Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
832/06.6TVLSB.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: CARDOSO DE ALBUQUERQUE
Descritores: JORNALISTA
PESSOA SINGULAR
LIBERDADE DE IMPRENSA
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
DIREITO AO BOM NOME
DIREITOS FUNDAMENTAIS
COLISÃO DE DIREITOS
PROVA DA VERDADE DOS FACTOS
OFENSA DO CRÉDITO OU DO BOM NOME
BOA FÉ
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
I - A lei ordinária, na salvaguarda do princípio constitucional do direito de todos os cidadãos ao bom nome e reputação e à imagem, consagrado no art. 26.º da CRP, protege-os contra toda a ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, nos termos amplos definidos no art. 70.º do CC. Essa protecção, pela via meramente civil, é exercida, normalmente, através da pertinente acção de indemnização no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e de harmonia com os pressupostos previstos no art. 483.º, n.º 1, do CC, dispondo o art. 484.º que responde pelos danos causados, quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ao bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva.

II - A definição dos limites do direito à liberdade de imprensa, quando conflituem com outros direitos fundamentais e com igual dignidade, como o direito de qualquer pessoa à integridade moral e ao bom nome e reputação, obedece a determinados princípios consagrados na jurisprudência do STJ, do TC, bem como da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Entre estes princípios são de salientar o cumprimento, na divulgação das informações que possam atingir o crédito e bom nome de qualquer cidadão, das regras deontológicas que regem a profissão de jornalista, designadamente procedendo de boa fé na sua recolha e na aferição da credibilidade respectiva antes da sua publicação.

III - Uma dessas regras deontológicas é a que vincula o jornalista a comprovar os factos que relate, ouvindo as partes com interesses atendíveis. Ou seja, as empresas que desenvolvem a actividade jornalística e os jornalistas que nela operam devem ser rigorosos e objectivos na averiguação da veracidade dos factos ou acontecimentos relatados, sobretudo quando sejam susceptíveis de afectar direitos de personalidade.

IV - Embora a liberdade de imprensa deva respeitar no seu exercício o direito fundamental do bom nome e da reputação, o jornalista não está impedido de noticiar factos verdadeiros ou que tenha como verdadeiros, em séria convicção, desde que justificados pelo interesse público na sua divulgação, podendo este direito prevalecer sobre aqueles desde que adequadamente exercido.

V - O conceito de “verdade jornalística” não tem que se traduzir numa verdade absoluta, pois, o que importa em definitivo é que a imprensa não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que saiba inexactas, cuja exactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha podido informar-se convenientemente. Mas esta comprovação não pode revestir-se das exigências da própria comprovação judiciária, antes e apenas utilizar as regras derivadas das legis artis dos jornalistas, das suas concepções profissionais sérias, significando isto que ele terá de utilizar fontes de informação fidedignas, por forma a testar e controlar a veracidade dos factos.

VI - A densificação do conceito de boa fé na divulgação, pela imprensa, de notícias de factos não verdadeiros é de crucial relevo para ajuizar se os réus (jornalistas) dela poderão beneficiar, em termos de excluir a ilicitude duma conduta passível de violação do bom nome e crédito do autor, enquanto imputando a este factos que não se provou ter cometido e em si lesivos da sua reputação, revestindo alguma complexidade.

VII- De acordo com alguma doutrina, transportável para a responsabilidade civil, essa boa fé é composta dos seguintes elementos fundamentais: 1) os factos inverídicos têm de ser verosímeis, ou seja, têm de ser portadores de uma aparência de veracidade susceptível de provocar a adesão do homem normal e não só do informador; 2) o informador terá de demonstrar que procedeu a uma averiguação séria, segundo as regras e os cuidados que as concretas circunstâncias do caso razoavelmente exigiam, provando se necessário que a fonte era idónea ou que chegou a confrontar as informações com várias fontes; 3) o informador terá de demonstrar que agiu com moderação nos seus propósitos, ou seja, que se conteve dentro dos limites da necessidade de informar e dos fins ético-sociais do direito de informar, evitando o sensacionalismo ou os pormenores mais ofensivos ou com pouco valor informativo; 4) o informador deverá demonstrar a ausência de animosidade pessoal em relação ao ofendido a fim de que a informação inverídica não possa considerar-se ataque pessoal.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I- AA, intentou acção declarativa, com processo comum sob a forma ordinária, contra BB, CC e P..., C... S..., S.A., pedindo a condenação solidária dos RR. a pagarem-lhe indemnização por danos não patrimoniais, no montante de € 125.000, acrescida de juros à taxa legal a partir da citação, bem como indemnização por danos patrimoniais a liquidar em execução de sentença.
Alegando, para tanto e em suma, que na manchete do jornal o “P...”, de 4 de Fevereiro de 2003, desenvolvida em notícia da página 2, foi tratado como presumido culpado no chamado processo Casa Pia, noticiando-se o facto falso de que a sua detenção, a 1 de Fevereiro de 2003 teria sido determinada pelo facto de se preparar para fugir, como decorreria da igualmente falsa circunstância de ter transferido para instituição bancária brasileira uma soma bastante elevada, apenas dois dias antes.
Não tendo o A., nem a sua família ou os seus advogados sido previamente contactados para prestar qualquer esclarecimento.
O 2º R. é o autor da notícia publicada na página 2 da edição em causa, sendo que o 1º R. estava então a substituir o director do jornal, tendo sido o autor da manchete da 1ª página, e tendo tido conhecimento da notícia da página 2, cuja publicação autorizou ou a que não se opôs, podendo fazê-lo.
O 3º R. é o proprietário do jornal P.... .
A divulgação de tais falsos factos foi feita pelos RR. com a consciência de as correspondentes imputações serem susceptíveis de afectar a honra do A., prejudicando o seu bom-nome.
Ocasionando, diz, grande sofrimento ao A., que se sentiu magoado e revoltado.
Mais, fomentou e consolidou o juízo de culpa acerca do A. que se instalou em parte da sociedade portuguesa, danificando irreversivelmente a sua imagem e afectando gravemente a sua possibilidade de obter novos contratos nas áreas profissionais onde sempre trabalhou.

