Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SANTOS BERNARDINO | ||
Descritores: | NOME JUSTA CAUSA | ||
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Nº do Documento: | SJ200401290031532 | ||
Data do Acordão: | 01/29/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIAL. | ||
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Sumário : | 1. A atribuição do nome visa satisfazer, antes de mais, e fundamentalmente, um interesse do próprio indivíduo, sendo nesta perspectiva individualista ou personalista que o nome é considerado, seja no texto constitucional (art. 26º/1) seja no Cód. Civil (art. 72º/1). 2. O nome de uma pessoa é igualmente, em resultado de uma tradição secular, o meio de operar a ligação do indivíduo aos seus progenitores. 3. E pode ainda ser um elo de ligação sentimental de uma pessoa ao património moral do seu clã familiar, visando a perpetuação dos valores morais ligados ao nome da família. 4. Em princípio, o nome das pessoas é imutável, quer no que concerne ao prenome (nome propriamente dito) quer no que respeita aos apelidos, só podendo ser modificado mediante autorização do Ministro da Justiça. 5. Aquele que pretende a alteração do nome deve alegar e provar a existência de justa causa para a alteração pretendida, não devendo desta decorrer prejuízo para terceiros. 6. A exigência de justa causa significa que tem de demonstrar-se a existência de uma causa capaz de justificar a alteração pretendida, entendendo-se que ela não se verifica quando não existe um motivo que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique tal alteração. 7. O Supremo não pode conhecer de questão que, não sendo de conhecimento oficioso, não haja sido suscitada nas conclusões da alegação do recorrente. 8. É de deferir a pretensão do requerente, de alteração da grafia do seu apelido "Assunção" para "Assumpção", estando demonstrado que o apelido "Assumpção" encontra referências e concretizações na identidade de vários ascendentes daquele, e que é por este apelido, com esta grafia, que se identifica(ra)m e foram/são conhecidos o requerente e o ramo familiar paterno, e que é ele que integra o património moral da família e se apresenta como o vocábulo referenciador da ligação do requerente ao seu clã familiar. 9. Na verdade, não se trata de uma pretensão arbitrária, fundada em mero capricho, antes se encontra devidamente fundamentada e repousa em causa justa, não estando, outrossim, demonstrado que da pretendida alteração resulte prejuízo para terceiro, ou possibilidade de verificação desse prejuízo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em petição dirigida ao Ministro da Justiça, apresentada na 2ª Conservatória do Registo Civil de Vila Nova de Gaia, MANUEL ........... requereu autorização para alterar a composição do seu nome, fixado no respectivo assento de nascimento, para Manoel ....... ..Organizado e instruído, na referida Conservatória, o processo de alteração do nome, nos termos dos arts. 278º e seguintes do Cód. do Registo Civil, elaborou a Ex.ma Conservadora o seu parecer sobre o pedido - no qual propugna pelo deferimento parcial da pretensão do requerente, com a admissão da alteração apenas no tocante ao apelido Assumpção - remetendo, de seguida, o processo à Conservatória dos Registos Centrais, em obediência ao disposto no art. 279º do mesmo Código. Na Conservatória dos Registos Centrais, a Ex.ma Conservadora determinou a realização das diligências que teve por necessárias à completa instrução do processo - designadamente a notificação do requerente para juntar certidões do registo de nascimento dos ascendentes deste, anteriores ao bisavô. Concluída a instrução, a mesma Ex.ma Conservadora, nos termos do art. 280º do dito Código, agora no exercício dos poderes (nela subdelegados) do Ministro da Justiça (1), proferiu o despacho a que alude o mencionado normativo, no qual entendeu que a composição do nome pretendida pelo requerente contraria o disposto nos arts. 1875º do Código Civil e 103º/2. a) e e) do Cód. do Registo Civil, motivo por que recusou o pedido. O requerente interpôs, desta decisão, recurso para este Supremo Tribunal, nos termos do art. 282º/2 do Cód. do Registo Civil. E a respectiva peça alegatória finaliza com a enunciação das seguintes conclusões: 1ª - A questão a dirimir nos autos é de grande relevância para o recorrente, não sendo motivada por razões espúrias ou de pergaminhos; 2ª - Estando provado nos autos o estabelecimento da filiação entre o recorrente e o avô, e que o apelido Assumpção era, efectivamente, o do avô C, fatal é concluir que a pretensão de alteração da grafia do apelido se encontra justificada. 