Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ERNESTO NASCIMENTO | ||
| Descritores: | RECURSO DE REVISÃO ADMISSIBILIDADE NULIDADE EXTINSÃO DO PODER JURISDICIONAL RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA INDEFERIMENTO | ||
| Data do Acordão: | 11/19/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO DE REVISÃO | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISÃO | ||
| Sumário : | I. Não estando prevista a possibilidade de reclamação para a conferência de um acórdão, resultado de uma anterior conferência, no entanto nada impede se opere a convolação da denominada reclamação para a conferência, para requerimento de arguição de nulidade do acórdão e, assim, se aprecie a pretensão do reclamante, neste segmento, conforme artigo 379.º CPPenal. II. Com a prolação do Acórdão ficou imediatamente esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa, o que significa que não pode o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, alterar a decisão que proferiu nem os fundamentos em que ela se apoia e que, com ela, constituem um todo incindível. III. O princípio da extinção do poder jurisdicional não obsta, no entanto, a que o tribunal conheça das nulidades cometidas e, as sane, se for caso disso, nos termos do artigo 379.º, bem como, que corrija a decisão, nos termos do artigo 380.º, ambos do CPPenal - mas não mais do que isso. IV. Meios, qualquer deles, que não são processualmente adequados e idóneos a reagir contra uma decisão, de cujos fundamentos e dispositivo o reclamante discorda. V. Se o requerimento nenhuma nulidade visa sanar e nada visa esclarecer, rectificar ou aclarar, apenas servindo para demonstrar a discordância perante o decidido e através dele se pretender obter uma modificação do julgado, com o acolhimento, agora, da já antes, indeferida, pretensão deduzida no recurso há que concluir estarmos perante uma ocorrência estranha ao normal desenvolvimento do processo, que se não encontra, em face do espírito do legislador e da letra da lei, isento de tributação. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. Proferido Acórdão após a realização de conferência, onde se julgou manifestamente infundado o pedido de revisão do acórdão que condenou o recorrente AA, não se conformando com o mesmo veio agora, invocando os artigos 419.º e 441.º CPPenal, reclamar e requerer que seja submetido a conferência e, que, “seja o recurso de revista revogado e substituído por outro, que admita uma melhor apreciação, para que se profira a competente decisão, prosseguindo nos precisos termos em que assenta o pedido inserido no recurso de revisão, deferindo a prova requerida”, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever: I – O Relator ignorou três questões apresentadas pelo recorrente e que consideramos essenciais: a) Contradição entre as duas declarações prestadas pela mesma ofendida (19.12.2022 e 20.02.2025): A própria ofendia declara, num processo, estar com a mãe e o pai na mesma data, no outro processo diz ter sido abusada nesse mesmo dia, em casa da avó. Isto é uma contradição material e objetiva, logo gera graves dúvidas sobre a justiça da condenação (art. 449º., nº. 1 al. c), do CPP. O acórdão incorreu em erro de interpretação do requisito de “inconciliabilidade”, ignorando que a mesma vítima, no mesmo dia, descreveu dois contextos mutuamente excludentes. Essa incompatibilidade é histórica e factual, não apenas jurídica – o que preenche o requisito da alínea c) do nº. 1 do artigo 449º., do CPP. b) Ausência de qualquer prova corroborativa para sustentar a condenação do recorrente; c) Discrepância cronológica e geográfica, entre os atos praticados na casa da mãe e os atos que nunca poderiam ter ocorrido na mesma data, na casa dos avós paternos, considerada pelo Relator assente em evasivas e fantasias. (para tanto damos por reproduzida a nossa fundamentação nas pp: 1 a 3) II – A decisão do relator limita-se a repetir jurisprudência como que remendo para sustentar a decisão, sem aplicar ao caso concreto, o que configura omissão de pronúncia material. III – Fundamentação meramente genérica (violação do artigo 97º., nº. 5 do CPP e artigo 205º. do CRP: A fundamentação em que assenta o acórdão ora reclamado reproduz longos excertos da doutrina e acórdãos genéricos, mas não demonstra