Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
47/14.0T8MNC-D.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE
ACÇÃO PRINCIPAL
AÇÃO PRINCIPAL
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
DEFESA POR EXCEPÇÃO
DEFESA POR EXCEÇÃO
Data do Acordão: 02/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / PROCEDIMENTOS CAUTELARES / PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS – PROCESSO DE EXECUÇÃO / TÍTULO EXECUTIVO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, p. 203;
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 8ª edição, Coimbra/1994, p. 161;
- Castro Mendes, Acção Executiva, p. 8 e 17;
- Lebre de Freitas, A Acção Executiva, p. 162;
- Pais de Sousa e Cardona Ferreira, Processo Civil, p. 83.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 364.º, N.ºS 1 E 2, 365.º, N.º 2, 369.º, N.º 1, 373.º, N.º 1, ALÍNEA C), 635.º, N.º, 639.º, N.º 1 E 703.º.
Sumário :
I. O título executivo certifica, em princípio, a existência de um direito, o qual poderá ser posto em crise em oposição que venha a ser deduzida à acção executiva.

II. Quer se considere a oposição à execução como contestação à petição inicial da acção executiva, quer como uma contra acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo, certo é que a oposição à execução consubstancia o meio idóneo à alegação dos factos que constituem matéria de excepção.

III. Constituindo o título dado à execução, uma decisão proferida nos autos de Providência Cautelar de Restituição Provisória de Posse, importa considerar a natureza dos procedimentos cautelares e a sua relação com a acção principal, nos casos em que não está em causa a inversão do contencioso.

IV. Produzida prova cabal sobre os factos jurídicos donde emerge a pretensão deduzida pelo demandante, a decisão proferida na acção principal, com trânsito em julgado, terá, necessariamente, repercussões quanto ao decidido nos autos de providência cautelar dependentes da acção já intentada ou a instaurar (sem prejuízo da inversão do contencioso), donde se considera relevante que os efeitos de qualquer providência, decorrentes do respectivo dispositivo, estão dependentes do resultado que for ou vier a ser conseguido na acção definitiva, podendo caducar, acaso a acção principal julgue improcedente qualquer direito, provisoriamente reconhecido no procedimento cautelar, tornando-o inútil, o que, de resto, está compaginado com o direito adjectivo civil quando estatui sobre os efeitos da sentença, concretamente o valor da sentença transitada em julgado, consagrando que se o réu tiver sido condenado a satisfazer outras prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto à sua medida ou à sua duração, pode a sentença ser alterada desde que se modifiquem as circunstâncias que determinaram a condenação.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO


AA e BB vieram deduzir embargos de executado à execução que BB, entretanto falecida e substituída pelas habilitadas CC, DD e EE, intentou para cumprimento da decisão cautelar de restituição provisória de posse decretada em 23 de Março de 2014, no apenso A.

Para o efeito, os executados embargantes alegaram que cumpriram a sentença, o que foi reconhecido pela primitiva exequente, sendo que a sanção pecuniária compulsória não é devida porque não tem qualquer fundamento e não houve incumprimento.

Mais alegam que o terreno da exequente não tinha a área que esta invoca, mas apenas 207 m2, pelo que, já cumpriram o ordenado.

Alegam ainda que o referido terreno não tinha muro a toda a volta, tendo reposto o existente.

Concluem que a exequente actua em abuso de direito.


A exequente embargada contestou alegando que os executados não cumpriram a obrigação, pois, apenas repuseram 216 m2 de terreno quando deveriam ter reposto 230 m2, sendo que também não reconstruíram o muro na sua totalidade.


Realizou-se audiência prévia com prolação de despacho saneador, fixação do objecto do processo e enunciação dos temas da prova, o qual não foi sofreu quaisquer reclamações.

      

Calendarizada e realizada a audiência final, com observância do legal formalismo, foi proferida decisão que julgou os embargos parcialmente procedentes e em consequência, julgou extinta a execução quanto ao pagamento da sanção pecuniária compulsória e multa em igual montante, sendo que no demais, julgou os embargos improcedentes e determinou o regular prosseguimento da execução, não tendo sido condenadas quaisquer das partes, como litigantes de má-fé, tendo as custas sido fixadas na proporção de metade. 

 

Inconformadas, as Exequentes/Embargadas/CC e outras, habilitadas como sucessoras da primitiva Exequente/Embargada/BB, e os Executados/Embargantes/AA e BB, interpuseram recurso de apelação, para o Tribunal da Relação, tendo sido proferido acórdão, em cujo dispositivo se consignou:

“Pelo exposto, no parcial provimento do recurso dos executados embargantes, revogando parcialmente a sentença da 1ª instância, acordam os juízes desta secção cível em:

I – Julgar procedente a apelação deduzida pelos executados embargantes quanto à questão a decidir VI), em consequência do que, revogando-se a fixação das custas na decisão, se substitui a sentença proferida nessa parte pela condenação seguinte: “Custas na proporção de 1,38% para os oponentes/apelantes e 98,62% para os exequentes/apelados.”;

II – Julgar improcedente a apelação deduzida pelos executados embargantes quanto às questões a decidir II), III), IV) e V);

III – Julgar improcedente a apelação deduzida pelas habilitadas como sucessoras da primitiva exequente embargada quanto à questão a decidir I);

IV – Manter no mais o decidido;

V – As custas dos recursos dos executados embargantes e das habilitadas como sucessoras da primitiva exequente embargada são respectivamente a cargo dos mesmos, na proporção do respectivo decaimento.” 


Deste acórdão proferido a 25 de Janeiro de 2018, vieram os Apelados/Executados/Embargantes AA e FF, arguir, nos termos do art.º 666º do Código de Processo Civil, erro na qualificação jurídica dos factos que são de conhecimento oficioso e pedir a sua reforma, com os seguintes fundamentos: “- foi decidido no acórdão não conhecer de uma questão colocada no recurso e identificada em III) das questões a decidir, in casu, a inexistência de título executivo, por se tratar de uma questão nova, já que não fora suscitada na 1ª instância;

- aí se tendo defendido como excluída da impossibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso, da matéria de conhecimento oficioso;

- a questão de que se não conheceu deveria ter sido apreciada, já que se tratava de uma questão de conhecimento oficioso, como, aliás, fora alegado na apelação;

- o que configura um erro na qualificação jurídica dos factos que são de conhecimento oficioso, sendo a decisão susceptível de reforma, nos termos do art. 616º/2, a) do CPC.”