3ª - O pedido de alteração vertente mantém, na íntegra, o apelido dos pais do recorrente, apenas repondo a grafia do apelido familiar ASSUMPÇÃO, não contrariando o disposto no art. 1875º do CC e no art. 103º/2.a) e e) do Cód. do Registo Civil; 4ª - O recorrente fez prova da legitimidade da titularidade do apelido Assumpção em ascendente em segundo grau na linha recta, provando, consequentemente, o direito ao uso deste apelido familiar, o que tudo deveria ter conduzido ao deferimento do pedido, o que agora, em revogação da decisão, deverá determinar-se; 5ª - Dos assentos de nascimento e casamento dos antepassados anteriores ao avô do recorrente alcança-se que é o apelido ASSUMPÇÃO que neles está consignado, especialmente no de nascimento dos irmãos gémeos, do pentavô B, C e D, e de casamento do hexavô, E - "na origem" o apelido foi, assim, ASSUMPÇÃO; 6ª - Da abundante documentação junta aos autos pelo recorrente alcança-se que os seus ascendentes, desde há mais de 100 anos, são pública e notoriamente membros de um grupo familiar identificado como ASSUMPÇÃO, sendo este o apelido pelo qual sempre se identificaram e foram conhecidos e identificados, mesmo perante autoridade e serviços públicos; 7ª - Ocorre uso ininterrupto e generalizado, ao longo de várias gerações de ascendentes do recorrente, do apelido familiar Assumpção, o que consubstancia direito ao seu uso que, data venia, sempre deverá ser atendido para efeito de revogação de decisão recorrida; 8ª - O entendimento vertido na decisão recorrida, segundo o qual os arts. 1875º do CC e 103º/2.a) e e) do Cód. Reg. Civil vedariam uma simples reposição de grafia do apelido dos pais, e que o art. 278º/2 deste último Código imporia que a justificação da alteração de nome fosse efectuada apenas por recurso a certidões de registo de nascimento, constitui violação dos princípios constitucionais básicos e fundamentais, desde logo do direito ao nome e à identidade pessoal, sendo, em face do art. 26º da CRP, inconstitucional; 9ª - Importa, assim, revogar a decisão recorrida, proferindo-se outra que determine a alteração do nome fixado no assento de nascimento do recorrente em ordem a passar a ser MANOEL ......; 10ª - Foi violado o disposto nos arts. 72º e 1875º do CC, 103º/2 e 278º do Cód. Reg. Civil e 26º da CRP. A Ex.ma Conservadora dos Registos Centrais sustentou o despacho recorrido. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. 2. São os seguintes os factos a ter em conta:I - O recorrente nasceu em 21.12.1944, na freguesia de Santa Marinha, Vila Nova de Gaia, constando do respectivo registo de nascimento, lavrado na 1ª Conservatória do Registo Civil desta cidade em 13.01.1945, ter-lhe sido posto o nome próprio de A e de família de ......, e ser filho de F e de G, e neto paterno de H e de I; II - Em 06.02.1921 foi efectuado, na Repartição do Registo Civil de Vila Nova de Gaia, o registo de nascimento do pai do requerente, aí registado como F, filho de H e de J, neto paterno de L e de M; III - Do registo paroquial lavrado em 10.07.1892, na Igreja Paroquial de Santa Marinha de Vila Nova de Gaia, consta ter sido, nessa data, baptizado um indivíduo do sexo masculino de nome H [avô do recorrente], filho de L e de M, neto paterno de N e de O; IV - Em 21.07.1915 foi lavrado, na Repartição do Registo Civil do concelho de Vila Nova de Gaia, o registo de casamento de H com J, dele constando ser aquele nubente filho de L e de M; V - À margem deste registo, na parte respeitante a averbamentos, os nomes dos cônjuges acham-se assim grafados: H e J; VI - No Bilhete de Identidade emitido pelo Arquivo de Identificação do Porto em 09.08.1932, respeitante à pessoa indicada no n.º anterior, consta o nome de H, filho de L e de M, estando manuscrita, no lugar respectivo, a assinatura do portador como H; VII - Do registo paroquial lavrado em 23.04.1865, na Igreja Paroquial de Santa Marinha de Vila Nova de Gaia, consta ter sido, nessa data, baptizado um indivíduo do sexo masculino de nome Manoel [bisavô do recorrente], filho de N e de O, neto paterno de P e de Q; VIII - Em 11.10.1885 foi lavrado o registo paroquial do casamento de L com M, tendo o nubente assinado o seu nome como L; IX - No Bilhete de Identidade emitido pelo Arquivo de Identificação do Porto em 05.08.1936, respeitante à pessoa indicada no n.