em que pontos concretos o caso do recorrente é diferente das hipóteses previstas na lei. Uma fundamentação formal não é uma fundamentação substancial. O Acórdão cita jurisprudência, mas não responde aos factos específicos invocados pelo recorrente (datas, locais, nomes, provas concretas). Consideramos violado o dever constitucional de motivação das decisões judiciais. IV – Violação do dever de apreciação crítica da prova (artigo 127º. do CPP): O acórdão repete a apreciação da primeira instância sem análise própria. Não verificamos qualquer apreciação crítica das provas novas (declarações de 2025, vídeos, fotos, acareações requeridas). O Relator, quando à questão central apresentada pelo recorrente: atos completamente irreais praticados no mesmo dia, um praticado com realidade probatória em casa da mãe, e um outro facto «encenado» pelo Relator, praticado nesse mesmo dia, em casa da avó paterna, para «preencher» a prova condenatória, não passando de meras divagações, fantasias no sentido de sustentar a decisão condenatória. O Digníssimo Relator assume como verdade absoluta a prova anterior, sem sequer escutar, ver ou descrever os novos elementos – anulando na prática a função do recurso de revisão. Daí o ora recorrente insistir na transcrição das declarações prestadas pela ofendida, as quais foram completamente contraditadas pela figura da «acareação» em sede de segundo processo. V – Erro na tramitação processual da revisão (violação do artigo 451º. CPP): O recorrente arrolou provas documentais e testemunhais (declarações, gravações, atas, acareações), mas o Relator: a) Não ordenou a recolha das gravações requeridas ao Juízo Local Criminal; b) Não indeferiu formalmente a produção das provas, apenas as ignorou, sem qualquer despacho. A ausência de despacho sobre prova requerida em revisão configura nulidade insanável (cfr. artigo 379º., nº. 1, alínea a), CPP – o Tribunal devia, ao menos, fundamentar a recusa da prova. VI – Violação do contraditório (artigo 32º., nº. 5 da CRP e 61º., nº. 1 do CPP) O Ministério Público emitiu parecer desfavorável ao recorrente, mas o acórdão: a) Não refere, nem analisa, os argumentos da resposta do recorrente; b) O recorrente «reafirmou o alegado», mas nenhuma passagem dessa reafirmação é mencionada. O Relator ao ignorar o conteúdo do contraditório, nega o direito à última palavra do recorrente e retira eficácia ao artigo 61º. do CPP, tornando a decisão parcialmente ultra petita. Pata tanto, veja-se a nossa fundamentação – últimos parágrafos de p. 13 VII – Erros materiais e de coerência interna – contradição temporal e espacial ignorada. O Acórdão reconhece que «Nos dois processos, a vítima é a mesma (BB) (…) mas os factos estão historicamente situados em tempo e lugar diverso». O que é logicamente falso! Ambos os relatos referem o mesmo marco temporal (incêncidos do pinhal de Leiria, em outubro de 2027). A divergência é sobre o local e contexto (casa da mãe – casa da avó paterna), e isso é precisamente o que gera a inconciliabilidade factual exigida pela alínea c) do artigo 449º. do CPP. ( cfr. nossa fundamentação -pp. 1 a 3, e ponto I – conclusões). Estamos perante um erro lógico-jurídico: O acórdão reconhece a coincidência temporal, mas nega a inconciliabilidade, confundindo “diferença de arguido” com “diferença de facto”. Na revisão, o que conta são os factos narrados, não a identidade dos arguidos. VIII – Confusão entre «prova nova» e «prova conhecida» (vide pp. 7 a 9 e 13) O Acórdão afirma que «os vídeos e fotografias já existiam à data do julgamento, logo não são novos» Mas as declarações prestadas pela ofendida em 2025, obviamente não existiam antes. O Relator trata tais declarações como se fossem «novas interpretações», quando na verdade são factos novos revelados posteriormente à condenação do recorrente, no sentido de noviter reperta. Estamos, sem dúvida, perante aplicação errada do conceito de «novidade» - contrária à doutrina de Germano Marques da Silva e Pereira Madeira, que admitem como novos os elementos descobertos ou formalmente constituídos após o trânsito. O Relator errou ao confundir “meios de prova conhecidos” com “meios de prova inexistentes” à data do julgamento. O acórdão deveria ter reconhecido que as novas provas (declarações posteriores contraditórias) abalam a