O Tribunal da Relação, uma vez invocada a reforma do aresto, proferiu novo acórdão, aduzindo, com utilidade, o que de seguida se consigna:

“Cumpre pois decidir, uma vez que tanto se impõe e a tal nada obsta.

Apreciando, então, o arguido erro na qualificação jurídica dos factos que são de conhecimento oficioso e pedido de reforma, começaremos por dizer que os mesmos devem ser decididos em conferência (cfr. art. 666º/2 do CPC).

E verifica-se o arguido erro?

Decidindo, diremos que, efectivamente, por manifesto lapso, porque a inexistência de título executivo é de conhecimento oficioso [cfr. arts. 734º e 726º/2, a) do CPC], ao excluir-se o conhecimento dessa questão do acórdão por se tratar de uma questão nova e não integrar o elenco das excepções, se verifica existir erro na qualificação jurídica dos factos que são de conhecimento oficioso.

O que desde logo torna lícito o requerimento dos executados embargantes a requerer a reforma do acórdão, já que aos mesmos não cabe recurso da decisão [vd. art. 616º/2, a) do CPC]. (sublinhado nosso)

Impõe-se, pois, conhecer aqui da questão de inexistência de título executivo, que, como já supra referido, também fora suscitada na apelação. E fazendo-o, é o seguinte o entendimento que temos:

(…) não estava em causa na execução a entrega do imóvel esbulhado determinado pela providência como pretendem os apelantes, sendo que efectivamente em relação a este pedido não existiria título executivo. Não assiste, assim, razão aos apelantes.

O que a exequente embargada primitiva veio executar em 30-04-2015 foi a sentença proferida na providência cautelar após contraditório, pretendendo que “o facto não prestado, pelos executados, seja realizado por outrem, visto ser facto fungível; e ainda, que os executados paguem a quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória já fixada (…)”. Tendo inequivocamente título executivo para esta pretensão (cfr. arts. 703º e ss. do CPC).

Assim sendo, sem necessidade de maiores considerações do que as vindas de expor, reconhecendo-se existir um erro na qualificação jurídica dos factos que são de conhecimento oficioso a tornar lícito o requerimento dos executados embargantes a requerer a reforma do acórdão, após nos debruçarmos sobre a suscitada questão, conclui-se pela inverificação da inexistência de título executivo por parte da exequente embargada primitiva, o que não influi no resultado final do acórdão de 25-01-2018, não alterando o ponto II) da parte decisória do mesmo que julgou improcedente a apelação deduzida pelos executados embargantes quanto às questões a decidir em II), III), IV) e V), pelos fundamentos nele explanados, que assim se mantém.

Decisão: Assim, nos termos supra expostos, reconhecendo-se a existência de um erro na qualificação jurídica dos factos que são de conhecimento oficioso, após análise da questão, decide-se a final pelo indeferimento do pedido de reforma. Custas pelos executados embargantes AA e mulher FF, fixando-se em 2 UC’s a respectiva taxa de justiça a suportar pelos mesmos.”

É contra o acórdão de 25 de Janeiro de 2018, reformado pelo acórdão de 12 de Abril de 2018, que as habilitadas da Exequente/Embargada, CC e outras, se insurgem, formulando as seguintes conclusões:

“1. O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães neste processo, do qual se recorre, confirmou a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância. Contudo, sempre ressalvando o melhor respeito, este acórdão está em contradição com a jurisprudência dominante nesta matéria. Entra em frontal contradição e colisão, concretamente, com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 13-07-2016, com unanimidade, no processo nº 2727/13.8YYPRT da 1ª secção de execução do Porto - Juiz 6, já transitado em julgado (do qual se junta certidão emitida pelo mencionado tribunal de execução).

2. O acórdão de que agora se recorre decidiu que a sanção compulsória por mora no cumprimento das obrigações de prestação de facto fixada na acção cautelar caducou, deixou de ser exigível e de ser título executivo pelo facto de a sentença posterior proferida na acção principal não ter, também, decretado a mesma sanção pecuniária compulsória para compelir os RR. ao cumprimento das mesmas obrigações de prestação de facto em que vinham condenados desde o procedimento cautelar e em que também os condenou na acção principal.

3. Isto, não obstante a sentença proferida na acção principal ter sido de total procedência de todos os pedidos de condenação dos RR., reafirmando no todo, os precisos termos da decisão condenatória do processo cautelar, condenando nos precisos e iguais pedidos para cujo cumprimento vinha fixada a medida compulsória decretada no processo cautelar - com a referida exceção da condenação acessória de sanção compulsória.

4. O acórdão fundamento desta revista, do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 13-07-2016, com unanimidade, no processo nº 2727/13.8YYPRT da 1ª secção de execução do Porto - Juiz 6, já transitado em julgado, decidiu de forma totalmente contrária e oposta, sobre a mesma questão fundamental de facto e de direito, afirmando que: I. A sanção pecuniária decretada na providência cautelar para compelir os requeridos ao cumprimento das obrigações em que também foram condenados, não caduca apenas pelo facto de a sentença proferida na acção principal não ter também decretado uma sanção pecuniária para compelir os réus ao cumprimento das mesmas obrigações em que também os condenou. II. A sanção pecuniária compulsória decretada na providência cautelar subsiste até ao trânsito em julgado da sentença condenatória proferida na acção principal. III. Não há abuso no direito de exigir o pagamento da sanção pecuniária, cujo montante elevado deriva do incumprimento da decisão proferida na providência cautelar, nem foi essa a fundamentação da não condenação dos réus nessa sanção na acção principal.

5. Ressalta, assim, que há oposição frontal, não apenas diversa, mas substancialmente contrária e oposta, entre a resposta dada pelo acórdão recorrido e pelo citado acórdão fundamento do Tribunal da Relação do Porto, já transitado em julgado.

6. Ambos os acórdãos, o recorrido e o acórdão fundamento, tratam da mesma questão fundamental de direito. O núcleo da situação de facto em ambos os acórdãos é idêntico. Condenação idêntica em processo de providência cautelar: obrigação de prestação de factos; condenação em sanção compulsória por incumprimento da injunção cautelar. Condenação idêntica na acção principal: condenação nos mesmos pedidos da providência cautelar, isto é, condenação na parte do pedido relativo ao direito que se pretendia acautelar com a providência cautelar; improcedência (na acção principal) do pedido de fixação de sanção compulsória para o incumprimento da decisão que fosse proferida na acção principal.

