a justa indemnização por esses danos patrimoniais, para mais com reflexos tão profundos e duradouros, como o seja no próprio cálculo da reforma do trabalhador. 12º. Pois a resposta a todas aquelas questões que invariavelmente se perfilam mostra-se preponderante do ponto de vista jurídico, em face da segurança que comporta para todos os intervenientes o conhecimento do entendimento/posicionamento (apriorístico) dos Tribunais. 13º. Cremos, pois, que a relevância jurídica (da busca de um entendimento uno sobre tais paradigmas atinentes à responsabilização, no domínio do conflito ou querela laboral, das entidades empregadoras pelos danos ocasionados futuramente aos trabalhadores, em termos de projeto de carreira profissional futura, está devidamente justificada. 14º. Por outro lado, entende-se que é manifesto que tais questões enunciadas estão conexionadas intimamente com interesses de particular relevância social, 15º. Exatamente, na precisa medida em que a litigância sobre esta matéria é crescente, a conflituosidade laboral é cada vez maior e mais intensa, com tessituras várias e múltiplas, o que gera potencialmente uma necessidade de resposta uniforme em volta destas questões, e não raras vezes atropelo sobre um direito real fundamental do trabalhador, com projeção inegável sobre o seu futuro. 16º. Ao que acresce o próprio universo infinito de situações em que se pode replicar a necessidade de haver esse entendimento mais consolidado sobre tais questões. x Cumpre apreciar e decidir: A revista excepcional é um verdadeiro recurso de revista concebido para as situações em que ocorra uma situação de dupla conforme, nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil. A admissão do recurso de revista, pela via da revista excepcional, não tem por fim a resolução do litígio entre as partes, visando antes salvaguardar a estabilidade do sistema jurídico globalmente considerado e a normalidade do processo de aplicação do Direito. De outra banda, a revista excepcional, como o seu próprio nome indica, deve ser isso mesmo- excepcional . A Recorrente invoca como fundamento da admissão do recurso o disposto nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil, que referem o seguinte: “1 - Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) Estejam em causa interesses de particular relevância social”. Encontra-se verificado o fundamento da revista excepcional contemplado na alínea a) do n.º 1 do mesmo art. 672.º. Nas palavras do acórdão de 27/909/2023, proc. 3604/22.7T8VNF.G1.S2 reclamam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça as questões “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, como tal se devendo entender, designadamente, as seguintes: - “Questões que motivam debate doutrinário e jurisprudencial e que tenham uma dimensão paradigmática para casos futuros, onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa ser utilizada como um referente.” (Ac. do STJ de 06-05-2020, Proc. n.º 1261/17.1T8VCT.G1.S1, 4.ª Secção). – Quando “existam divergências na doutrina e na jurisprudência sobre a questão ou questões em causa, ou ainda quando o tema se encontre eivado de especial complexidade ou novidade” (Acs. do STJ de 29-09-2021, P. n.º 681/15.0T8AVR.P1.S2, de 06-10-2021, P. n.º 12977/16.0T8SNT.L1.S2, e de 13-10-2021, P. n.º 5837/19.4T8GMR.G1.S2). – “Questões que obtenham na Jurisprudência ou na Doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação que suscite problemas de interpretação, nos casos em que o intérprete e aplicador se defronte com lacunas legais, e/ou, de igual modo, com o elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, em todo o caso, em todas as situações em que uma intervenção do STJ possa contribuir para a segurança e certeza do direito.” (Ac. do STJ de 06-10-2021. P. n.º 474/08.1TYVNG-C.P1.S2). – “Questões que obtenham na jurisprudência ou na doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação com elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, suscetíveis, em qualquer caso, de conduzir a decisões contraditórias ou de obstar à relativa previsibilidade da interpretação com que se pode confiar por parte dos tribunais.” (Ac. do STJ de 22-09-2021, P. n.