º anterior, consta o nome de L, filho de N e de O, estando manuscrita, no lugar respectivo, a assinatura do portador como L; X - Do registo paroquial de que se acha certidão a fls. 95 destes autos consta que António [trisavô do recorrente], filho de P [tetravô do recorrente], e de Q, neto paterno de P e de R nasceu no dia trinta e um (?) de Julho de 1838; XI - No respectivo assento de óbito, o referido C é identificado como N, filho de P e de Q; XII - Do assento paroquial de que se acha certidão a fls. 122/123 destes autos consta o casamento, celebrado em 20.11.1773, entre E [hexavô do recorrente], filho de L e de S, e R; XIII - Do registo paroquial de que se acha certidão a fls. 121 destes autos consta que N e D, filhos de E e de R, netos paternos de L e de Q, nasceram em 08.03.1787; XIV - Do registo paroquial de que se acha certidão a fls. 130 destes autos consta que B [pentavô do recorrente], filho de E e de R, neto paterno de P e de Q, nasceu em 11.04.1778; XV - O pai do recorrente assinava, nos documentos oficiais - inclusive no respectivo Bilhete de Identidade - o seu nome com o apelido Assumpção; XVI - E o mesmo sucede com o recorrente; XVII - No assento de nascimento da filha T, lavrado com base na declaração do recorrente, ficou a constar, como nome de família desta, ....., e sendo o apelido paterno aí grafado como Assumpção; XVIII - Em várias escrituras públicas e outros documentos juntos aos autos - certidões de fls. 64 e ss., 69 e ss., 74 e ss., 77 e ss., 80 e ss., 83 e 97 e ss. - em que outorgaram ascendentes, na linha paterna, do recorrente, vem o respectivo apelido grafado como d’Assumpção; XIX - O recorrente casou com G, tendo esta adoptado o apelido familiar do marido, assinando-o sempre com a grafia Assumpção, sendo essa grafia - exarada pela entidade emitente - a que integra o nome constante do seu BI emitido em 14.07.78, bem como a assinatura nele aposta pela própria titular; XX - Do certificado de registo criminal do recorrente, emitido em 14.06.99, nada consta. 3. O nome de uma pessoa é constituído pelos vocábulos que, no assento de nascimento, se destinam a identificá-la.E é este - o da identificação da pessoa, a sua denominação ou chamamento - o primeiro interesse que a atribuição do nome visa satisfazer. É um interesse do próprio indivíduo, que visa distingui-lo dos restantes membros da comunidade, sendo, aliás, nesta perspectiva individualista ou personalista que o nome é considerado, quer no texto constitucional - que situa o direito à identidade pessoal entre os direitos pessoais posicionados e protegidos na zona nobre dos direitos, liberdades e garantias (cf. art. 26º/1 da Constituição) - quer no Código Civil quando, ao dispor sobre os direitos de personalidade, proclama o direito de qualquer pessoa a usar o nome respectivo, completo ou abreviado, e a opor-se a que outrem o use ilicitamente para sua identificação ou outros fins (art. 72º/1). É certo que, paralelamente a este interesse individual, a identificação de qualquer indivíduo através do nome traduz também um interesse público, da colectividade: enquanto sujeito de direitos e deveres, a necessidade de individualização de qualquer pessoa face aos seus concidadãos é um dado evidente - e a individualização processa-se, antes de mais, pela fixação do nome. Mas o interesse primacial é aquele apontado interesse individual. A identificação da pessoa através do nome não é, todavia, o único interesse prosseguido com a atribuição do nome. O nome é, igualmente - em resultado de uma tradição secular - o meio de operar a ligação do indivíduo aos seus progenitores. Ou seja: a individualização de uma pessoa através do nome deve reflectir a indicação de quem é filha e da família a que pertence. Este princípio é, sem dúvida, acolhido na legislação portuguesa. O art. 103º do Cód. Reg. Civil, que rege sobre a composição do nome, dispõe no seu n.