7. Em ambos os acórdãos os factos subsumem-se ao mesmo grupo das normas jurídicas que são aplicáveis: artigos 365°, n.º 2; 373º n.º 1 alínea c); 613º do Código de Processo Civil.

8. Essencialidade da questão de direito em controvérsia. A questão de direito sobre a qual se verifica a oposição e contradição entre os dois acórdãos é essencial na medida em que o acórdão da Relação de que se recorre, conduz à total reversibilidade da sentença cautelar, determinando a sua total caducidade caducidade ex tunc, inoperância e consequente extinção da execução (não obstante na acção principal ter sido proferida sentença condenando nos mesmos pedidos integradores do direito que a sentença cautelar pretendeu proteger com a sanção compulsória). Enquanto que a solução do acórdão fundamento determina a revogação do acórdão da relação de que agora se recorre, com o consequente prosseguimento da execução para concretização da sanção compulsória de indemnização e multa. Em função da decisão da acção principal, o acórdão de que se recorre determina a caducidade retroactiva da sanção compulsória fixada na providência cautelar, tornando-a totalmente inútil, decreta a caducidade ex tunc da sanção compulsória fixada na sentença cautelar. O acórdão fundamento mantém em vigor a sanção compulsória até trânsito em julgado da sentença da acção definitiva, decretando a caducidade ex nunc (não retroactiva) da sanção compulsória.

9. Verifica-se a inexistência de dupla conforme entre o acórdão da Relação e a sentença de 1ª Instância. Embora confirmando a decisão da 1ª instância, o acórdão da Relação de que se recorre nesta revista, não traduz a dupla conformidade entre as duas decisões. Com efeito, a solução jurídica do acórdão da relação de que se recorre, tal como expressamente referido no texto do mesmo, tem fundamento diferente do fundamento da sentença de Primeira Instância, transcrevemos o segmento decisório do acórdão: ... “ Termos em que, ainda que com fundamento diferente, improcede o recurso das habilitadas como sucessoras da primitiva exequente embargada, mantendo-se nesta parte a sentença recorrida”. Em contraponto, a sentença de 1ª instância entendeu que a sanção pecuniária compulsória apenas é admissível nas obrigações de prestação de facto infungível pelo que, sendo as prestações de facto de facere fixadas na sentença cautelar fungíveis, aquela sanção compulsória é inaplicável. O acórdão tem fundamentação diversa. Defende que a sanção pecuniária compulsória seria devida pela mora quer no cumprimento das prestações de facere, quer no cumprimento das prestações de non facere, tal como fixadas na sentença do processo cautelar mas, porque a sentença proferida na acção principal não fixou a mesma sanção compulsória, a mesma que vinha fixada na providência cautelar caducou, por força do disposto no art. 373°, 1 alínea c) do CPC.

Por fim, o acórdão recorrido não teve voto de vencido.

10. Sobre esta questão jurídica em causa, não existe qualquer acórdão de uniformização de jurisprudência conforme com o que o que vem decidido neste acórdão recorrido da Relação, ou ao qual este mesmo acórdão tenha aderido.

11. Como demonstrado, o acórdão desta Relação, proferido neste processo, datado de 25.01.2018, está em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 13-07-2016, com unanimidade, no processo nº 2727/13.8YYPRT da 1ª secção de execução do Porto - Juiz 6, já transitado em julgado.

12. O objeto tratado no acórdão deste processo e no referido acórdão fundamento desta revista excecional é o mesmo. Está em causa, em ambos, a interpretação e alcance do preceituado nos artigos 365°, nº 2, 373°, n.º 1 alínea c) e 613° do Código de Processo Civil. Assim, há identidade entre os objetos da cada um dos processos e é comum a ambos a questão sobre a qual incidiram as respostas divergentes.

13. As duas decisões opostas foram proferidas no âmbito e no domínio da mesma legislação, isto é, na vigência da atual redação dos citados artigos 365°, n.º 2, 373°, n.º 1 alínea c) e 613° do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n." 41/2013 de 26 de Junho, em vigor desde 1 de Setembro de 2013.

14. Verificam-se, assim, os pressupostos para admissibilidade do presente recurso de revista ordinária, ao abrigo do disposto no artigo 629°, n.º 2 alínea d) e artigo 671º, nº 3 “a contrario sensu” do Código de Processo Civil.

15. A não ser admitido o recurso ordinário de revista, deverá admitir-se o recurso de revista excecional, previsto no artigo 672°, nº 1 alínea c); neste caso, devendo os autos ser submetidos à superior apreciação preliminar sumária, a cargo da formação dos Exmos. Senhores Juízes Conselheiros, prevista no citado artigo 672°, nº 3 do Código de Processo Civil.

16. Admitido o presente recurso, quer como recurso ordinário (a coberto do disposto no artigo 629°. nº 2 alínea d) e artigo 671º, nº 3 “a contrario sensu” do Código de Processo Civil) quer como recurso excecional de revista, a coberto do artigo 672° do CPC, formulam-se mais as atinentes conclusões que às duas modalidades de recurso se ajustam:

17. No caso em apreciação nestes autos, a sentença proferida na acção principal de que a providência cautelar de restituição provisória de posse estava dependente, reconheceu o direito das exequentes e condenou os executados em todos os pedidos relacionados com esse seu direito. Condenou nos mesmos pedidos pelos quais os RR. já vinham já condenados da acção cautelar e para cujo cumprimento foi fixada aquela sanção compulsória.

18. Por conseguinte tal como decidido no acórdão que é fundamento desta revista, e como nele vem afirmado, também, neste processo o fundamento de caducidade não se verifica, nem substancial nem formalmente. A lei diz: “o procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca se a acção vier a ser julgada improcedente, por decisão transitada em julgado”. Ora a acção - na parte do pedido que interessa, ou seja, relativa ao direito que se pretendia acautelar com a providência - foi julgada procedente.

19. A parte que foi julgada improcedente foi o pedido de fixação de uma sanção pecuniária para o incumprimento da decisão que fosse proferida na acção principal Mas daqui não decorre a caducidade da que foi fixada para compelir ao cumprimento das obrigações fixadas na decisão da providência cautelar, porque aquela absolvição (da sanção pedida na acção principal) não diz respeito àquela sanção pecuniária compulsória (da providência cautelar).

20. Nos termos do disposto no art. 373°, nº 1 al. c) do CPC, a decisão cautelar caduca se a acção vier a ser julgada improcedente, por decisão transitada em julgado. Nestes autos, a acção veio a ser julgada procedente e, por isso, a decisão cautelar não caducou.