º 7459/16.2T8LSB.L1.L1.S2). – Questão “controversa, por debatida na doutrina, ou inédita, por nunca apreciada, mas que seja importante, para propiciar uma melhor aplicação do direito, estando em causa questionar um relevante segmento de determinada área jurídica” (Ac. do STJ de 13-10-2009, P. 413/08.0TYVNG.P1.S1). – “Questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclame aturado estudo e reflexão, ou porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores, ou porque se trata de questão nova, que à partida se revela suscetível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, suscetíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo STJ para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir.” (Ac. do STJ de 02.02.2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1). No acórdão recorrido escreveu-se nomeadamente o seguinte: “Apreciemos, por último, se a Ré deve ser condenada a indemnizar o Autor a título de danos patrimoniais resultantes da perda de rendimentos e de chances em valor não inferior a €75.000,00. A questão foi conhecida a propósito do assédio moral, na seguinte passagem: “ E pode até admitir-se que esta realidade, o tratamento que na altura lhe foi dispensado no espaço público, esta voragem mediática em que então tinha caído, por maior ou menor que seja a sua dimensão, o tenha prejudicado, inclusivamente, na definição do seu futuro profissional (atrevendo-se o Tribunal até a afirmar que assim sucedeu de forma injusta). Mas os factos provados, à margem do episódio de 15 de Julho de 2021 (e já lá iremos), não permitem concluir que tenha sido a Ré – algum dos seus representantes –, mais uma vez com alguma acção concreta, a empurrar o Autor para este turbilhão e a produzir os danos aqui em causa.” Defende o Recorrente, em resumo, que o Tribunal a quo ignorou completamente o pedido de condenação no pagamento dos danos patrimoniais gerados pelo comportamento da Ré, pois que considerou não haver nexo de causalidade quando, afinal, ficou provado existir um fito programado da Ré dirigido à destruição da personalidade profissional do Autor e difamação do mesmo, vindo inclusive a insinuar na contestação que despediu o Autor com justa causa. Concluiu que a Ré deve ser condenada no pagamento de um valor nunca inferior a €75.000,00, a título de danos patrimoniais gerados com a perda de rendimentos originados pela forma como fez cessar o contrato de trabalho e pela forma como geriu tal situação na praça pública (assassinando a sua reputação profissional). Sobre a indemnização por perda de chance afirma-se no sumário do Acórdão do STJ de 19.10.2021, proc. 5174/18.1T8GMR.G1.S, in www.dgsi.pt “ I - Condição da indemnização em sede de perda de chance é que se mostre que o lesado detinha na sua esfera jurídica a oportunidade de (com grande probabilidade, pois tudo gira ao redor de situações eivadas de um certo grau de aleatoriedade, de incerteza) alcançar certo efeito que lhe seria vantajoso, mas que acaba por não ser alcançado devido a facto do autor da lesão.” Sobre a questão veja-se ainda, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.11.2022, proc. 460/19.6T9SXL.L1-9, in www.dgsi.pt em cujo sumário se escreve o seguinte: “I-A indemnização por perda de chance deve ser entendida no sentido de oportunidade. Neste dano o que se perde é a oportunidade de obter um determinado resultado ou de evitar uma determinada desvantagem, nada garantindo que qualquer um desses desideratos se venha a verificar, não obstante ter de se concluir, previamente ao seu reconhecimento, pela existência de uma séria e real probabilidade de tal vir a suceder – na verdade, o aproveitamento da dita oportunidade poderá até, em abstrato, vir a redundar num prejuízo, ou a tentativa de com essa oportunidade evitar uma consequência desfavorável, também em abstrato, vir a culminar numa mais gravosa situação. E a indemnização a fixar nestes termos deve apenas abranger o dano que representa o não ter podido tentar, o não ter sido possível lutar por, sempre difícil de calcular, é certo, mas, de qualquer modo, digno de contemplação legal, tal como tem vindo a ser decidido, e com alcance cada vez mais abrangente; II- Os elementos deste especial forma de prejuízo, terão de analisados de forma cumulativa e compõem-se por neutralidade, porque pode estar relacionado com obtenção de vantagem ou com o