Contestaram os RR. arguindo a excepção peremptória de prescrição do direito a indemnização, arrogado pelo A., e alegando diversas tentativas, infrutíferas, para contactar o advogado do A., “aquando da elaboração da notícia”, e a convicção de que aquela relatava factos verdadeiros – resultando tal convicção da confiança nas suas fontes jornalísticas – sustentando não serem os factos noticiados ofensivos da honra e consideração do A., nem serem aqueles “suficientemente fortes para atingir seriamente o reduto mínimo de dignidade e bem nome que o A. pode legitimamente reclamar”.
Sendo inequivocamente publicados no âmbito da função pública de imprensa.
Para além de em qualquer caso, tendo em conta o elevadíssimo número de notícias que na mesma data, nas que lhe são próximas, e até hoje, foram publicadas a propósito, ser manifestamente impossível determinar qualquer nexo de causalidade entre a publicação da notícia em causa e quaisquer danos alegadamente sofridos pelo A.
E ainda que assim não fosse, não estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil da 3ª Ré., nos termos do art.º 29º, n.º 2, da lei da Imprensa.

Rematam com a procedência da excepção e a sua absolvição do pedido, “ou, caso assim não se entenda”, com a improcedência da acção…

Houve réplica do A., pugnando pela improcedência da arguida excepção.

Por despacho de folhas 94 e 95 foram os RR. convidados a “suprirem as insuficiências na exposição e concretização da matéria de facto constante do art.º 16º da contestação”.

Ao que aqueles corresponderam referindo como “fontes” da dita notícia duas pessoas ligadas à investigação criminal do processo Casa Pia.
E circunstanciando a confiança depositada pelo R. CC em tais pessoas.

Respondendo o A., por impugnação, e questionando a invocação de uma fonte que não é revelada, para os efeitos de equacionar uma causa de justificação para a ofensa do direito à sua honra.

O processo seguiu seus termos, com saneamento – julgando-se improcedente a arguida excepção de prescrição – e condensação.

Tendo os 1º e 2º RR. requerido o depoimento de parte do seu comparte, foi esse requerimento indeferido por despacho de folhas 218.

Inconformados, recorreram os referidos RR., de agravo, o qual não foi conhecido por os mesmos terem sido absolvidos.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os RR. do pedido.
Para o efeito, ponderou o Mmo Juiz que o R. CC, obteve de fonte tida por idónea, ligada à investigação criminal e confirmada por outra a notícia publicada, com o consentimento do 1º R. sobre a transferência de fundos bancários no dia em que o A. foi preso preventivamente no âmbito do processo Casa Pia e que nos dois dias seguintes tentou, sem êxito, contactar com o ilustre advogado deste, convencendo-se, face às circunstâncias da sua veracidade, por confiar nas pessoas que a transmitiram, ligadas à investigação, entendendo por isso, não ter o mesmo actuado com culpa e antes exercendo o seu direito a liberdade de imprensa, constitucionalmente consagrado, com cumprimento das regras próprias, sendo que, alem do mais, os graves danos na carreira e imagem pública do A resultaram, sim, do seu envolvimento naquele processo e pelos factos que lhe eram ali imputados.

O A de todo inconformado, recorreu de apelação,
A Relação, ainda que com fundamentação diferente, para acentuar no caso a verificação de uma causa de justificação da ilicitude do acto praticado e em derradeira análise de exclusão de culpa, por via do exercício pelos RR do direito de liberdade da imprensa, com os cuidados requeridos para o seu exercício de forma responsável, confirmou a decisão da 1ª instância

De novo irresignado, o A recorreu de revista, tendo apresentado alegações, por forma a concluir nos termos seguinte:

A) Nos autos está em causa a publicação de notícias falsas que causaram dano à pessoa do Recorrente (…) e que integra matéria de facto que se dá por reproduzida .
B) A Relação, tal como a 1ª instância - ainda que em moldes não coincidentes- sustentou que no caso concreto existiria uma causa justificativa que afastaria a ilicitude do comportamento dos RR e que, no limite, tendo os mesmos publicado a notícia de boa fé e depois de terem o procedido às diligências quer razoavelmente se justificavam, não haveria culpa.
C) A Relação arranca tal tese da seguinte factualidade, igualmente assente: - Os RR publicaram a notícia convencidos da sua veracidade, uma vez que as informações teriam sido transmitidas ao 2ª R e por este confirmada s, junto de pessoas que o 2ª R conhecia e em que confiava, as quais estariam ligadas à investigação criminal do processo Casa Pia, apesar de não concretamente identificadas;
- Aquando da elaboração da notícia, o 2ª R teria tentado contactar o advogado signatário, não o tendo conseguido.
D) Tal jurisprudência ofende os valores da liberdade de imprensa, do direito à honra e do processo equitativo.
E) O primeiro problema dos autos é o seguinte: a invocação de fontes anónimas – ligadas a um processo em segredo de justiça – que não só se sabe quem são, nem em que concretas circunstâncias actuaram, nem em que elementos se fundaram e transmitiram ao jornalista – pode constituir uma causa de justificação que leve à conclusão de que o jornalista tinha fundamento sério para acreditar no que veio a revelar-se falso, afastando a ilicitude e a culpas ?
F) O segundo problema é o seguinte: a mera tentativa de contactar um dos advogados da pessoa presa – cujos contornos se desconheciam em absoluto, sendo ainda certo que o jornalista conhecia a identidade de outro dos advogados (cfr a 2ª pagina do jornal em causa) e dos familiares do preso, in casu , a mulher (facto público e notório ) – constitui o preenchimento adequado do dever de informação que o estatuto do jornalista impõe ?
G) A resposta ao primeiro problema passa pela avaliação do fundamento sério do jornalista para concluir no sentido da notícia, o que a Relação sustenta em fontes anónimas de que nada de concreto se sabe, a não ser que eram ligadas à investigação do processo e seriam da confiança do 2º R,
H) Diz-se no acórdão que o segredo das fontes é um elemento essencial da liberdade de imprensa, o que não se discute bem como nunca se pensou pedir que o jornalista o violasse.
I) Só que não se pode “querer sol na eira e chuva no nabal”. O jornalista não pode prevalecer-se do anonimato da fonte e ao mesmo tempo invocar a fonte que não revela e de quem nada se sabe, para justificar o fundamento sério da sua convicção.
J ) Ainda para mais quando nada se sabe acerca dos concretos elementos para transmitir a notícia.Mostrou papeis? Divulgou uma informação de corredor? Falou com a empregada doméstica do Procurador? Soube pelo escrivão? Ouviu uma conversa do Juiz? Etc, etc, etc.
K) Se se firmasse a jurisprudência da Relação, não mais haveria um processo equitativo – de julgar a ponderação entre a liberdade de imprensa e o direito à honra .
L) Os jornalistas passariam a invocar as suas fontes anónimas por si julgadas altamente credíveis e ninguém aí poderia “meter o nariz”. Deixariam de ser os tribunais a avaliar o fundamento sério da veracidade e passariam os jornalistas a exercer soberanamente tal poder que assim usurpariam.
M) A factualidade assente nestes autos não permite concluir no sentido de que existiu causa de justificação ou exclusão de culpa, pelo que o acórdão aplicou erroneamente esse instrumentos.
N) A notícia é falsa. Os jornalistas sabiam que era susceptível de afectar o visado C... C... . Isso causou-lhe danos. Não há dimensão objectiva que permita concluir no sentido de que os jornalistas tinham fundamento sério para julgar a notícia verdadeira Estão preenchidos os requisitos da responsabilidade civil.
O) Outro factor que sempre excluiria a causa de justificação tem a ver com a circunstância de, no caso dos autos, os jornalistas não terem tido o cuidado adequado quanto ao cumprimento do dever de se informarem junto do visado, assegurando, afinal, o contraditório.
P) Porém a Relação sufraga a tese dos RR, com o fundamento em que o 2ª R teria tentado contactar, sem sucesso, mais que uma vez, o advogado signatário , o que seria suficiente e adequado, tendo em atenção que estaria preso.
Q)Não se aceita tal jurisprudência que mais uma vez deixaria nas mãos dos jornalistas- e não, do tribunal – a averiguação do cumprimento desse dever de cuidado .
R) A mera circunstância de o jornalista ter tentado contactar, por mais que uma vez, um dos advogados do visado pela notícia não pode, no caso presente à luz de um critério de proporcionalidade e até de bom senso, levar à conclusão de que está cumprido o dever de informar que, em matéria tão grave e tão danosa, não se pode bastar com infrutíferas e vagas tentativas de contacto que nem se sabe como é que concretamente ocorreram e sem que se tenham ensaiado outras alternativas de contacto que a situação justificava e permitia ( como, por exemplo, outro dos advogados do visado, igualmente conhecido dos jornalistas ou a mulher ou até o próprio).
S) Admiti-lo, mais uma vez, violaria o princípio do processo equitativo que o artº 6º da Convenção dos Direitos do Homem salvaguarda.
T) Preenchidos os requisitos da responsabilidade civil, resta a questão da quantificação da indemnização, em que cevem ser ponderados os critérios do do artº 494º do CCivil
U) Deve ser especialmente ponderado o seguinte:
· A gravidade e falsidade da noticia, em termos de contribuir para afectar o prestígio e a imagem pública do A, ajudando a que se formulasse um juízo de culpa a seu respeito;
· A enorme projecção pública do A associada à sua longa carreira e ao seu elevado rendimento mensal, onde naturalmente se repercutiria de forma negativa esse juízo de culpa;
· A revolta que essa factualidade causou ao A;
· A reputação do jornal Público a sua tiragem e influência
· A convicção dos RR de que relatavam factos verdadeiros
· O contexto em que a notícia foi publicada.
V) Tudo ponderado, julga-se adequado seja fixado o valor de € 40.000,00 para a indemnização e para que se reduz o pedido da acção.

Os RR contra alegaram, sustentando a bondade da decisão, dando realce aos subsídios doutrinários em que ela se escuda para concluir que os RR agiram com o cuidado exigível para a confirmação da notícia publicada e sempre na convicção razoável da sua veracidade e dizendo não estarem preenchidos três dos pressupostos essenciais da responsabilidade civil aquiliana, a saber, a ilicitude, a culpa e os danos.
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II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil – são questões submetidas à resolução deste Tribunal pelo A:
- saber se concorrem todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e em regime de solidariedade, de banda dos RR. e se eles devem ser condenados a pagar ao A a indemnização que nesta sede entende dever ser reduzida para € 40,000,00.