21. A decisão da acção cautelar produz todos os seus efeitos até à decisão final proferida na acção principal. A não ser assim, estava aberta a porta ao desrespeito sistemático das decisões cautelares. Sempre que o obrigado ao cumprimento das injunções cautelares entendesse, com maior ou menor grau de certeza, que venceria a sua posição na acção principal, arriscaria desrespeitar a decisão proferida no processo cautelar.

22. Não é esse, manifestamente, o fim e o espírito do legislador quando fixa as sanções por incumprimento das decisões cautelares. In casu, a sentença principal não condenou os RR. na sanção pecuniária compulsória: indemnização e multa por cada dia de incumprimento mas, tal facto, não pode extinguir a condenação na indemnização e multa fixadas no procedimento cautelar. Estas são devidas desde o trânsito da sentença cautelar até à data do trânsito em julgado da sentença da acção principal.

23. A decisão cautelar, aliás, confirmada na apelação julgada no Tribunal da Relação de Guimarães, atrás já referida (Processo n.º 47/14.0T8MNC-A.G1, de 12 de Fevereiro de 2015), é insusceptível de ser modificada ou revogada, porque transitada em julgado. O poder jurisdicional no que àquelas questões decididas diz respeito, está esgotado, o que obsta à sua alteração, conforme refere o normativo do artº 613º do Código Processo Civil.

24. A decisão cautelar fixa a indemnização e multa por cada dia de mora ou incumprimento nas prestações de facto positivo prestações de facere e, também, na prestação de non facere, que foram ordenadas aos requeridos.

25. Não há mora diária para a obrigação de os Requeridos estarem proibidos de voltar a turbar a posse do direito de propriedade da A.

26. A mora por cada dia só pode verificar-se para o incumprimento das primeiras duas obrigações fixadas no procedimento cautelar, em concreto, recolocação da terra do prédio da A., reconstituindo-o com 230 m2 e a reposição do muro existente ao longo de toda a linha de confrontação dos dois prédios.

27. Assim sendo, a sanção pecuniária compulsória é devida desde 24 horas (vinte e quatro horas) após transito em julgado da sentença proferida no processo cautelar de restituição provisória de posse (processo nº 47/14.0T8MNC-A) de que estes autos são apensos, até à data de trânsito em julgado da sentença proferida no processo principal nº 47114.0T8MNC ; ou seja é devida desde 29 de Setembro de 2014 (data de admissão do recurso da sentença cautelar com declaração de efeito meramente devolutivo) até 22-02-2017 (data do trânsito em julgado da sentença da acção principal).

28. O douto acórdão da Relação de que se recorre sobre esta questão suscitada na apelação, de que a sanção pecuniária compulsória era devida pelas prestações de facere e prestações de non facere decidiu afirmativamente, em contraponto e contrariando a decisão da 1ª instância. Considerou que essa mesma sanção compulsória era devida, visto ter transitado em julgado a sentença proferida na providência cautelar que as fixou. Só que considerou, como afirmado já, que operava a caducidade ex. tunc da sanção compulsória, em resultado da não condenação da mesma sanção compulsória na acção principal.

29. No alinhamento da jurisprudência que se vem afirmando e é dominante sobre a concreta questão aflorada nos títulos III e V destas alegações e conclusões que antecedem, quer pela via da admissão de recurso ordinário de revista, quer por admissão de recurso excecional de revista, deverá este Supremo Tribunal de Justiça acolher a posição do acórdão fundamento e, consequentemente, revogando o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido nestes autos, decidir que a sanção pecuniária compulsória é devida nos moldes referidos supra no item 27, ordenando o prosseguimento da execução.

30. O acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 373º, nº 1 alínea c), conjugado com o disposto nos artigos 365°, nº 2 e 613° todos do Código de Processo Civil.

Decidindo em conformidade com o alegado e com as conclusões que ficam alinhadas farão V. Exas. Senhores Juízes Conselheiros a habitual justiça”


Os Recorridos/Executados/Embargantes/AA e BB, apresentaram contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso apresentado, outrossim, requereram a ampliação do recurso, nos termos do art.º 636º do Código de Processo Civil, tendo consignado as seguintes conclusões:

“A - Atendendo à dupla conforme, a revista excecional não deve ser admitida, atendendo que a decisão constante do douto acórdão fundamento, se fundamenta em caso concreto muito diferente do abordado no douto acórdão recorrido, sendo que a decisão cautelar é diferente da sentença proferida na ação principal, acrescentando a construção do muro de suporte, que é o que leva à procura de enriquecimento, pelas recorrentes. A jurisprudência e doutrina citadas pelas recorrentes presumem a aplicação de acordo com a lei da sanção pecuniária compulsória.

B - Sem prescindir, e caso venha a ser admitida a revista, e não se pronunciando o Tribunal recorrido sobre a reclamação da reforma, conhecendo da inexistência ou falta de título executivo, que o Supremo Tribunal se pronuncie sobre tal questão.

C - Seja admitida a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do Art.º 636°, do C.P.C

E, assim,

D - A execução que gerou a presente oposição, após a decisão na ação principal, por, aquela ser dependente, desta, o que se revela, deveria a execução em curso, ser extinta por inutilidade superveniente da lide.

E - Até por que, a decisão que se executa, não seguindo o procedimento indicado no n.º 6, do Art.º 366°, do C.P.C., como devia, deve considerar-se a falta ou inexistência de título executivo.

F - O que decorre da lei, de jurisprudência e de doutrina avalisada.

G - A falta de título executivo é de conhecimento oficioso e está, em tempo, tal conhecimento.

H - Além disso, a execução foi extemporaneamente deduzida, tendo já caducado a possibilidade da prática de qualquer ato cautelar, estando a correr, há muito, a ação principal.

I - Há também caducidade e extinção da execução da decisão cautelar, por via da sentença, proferida na ação principal e transitada em julgado.

J - Isso de acordo com jurisprudência de Tribunais da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça.

K - A decisão cautelar, transitada em julgado, forma caso julgado com força dentro de tal processo.

L - A sentença proferida na ação principal, transitada em julgado, forma caso julgado material com força dentro e fora do processo, mesmo perante a decisão cautelar.

M - O prazo determinado na decisão cautelar para cumprimento da obrigação de prestação de facto fungível, foi improcedente na sentença da ação principal, que pelo trânsito em julgado, desta, caducou, reportando-se à propositura da mesma.

N - Assim, não existe incumprimento da obrigação.