credibilidade da única prova usada na condenação. Isso é suficiente para suscitar “graves dúvidas sobre a justiça da condenação”, o que basta para admitir a revisão. As declarações da ofendia prestadas em fevereiro de 2025 não existiam quando o recorrente foi julgado ou quando o TR de Coimbra decidiu. Logo, consideramos que são “novos meios de prova” (artigo 449º., nº. 1, alínea d) do CPP, no sentido de noviter reperta, IX – Erro de qualificação quanto à alínea c) do nº. 1, do artigo 449º. do CPP: A alínea c) do nº. 1 do artigo 449º. do CPP não exige que as duas sentenças envolvem o mesmo arguido, apenas exige que os factos sejam inconciliáveis entre si. O Acórdão reduz indevidamente o alcance dessa norma, exigindo coincidência de sujeitos. Estamos, pois, perante um erro jurídico baseado numa interpretação restritiva e inconstitucional do artigo 449º., nº. 1, al. c), do CPP, contrariando o princípio pro actione derivado do artigo 29º., nº. 6, da CRP. X – Erro lógico na apreciação da «gravidade das dúvidas». (vide pp. 9 e 10) O Relator cita que a dúvida deve ser «grave» e «qualificada», mas nunca avalia o grau de dúvida gerado pela contradição, limitando-se a concluir que nada de novo acrescente», sem qualquer análise probatória. O Relator substitui a análise de gravidade por uma fórmula genérica – violação do dever de motivação crítica (artigo 127º. do CPP). XI – Omissão da relevância do princípio da proporcionalidade (artigo 18º. da CRP) O acórdão valoriza mais a «segurança jurídica» do caso julgado do que o «princípio da justiça material» (artigo 29º., nº.6, da CRP). Entendemos que o STJ deve ponderar proporcionalmente a gravidade da pena e o risco de erro judicial. Por tudo o ora exposto, voltamos a manifestar a nossa convicção de que os factos constantes dos pontos 5. a 18., do acórdão condenatório foram erradamente julgados, face a uma fraca matéria probatória, a qual demonstra uma enorme injustiça face a uma condenação tão pesada como aquele que sempre impugnamos. Consideramos que a aplicação desproporcionada do princípio da segurança jurídica, sem ponderação, com o direito à verdade material e à revisão de sentenças injustas. XII – Interpretação excessivamente restritiva do artigo 449º., do CPP O acórdão ora reclamado usa expressões como: “Não pode ser concebido como sucedâneo de um recurso ordinário.” E “Visa casos de injustiça clamorosa e intolerável”. Consideramos que estas expressões não constam da lei – são construções doutrinárias usadas para limitar o alcance da revisão. A Constituição, nos eu artigo 29º., nº. 6, não impõe esse limite: apenas exige que a revisão ocorra “nas condições da lei”. O STJ criou uma condição extra-legem (“injustiça “clamorosa”) não prevista na lei, violando o princípio da legalidade processual (artigos 1º. e 29º. da CRP). XIII – Desconsideração da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. O acórdão ora em causa não menciona, nem aplica os artigos 3º. e 4º., do Protocolo da CEDH, apesar de citá-los superficialmente no enquadramento legal. No entanto, não há qualquer ponderação da obrigação de garantia um recurso efetivo em caso de erro judicial. Estamos perante um erro internacional: Violação indireta do artigo 46º. CEDH (vinculação às decisões e princípios do TEDH) e do artigo 8º., nº. 2, da CRP (prevalência das normas internacionais de direitos humanos). O Relator tratou o recurso de revisão como um privilégio, não como um direito fundamental do recorrente injustamente condenado. O artigo 29º. da CRP exige uma interpretação pro-revisão. Especialmente em face de nova prova ou de contradições sérias. A nosso ver, o relator devia ter aplicado uma interpretação conforme à Constituição e à CEDH, garantindo o direito efetivo à revisão da sentença quando surgem elementos capazes de lançar dúvida grave sobre a justiça da condenação. XIV – Desconsideração da dimensão subjetiva da revisão. O acórdão foca-se em critério objetivos (identidade de factos e sujeitos), ignorando a dimensão subjetiva: o efeito das novas provas na credibilidade do único meio de prova em que assenta a condenação (declarações da ofendida em 19-12-2022) Estamos perante um erro de direito probatório: O acórdão ignora a possibilidade de “grave dúvida” derivar da perda de fiabilidade do único elemento probatório