Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5088/23.3T8VNF.G1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
Data do Acordão: 07/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL
Sumário :
I. Tendo os trabalhadores provado que faziam o mesmo que os seus colegas (tinham não apenas a mesma categoria, mas as mesmas funções), no mesmo tempo e até no mesmo local de trabalho e auferiam retribuição diferente, está satisfeito o ónus da prova em matéria de aplicação do princípio da igualdade de tratamento.

II. Com efeito, entender, como pretende o Recorrente, que seria necessário a um manobrador de máquinas provar que fazia exatamente o mesmo (ou pelo menos o mesmo) que os colegas em termos de quantidade e qualidade do trabalho seria exigir uma prova impossível que esvaziaria o princípio da igualdade de tratamento.

III. Não é claramente necessário o tratamento da questão por este Supremo Tribunal de Justiça para uma melhor aplicação do direito nem estão em causa interesses de particular relevância social que justifiquem a admissibilidade de uma revista excecional.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 5088/23.3T8VNF.G1.S1

Acorda-se na Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do Código de Processo Civil junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

Schnellecke Logistics Portugal Unipessoal Lda., Ré na presente ação declarativa sob a forma de processo comum laboral em que são Autores AA e BB veio interpor recurso de revista nos termos gerais e, subsidiariamente, revista excecional do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09.01.2025, invocando o disposto nos números 1 e 2 da alínea a) do artigo 672.º do Código do Processo Civil (doravante designado por CPC).

Por despacho do Relator neste Supremo Tribunal de Justiça foi decidido não admitir o recurso quanto ao 1.º Autor e, relativamente ao 2.º Autor, não admitir o recurso em termos gerais por existir “dupla conformidade” nas decisões das instâncias, remetendo-se para esta Formação a decisão sobre a verificação dos pressupostos específicos de admissibilidade da revista excecional quanto ao 2.º Autor.

Na parte atinente à revista excecional o recurso interposto pela Ré apresenta as seguintes Conclusões:

“II. Da revista excecional:

c) Caso o recurso de revista ordinário não seja admitido, designadamente por se considerar que existe “dupla conforme” que o impede, sempre deveria ser admitido o recurso de revista excecional, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC;

d) Com efeito, o presente processo centra-se na interpretação do princípio “trabalho igual, salário igual”, em particular no que respeita às circunstâncias em que se pode considerar demonstrada a existência de trabalho igual não só em termos de natureza, mas também de quantidade e qualidade, bem como de fundamento razoável e racional para uma diferenciação salarial;

e) Logo, é manifesto que os temas tratados no aresto sub judice são altamente relevantes para os vários tribunais e para a sociedade em geral, justificando (rectius, exigindo) a intervenção do STJ, de forma que este os analise e defina as suas orientações nessas mesmas matérias;

III. Da pretensa violação do princípio “trabalho igual, salário igual”:

III.A. Da ausência de demonstração de «trabalho igual» nas suas várias vertentes

f) Constitui jurisprudência pacífica e com inequívocos foros de estabilidade que a mera prova de uma diferença de remuneração entre trabalhadores da mesma categoria profissional é insuficiente para concluir que foi violado o princípio “trabalho igual, salário igual”;

g) A jurisprudência tem reiteradamente afirmado que apenas se poderá concluir nesse sentido quando o trabalhador alega e prova factos reveladores de uma prestação não só de igual natureza, mas também de igual qualidade e quantidade;

h) Porém, in casu os AA. apenas lograram provar a existência de diferenças remuneratórias entre trabalhadores que exercem funções da mesma natureza, não tendo provado rigorosamente nada quanto à quantidade e qualidade do trabalho prestado;

i) Relativamente à quantidade do trabalho prestado, apenas se provou o cumprimento dos mesmos horários de trabalho, o que é insuficiente para suportar qualquer equivalência a este nível, pois como o próprio Tribunal a quo reconhece, há que atender também ao volume e intensidade do trabalho - relativamente aos quais os AA. não alegaram, nem provaram, rigorosamente nada;

j) No que respeita à qualidade do trabalho prestado, o Tribunal a quo também ignorou completamente a falta de alegação e prova dos AA. e concluiu que tal igualdade existe “porque sim”, com suporte em rigorosamente nada;

k) Esta posição do Tribunal a quo é obviamente inadmissível: cabia aos AA. alegar e provar a igualdade do trabalho prestado ao nível da respetiva quantidade e qualidade (e não só natureza), não sendo admissível que o tribunal ignore a ausência dessa mesma alegação / prova e concluia que se verifica tal igualdade “porque sim”, com suporte em coisa rigorosamente nenhuma. Tendo os AA. alegado e provado apenas trabalho de igual natureza, esta ação só pode improceder;