O - Sendo a sanção pecuniária compulsória, aplicável à mora no cumprimento da obrigação decretada, não existindo, prazo, porque caducou, não se pode aplicar qualquer sanção, pois não existe mora no cumprimento.

P - O Supremo Tribunal de Justiça, deve pronunciar-se expressamente, para defesa do Estado de Direito e dos particulares, em causa, que o decretamento da sanção pecuniária compulsória na decisão cautelar se ficou a dever a erro de julgamento ou erro judiciário.

Q - Na condenação em indemnização e multa pela mora, houve um erro material e jurídico, senão, judiciário, sendo uma decisão inconstitucional, que as decisões, quer na ação principal, quer no douto acórdão recorrido, se propuseram corrigir, e deve ser dado por alterado tendo em conta as circunstâncias que determinaram tal condenação (Art.º 619º, n.º 2, do C.P.C.).

R - Assim, considerando-se que na decisão cautelar se pretendia fixar uma sanção pecuniária compulsória, a mesma não poderia ser fixada por se revelar, legalmente, inadmissível.

S - Para além de inexistência de mora e inaplicabilidade, sendo, até, a mora considerada extinta pela improcedência na ação principal e exigências de exequibilidade determinadas no n.º 6, do Art.º 366°, do C.P.C ..

T - O douto Acórdão, nesta parte de ampliação do recurso, além de outros infringiu os dispositivos legais dos artigos 366º, n.º 6, 413º e segs e 52º, do C.P.C ..

Termos em que, deve ser decretada a inadmissibilidade da Revista.

Se assim, não se entender, devem ser desatendidas as conclusões das recorrentes e, na parte da ampliação, deve ser dado total provimento à ampliação do recurso de Revista. Fazendo-se, assim, Justiça”.


Conforme já consignado, o Tribunal recorrido, por acórdão proferido em 12 de Abril de 2018, pronunciou-se sobre a requerida reforma, conhecendo da inexistência ou falta de título executivo, tornando, desde já, prejudicado, o conhecimento da requerida ampliação do recurso (B - Sem prescindir, e caso venha a ser admitida a revista, e não se pronunciando o Tribunal recorrido sobre a reclamação da reforma, conhecendo da inexistência ou falta de título executivo, que o Supremo Tribunal se pronuncie sobre tal questão; C - Seja admitida a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do Art.º 636°, do C.P.C.).


Foram colhidos os vistos.


Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações das Recorrentes/as habilitadas da Exequente/Embargada, CC e outras, consiste em saber se:

(1) O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito, ao reconhecer e decretar que perante a sentença proferida na acção principal, já transitada em julgado, impõe-se que seja julgada extinta a execução quanto ao pagamento da sanção pecuniária compulsória e multa em igual montante, como decidido em 1ª Instância?


II. 2. Da Matéria de Facto


Consideram-se provados os seguintes factos:

“1. Por decisão de 23/04/2014, proferida sem contraditório prévio, no apenso A, foi decidido:

“- Julgar a presente providência totalmente procedente por provada.

- Determinar que seja restituída à A. a posse do seu prédio identificado na petição e do correspondente direito de propriedade de que foi esbulhada com violência, notificando-se os requeridos para, de imediato, no prazo de 24 horas a contar da notificação que lhes for efectuada:

- recolocarem toda a terra que escavaram no seu local, restabelecendo toda a cota de elevação do prédio da Autora, por forma a, na sua linha de demarcação, reporem o desnível e o muro aí existente ao correr de toda a linha de confrontação dos dois prédios (respectivamente, da Autora e dos RR.);

- abrirem o acesso do prédio da Autora com a estrada camarária, retirando a vedação de malha de ferro que aí colocaram; 

- Advertir os requeridos de que estão proibidos de voltar a turvar a posse legítima do direito de propriedade da Autora.

- Condenar ainda os RR., nos termos do disposto no art. 365º nº 2 do Código de Processo Civil, a indemnizar a Autora com a quantia diária de 1.000,00 euros (mil euros) e em multa ao Tribunal de igual montante, por cada dia de mora ou incumprimento do que lhes é aqui ordenado.

Mais se decide:

- Dispensar a requerente da propositura da acção principal, invertendo assim o contencioso (art. 369º nº 1 do CPC).”

2. Por decisão final de 14/08/2014, após contraditório subsequente dos requeridos, no âmbito do apenso A, foi decidido que:

“Termos em que se decide julgar improcedente a oposição deduzida pelos requeridos AA e esposa, FF, e, em consequência, mantém-se a decisão de restituição provisória da posse nos exactos termos determinados na decisão de fls. 32 e ss..

Mais se decide indeferir a requerida inversão do contencioso, não se dispensando a requerente do ónus da propositura da acção principal.”

3. A decisão proferida no apenso A foi confirmada por Acórdão de 17/12/2014, tendo sido desatendida reclamação do mesmo por decisão de 12/02/2015.

4. Em 30/04/2015, a exequente embargada primitiva intentou ação executiva para cumprimento da sentença proferida na providência cautelar, alegando que os executados:

“(…) não recolocaram toda a terra, restituindo a área de 230 metros quadrados do prédio;

• não reconstruíram o muro de suporte das terras, na totalidade, à volta de toda a linha de confrontação dos dois prédios.

De Facto,

• Recolocaram terra refazendo o prédio da Autora, repondo inicialmente uma área de 216 m2, quando deveriam ter reconstituído uma área de 230 metros quadrados – correspondente ao prédio tal como identificado no artigo 1º da petição possessória;

• Só construíram 5,7 metros lineares de muro na estrema virada a poente, deixando por reconstruir 20,6 metros na linha de estrema noroeste e mais 6,7 metros na linha de estrema nordeste.

(…)

Nos termos do disposto no art. 868º, n.º 1 do CPC pretende a exequente que, por via desta execução, o facto não prestado, pelos executados, seja realizado por outrem, visto ser facto fungível; e ainda, que os executados paguem a quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória já fixada e em que foram condenados, já liquidada nos seguintes valores, correspondentes aos 206 dias de incumprimento, decorridos desde 29 de Setembro de 2014 até hoje, 23 de Abril 2015:

• Indemnização à Autora: € 1.000,00 x 206 dias = € 206.000,00 (duzentos e seis mil euros).

• Multa ao tribunal: € 1.000,00 x 206 dias = € 206.000,00 (duzentos e seis mil euros).

Deverão, ainda, os requeridos executados pagar o mesmo valor diário da sanção compulsória fixada, desde hoje até cumprimento total do que está determinado na sentença destes autos.