determinante. XV – Falta de correspondência entre fundamentação e decisão (artigo 379º., nº. 1, alínea b) do CPP). O acórdão cita doutrina sobre os limites da revisão, mas a parte decisória (“julga improcedente o recurso”) não se apoia diretamente em qualquer apreciação factual do caso. Pelo que isso configura nulidade pro falta de correspondência entre fundamentação e decisão (art. 379º., nº. 1, al. b), do CPP). XV – Por último, fundamentamos os erros cometidos com o presente acórdão na seguinte súmula: Tipo de erro artigos violados consequência Omissão de pronúncia 379º./1/c) CPP, 205º.CRP Nulidade do acórdão Falta de fundamentação 97/5 CPP e 205 CRP Nulidade insanável Recusa implícita da prova 451º. CPP Nulidade processual Violação do Contraditório 32º./5 CRP Nulidade absoluta Interpretação restritiva Da revisão 29º./6 CRP Inconstitucionalidade Desconsideração da CEDH Art. 4º.-Protcolo 7 Violação de Tratado Internacional. 2. Ouvido o MP, suscita, - desde logo, a questão prévia da impropriedade do meio processual, alegando que o recorrente incorre num duplo lapso: - por um lado, porque alegando, em primeira linha, pela via da arguição de nulidades do Acórdão proferido, termina, no entanto, pedindo que seja proferida decisão que proceda o recurso de revisão interposto, deferindo-se a prova requerida naquela sede, com reversão da decisão da sua negação e, assim, a revogação da mesma, em violação do princípio da preclusão e da extinção do poder jurisdicional (cfr, o art. 613º/1 do Código de Processo Civil); - por outro lado, porque vem deduzir reclamação para a conferência de um Acórdão, e não de uma Decisão-Sumária ou Singular do Relator, invocando, precisamente as normas que regulam a realização da conferência (já realizada) no julgamento do recurso de revisão pelo colectivo dos Juízes Conselheiros (cfr, os arts. 419º e 441º, mas querendo, por certo, embora sem fundamento, referir-se à disposição do art. 471º/8, todos do Código de Processo Penal, tanto mais que apenas aponta vícios ao pensamento jurídico do Juiz Conselheiro Relator); - motivo por que a pretensão deduzida deve prosseguir como reclamação/arguição de nulidades do Acórdão proferido neste Recurso de Revisão, face ao erro na qualificação do meio processual (cfr, arts. 193º/3 do Código de Processo Civil e 379º/2 do Código de Processo Penal); - e, nesta sede, entende que, - as questões atinentes com, - a violação do dever de apreciação crítica da prova (artigo 127°. do CPP); - o erro na tramitação processual da revisão (violação do artigo 451°. CPP); - a violação do contraditório (artigo 32°., n°. 5 da CRP e 61°., n°. 1 do CPP); - os erros materiais e de coerência interna - contradição temporal e espacial ignorada; - a confusão entre «prova nova» e «prova conhecida» (vide pp. 7 a 9 e 13); - o erro de qualificação quanto à alínea c) do n°. 1, do artigo 449°. do CPP; - o erro lógico na apreciação da «gravidade das dúvidas», (videpp. 9 e 10); - a omissão da relevância do princípio da proporcionalidade (artigo 18°. da CRP); - a interpretação excessivamente restritiva do artigo 449°., do CPP; - a interpretação excessivamente restritiva do artigo 449°., do CPP; - a desconsideração da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos; - a desconsideração da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos; - a desconsideração da dimensão subjetiva da revisão; - a falta de correspondência entre fundamentação e decisão (artigo 379°., n°. 1, alínea b) do CPP); - são manifestamente infundadas, pois assentam, claramente, - em flagrante confusão entre erro de procedimento e erro de julgamento; - no desconhecimento dos vícios arguíveis ao abrigo das disposições dos artigos 379.º/1 e 425.º/4 CPPenal; - no desprezo pelos princípios da preclusão e da extinção do poder jurisdicional, pela tentativa de reabrir a julgada questão da pugnada revisão, pela sua negação; - por um lado, não é este o meio processualmente adequado à arguição de pretensas inconstitucionalidades do acórdão reclamado, por esgotado o poder jurisdicional deste Alto Tribunal (sem prejuízo, porventura, das que fossem apontadas a este específico procedimento), sendo que, se verificados os restantes pressupostos formais e materiais, estaria aberta a via do recurso de constitucionalidade, cfr. artigo 70.