III.B. Da existência de fundamento razoável e racional para uma diferença salarial

l) É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência que o princípio “trabalho igual, salário igual” não impede diferenças de tratamento, proibindo apenas o arbítrio e os tratamentos materialmente infundados, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objetiva e racional, como por exemplo baseados em algum dos motivos previstos no art. 59, n.º 1 da CRP, e arts. 24 e 25 do CT (idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas);

m)In casu parece-nos claro que não existe qualquer discriminação salarial proibida, desde logo porque a mesma não se baseia numa distinção sem fundamento material ou em meras categorias subjetivas e, por outro lado,

n) Por outro lado, também não pode ser desconsiderado que os AA. foram admitidos em 2014 e 2015, ao passo que o pagamento da remuneração adicional de 100% foi acordada em 2002 e apenas com o grupo inicial de trabalhadores então recrutados para os turnos de fim-de-semana (v.g., Jean François Ribeiro Cunha) – cf. factos provados D, E e novo facto aditado 1;

o) Ademais, os AA. só se consideram “discriminados” porque por acaso trabalharam muitas horas aos fins de semana, tornando a majoração dessas horas mais vantajosa do que o pagamento do subsídio de turno. No entanto, a comparação é entre um valor fixo (subsídio) e um valor variável(majoração), sendo que se houvesse menos ou nenhum trabalho aos fins de semana, os AA. certamente já não se afirmariam “discriminados” por receber o subsídio;

p) Ora, é perfeitamente normal que as condições salariais / modelos remuneratórios praticados sofram alterações ao longo de um período tão longo (12 / 13 anos), e as diferenças resultantes dessas alterações não podem considerar-se discriminatórias, só podendo equacionar-se uma eventual violação do princípio “trabalho igual, salário igual” se estivessem em causa contratações ocorridas sensivelmente na mesma altura (o que manifestamente não é o caso);”

A matéria de facto dada como provada nas instâncias é a seguinte:

A. Os Autores foram admitidos ao serviço da empresa “R..., S.A.” que, em março de 2020, transmitiu os contratos de trabalho dos Autores, assim como todos os direitos e obrigações, para a Ré.

B. Desde março de 2020, os Autores trabalham sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, no exercício das tarefas habituais de manobradores de máquinas, cumprindo o horário de trabalho de 8 horas por dia, semanalmente rotativo e de acordo com as escalas pré-definidas pela Ré empregadora.

C. No âmbito da sua atividade de manobrador de máquinas, os Autores desempenham as seguintes tarefas; operar/conduzir o empilhador; colocar e retirar cargas da estanteria; empilhar cargas, carregar e descarregar camiões; assegurar a manutenção e limpeza do empilhador, entre outras.

D. O Autor AA iniciou a sua prestação laboral na empresa R..., S.A. por contrato de trabalho a termo incerto em 2014 tendo sido reintegrado como trabalhador com contrato de trabalho sem termo na Ré por decisão judicial que correu termos neste tribunal sob o processo n.º 5777/21.7...

E. O Autor CC começou a trabalhar em 01/04/2015, na empresa R..., S.A., e mais tarde foi reintegrado como trabalhador efetivo na Ré por decisão judicial que correu termos neste tribunal sob o processo n.º 2962/21.5...

F. Os autores desempenham as tarefas de manobrador de máquinas nas instalações da empresa C..., para quem a Ré presta serviços de transporte e logística.

G. A Ré no âmbito dos seus poderes de direção, tem equipas de trabalhadores destinados a desempenhar as suas funções durante a semana e equipas destinadas aos fins de semana.

H. No âmbito da sua atividade, os Autores desempenham funções durante o fins-de-semana, sendo que o podem fazer durante o período diurno ou noturno, mediante as necessidades da Ré empregadora.

I. Os Autores praticam o seguinte horário de trabalho: sábados das 8h00 às 19h00, domingos das 6h00 às 14h00, segunda das 00h00 às 08h00 e mais 8 horas de trabalho efetivo diurno em dois dias por semana em função das necessidades da empresa ou, sábados das 19h00 às 6h00 de domingo, e domingos das 14h00 às 24h00, e mais 8 horas de trabalho efetivo diurno em dois dias por semana, em função das necessidades da empresa.