III -Por acordo das partes, na 1ª instância, foi fixada a seguinte matéria de facto:
“a) - Dos factos assentes
1 - O Autor é arguido no chamado processo Casa Pia, tendo sido preso preventivamente no dia 01.02.2003, situação que se manteve até Maio de 2004. (A).
2 - Na edição de 04.02.2003 do jornal Público, foi publicado, em manchete, “C... C... TRANSFERIU DINHEIRO PARA O BRASIL DOIS DIAS ANTES DA DETENÇÃO”, conforme doc. de fls. 27, que aqui se dá por reproduzido. (B).
3 - A notícia foi desenvolvida na pág. 2 sob o título “TRANSFERÊNCIA DE DINHEIRO PARA BANCO BRASILEIRO ACELEROU DETENÇÃO DE C... C...”, podendo ler-se, na respectiva entrada: “Uma soma bastante elevada terá sido transferida, dois dias antes da detenção, para o Banco Itaú. O magistrado, que já tinha depoimentos incriminatórios, julgou que a possibilidade de fuga era real e ordenou a prisão do apresentador de televisão”, conforme doc. de fls. 28, que aqui se dá por reproduzido.(C).
4 - (...) Constando do respectivo texto: “A detenção de C... C... um dos suspeitos no caso de pedofilia que envolvem alunos da Casa Pia de Lisboa, foi determinada sexta-feira depois de o magistrado do Ministério Público responsável pelo caso ter concluído que o apresentador televisivo se preparava para fugir. Essa presunção foi feita quando se apurou que quase todo o dinheiro de C... C... fora transferido, dois dias antes, para uma conta de uma instituição bancária brasileira, o Banco Itaú.---
Fontes conhecedoras do processo adiantaram que o dinheiro – numa quantia não especificada, mas que, segundo fontes policiais, será “bastante elevada” – terá sido transferido dois dias antes da detenção (...)”, conforme doc. de fls. 28, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (D).
5 - O jornal P... não desmentiu a notícia, pelo menos, com destaque equivalente. (E).
6 - O 1º Réu é o autor da manchete da primeira página. (F).
7 - O 2º Réu é o autor da notícia publicada na pág. 2 da edição em causa, incluindo o respectivo título e entrada. (G).
8 - A 3.ª Ré é a proprietária do jornal P.... . (H).
9 - O Autor tem tido durante os últimos 40 anos uma intensa actividade na rádio, na televisão, na imprensa e, em geral, no mundo do espectáculo e da comunicação social. (I).
10 - O Autor foi conselheiro de imprensa da missão portuguesa junto das Nações Unidas e foi presidente da comissão executiva da candidatura portuguesa à organização da fase final do Campeonato Europeu de Futebol de 2004. (J).
11 - À data, o jornal P... era lido por mais de 100 mil pessoas. (L).
12 O jornal P... tem reputação de jornal de grande rigor e é muito conceituado junto das elites portuguesas. (M).
13 - O jornal P... lidera a chamada imprensa diária de referência, quer em vendas, quer em influência na sociedade portuguesa. (N).
14 - A decretação da prisão preventiva do Autor, no âmbito do denominado processo Casa Pia, foi objecto de inúmeros artigos jornalísticos em todo o tipo de imprensa escrita, bem como de reportagens audiovisuais em todos os canais generalistas de televisão e rádio. (O).
15 - Até hoje (com referência a Março de 2006) foi publicado um elevado número de notícias sobre a qualidade de arguido do Autor no âmbito do chamado processo Casa Pia e a factualidade criminal que lhe é imputada. (P).
16 - A tiragem média mensal do jornal P... no mês de Fevereiro de 2003 foi de 82.646.(Q).
b) - Da base instrutória.
17 - Na decisão da detenção do Autor, referida em 2.1.1., não foi ponderada qualquer transferência de dinheiro para o banco Itaú ou qualquer outro banco brasileiro, nem consta dos autos qualquer documento nesse sentido.(1º).
18 - A notícia referida em B), C) e D) contribuiu para que parte da opinião pública formulasse um juízo de culpa relativamente ao Autor.(3º).
19 - A divulgação das alegadas transferências de dinheiro e do alegado perigo de fuga, na notícia, referida em B), C) e D), contribuiu para abalar o prestígio de que o Autor gozava na opinião pública e nos meios profissionais e sociais onde o Autor está inserido.(4º).
20 - O 1º Réu, à data, estava a substituir o director do jornal público na edição de 04.02.2003 e, tendo tido conhecimento da notícia da pág. 2, autorizou a sua publicação (5º).
21 - Os Réus bem sabiam que as interpretações das notícias referidas em B), C) e D) eram susceptíveis de afectar o Autor.(6º).
22 - O Autor exerceu funções de locutor, jornalista, repórter, autor, produtor e apresentador de centenas de programas informativos e de entretenimento que tiveram grande sucesso junto do público.(7º).
.23 - O Autor foi galardoado com inúmeros prémios pelas suas actividades profissionais, tendo sido reconhecido pelo Expresso como uma das 25 personalidades que mais se destacaram na vida Portuguesa de 1974 a 1999.(8º).
24 - O Autor é um dos Portugueses mais populares ao longo dos últimos 40 anos, sendo certo que essa popularidade resulta do exercício das suas actividades profissionais atrás descritas e da imagem que com elas granjeou.(9º).
25 - À data da sua prisão, o Autor tinha, directamente ou através de empresas por si controladas, perspectivas profissionais que lhe permitiam auferir um elevado rendimento mensal, quer através de programas e espectáculos, quer através de contratos publicitários.(10º).
.26 - O Autor tinha assegurado um contrato com o grupo BCP, em que promoveria a imagem desse grande grupo económico. (11º).
27 - Em qualquer das situações, a imagem do Autor era fundamental para assegurar as suas actividades profissionais.(12º).
28 - A imagem pública do Autor está publicamente danificada pelo juízo de culpa que parte da opinião pública formulou, a seu respeito, devido ao seu envolvimento no processo denominado Casa Pia.(13º).
29 - A notícia descrita em B), C) e D) dos factos assentes causou revolta ao autor.(14º a 17º).
30 - Face ao facto invocado em 13º, o Autor, mesmo inocentado dificilmente, recuperará a imagem pública referida em 7º, 8º e 9º. (18º).
31 - Aquando da elaboração a notícia referida em C) e D), o 2º Réu tentou, por diversas vezes, contactar o advogado do Autor, Dr. R... S... F..., não o tendo conseguido. (19º).
32 - Os factos publicados na notícia referida em C) e D), nomeadamente a transferência de dinheiro para o Brasil e o receio do Ministério Público sobre o perigo de fuga do Autor, foram transmitidos para o 2º Réu por uma pessoa ligada à investigação criminal do processo denominado Casa Pia, que não foi concretamente identificada, no próprio dia em que o Autor foi preso preventivamente.(20º).
33 - Nos dois dias seguintes, o 2º Réu confirmou junto da referida pessoa e junto de outra pessoa, também não concretamente identificada, ligadas à investigação criminal do processo Casa Pia, a veracidade das informações que lhe tinham sido transmitidas.(21º).
34 - O 2º Réu conhecia as referidas pessoas e confiava nelas.(22º).
35 - Os Réus publicaram a notícia convictos de que a mesma relatava factos verdadeiros. (23º).”.
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IV – Postos os factos, vejamos, agora o direito.:
Como dito no acórdão impugnado, a acção surge estruturada com base na responsabilidade civil dos RR., por acto ilícito, qual seja a violação da personalidade moral do A., com lesão de bens de tal personalidade, como são a sua honra e bom nome, consistindo tal ilícito na noticiada informação no “Público”, com destaque na 1ª página de factos de que havia, segundo fontes ligadas à investigação criminal, transferido soma de dinheiro avultada da sua conta de depósitos para um banco brasileiro, dois dias antes da sua detenção no âmbito do processo Casa Pia, indiciante do perigo de fuga, o que causou ao visado grande revolta, por ser falso e ajudou a firmar um juízo popular de forte censura, abalando o prestígio granjeado após décadas de intensa actividade como locutor, repórter, produtor a apresentador de programas na televisão, com forte exposição publica e mediática, agindo os RR culposamente, sem observância dos seus deveres próprios, logo com abuso do seu direito de liberdade de imprensa
A lei ordinária, na salvaguarda do princípio constitucional do direito a todos os cidadãos ao bom nome e reputação e à imagem, consagrado no artº 26º da Constituição, protege-os contra toda a ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, nos termos amplos definidos no artº 70º do CCivil.
Essa protecção pela via meramente civil é exercida, normalmente, através da pertinente acção de indemnização no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, extra obrigacional ou aquiliana e de harmonia com os pressupostos previstos nos artºs 483ºnº1 e ss do CCivil, dispondo, de resto, o artº 484º que responde pelos danos causados, quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ao bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva.
Isto quer dizer que a obrigação de indemnização resultante daquela modalidade de responsabilidade, supõe a prática de um facto ilícito e culposo que tenha causado prejuízo a outrem, no domínio dos bens inerentes à sua personalidade.
Segundo o artº 483º nº1 do CCivil e de harmonia com a doutrina e a sistematização por ela definida (v.inter alia, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol.I, 5ªed., 285 e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª ed., 557), generalizadamente aplicada na jurisprudência, são pressupostos da responsabilidade civil o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano e, finalmente, o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Destes pressupostos, interessa começar por analisar a ilicitude e a culpa, já que se não discute a voluntariedade da conduta assumida tanto pelo 2º, como pelo 1º R que permitiu a publicação da notícia não verdadeira e no jornal “P...” da transferência de fundos avultados do A para bancos no estrangeiro, como indiciante de perigo de fuga do mesmo, em função de suspeitas de envolvimento no processo Casa Pia.
No caso sub judice, sem dúvida que na aparência das coisas, a noticia publicada e num jornal diário tido como de referência e com elevadas tiragens, de que o A no rescaldo da enorme cobertura mediática que mereceu a sua detenção como arguido no processo Casa Pia, atingiu o bom nome e a reputação do mesmo, causando-lhe grande revolta, por ser ela falsa.
Assim, a referida notícia elaborada ou redigida pelo 2ª R, na qualidade de jornalista e autorizada pelo 1ª R, com manchete na primeira página na qualidade de Director substituto do jornal em causa era passível de violar um direito absoluto do A integrado na sua personalidade moral, adensando de algum modo a suspeita em parte da opinião pública da sua prisão preventiva ter sido determinada ou determinada também para obstar a um indiciado propósito de fuga para o estrangeiro.