º/1 alínea b) da LTC; - por outro, porque o ora realmente pretende, no essencial, a reapreciação do juízo decisório formulado na denegação da peticionada revisão, pretendendo, por essa via ultrapassar as implicações do esgotar do poder jurisdicional do Tribunal reclamado e vencer a irrecorribilidade (na Ordem Judicial) da decisão proferida em recurso extraordinário de revisão e, porque, pretende travestir em “nulidade da sentença” vícios que lhe são anteriores e que apenas indirecta e reflexamente poderiam induzir a sua invalidade, não sendo, pois, os invocáveis à luza das disposições dos artigos 379.º e 425.º/4 CPPenal; - quanto à falta de fundamentação, não lhe assiste razão; - porque da substância do requerimento formulado não consta nenhuma referência útil à caracterização do vício em causa, pelo cotejo dialéctico entre o decidido e o não fundamentado - bem pelo contrário, evidenciando a existência e clareza da fundamentação do acórdão proferido, o reclamante repete até à exaustão a sua discordância “em absoluto” com os seus termos, não logrando, porém, mais uma vez, esconder que não é da fundamentação que discorda, mas do sentido da decisão, que lhe desagrada; - a medida, a minúcia e a natureza da fundamentação é algo que o Legislador Processual-Penal não define, nem poderia fazê-lo, não sendo essa a técnica do Direito; - o acórdão reclamado não é lógica, ontológica e normativamente uma reapreciação da decisão condenatória, transitada em julgado - como decisão proferida em recurso de revisão, cumpre uma tarefa bem específica, a análise crítico-jurídica do mérito (formal e material) do pedido de revisão, tendo em vista a abertura ou não da fase rescisória; - não compete, pois, ao Supremo Tribunal de Justiça, como Tribunal que autoriza ou nega a revisão, ponderar e avaliar à exaustão os alegados novos factos ou novos meios de prova (e, muitos menos, os já avaliados no julgamento condenatório) apresentados pelo recorrente, mas, tão-só, proferir uma decisão sobre a razoável viabilidade da posterior formulação do juízo rescisório; - quanto à omissão de pronúncia, também, o reclamante não tem razão; - a nulidade da decisão por “omissão de pronúncia” apenas ocorre se alguma questão que devia ser conhecida não obteve aí qualquer valoração e decisão, sempre no pressuposto de que a sua resolução não tenha resultado prejudicada pelo tratamento dado a outras; - uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção; - a questão suscitada no recurso de revisão – autorização ou não para a formulação de um juízo rescisório, pela concreta invocação dos pressupostos do artigo 449.º/1 alíneas c) e d) CPPenal – foi devidamente julgada, pela via da sua negação, tendo sido explicado ao recorrente, ora reclamante, que não se verificavam os pressupostos da peticionada revisão, não se impondo que se tivesse revisitado o arrazoado de todos os argumentos (de facto e de direito) aduzidos pelo recorrente, apenas se justificando e impondo conhecer daqueles cuja análise sustentou uma decisão judiciosa. 3. O processo foi novamente aos vistos e presente à conferência, cumprindo agora decidir. II. Fundamentação. 1. Apenas por mero lapso e menor atenção vem o recorrente reclamar do acórdão para a conferência. Carece, desde logo, de manifesto fundamento, a invocação, a favor da sua pretensão da norma que prevê a forma e o modo de funcionamento da conferência, contida no artigo 419.º CPPenal. Cabalmente observada, para a prolação do acórdão reclamando. Ou, a invocação da norma contida no artigo 441.º CPPenal, que se reporta ao recurso de fixação de jurisprudência. E, no caso estamos em sede de recurso de revisão. Com efeito, não está prevista, desde logo, por definição e atenta a própria natureza das coisas, que da prolação de um acórdão, em conferência, dele se reclame para a conferência. A reclamação para a conferência está prevista – naturalmente, dizemos nós - para as decisões proferidas, em singular, pelo relator, cfr. artigo 417.º/8 CPPenal. Dito isto - operando a convolação da dita reclamação para a conferência, para requerimento de arguição de nulidade do acórdão - apreciaremos, contudo, a pretensão do recorrente, neste segmento, conforme artigo 379.º CPPenal. 