J. Os trabalhadores DD (enquanto esteve ao serviço da Ré) e EE detém a categoria profissional de manobrador de máquinas, trabalham no mesmo departamento dos Autores e executam as funções adstritas a operador de empilhador, nomeadamente, operar/conduzir o empilhador; colocar e retirar cargas da estanteria; empilhar cargas, carregar e descarregar camiões; assegurar a manutenção e limpeza do empilhador, entre outras.

K. Os trabalhadores DD (enquanto esteve ao serviço da Ré) e EE praticam os mesmos horários de trabalho do que os Autores.

L. O trabalhador DD auferia uma prestação retributiva por cada hora de trabalho em período diurno efetuada durante os fins-de-semana no valor a dobrar e por cada hora de trabalho em período noturno efetuada durante os fins de semana no valor a dobrar acrescida de 25 % da retribuição horária e não auferia qualquer subsídio de turno.

M. Os Autores, ao invés de auferirem a prestação retributiva referida em L auferiam um subsídio de turno correspondente a 35% da retribuição base.

N. Eliminado pelo Tribunal da Relação.

O. Desde janeiro de 2023, a Ré deixou de pagar a majoração de fim de semana.

O Acórdão do Tribunal da Relação acrescentou o seguinte facto:

1. A remuneração adicional de 100% por trabalho prestado aos fins-de-semana pelo trabalhador DD foi acordado há mais de 17 anos (em 2002) entre a “R..., S.A.” com o grupo inicial de trabalhadores, que passaram a exercer funções aos fins de semana, designadamente no horário referido em “I”.

Por seu turno, na motivação do Acórdão objeto do presente recurso pode ler-se o seguinte:

“(…) O princípio “trabalho igual salário igual”, constitui a concretização nesta sede do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP, e encontra eco nos artigos 23º ss. e 270º do CT.

O normativo faz apelo a uma igualdade material, devendo tratar-se de igual modo o que é essencialmente igual e de forma desigual o que é desigual.

O que se pretende é impedir o abuso, o arbítrio, proibindo diferenciações sem justificação razoável e objetiva. Proíbe-se a discriminação.

Pode ocorrer diferenciação por exemplo baseada na produtividade e eficiência, nas habilitações, na antiguidade, de acordo com critérios objetivos controláveis.

Proíbe-se se retribua de maneira diferente trabalhadores nas mesmas condições, que com as mesmas habilitações, prestem trabalho da mesma natureza, com a mesma qualidade, quantidade, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade. Não se verificando no caso a inversão do ónus de prova, no quadro do disposto artigo 25º, 5 do CT, com referência ao artigo 24º, 1 do mesmo diploma. Compete ao autor, nos termos do artigo 342º, 1 do CC a prova dos factos constitutivos do seu direito.

No concreto caso, não se colocando o principio do tratamento igual para trabalho de igual valor (trabalho equivalente) – al. d) do artigo 23º do CT, mas para trabalho igual - al. c) do mesmo normativo, competia aos autores demonstrar a prestação do trabalho de manobradores de máquinas, em condições de igualdade com outros trabalhadores com igual “trabalho/funções”, nas três dimensões referenciadas na norma, “natureza, qualidade e quantidade”.

A recorrente refere que sobre a qualidade e quantidade nada foi referenciado em termos de factualidade pelos autores, mas não é assim.

Importa ter um critério interpretativo são, que não impeça e perturbe a realização da justiça material, importa evitar o refúgio em interpretações limitadoras, tento mais tratando-se de realidades que sendo embora apreensíveis pela observação não são de simples transcrição em factualidade. Tenha-se em linha de conta que em processo laboral, a matéria de facto relevante para a decisão da causa, ainda que não alegada, deve ser considerada, nos termos do art.º 72.º, ns.º 1 e 2, do CPT. Volvendo à questão da invocada falta de alegação, importa que do alegado, tendo em conta a natureza especifica das tarefas e dos concretos postos de trabalho, e as regras normais da vida; que, “grosso modo”, se possa concluir, que o trabalho executado por uns e outros é igual na sua natureza qualidade e quantidade. Relativamente aos conceitos de “natureza, qualidade e quantidade, referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, Coimbra Editora 2007, pág. 772 referem que a norma:

“estabelece os princípios fundamentais a que deve obedecer o direito a uma justa retribuição do trabalho: (a) ela deve ser conforme à quantidade de trabalho (i. é, à sua duração e intensidade), à natureza do trabalho (i. é, tendo em conta a sua dificuldade, penosidade ou perigosidade) e à qualidade do trabalho (i. é, de acordo com as exigências em conhecimentos, prática e capacidade)”

Referenciando que, “pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho por si prestado ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza, abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração; e, quanto à qualidade, compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador”, Ac. RP de 13-02-2017, processo nº 10879/15.6T8VNG.P1, em DGSI.