º 2, al. d), quanto aos apelidos, que estes "são escolhidos entre os que pertençam a ambos ou só a um dos pais do registando ou a cujo uso qualquer deles tenha direito, podendo, na sua falta, escolher-se um dos nomes por que sejam conhecidos". É, claramente, a revelação do princípio de que, na composição do nome das pessoas, se deve recorrer aos vocábulos caracterizadores das famílias a que cada indivíduo pertence. Para além de um elemento referenciador de ligação à família a que pertence, o nome pode ainda ser, como acentua o Prof. A. Varela (2), um elo de ligação sentimental de uma pessoa ao património moral do seu clã familiar, visando a perpetuação dos valores morais ligados ao nome da família. O direito ao nome é um direito de personalidade, como logo decorre da sua inserção sistemática no Código Civil, já acima assinalada. 3.1. Em princípio, o nome das pessoas, devido à assinalada função - de elemento fundamental de identificação civil dos indivíduos - que lhe é conatural, é imutável, quer no que concerne ao prenome (nome propriamente dito) quer no que respeita aos apelidos. Trata-se, porém, de uma regra que comporta excepções. Com efeito, o art. 104º do Cód. Reg. Civil consagra no seu n.º 1 a possibilidade de alteração do nome, ao estatuir que "o nome fixado no assento de nascimento só pode ser modificado mediante autorização do Ministro da Justiça". O processo de registo que serve de instrumento à concretização da autorização ministerial é organizado na Conservatória do Registo Civil da residência do interessado e submetido a despacho do Ministro da Justiça pela Conservatória dos Registos Centrais, através da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado - tudo conforme postulam os arts. 278º e segts. do Cód. Reg. Civil. O requerente deve justificar a sua pretensão e indicar as provas oferecidas - eis o que, a tal propósito, textua o n.º 2 do citado art. 278º. É apenas esta vaga e imprecisa exigência legal que se depara à pessoa que pretende alterar o seu nome. Nada se diz sobre os fundamentos para a alteração, nem sobre as condições ou requisitos exigidos para o deferimento da pretensão de alteração. Mas tal não significa, obviamente, que a autorização ministerial não esteja condicionada pela verificação de certos requisitos, sob pena de subversão completa do princípio da imutabilidade do nome, a que acima fizemos referência. Perante o silêncio da lei, vem-se entendendo que o requerente deve alegar e provar a existência de justa causa para a alteração pretendida e que desta não deve ocorrer prejuízo para terceiros (3). Com a exigência de justa causa quer-se naturalmente significar que tem de demonstrar-se a existência de uma causa capaz de justificar a alteração pretendida, entendendo-se que ela se não verifica quando não existe um motivo que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique tal alteração. Entre os casos que entende configurarem situações de justa causa, para os efeitos considerados, arrola Vilhena de Carvalho o "pedido fundado no desejo de perpetuar a memória de uma pessoa à qual o requerente se acha ligado por laços especiais, familiares ou outros, igualmente relevantes" (4). Quanto ao prejuízo de terceiro, ele pode resultar, designadamente, "de homonímia resultante da alteração requerida, ou da pretendida atribuição por troca de um nome que sugira a ideia de uma determinada filiação ou de que se pertence a um certo círculo familiar" (5). Postas estas considerações, revertamos ao caso em análise. 3.2. Como se alcança da simples leitura das conclusões da alegação de recurso, muito embora o recorrente concretize, na conclusão 9ª, a pretensão de ver revogada a decisão recorrida, também na parte respeitante ao prenome (ou nome propriamente dito) - cuja grafia pretende alterar de Manuel para Manoel - o certo é que nada alegou a tal respeito, em ordem a justificar essa pretendida alteração, quedando-se por uma mera referência, na indicação das normas violadas, ao disposto no art. 103º/2.a) do Cód. Reg. Civil (cf. conclusões 3ª e 8ª). Ora, o âmbito do recurso - o thema decidendum - é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, as quais devem conter, de forma concisa e clara, os fundamentos do recurso e as disposições legais violadas. No corpo da alegação de recurso deve o recorrente indicar e explicitar as razões de discordância com o julgado, devendo, depois, apresentá-las, por forma sintética e abreviada, nas conclusões, não bastando a mera especificação da norma jurídica que tem por violada. Sendo, porém, assim - é dizer, sendo certo que o ora recorrente não indicou, nas conclusões, as razões por que entende dever este Tribunal dar guarida à sua pretensão de ver alterada a grafia do seu prenome, não pode tomar-se conhecimento desta questão, porquanto, não se tratando de questão de conhecimento oficioso, não foi, pelo recorrente, submetida ao exame e censura do tribunal ad quem. Nesta parte, pois, mantém-se intocada a decisão recorrida. 