2. Com a prolação do Acórdão ficou imediatamente esgotado o poder jurisdicional deste tribunal quanto à matéria da causa. O que significa que este tribunal, oficiosamente ou a requerimento, não pode alterar a decisão que proferiu nem os fundamentos em que ela se apoia e que, com ela, constituem um todo incindível. Ainda que o tribunal chegasse agora à convicção de ter errado, já não poderia emendar o suposto erro. O princípio da extinção do poder jurisdicional justifica-se por uma razão de ordem doutrinal e por uma razão de ordem pragmática, como ensinou o Prof. Alberto dos Reis. 1 Como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o tribunal a cumprir o dever de decidir que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever, pelo respectivo cumprimento, o poder se extingue, se esgota. A razão subjacente é a da necessidade de se assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, quando é admissível recurso, alterar ou revogar a decisão, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao tribunal que proferiu a decisão reconsiderar e dar o dito por não dito é de todo em todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão. No processo, a decisão proferida vincula o tribunal. O princípio da extinção do poder jurisdicional não obsta, no entanto, a que o tribunal conheça das nulidades cometidas e, as sane, se for caso disso, nos termos do artigo 379.º, bem como, que corrija a decisão, nos termos do artigo 380.º, ambos do CPPenal - mas não mais do que isso. No caso, no horizonte do recorrente está a questão da nulidade do acórdão, com os seguintes fundamentos: - a violação do dever de apreciação crítica da prova (artigo 127°. do CPP); - o erro na tramitação processual da revisão (violação do artigo 451°. CPP); - a violação do contraditório (artigo 32°., n°. 5 da CRP e 61°., n°. 1 do CPP); - os erros materiais e de coerência interna - contradição temporal e espacial ignorada; - a confusão entre «prova nova» e «prova conhecida» (vide pp. 7 a 9 e 13); - o erro de qualificação quanto à alínea c) do n°. 1, do artigo 449°. do CPP; - o erro lógico na apreciação da «gravidade das dúvidas», (videpp. 9 e 10); - a omissão da relevância do princípio da proporcionalidade (artigo 18°. da CRP); - a interpretação excessivamente restritiva do artigo 449°., do CPP; - a interpretação excessivamente restritiva do artigo 449°., do CPP; - a desconsideração da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos; - a desconsideração da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos; - a desconsideração da dimensão subjetiva da revisão; - a falta de correspondência entre fundamentação e decisão (artigo 379°., n°. 1, alínea b) do CPP); - falta de fundamentação; - omissão de pronúncia. 3. Cremos que, manifestamente, não lhe assiste razão. É certo que, desde logo, por via da remissão contida no artigo 425.º/4 CPPenal – que dispõe que é correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.º e 380.º, sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado contra o vencido, ou sem o necessário vencimento - o acórdão deste Supremo Tribunal deve conter na parte da fundamentação, os elementos contidos no artigo 374.º/2 CPPenal. Dispõe, então, o artigo 374.º CPPenal, sob a epígrafe de “requisitos de sentença”, que, “1 - A sentença começa por um relatório, que contém: a) As indicações tendentes à identificação do arguido; b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis; c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido; d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada. 2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. 3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém: a) As disposições legais aplicáveis; b) A decisão condenatória ou absolutória; c) A indicação do destino a dar a animais, coisas ou objetos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas; d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal; e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal. 4 - A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas”. E, o artigo 379.º CPPenal, sob a epígrafe de “nulidade da sentença” que, “1 - É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F; b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º; c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. 2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º 3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade”. Nenhuma referência faz o recorrente ao artigo 374.