evitar de desvantagem, aleatoriedade, porque a sua verificação (positiva ou negativa) se reveste de incerteza, autonomia, na medida em que se relaciona com o resultado como uma mera possibilidade, atualidade, devendo existir na esfera jurídica do lesado no momento da lesão e por fim uma seriedade e realidade, devendo ser-lhe atribuível um determinado grau de probabilidade de verificação do resultado que com a referida oportunidade se visava atingir; III-Estando omissos ou pouco visíveis qualquer um dos supra referidos elementos da perda de chance no elenco dos factos provados, revela-se assim impossível a fixação de uma indemnização neste especial desiderato, que constitui indubitavelmente um dano autónomo.” Veja-se, por fim, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 2/2022, publicado no DR, Série I, de 26.01.2022, Proc.34545/15.3T8LSB.S2-A, segundo o qual “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.” Ora, no caso, não ficou provado que o Autor detinha, efectivamente, na sua esfera jurídica a oportunidade ou oportunidades de conseguir um novo emprego ou de alcançar determinadas vantagens. Por outro lado, é certo que resulta dos autos que o desempenho profissional do Autor passou a ser comentado na comunicação social a partir de 19 de Junho de 2021. Admitimos, como admite a sentença recorrida, que a exposição mediática do Autor possa ter-lhe causado danos ao nível da sua reputação profissional. Mas como refere o Tribunal a quo, não podemos afirmar que foi a Ré que lançou o Autor para o “turbilhão” mediático. Reconhecendo-se, como já se disse, que a nota interna de 24 de Junho de 2021 tinha potencialidades para alimentar esse “turbilhão”, mesmo assim, não pode retirar-se daí o nexo de causalidade para os efeitos pretendidos pelo Autor, na medida em que não foi a actuação da Ré que causou a sua exposição mediática, pois a partir de 19 de Junho passou a ser comentada, na praça pública, a prestação profissional do Autor. Em consequência, improcede esta pretensão do Autor”. O Recorrente, como questão fundamental para a apreciação pelo STJ, em termos de revista excecional, elege a “temática dos danos por perda de rendimentos e perdas de chances profissionais na esfera jurídica de um ex-trabalhador por força da atitude e atuação da uma anterior entidade empregadora”. Concomitantemente, arvora como determinantes as questões de quando se deve considerar “que (i) existe um nexo de causalidade adequada entre comportamentos, por ação e ou omissão, adotados e acolhidos pelas entidades empregadores e seus reflexos sobre os direitos/garantias dos (ex)trabalhadores, quando se deve considerar (ii) que é operativo e oponível esse nexo de causalidade, que tipo de prova é necessária em juízo para se aferir dessa relação causal, no mundo empírico dos eventos, quando se deve considerar (iii) que montante é justo e equitativo em termos de ressarcimento de dano por privação de rendimentos gerados pela afetação das qualidades, reputação e bom nome profissional do trabalhador, que padrão ou medidor deve ser usado – por referência a rendimentos médios de que período temporal, por exemplo”. Questões que, a nosso ver e não tendo até ao momento sido objecto de abundante tratamento doutrinal e jurisprudencial, implicam a clarificação e densificação de conceitos, revelando-se, efectivamente, da maior acuidade, sendo certo que nos encontramos perante uma situação com indiscutível dimensão paradigmática. Vale por dizer que in casu a intervenção do STJ é susceptível de se traduzir numa melhor aplicação do direito, reforçando a segurança, certeza e previsibilidade na sua interpretação e aplicação e dessa forma contribuindo para minimizar – numa matéria da maior relevância prática e jurídica – indesejáveis contradições entre decisões judiciais- cfr. citado acórdão de 27/09/2023. Justifica-se, assim, a admissão da revista excepcional, ficando assim prejudicada a abordagem da apreciação do fundamento previsto no artº 672º, nº 1, al. b), do CPC. x Decisão: Pelo exposto, acorda-se em admitir a revista excepcional, interposta pelo Autor / recorrente, do acórdão do Tribunal da Relação. Custas a definir a final. Lisboa, 05/06/2024 Ramalho Pinto (Relator) Mário Belo Morgado Júlio Gomes
Sumário (da responsabilidade do Relator). |