Como referido no ac. do Tribunal Constitucionalnº128/92, o direito ao bom nome e à boa fama é violado por actos que se traduzam em imputar falsamente a outrem a prática de acções ilícitas ou ilegais.
No entanto e como é bem sabido, a ilicitude pode ser redimida quando ocorram determinadas causas de justificação ou de exclusão.
Como assinala R. Capelo de Sousa ( in Direito Geral de Personalidade, 435) as acções ou omissões violadoras dos deveres jurídicos no campo específico dos direitos de personalidade podem envolver situações em que o facto lesante é praticado no exercício regular de um direito ou no cumprimento de um dever, podendo mesmo envolver no primeiro caso uma colisão de direitos nos termos previstos no artº 335º do CCivil que importa resolver caso a caso
Ora a Constituição consagra, igualmente, o direito à liberdade de expressão e de informar e ser informado.
O artº 37º estabelece no seu nº1 que “todos têm direito a exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, também como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimento ou descriminações”.
E nº 4 acrescenta que a todas as pessoas, singulares ou colectivas é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de reposta ou de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.
No seguimento, determina o artº 38º a garantia da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação social, de que faz parte a protecção da independência e do sigilo profissionais.
Como assinalam Jorge Miranda e outro ( in Constituição Potguesa Anotada, Tº 1, p.434) situam-se tanto a liberdade de expressão, como a de informação, de pleno, no campo dos direitos fundamentais, sendo a liberdade da comunicação social ambivalente, envolvendo um feixe de direitos em que se preveêm formas múltiplas de salvaguarda da liberdade tanto interna, como externa no exercício dos profissionais respectivos nos diversos meios públicos ou privados, entre eles as regras para a imprensa escrita
A Lei de Imprensa em vigor (Lei nº 2/99 de 15/01) contem disposições similares.
O artº 1º dispõe, justamente, que é garantida a liberdade de imprensa e que abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos, discriminações e ou limitações por qualquer tipo de censura
Os artºs 2º nº1 aln a) e 22º , alns a),b),c) e d) dispõem que a liberdade de imprensa implica o reconhecimento dos direitos e liberdades fundamentais dos jornalistas, nomeadamente a liberdade de expressão e de criação, de acesso às fontes de informação, o direito ao sigilo profissional e as garantias de independência e da cláusula da consciência.
O direito dos cidadãos serem informados é garantido, além do mais, pelo reconhecimento do direito de resposta e de rectificação e de respeito pelas regras deontológicas no exercício da actividade jornalística (atº 2º, nº2 alns c)e f)
Os limites à liberdade da imprensa são os que decorrem da lei- fundamental e ordinária- de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação e a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da vida privada, à imagem e às palavras dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática (artº 3º)
A definição dos limites deste direito quando conflituem com outros direitos fundamentais e com igual dignidade como o direito de qualquer pessoa à integridade moral e ao bom nome e reputação obedece a determinados princípios consagrados na jurisprudência deste tribunal, do Tribunal Constitucional, bem como da jurisprudência do tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como acentuado no ac. deste Supremo de 13/01/2005, publicado e comentado na Revista do Ministério Público nº101 de Jan. Março de 2005,pp 141 e ss e sempre dependendo da análise das circunstâncias do caso.
Ora entre estes princípio são de salientar o cumprimento na divulgação de informações que possam atingir o crédito e bom nome de qualquer cidadão das regras deontológicas que regem a profissão de jornalista, designadamente procedendo de boa fé na sua recolha e na aferição de credibilidade respectiva antes da sua publicação.
Uma dessas regras deontológicas é a que vincula o jornalista a comprovar os factos que relate, ouvindo as partes com interesses atendíveis.
Ou seja, as empresas que desenvolvem a actividade jornalística e os jornalistas que nela operam devem ser rigorosos e objectivos na averiguação da veracidade dos factos ou acontecimentos relatados, sobretudo quando sejam susceptíveis de afectar direitos de personalidade.