º CPPenal. E, quanto ao artigo 379.º CPPenal faz referência à falta de fundamentação, à omissão de pronúncia e à falta de correspondência entre fundamentação e decisão, artigo 379.º/1 alínea b) CPPenal. Da mera leitura do acórdão, não se vislumbra, nem de perto nem de longe - nem o recorrente algum auxílio traz para o efeito - onde possa, desde logo, estar a falta – absoluta, como é suposto – de fundamentação, a omissão de pronúncia – como é suposto, sobre questões e, não sobre razões ou fundamentos. Tão pouco onde se situa e concretiza a alegada contradição entre os fundamentos – a afirmar a não verificação dos fundamentos em que assenta e é estruturado o pedido de revisão - e a decisão, a julgar o pedido manifestamente infundado, pela não verificação dos alegados e invocados presuspostos. O que se verifica, de forma acabada e inequívoca do requerimento, é que o recorrente discorda, em absoluto quer dos fundamentos, quer do sentido do decidido. Absolutamente legítimo. Realidade processual, todavia, absolutamente distinta e diversa com enquadramento, tratamento e consequências diferentes, da aqui invocada questão da nulidade da decisão. Mas que, habitualmente vêm sendo confundidas, sendo comum serem as razões da discordância para com o decidido serem suscitadas, não no seu enquadramento processual próprio idóneo e adequado, mas, em sede de nulidade da decisão. Erradamente, como parece evidente. Não é, manifestamente, o meio processualmente adequado a reagir contra uma decisão de que se discorda. Como se fosse possível decidir-se, agora, em qualquer sentido que desvirtuasse o anteriormente decidido. Como, invariavelmente, se vem entendendo, inexiste nulidade da sentença, se lendo a reclamação, se constata que o requerente, no essencial, apenas e tão só, revela discordância e inconformismo com a posição assumida naquela decisão. Sem margem para qualquer dúvida, que o parcialmente transcrito requerimento, mais não constitui que uma manifestação de discordância para com a fundamentação e para com o próprio sentido da decisão. No caso de recurso de revisão o cumprimento dos requisitos da sentença reportar-se-ão, tão só, a uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentem a decisão, reportados aos fundamentos invocados pelo recorrente. Ora cremos, que ali estão suficiente e devidamente explanadas as razões do não provimento do recurso, com o necessário percurso doutrinário reportado às circunstâncias do caso concreto. Há, então, que concluir, em face do assim estruturado requerimento - dito de reclamação para a conferência, convolado para arguição de nulidade - que afinal, estamos, indubitavelmente, perante uma “ocorrência estranha ao normal desenvolvimento do processo”, que se não encontra, em face do espírito do legislador e da letra da lei, isento de tributação. A tributação a este nível se tem subjacente a ideia de não cercear o exercício de direitos, seguramente que não pode pretender, potenciar actividades e condutas processuais, entorpecedoras da acção da Justiça e causadoras de dispêndio inútil de meios, humanos e materiais, de que a apresentação do requerimento agora em apreciação, constitui um acabado exemplo. Pois que, nenhuma nulidade visa sanar e nada visa esclarecer, rectificar ou aclarar, apenas servindo para demonstrar a discordância perante o decidido e através dele se pretender obter uma modificação do julgado, com o acolhimento, agora, da pretensão deduzida no recurso. IV. Dispositivo Nestes termos e com os fundamentos mencionados, indefere-se ao, aliás doutamente, requerido pelo recorrente AA. Taxa de justiça pelo requerente, pelo incidente anómalo, que suscitou, que se fixa no equivalente a 2 UC,s. Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pelo Relator, artigo 94.º/2 CPPenal, sendo assinado pelo próprio, pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos e pela Senhora Juíza Conselheira Presidente desta Secção Criminal. Supremo Tribunal de Justiça, 2025NOV19 Ernesto Nascimento – Relator Celso Manata – Juiz Conselheiro Adjunto Jorge Jacob – Juiz Conselheiro Adjunto Helena Moniz – Juíza Conselheira Presidente da secção __________________________________
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