Por fim deverão os executados ser condenados a suportar todas as custas e despesas desta execução.”

5. Em 28/02/2016, foi proferida sentença nos autos principais, tendo sido decidido que:

“Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

a) Declaro que a autora, BB, é a única e exclusiva proprietária do prédio rústico com o artigo matricial nº 2397, da freguesia de …, concelho de …, denominado “GG”, com forma de triângulo rectângulo, inscrito na matriz com as seguintes confrontações: a norte, com HH, a sul, com II, a nascente, com estrada camarária e a poente, com AA, valor patrimonial inicial e actual de € 6,38, área total de 0,023000 ha, descrição: cultura e vinha em ramada;

b) Condeno os réus, AA e FF, a restituir à autora o prédio descrito em a), recolocando toda a terra que retiraram e escavaram, restabelecendo toda a cota de elevação do prédio em 1,50 metros em relação ao prédio dos réus;

c) Condeno os réus a reconstruir o muro de pedra que suporta as terras do prédio da autora descrito em a), com 1,50 metros de altura, ao correr de toda a linha de confrontação com o prédio dos réus, ou seja, por todos os lados, excepto na parte onde o prédio da autora confina com a estrada municipal pelo nascente;

d) Condeno os réus a abrir o acesso do prédio da autora com a estrada camarária, com a largura de 2 metros no ângulo nascente norte, retirando a vedação de malha de ferro que aí colocaram;

e) Absolvo os Réus do restante peticionado;

f) Julgo o pedido reconvencional improcedente, por não provado, e absolvo a autora/reconvinda do pedido.”

6. A sentença proferida nos autos principais foi confirmada por acórdão de 30/11/2016, tendo sido desatendida reclamação do mesmo por acórdão de 19/01/2017.

7. Em data não concretamente apurada, os executados embargantes recolocaram terra no prédio identificado em 1 dos factos provados da sentença proferida no apenso A e em a) do dispositivo da sentença proferida nos autos principais, repondo uma área de 216 m2 e reconstruiram 5,7 metros do muro.

8. Presentemente, parte do prédio mencionado supra, correspondente a uma área de 34 m2, está desmoronado nas suas linhas de confrontação noroeste e nordeste na parte onde ficou por reconstruir o muro.


Não se provou que:

1. Os executados embargantes procederam como descrito em 7 supra, logo que foram notificados.

2. Os executados embargantes procederam como descrito em 7 supra, no início do verão de 2014.

3. Os executados embargantes recolocaram toda a terra que escavaram, restabelecendo o terreno à quota, configuração e volume anterior.

4. O que foi aceite pela exequente, e que comunicou, que o terreno estava como antes.”


II. 3. Do Direito


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º, n.º 4, e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código Processo Civil.


II.3.1. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito, ao reconhecer e decretar que perante a sentença proferida na acção principal, já transitada em julgado, impõe-se que seja julgada extinta a execução quanto ao pagamento da sanção pecuniária compulsória e multa em igual montante, como decidido em 1ª Instância? (1)

A demanda executiva, visa assegurar ao credor a satisfação do interesse patrimonial, entendido este no mais amplo sentido, contido na prestação não cumprida e reconduz-se à actividade, por mor da qual os Tribunais visam, actuando por iniciativa e no interesse do credor, a obtenção coactiva de um resultado prático equivalente àquele que deveria ter sido oferecido pelo devedor, no cumprimento de uma obrigação, o dever de prestar do devedor modifica-se e dá origem ao dever de indemnizar, neste sentido, Professor Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, Volume I, 8ª edição, Coimbra/1994, página 161.

O objecto da acção executiva é sempre um direito a uma prestação, que quando reduzido a uma faculdade de exigência da prestação, designa-se pretensão.

Assim e porque a execução tem uma vocação instrumental, em face do direito material, a lei estabelece pressupostos processuais e condições processuais de procedência, para que seja possível admitir-se o exercício jurisdicional daquelas posições jurídicas subjectivas (direitos subjectivos e interesses legítimos).

O título executivo, a verificação da certeza, da exigibilidade e da liquidez da obrigação, são específicos da acção executiva.

O título executivo, condiciona a exequibilidade extrínseca da pretensão, é como o invólucro onde a lei presume se contem o direito violado, neste sentido, Castro Mendes, in, Acção Executiva, página 8 - a certeza e a exigibilidade condicionam a exequibilidade intrínseca da pretensão, pois que a sua não verificação impede que, apesar de se reconhecer o direito do exequente à reparação efectiva, o devedor seja executado quanto a essa mesma prestação, neste sentido, Teixeira de Sousa, in, A exequibilidade, página 17.

Note-se, aliás, que a exequibilidade intrínseca pressupõe a existência do direito, daí se dispor a susceptibilidade de conhecimento oficioso e consequentemente de constituir motivo de indeferimento liminar, ou posteriormente de rejeição oficiosa da execução, em função de vícios substantivos que afectem a existência, constituição ou eficácia da obrigação exequenda, maxime, a insuficiência de título, tal como a incerteza e inexigibilidade.

A lei adjectiva estatui que as execuções têm por base um título, sendo este que define o fim e os limites da acção executiva, e que nos termos do art.º 703º, do Código Processo Civil dispõe, para o que interessa ao caso sub iudice “À execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias.”

Os títulos executivos incorporam-se em documentos, que constituem, certificam ou provam, com base na aparência ou probabilidade, a existência da obrigação exequível, que a lei permite que sirva de base à execução, por lhe reconhecer um certo grau de certeza e de idoneidade da pretensão.

Anotamos que não obstante o titulo ser condição necessária, não é hoje condição suficiente.

Importa, assim, apreciar a qualidade do título exequendo para, de acordo com a lei adjectiva civil, determinar quais os fundamentos de oposição à execução, na medida em que qualquer executado pode opor-se à execução.

O título executivo certifica, em princípio, a existência de um direito, o qual poderá ser posto em crise em oposição que venha a ser deduzida à acção executiva.

Quer se considere a oposição à execução como contestação à petição inicial da acção executiva, quer como uma contra acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo, neste sentido, Lebre de Freitas, in, A Acção Executiva, página 162 - o certo é que a oposição à execução consubstancia o meio idóneo à alegação dos factos que constituem matéria de excepção.