Em caso de colisão de direitos, o sacrifício de um dos bens só pode admitir-se pela verificação de uma causa justificativa e essa causa justificativa deve respeitar o princípio da proporcionalidade, necessidade a adequação do meio.
Sublinhou-se no acórdão impugnado e citando um estudo de Jónatas Machado (in Studia Jurídica, 65, “Liberdade de expressão Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social”, Coimbra ed., 2002, p. 59) que não existe interesse legítimo que possa justificar a publicação de notícias consabidamente falsas ou negligentemente sub investigadas, Contudo o dever profissional de cuidado deve ser devidamente enquadrado nas condições concretas em que os jornalistas e as empresas jornalísticas exercem a sua actividade e onde importantes decisões redactoriais têm quer ser tomadas, nalguns casos em muito pouco tempo, sob a pressão da concorrência com outros meios de comunicação e da necessidade de informar com prontidão e actualidade. Este aspecto dever ser tomado em consideração na tarefa de determinação dos limites à liberdade de informação e da imprensa (…)”.
Igualmente e no âmbito penal, no que respeita ao crime de abuso de liberdade de imprensa, remetido nos termos do artº 30º da Lei de Imprensa para as normas penais comuns enquanto ofendam a publicação de textos ou imagens bens jurídicos penalmente protegidos tem sido valorada como circunstância justificativa da licitude de publicação de noticia que depois se veio a comprovar não verdadeira o “algum risco permitido” ao jornalista, desde que observado o dever de cuidado na análise do material informativo.
E no caso do que se trata é de saber justamente se os RR procederam com o cuidado exigível enquanto cientes que a notícia publicada, era passível de ser interpretada como gravosa para a posição do A enquanto arguido no processo Casa Pia.
São inúmeros os acórdãos que acentuam no chamado crime de difamação cuja não punibilidade pode resultar de a imputação ser feita para realizar um interesse legítimo (no caso o interesse da informação, próprio dos órgãos da imprensa) ou o agente provar a verdade da mesma ou tiver fundamento serio, para em boa fá a reputar verdadeira ( artº 180º nºs e 2 alns a) e b) do CPenal) caber ao agente, quando jornalista o ónus de prova, em caso de imputações não verdadeiras e lesivas da honra e o bom nome, do dever de esclarecimento que permita aferir da boa fé na convicção de veracidade.
No entanto, a boa fé neste domínio, assume uma dimensão objectiva.
Como afirma Costa Andrade ( in Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Coimbra Ed., 1996, 357, citando Roeder) o que é decisivo não é a boa fé subjectiva, mas a boa fé objectivamente fundada quanto a uma verdade que seria igualmente admitida por uma pessoa de consciência recta e de pensamento equitativo se colocado na mesma situação. Ou seja , “a boa fé não pode significar uma pura convicção subjectiva por parte do jornalista na veracidade dos factos, antes tem de assentar numa imprescindível dimensão objectiva” como dito no Comentário Conimbricense ao C. Penal , Tomo !, p. 623.
E por sua vez, vem-se entendendo na jurisprudência que a boa fé se deve considerar afastada, sempre que o autor da notícia, não realiza, podendo fazê-lo todas as diligências tendentes à sua comprovação e se demonstre não corresponderem eles à verdade, não sendo outra coisa o que se retira do n º 4 daquela norma , onde se prescreve que “ a boa fé referida na aln b) do nº2, exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação”
Ou seja embora a liberdade de imprensa deva respeitar no seu exercício o direito fundamental do bom nome e da reputação, o jornalista não está impedido de noticiar factos verdadeiros ou que tenha como verdadeiros em séria convicção, desde que justificados pelo interesse publico na sua divulgação, podendo este direito prevalecer sobre aquele desde que adequadamente exercido .( cfr, entre outros, os Acs deste Supremo de 26/09/2000, CJ/S, 2000, 3º, 42, de 17/10/2000, CJ/S , 2000, 3, 78, e de 18/10/2005, CJ /S, 2005, 3º, 77 )
De todo o modo, sempre importará salientar que o rigor e a objectividade que se exigem ao jornalista no seu dever de informar não existem em absoluto, antes o que se pode exigir é um esforço de objectividade, anotando a este propósito e de novo voltando ao campo penal, Figueiredo Dias ( Revista de Leg. e Jur., , Ano 115º, p. 171) que o conceito de “verdade jornalística” não tem que traduzir uma verdade absoluta …” pois o que importa, em definitivo, é que a imprensa, no exercício da sua função pública, não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que saiba inexactas, cuja exactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha podido informar-se convenientemente “.
Mas esta comprovação não pode revestir-se das exigências da própria comprovação judiciária, antes e apenas utilizar as regras derivadas das legis artis dos jornalistas, das suas concepções profissionais sérias, significando isto que ele terá de utilizar fontes de informação fidedignas, por forma a testar e controlar a veracidade dos factos.
No caso vertente, tudo está em saber se foi observado pelo jornalista 2ª R o dever de conferir devidamente a credibilidade da informação afinal não verdadeira da transferência de fundos do A para o estrangeiro como fundamento, também, da sua detenção e que saiu a lume no dia 4 de Fevereiro de 2004 que coincidiu com uma terça –feira.
Tal notícia surgiu no rescaldo da imensa cobertura mediática da detenção preventiva do A ocorrida na Sexta feira anterior e afirmava que o Magistrado do Mº Publico concluíra pelo perigo de fuga do mesmo “ por se apurar que quase todo o dinheiro de C... C... fora transferido dias antes para uma conta de uma instituição bancária brasileira, o Banco Irtau”
Ora esta informação fora colhida pelo 2ª R de fonte “não identificada” ligada à investigação criminal do processo Casa Pia no próprio dia em que o A foi detido.
E acontecendo que no fim de semana imediato, e durante dois dias, como provado, o 2ª R tentou, por diversas vezes contactar com o advogado do A, aliás um dos advogados do A Dr R... S... F..., sem o conseguir, entretanto, obtendo de nova fonte também ligada à investigação criminal do caso em que confiava, mas igualmente “não identificada” a confirmação da alegada transferência bancária como factualidade relevante para a emissão da ordem de detenção.
Tendo, assim decidido ante o continuado fluxo de notícias e especulações sobre as razões de tal detenção e em ordem a não reter por mais tempo essa informação e com o acordo do 1º R promover a sua divulgação na edição de terça – feira, sendo este último a decidir da manchete em primeira página.
O recorrente pretende que ao omitir o 2º R revelar a fonte da sua informação, no âmbito do seu direito ( que não questiona ) ao sigilo profissional, estaria como que a retirar fundamento objectivo e sério para a sua convicção da respectiva veracidade.