3.3. Já no que concerne à pretendida alteração do apelido, o recorrente esgrime um largo arsenal argumentativo, a que importa dar atenção, à luz dos princípios que acima deixámos enunciados. Por outras palavras: importa considerar se o recorrente demonstra a existência de causa capaz de justificar a alteração pretendida e se desta alteração poderá resultar prejuízo para terceiro. O recorrente invocou, em síntese, como suporte do pedido formulado, que não se identifica com o apelido Assunção, pois o apelido familiar sempre foi grafado como Assumpção, sendo dele privado no acto de registo do seu nascimento em consequência da oposição do funcionário do registo civil, fundada no argumento da simplificação da língua. Todavia - acrescenta - é o apelido Assumpção e não Assunção que integra o património moral da sua família, e que cada geração desejou transmitir aos seus descendentes, sendo, aliás, aquele que corresponde à realidade do tratamento que ao recorrente é dado pela generalidade das pessoas, e que sempre foi usado no seio familiar, quer pelo próprio recorrente quer por seu pai, sempre que tinham de assinar o respectivo nome em quaisquer documentos, sendo com esse apelido que o recorrente registou a sua filha, nascida em 1967. A decisão recorrida, depois de constatar que o apelido familiar do recorrente teve, ao longo dos tempos, algumas variações ortográficas - "d’Ascenção", "d’Assunção", "d’Assumpção", "Assunção" - propendeu para o entendimento de que "na sua origem o apelido seria d’Ascenção" e que as variantes ortográficas em que o mesmo se desdobrou nas gerações mais recentes são meras corruptelas daquele apelido". E, por isso, concluiu por recusar o pedido de alteração, por este contrariar o disposto nos arts. 1875º do CC e 103º/2.e) do Cód. Reg. Civil. Não se sufraga este entendimento da decisão ministerial, ora sob censura. O que está em causa é, não tanto uma alteração substancial do apelido, mas apenas uma modificação formal do mesmo - não a pretensão de mudar de apelido, mas tão só a de alterar a sua grafia, retomando uma sua formulação anterior. E essa pretendida alteração aparece, a nosso ver, como inteiramente justificada. Convém ter presente que a maior parte dos documentos de identificação constantes dos autos e respeitantes aos ancestrais do recorrente são registos paroquiais de baptismo (que podemos considerar como o registo de nascimento), de casamento e de óbito. E a prática seguida, nesses registos, era a de fazer constar nos de baptismo apenas o nome próprio do baptizado, com menção também da paternidade e da avoenga, e da data de nascimento. Como anota a Ex.ma Conservadora dos Registos Centrais (fls. 29 do apenso de recurso) "é pacífico o entendimento de que o nome que constava no registo Paroquial, enquanto este beneficiava de eficácia civil, era completado quando o indivíduo, em algum acto de relevo da sua vida civil, por exemplo, no casamento, se identificava com apelidos de família. Esse nome passava a ser oficialmente o nome completo do interessado". Não pode, igualmente, olvidar-se que nos séculos XVIII e XIX o grau de instrução da maior parte dos cidadãos do nosso País era baixo, sendo a maioria da população iletrada, e sendo os registos paroquiais lavrados pelos sacerdotes das paróquias, com as possibilidades de erro que facilmente se adivinham na transmissão e recepção dos elementos pessoais dos interessados nesses registos. Não podem, por isso, surpreender-nos as variações encontradas, nos registos, quanto ao apelido familiar do recorrente. E não nos parece legítimo, com os elementos disponíveis, afirmar que "na sua origem, o apelido seria d’Ascenção". Atentemos, a esse respeito, nalguns dados interessantes, respigados da matéria de facto apurada e acima alinhada. O assento paroquial respeitante