No caso em escrutínio, o título dado à execução, a que os embargantes se opõem, consubstancia uma decisão prolatada nos autos apensos de Providência Cautelar de Restituição Provisória de Posse, datada de 14 de Agosto de 2014, proferida após contraditório, e transitada em julgado, pretendendo que “o facto não prestado, pelos executados, seja realizado por outrem, visto ser facto fungível; e ainda, que os executados paguem a quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória já fixada (…)”.


Porque ao caso sub iudice interessa, dir-se-á que a pretensão é exequível intrinsecamente se inexistir qualquer vício material ou excepção peremptória, que impeça a realização coactiva da prestação.

Neste contexto, e revertendo ao caso dos autos, coloca-se a questão de saber se a demanda executiva, cujo título exequendo consubstancia a decisão proferida nos autos apensos de Providência Cautelar de Restituição Provisória de Posse (decisão de 23 de Abril de 2014, proferida sem contraditório prévio e decisão final de 14 de Agosto de 2014, após contraditório subsequente dos requeridos), formalizada num requerimento inicial apresentado em Juízo em 30 de Abril de 2015, e onde foi reconhecida a sanção pecuniária compulsória, poderá/deverá este segmento da pretensão reclamada, mesmo assim, ser tido em consideração quando, na acção principal, a que foi apensa a dita Providência Cautelar de Restituição Provisória de Posse, foi proferida sentença, já transitada em julgado, em cujo dispositivo distinguimos que a mesma não acompanha a decisão provisória (atinente à impetrada e reconhecida sanção pecuniária compulsória), tendo absolvido os Réus do pedido, improcedendo, pois, a condenação dos Réus a indemnizar a Autora com a quantia diária de €1.000,00 euros (um milhar de euros) e em multa ao Tribunal de igual montante, por cada dia de mora ou incumprimento do que lhes foi ordenado.

Vejamos.

Por decisão de 23 de Abril de 2014, proferida sem contraditório prévio, no âmbito do apenso A dos presentes autos - Providência Cautelar de Restituição Provisória de Posse - divisamos do respectivo dispositivo, no que ao presente recurso interessa:

“- Condenar ainda os RR., nos termos do disposto no art. 365º nº 2 do Código de Processo Civil, a indemnizar a Autora com a quantia diária de 1.000,00 euros (mil euros) e em multa ao Tribunal de igual montante, por cada dia de mora ou incumprimento do que lhes é aqui ordenado.

Mais se decide:

- Dispensar a requerente da propositura da acção principal, invertendo assim o contencioso (art. 369º nº 1 do CPC).

Entretanto, da decisão final proferida em 14 de Agosto de 2014, após contraditório subsequente dos requeridos, no âmbito do apenso A - Providência Cautelar de Restituição Provisória de Posse – transitada em julgado, distinguimos, do respectivo dispositivo, no que ao presente recurso interessa:

“Termos em que se decide julgar improcedente a oposição deduzida pelos requeridos AA e esposa, FF, e, em consequência, mantém-se a decisão de restituição provisória da posse nos exactos termos determinados na decisão de fls. 32 e ss.”

Na Acção principal, a que foi apensa a aludida Providência Cautelar de Restituição Provisória de Posse, foi proferida sentença, em 28 de Fevereiro de 2016, já transitada em julgado, em cujo dispositivo se consignou, no que ao presente recurso interessa.

 “Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

a) Declaro que a autora, BB, é a única e exclusiva proprietária do prédio rústico com o artigo matricial nº 2397, da freguesia de …, concelho de …, denominado “GG”, com forma de triângulo rectângulo, inscrito na matriz com as seguintes confrontações: a norte, com HH, a sul, com II, a nascente, com estrada camarária e a poente, com AA, valor patrimonial inicial e actual de € 6,38, área total de 0,023000 ha, descrição: cultura e vinha em ramada;

b) Condeno os réus, AA e FF, a restituir à autora o prédio descrito em a), recolocando toda a terra que retiraram e escavaram, restabelecendo toda a cota de elevação do prédio em 1,50 metros em relação ao prédio dos réus;

c) Condeno os réus a reconstruir o muro de pedra que suporta as terras do prédio da autora descrito em a), com 1,50 metros de altura, ao correr de toda a linha de confrontação com o prédio dos réus, ou seja, por todos os lados, excepto na parte onde o prédio da autora confina com a estrada municipal pelo nascente;

d) Condeno os réus a abrir o acesso do prédio da autora com a estrada camarária, com a largura de 2 metros no ângulo nascente norte, retirando a vedação de malha de ferro que aí colocaram;

e) Absolvo os Réus do restante peticionado;

f) Julgo o pedido reconvencional improcedente, por não provado, e absolvo a autora/reconvinda do pedido.”

Sublinhamos que toda a execução tem por base um título que determina o fim e os limites da acção executiva, no caso concreto, à execução serve de base segmentos concretos do dispositivo da respectiva decisão, transitada em julgado, proferida nos Autos de Providência Cautelar de Restituição de Posse, donde, o que a exequente veio executar em 30 de Abril de 2015, foi a decisão proferida na aludida providência cautelar, transitada em julgado, reclamando que o facto não prestado, pelos executados, seja realizado por outrem, visto ser facto fungível, e ainda, que os executados paguem a quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória já fixada, sendo este último segmento atinente ao reconhecimento da sanção pecuniária compulsória que ora nos interessa.

Pese embora, não se discuta, o reconhecimento, inequívoco, por parte do Tribunal a quo, ao apreciar a requerida reforma do acórdão proferido, da verificação de título executivo para reclamar, dos executados, o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória fixada, nos termos dos artºs. 703º, e seguintes do Código de Processo Civil, torna-se necessário, porém, relembrando que o titulo dado à execução constitui uma decisão proferida nos autos de Providência Cautelar de Restituição Provisória de Posse (decisão de 23 de Abril de 2014, proferida sem contraditório prévio e decisão final de 14 de Agosto de 2014, após contraditório subsequente dos requeridos), considerar a natureza dos procedimentos cautelares e a sua relação com a acção principal, nos casos em que não está em causa a inversão do contencioso, como é o caso dos autos, convocando, para o efeito, as normas de direito adjectivo civil que estatuem a propósito.

Estabelece o art.º 364º nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil:

“1 - Exceto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa ou executiva.

2 - Requerido antes de proposta a ação, é o procedimento apensado aos autos desta, logo que a ação seja instaurada e se a ação vier a correr noutro tribunal, para aí é remetido o apenso, ficando o juiz da ação com exclusiva competência para os termos subsequentes à remessa.”