Mas vejamos
A densificação do conceito de boa fé na divulgação pela imprensa de notícias de factos não verdadeiros é de crucial relevo para se ajuizar se os RR dela poderão beneficiar em termos de excluir a ilicitude duma conduta passível de integrar violação do bom nome e crédito do A, enquanto imputando a este factos que não se provou ter cometido e em si lesivos da sua reputação reveste alguma complexidade, sendo de acordo com alguma doutrina transportável para a responsabilidade civil ( v. o estudo de Martine Madoux in Revista Portuguesa de Ciências Criminal, Ano 9, , fasc. 2, Abri-Junho de 199, p225) composta dos seguintes elementos fundamentais:
1 – Os factos inverídicos têm de ser verosímeis, ou seja têm de ser portadores de uma aparência de veracidade susceptível de provocar a adesão do homem normal e não só do informador;
2 – Por outro lado, o informador terá de demonstrar que procedeu a uma averiguação séria, segundo as regras e os cuidados que as concretas circunstâncias do caso razoavelmente exigiam, provando se necessário que a fonte era idónea ou que chegou a confrontar as informações com várias fontes;
3 – O informador terá também de demonstrar que agiu com moderação nos seus propósitos, ou seja, que se conteve dentro dos limite da necessidade de informar e dos fins ético-sociais do direito de informar, evitando o sensacionalismo ou os pormenores mais ofensivos ou com pouco valor informativo
4 – Finalmente, o informador devera demonstrar a ausência de animosidade pessoal em relação ao ofendido a fim de que à informação inverídica não possa considerar-se ataque pessoal
Volvendo ao caso vertente, parecem-nos indiscutivelmente preenchidos os requisitos 1, 3 e 4, pois além do mais, não se descortina do tom neutro e descritivo da notícia, ainda que com manchete ou destaque na primeira página qualquer animosidade ou comentário algum estigmatizante da conduta do A. sendo verosímil e plausível que a ordem de detenção deste enquanto figura pública e pessoa de elevado estatuto económico pudesse ser determinado pelo conhecimento de uma transferência de fundos para um banco estrangeiro enquanto indício de um propósito de fuga ante a gravidade das suspeitas de envolvimento no dito processo da Casa Pia.
A grande questão está em saber se nas concretas circunstâncias do caso e perante a intensa mediatização do processo Casa Pia e da detenção do A como nele envolvido, o 2ª R agiu com o cuidado devido para, sabendo que os factos imputados ao A com a publicação da peça da sua autoria, ainda que colaterais à matéria de fundo, o atingiam na sua consideração, se assegurar da veracidade dos mesmos
Ora, ficou provado que o 2ª R obtida uma primeira informação de fonte ligada à investigação criminal do caso, reteve a mesma durante dois dias em que procurou, posto que sem êxito, contactar com o ilustre advogado do A Dr R... S... F... posto fosse público ter este um outro, Dr S... L... (aliás fotografados juntos em anexo à notícia) e dada a manifesta impossibilidade de o fazer junto do próprio e em tempo útil, acabou por decidir publicá-la após confirmação por outra fonte, também ligada à investigação e que teve por credível, o certo é que não foram identificadas essas ditas fontes, logo não podendo o tribunal concretamente ajuizar, senão em termos formais, das diligências feitas para o escrutínio da veracidade de semelhante imputação.
Mas será o que apurado ficou. suficiente para no caso se poder concluir no sentido em que o fez o Tribunal da Relação?
Na verdade este ponderou que a não atribuição de qualquer relevo excludente da ilicitude aos comportamentos adoptados pelo 2ªR esvaziaria de todo, o conteúdo útil dos mesmos, aliás aceite pelo A e se traduziria numa compressão indevida do direito/dever de sigilo, mais, arrasar-se-ia a matéria de facto, passando-se por cima das tentativas infrutíferas de contacto com o indicado mandatário do A e das fontes que se deu provado terem existido e com ligação à investigação do próprio processo, conhecidas do 2ª R e em que este confiou.
.Avaliar no caso como este e face a uma cobertura noticiosa quase contínua dos acontecimentos, se podia e devia o 2ª R ter agido de forma diferente, envolve algum melindre e não é da fácil resposta.
De todo o modo, os elementos objectivos provados sobre a actuação concreta do 2ª R dão alguma indicação de que este procedeu com ponderação na verificação da credibilidade da informação, ou seja, procedeu ainda que em escala mínima, às diligências que um jornalista médio, ciente dos seus deveres, colocado na mesma situação, não deixaria de tomar.
Reteve a informação por dois dias até obter confirmação dela por outra fonte, também ligada à investigação criminal, tentou por diversas vezes contactar com o advogado mais conhecido do A e que assegurava a sua defesa no processo Casa Pia e tudo isto debaixo da enorme pressão mediática que a detenção deste causara.
Como alertado no estudo do Prof Jónatas Machado, as decisões redactoriais impõem delicadas opções e em tempo escasso, pois a imprensa vive e nutre-se do quotidiano imediato o que nem sempre torna possível ou viável o cumprimento dos deveres de esclarecimento, sendo certo que a notícia, repete-se, não abordava matéria de fundo do processo mas aspecto marginal ligado à razão da ordem de detenção executada dois dias antes, que até pela sua natureza sigilosa, não comportaria mais aturada investigação
O 2ª R., é certo, que não pormenorizou os seus contactos com as fontes, nem foi preciso na descrição das suas tentativas de comunicar com o advogado do A, mas o que ficou provado suporta, de algum modo, o entendimento de que actuou com cautela e ponderação, confirmando por fonte diversa o que ouvira da primeira quanto à relatada transferência de fundos e ainda tentando no intervalo de tempo em que reteve tais elementos, dilatado, se tivermos em conta o contexto do trabalho de um jornal diário e a necessidade de acompanhar o desenvolvimento de um caso judicial que havia saltado para a primeira página de toda a imprensa de âmbito nacional, contactar o ilustre advogado proponente da acção.
Ora estas indicações validam, de algum modo, a pronuncia da Relação no tocante à boa fé com que o 2º R actuou no tratamento da informação recolhida sobre a dita transferência de fundos e, sendo certo que se o sigilo da fontes não pode servir para eximir o jornalista da comprovação do seu dever de rigor e cuidado no apuramento da veracidade de uma notícia, de indiscutível valia no contexto de um acontecimento com tamanha repercussão pública, também não deve ser sacrificado sempre que se não venha a confirmar o respectivo conteúdo, não estando o jornalista impedido da fazer prova circunstancial do esforço desenvolvido com o cruzamento das respectivas fontes que se provou estarem em condições de transmitir dados sobre o processo e, sempre levando em linha de conta os constrangimentos impostos pelo segredo de justiça.