ao casamento (em 20.11.1773) do hexavô do recorrente, identifica-o como E, e refere-o como filho de L. O mesmo apelido é a ambos atribuído no registo de baptismo dos filhos (gémeos) do E (netos do L), C e D, nascidos em 08.03.1787. Já, porém, em idêntico assento paroquial, respeitante a outro filho do E - B, pentavô do recorrente, nascido em 11.04.1778 - o apelido do progenitor e do avô do neófito vem grafado como d’Ascenção. As referências ao tetravô do recorrente - no registo de baptismo e no assento de óbito do seu filho C - identificam-no como P. O trisavô do recorrente - este aludido C - vem indicado no registo de baptismo do seu filho P, bisavô do recorrente, como N. Este P vem, no respectivo registo paroquial de casamento (lavrado em 11.10.1885), identificado com o apelido d’Ascenção, mas assinou aí o seu nome como P. Já no BI emitido em 05.08.1936, respeitante ao mesmo indivíduo, o seu nome vem referido como P, filho de N, sendo certo que também aí, ele assinou com o apelido d’Assumpção. O avô do recorrente vem nomeado, no respectivo registo paroquial de baptismo (em 10.07.1892), como H, filho de L e neto de N. No registo de casamento, já lavrado na Repartição do Registo Civil, vem identificado como H, filho de L. E no BI, emitido em 09.08.1932, o seu nome vem indicado como sendo H, filho de L, tendo ele assinado com o apelido d’Assumpção. Finalmente, o pai do recorrente foi registado, em 06.02.1921, com o apelido d’Assumção, e como filho de H. Daqui decorre que o apelido Assumpção (sob as diversas fórmulas assinaladas) encontra referências e concretizações em vários ascendentes do recorrente, não podendo, por isso, deixar de concluir-se que a pretensão deste - que, repete-se, não visa senão a reposição gráfica tradicional - não é uma pretensão arbitrária, fundada em mero capricho, antes se acha devidamente fundada e repousa em causa justa. E esta conclusão sai ainda reforçada por toda uma prática traduzida nos factos constantes dos n.os XV e seguintes da apurada matéria de facto, reveladora de que é aquele - e com aquela grafia - o apelido por que se identifica(ra)m e foram/são conhecidos o recorrente e o ramo familiar paterno, e que é ele que integra o património moral da família e se apresenta como o vocábulo referenciador de ligação do recorrente ao seu clã familiar. Não se vislumbram razões legais impeditivas do deferimento da pretensão do recorrente. Nem o art. 1875º do CC, nem o art. 103º/2.e) do Cód. Reg. Civil constituem obstáculo a que o recorrente recupere o apelido tradicional de família - da sua família - que, ademais, já transmitiu à sua filha. E, por outro lado, não está demonstrado que da pretendida alteração resulte prejuízo para terceiro, nem se vê possibilidade de verificação desse prejuízo. O único motivo plausível, que poderia invocar-se para denegar a pretensão, seria o da desactualização da grafia pretendida - mas este argumento, que poderá valer quanto ao nome propriamente dito, não releva no que tange ao apelido. Procede, pois, nesta parte, a argumentação do recorrente. 4. Tendo em conta tudo quanto se deixou referido, acorda-se, no parcial provimento do recurso, em revogar o despacho recorrido, deferindo-se em parte a pretensão do recorrente, e autorizando-se, em consequência, o dito recorrente a alterar o seu nome para Manuel .......O recorrente suportará as custas do recurso, na proporção de metade, não havendo lugar ao pagamento da outra metade, por delas estar isento o Estado. Taxa de justiça: ½. Valor tributário: 40 UC. Notifique e, oportunamente, remeta os autos à Conservatória dos Registos Centrais, para os trâmites posteriores, designadamente os relacionados com o ingresso, no registo civil, por meio do(s) necessário(s) averbamento(s), da alteração ora autorizada. Lisboa, 29 de Janeiro de 2004 Santos Bernardino Bettencourt de Faria Moitinho de Almeida --------------------------- (1) Os poderes do Ministro da Justiça foram delegados no Director-Geral dos Registos e Notariado e por este subdelegados no Conservador dos Registos Centrais. (2) Alterações legislativas do direito ao nome, na Revista decana, ano 114º, pág. 233 - autor que, de resto, vimos seguindo de perto. (3) Cf. M. Vilhena de Carvalho, Do Direito ao Nome, Liv. Almedina, 1972, pág. 159 (4) Ob. cit., pág. 161. (5) Autor e ob. cits., pág. 162 |