Preceitua, por outro lado, o art.º 373º n.º 1 c) do Código de Processo Civil, acerca da caducidade da providência, e para o que interessa ao presente recurso:

“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 369.º, o procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca:

c) Se a ação vier a ser julgada improcedente, por decisão transitada em julgado.”

Dos consignados normativos resulta inequívoco a natureza instrumental dos procedimentos cautelares, sendo estes entendidos como medidas provisórias que correspondem à necessidade efectiva e actual de remover o receio de um dano jurídico, implicando, por isso, uma antecipação de providência, sendo emitidas com vista a uma decisão definitiva, cujo resultado garantem provisoriamente.

Defende Lebre de Freitas “a tutela cautelar constitui um “tertium genus” em face da tutela declarativa e da tutela executiva, só não autonomizada como tal no art.º 4º do Código Processo Civil [actual artº. 10º do Código Processo Civil] por o seu carácter instrumental perante uma ou outra dessas duas tutelas, dela excluir a natureza da acção. A função da providência cautelar difere, pois, da função de acertamento da sentença declarativa, ainda quando constitua antecipação duma decisão de mérito”.

Como fomos já adiantando, as providências cautelares são meios processuais, que podendo ser preliminares ou coevos da acção ou execução, correspondem à necessidade, urgente e efectiva, de afastar o receio justificado de um dano jurídico em bens ou interesses dos requerentes, implicando, assim, a concessão de uma tutela provisional, antecipatória, que visa evitar que a demora na solução definitiva do litígio, frustre os interesses de quem requer.

Com a providência cautelar não se pretende que se decida a questão que irá ser objecto da acção principal, no sentido de que não devem ser usadas para discutir questões de fundo que apenas na acção principal podem ser decididas, devendo apenas servir para se apurar se existe uma “probalidade séria da existência do direito” e ainda se a falta de uma decisão imediata pode originar o perigo de “lesão” desse direito.

Dadas as exigências normativas, considera-se que a natureza e finalidade do procedimento cautelar não se compadece com delongas e deve ser simples e expedito, bastando uma prova sumária, neste sentido, Pais de Sousa, Cardona Ferreira, in, Processo Civil, página 83, sem nunca conduzir, no entanto, a decisões precipitadas, bastando-se com uma “aparência do direito” e justificado receio de que a natural demora na resolução definitiva do litígio cause prejuízo irreparável ou de difícil reparação, neste sentido, Abrantes Geraldes, in, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, páginas 203 e seguintes, sem deixar de se enfatizar que ao apreciar os pressupostos de qualquer providência cautelar, o Tribunal não deverá exigir o mesmo grau de convicção que se requer para a prova dos fundamentos da acção de que a mesma é dependência.

Assim, em vez de exigir a prova do direito, contentar-se-á com a probabilidade séria da existência do mesmo, a par de que também quanto ao perigo de dano que a providência se propõe evitar, não deverá o juiz exigir uma prova cabal, bastando que o requerente mostre ser suficientemente fundado o receio de lesão do direito invocado.

A este propósito acentuamos a suficiência da apelidada summaria cognitio por contraposição à forma a que deve obedecer a produção e julgamento da prova nas acções, pelo que, nos termos do consignado art.º 373º n.º 1 c) do Código de Processo Civil, produzida prova cabal sobre os factos jurídicos donde emerge a pretensão deduzida pelo demandante, a decisão proferida na acção principal, com trânsito em julgado, terá, necessariamente, repercussões quanto ao decidido nos autos de providência cautelar dependentes de uma acção já intentada ou a instaurar (sem prejuízo da inversão do contencioso), importando, pois, que os efeitos de qualquer providência, decorrentes do respectivo dispositivo, está dependente do resultado que for ou vier a ser conseguido na acção definitiva, podendo caducar, acaso a acção principal julgue improcedente qualquer direito, provisoriamente reconhecido no procedimento cautelar.

Os procedimentos cautelares foram criados para servir o fim das respectivas acções principais, determinando estas, acentuamos, a caducidade daqueles, nomeadamente, se a acção vier a ser julgada improcedente, importando, assim, a caducidade retroactiva da decisão provisória vertida nos autos cautelares, tornando-a inútil, o que, de resto, decorre e está compaginado com o direito adjectivo civil quando estatui sobre os efeitos da sentença, concretamente o valor da sentença transitada em julgado, consagrando que se o réu tiver sido condenado a satisfazer outras prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto à sua medida ou à sua duração, pode a sentença ser alterada desde que se modifiquem as circunstâncias que determinaram a condenação - art.º 619º n.º 2 do Código de Processo Civil - .

Sufragamos, pois, a conclusão proclamada no aresto sob escrutínio quando declara “Assim, tendo sido, in casu, o procedimento cautelar dependente da acção principal (cfr. nº 1 do art. 364º do CPC), e não tendo qualquer influência no julgamento da acção principal o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar (vd. nº 4 do referido art. 364º), perante a decisão proferida na acção principal impunha-se que fosse julgada extinta a execução quanto ao pagamento da sanção pecuniária compulsória e multa em igual montante como decidido.”

Na verdade, tendo-se demonstrado que na acção principal foi consignado dispositivo, em cujo segmento identificado como alínea e), se absolvem os Réus do restante peticionado, concretamente, a impetrada condenação em sanção pecuniária compulsória, provisoriamente, reconhecida nos Autos de Providência Cautelar de Restituição Provisória de Posse (Condenar ainda os RR., nos termos do disposto no art. 365º nº 2 do Código de Processo Civil, a indemnizar a Autora com a quantia diária de 1.000,00 euros (mil euros) e em multa ao Tribunal de igual montante, por cada dia de mora ou incumprimento do que lhes é aqui ordenado), temos de convir, não merecer reparo a bondade do acórdão recorrido, posto em crise com a interposição da presente revista, que manteve a decisão da 1ª Instância ao julgar os embargos parcialmente procedentes e em consequência, julgou extinta a execução quanto ao pagamento da sanção pecuniária compulsória e multa em igual montante.

O aresto sob escrutínio consegue a nossa aprovação, sendo impertinentes as conclusões aduzidas no recurso interposto, e, neste sentido, não assentimos que as mesmas tenham virtualidades por forma a alterar o destino da presente demanda, traçado no Tribunal recorrido.


IV. DECISÃO


Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas pelas Recorrentes/as habilitadas da Exequente/Embargada, CC e outras.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Fevereiro de 2019    


Oliveira Abreu (Relator)

                                                     

Ilídio Sacarrão Martins


Nuno Oliveira