Ora, os autores referem que cumpriam determinado horário, referenciando-o, igual ao dos trabalhado com que se comparam, descrevem as concretas tarefas que uns e outros faziam, o local onde uns e outros prestam a atividade, que é o mesmo, as instalações da C... para quem a ré presta serviços de transporte e logística.

Tendo em conta a natureza das tarefas executadas, as concretas circunstâncias da sua execução alegadas e nos mesmos tempos horários, tem que concluir-se encontrar-se alegada factualidade suficiente.

E passando à verificação da existência ou não de discriminação, diga-se que da prova produzida se mostra demonstrado que o trabalho executado pelos autores é igual ao dos trabalhadores referenciados no ponto “J” da factualidade, em natureza qualidade e quantidade.

Assim, resulta que a prestação é efetuada no mesmo local e sob as mesmas condições, com os mesmos meios de trabalho, consistindo nas mesmíssimas tarefas, pelo que resulta que a perigosidade, penosidade ou dificuldade é a mesma. Resulta igualmente e quanto à quantidade, que o trabalho é executado nos mesmos períodos horários, sujeito às mesmas condições. Nos respetivos turnos os autores prestam os serviços reclamados, desempenhando as funções “mediante as necessidades da ré empregadora, conforme factos “H” e “I”, decorrendo que, tendo em conta as regras normais de vida, é prestado em igualdade quanto ao volume e intensidade.

Quanto à qualidade, compreende-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige. Apela o requisito à formação do trabalhador, e ao zelo, eficiência e produtividade do mesmo.

Os autores invocaram ser “manobradores de máquinas” tal como os trabalhadores relativamente aos quais referem a ocorrência de descriminação salarial, tendo-se demostrado que cumprem as mesmas tarefas que aqueles, de acordo com as necessidades da empresa. No caso concreto e tendo em conta o tipo de funções e seu modo de execução – desempenho das tarefas solicitadas durante o tempo de serviço nas instalações da empresa para a qual a ré presta serviços (que resulta da factualidade “H” e “I”), tem que concluir-se que a eficiência e produtividade de uns e outros é semelhante.

Demonstrado que se mostra a ocorrência de trabalho igual e a existência de uma diferenciação salarial, competiria à ré demonstrar a verificação de uma circunstância racional e razoável justificativa da mesma.

Refere a ré a diferente antiguidade. Ora esta apenas pode fundar uma diferença salarial se efetivamente o for, passe a redundância. A antiguidade será fator legitimo se e na medida em que constitua medida vigente na empregadora, de aplicação universal devidamente parametrizada e conhecida. Sobre o assunto vd. Ac. do TRP de 19.12.2023, Processo nº 3715/21.6T8MTS.P1; RC de 10-03-2023, processo 229/21.8T8CLD.C1, RP de 22-03-2021, processo 2274/19.4T8VFR.P1 e RG de 16-04-2015, processo nº 103/14.4TTVCT.G1, onde se refere, “pode ocorrer diferenciação por exemplo baseada na produtividade e eficiência, nas habilitações, na antiguidade, de acordo com critérios objetivos controláveis”.

Sabemos, até pelo teor da contestação, que não foram razões de antiguidade que determinaram a diferenciação em causa, pelo que a invocação improcede.

Quanto à motivação invocada refere-se na decisão recorrida:

“Acresce que, a justificação dada pela Ré para o tratamento discriminatório não foi dada como provada.

Porém, ainda que assim fosse, … o facto de, na data de admissão dos Autores, não existir a dificuldade em encontrar trabalhadores dispostos a laborar durante os fins de semana, não se afigura ser bastante para se poder concluir pela não violação da igualdade de retribuição, pois que a organização dos turnos (de fins de semana) afeta todos os trabalhadores, quer tenham sido abrangidos pelo referido acordo, quer tenham iniciado o trabalho posteriormente, incorrendo-se numa verdadeira discriminação salarial relativamente a trabalhadores colocados nos mesmos turnos, embora em momentos temporais distintos.”