Assim no contexto da turbulência mediática a que deu azo a detenção do A, julgamos que a matéria provada suporta o entendimento de que o 2ª R fez as diligências mínimas exigíveis para testar a credibilidade das fontes de que se socorreu, tanto bastando para tornar consistente a seriedade do fundamento na sua convicção da veracidade dos factos noticiados.
Vale isto por dizer, em suma, que o juízo feito na Relação sobre a exclusão da ilicitude da ofensa ao direito de personalidade do A não é, portanto de censurar, o que, logicamente, prejudica a apreciação dos demais pressupostos da responsabilidade civil tanto do 2º R jornalista, como dos demais que com ele solidariamente responderiam.
De todo o modo, sempre no caso se tornaria duvidoso que tivessem ambos os RR, jornalistas e director da publicação agido com culpa ao divulgarem a noticia em causa, não propriamente por estarem convencidos da sua veracidade, o que somente permitia excluir o dolo, como decidido no processo crime que o A começou por instaurar contra os mesmos, despacho documentado nos autos mas por não representarem, sequer, e de forma a ser-lhes censurável, a possibilidade de ela o não ser, enquanto tendo procedido às diligências que face às particulares circunstâncias do caso eram exigíveis para o cabal exercício do seu direito de informação.
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V -Nesta conformidade, decide-se negar a revista.
Custas a cargo do recorrente.


Lisboa, 17 de Setembro de 2009

Cardoso de Albuquerque (Relator)
Salazar Casanova
Azevedo Ramos