O raciocínio efetuado na primeira instância surpreende e descarta a possibilidade de constituir fundamento de discriminação salarial, circunstância decorrente das meras condições e flutuações do mercado de trabalho – maior ou menor dificuldade em determinado momento, em arranjar determinados profissionais e para determinados horários ou locais de trabalho -. E, sem relevo embora ao caso, dada a não demonstração do motivo invocado, sempre se dirá que a permitir-se uma diferenciação decorrente das condições do mercado de trabalho em cada momento, abrir-se-ia uma caixa de pandora, que inutilizaria ou restringiria grandemente o sentido da norma constitucional. Isto sem embargo da eventual possibilidade de consideração, em caso da ocorrência de circunstâncias anómalas excecionais e imprevisíveis”.

Feita a transcrição deste excerto, ainda que longo da motivação do Acórdão recorrido, estamos agora em condições para apreciar da verificação dos pressupostos específicos de admissibilidade da revista excecional previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º

Antes de mais, diga-se que como o seu próprio nome indica esta revista deve ter-se por excecional. Aliás, também a letra da referida alínea a) o sugere já que se refere a uma questão cuja apreciação seja “claramente necessária” para uma melhor aplicação do direito.

No caso dos autos o Acórdão recorrido partindo da premissa de que, fora dos casos em que se invoca discriminação, cabe aos trabalhadores provar a existência da diferença salarial face a trabalho igual, adotaram o entendimento seguido pela jurisprudência portuguesa dominante. E entendeu que estava satisfeito o ónus da prova porquanto os trabalhadores provaram que faziam o mesmo que os seus colegas (tinham não apenas a mesma categoria, mas as mesmas funções), no mesmo tempo e até no mesmo local de trabalho e auferiam retribuição diferente. Com efeito, entender como pretende o Recorrente que seria necessário a um manobrador de máquinas provar que fazia exatamente o mesmo (ou pelo menos o mesmo) que os colegas em termos de quantidade e qualidade do trabalho seria exigir uma prova impossível que esvaziaria o princípio da igualdade de tratamento – como se poderia provar que ao longo dos muitos dias em que a diferença salarial persistiu se fazia o mesmo número de cargas e descargas, com a mesma perfeição, a mesma limpeza dos equipamentos, etc.?

Por outro lado e quanto à justificação para esta desigualdade não se vislumbra nas alegações do recurso de revista mais do que a alegação de que a diferença não é discriminatória - mas, como é sabido, pode existir uma diferença de tratamento ilícita, mas não discriminatória – e teria explicação no diferente momento da contratação (o que, mais uma vez, levado às suas últimas consequências, esvaziaria o princípio da igualdade de tratamento).

Como é evidente, não é por estar em causa o princípio da igualdade de tratamento que a questão deve considerar-se automaticamente como claramente necessária para uma melhor aplicação de direito. Acresce que não se trata de uma questão nova, que tenha suscitado instabilidade jurisprudencial ou que seja rara – para citar alguns dos critérios invocados por ABRANTES GERALDES1. O Acórdão recorrido limitou-se a aplicar os critérios consagrados na nossa lei e na nossa jurisprudência e a abster-se de fazer exigências em matéria de ónus da prova que redundariam numa prova impossível e no esvaziamento prático do princípio da igualdade de tratamento.

Nas Conclusões do seu recurso o Recorrente não faz alusão à questão de saber porque é que estariam em causa “interesses de particular relevância social”, embora no corpo das alegações sustente que “é manifesto que os temas tratados no aresto sub judice são altamente relevantes para os vários tribunais e para a sociedade em geral”.

Mais uma vez dir-se-á que não é por se tratar deste tema que a revista deve ser admitida sob pena de mormente em direito do trabalho todas as revistas excecionais deverem ser admitidas. O Acórdão recorrido não causa qualquer perturbação social e insere-se de maneira inteiramente coerente na linha jurisprudencial existente.

Decisão: Acorda-se em não admitir a presente revista excecional.

Custas pelo Recorrente

14-07-2025

Júlio Gomes (Relator)

José Eduardo Sapateiro

Mário Belo Morgado

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1. ANTÓNIO DOS SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 6.ª ed. Atualizada, Almedina, Coimbra, 2020, p. 434.↩︎