Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
566/12.2PCCBR.C2.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
RECURSO PER SALTUM
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 06/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA / NULIDADE DA SENTENÇA / CORRECÇÃO DA SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / RECURSOS PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA / PODERES DE COGNIÇÃO – RESPONSABILIDADE POR CUSTAS / REGRAS ESPECIAIS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 379.º, N.º 1, ALÍNEA C), 380.º, N.º 1, ALÍNEA B), 400.º, N.º 1, ALÍNEA C), 432.º, N.º 1, ALÍNEA B) E 521.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 531.º.
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (RCP): - ARTIGO 27.º, N.º 6.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 04-01-2017, PROCESSO N.º 149/05.3PULSB.L1-B.S1;
- DE 10-05-2017, PROCESSO N.º 12806/04.7DLSB.L2-A.S1;
- DE 29-05-2019, PROCESSO N.º 364/14.9TAPDL.L1.S1.
Sumário :
I - A decisão da Relação que aplica a taxa sancionatória excecional é suscetível de impugnação para o STJ, ao abrigo do n.º 6 do art. 27.º do RCP, disposição especial que prevê que, fora dos casos legalmente admissíveis, sejam sempre recorríveis as condenações em multa, penalidade ou taxa sancionatória excecional. Como norma especial, prevalece sobre as normas referidas do CPP, sendo assim, a decisão da Relação recorrível nesse preciso ponto.
II - A taxa sancionatória excecional em processo penal vem prevista, como já se referiu, no art. 521.º, do CPP, que se limita, quanto aos sujeitos processuais, a remeter para o art. 531.º, do CPC, que dispõe que “Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.”.
III - Esta taxa, como a própria designação indica, não tem natureza tributária (como a tem a taxa de justiça), mas sim sancionatória, o que significa que ela se destina a punir uma conduta processual censurável ou reprovável.
IV - A lei fornece um critério muito lato ou flexível para a caracterização dos atos suscetíveis desta sanção: a manifesta improcedência; e ainda (cumulativamente, portanto) a falta de prudência ou diligência devidas. E acentua no texto do artigo, como também na epígrafe, o caráter excecional da sanção, que funciona como elemento integrante da própria cominação. O que significa, em síntese, que esta taxa poderá/deverá ser aplicada só quando o ato processual praticado pela parte seja manifestamente infundado, tendo ainda a parte revelado nessa prática falta de prudência ou de diligência, a que estava obrigada, assumindo o ato um caráter excecionalmente reprovável, por constituir um incidente anómalo, um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo.
V - Tipicamente cabe nessa previsão a utilização de meios não previstos na lei ou a sua utilização claramente abusiva para dificultar a marcha do processo, ou seja, a prática de atos meramente dilatórios completamente infundados.
VI - O uso da faculdade prevista no art. 531.º, do CPC, sobretudo no processo penal, deve ser objeto de um especial rigor, para não ser posto em causa o direito das partes a usufruir plenamente dos seus direitos de defesa ou de patrocínio dos seus interesses processuais. Ou seja, não se deve confundir a mera defesa enérgica e exaustiva desses interesses com um uso desviante e perverso dos mesmos. Só neste caso se justificará o sancionamento nos termos do citado art. 531.º, do CPC.
VII - A arguida arguiu a nulidade do acórdão que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença da 1.ª instância. Os argumentos da arguida não convenceram a Relação, que negou provimento ao recurso e a condenou consequentemente em taxa de justiça. A essa tributação, porém, o Tribunal da Relação fez acrescer uma sanção: a taxa sancionatória excecional de 5 UC, “pela sua temerária/inusitada/imprevidente produção”. Analisado o requerimento da arguida, constata-se que ela veio arguir a nulidade do acórdão da Relação, em duas vertentes: obscuridade, por ininteligibilidade da exposição; e por omissão de pronúncia, por não ter apreciado a impugnação da matéria de facto por ela subscrita no recurso para a Relação.
VIII - Esta reação da arguida à decisão da Relação foi produzida ao abrigo de disposições previstas no CPP, concretamente os arts. 379.º, n.º 1, al. c), e 380.º, n.º 1, al. b), do CPP, e era o único meio de reação possível, uma vez que o acórdão da Relação não admitia recurso ordinário (ver os citados arts. 432.º, n.º 1, al. b), e 400.º, n.º 1, al. c), do CPP). Consequentemente, não foi utilizado nenhum meio processual anómalo ou abusivo.
IX - É certo que, no entender da Relação, o requerimento da arguida não merecia provimento, por serem improcedentes os argumentos apresentados. Mas a consequência desse facto, no plano das custas, era unicamente a condenação em taxa de justiça, como efetivamente sucedeu.
X - A condenação numa taxa sancionatória excecional só se justificaria no caso de o ato praticado poder ser qualificado como inusitado, abusivo ou imprudente. O que manifestamente não sucede. O requerimento apresenta-se como um meio legalmente previsto e adequado de reagir à decisão proferida, não constituindo portanto nenhuma anomalia, nem uma atitude perversa de travar a marcha normal do processo. Pelo contrário, a recorrente fez um uso normal e adequado dos meios processuais de defesa que a lei lhe concede. Consequentemente, é absolutamente insustentável condená-la na taxa sancionatória excecional.


Decisão Texto Integral:          

              Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            I. Relatório

           Por sentença de 15.2.2017 do Juízo Local Criminal de ... foram os arguidos AA e BB condenados por um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143º, nº 1, do Código Penal, sendo ambos dispensados de pena, ao abrigo do nº 3, a), do mesmo artigo.

           Desta sentença recorreu cada um dos arguidos para o Tribunal da Relação de Coimbra. Por acórdão deste Tribunal de 8.5.2018, ambos os recursos foram julgados improcedentes.

           Notificada do acórdão, a arguida BB veio juntar o requerimento que segue:

 1º Consabidamente - ou, ao menos, do presumível domínio de qualquer esclarecido jurista - qualquer acórdão, sentença ou mero despacho devem ser facilmente apreendidos e compreendidos pelas partes a quem, aliás, se destinam.

2º Sendo os Tribunais os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, como estipula o artigo 202° da Constituição da República Portuguesa, prevalecendo as suas decisões sobre as de quaisquer outras autoridades (artigo 206°, n° 2 da Constituição da República Portuguesa) impõe-se-lhes que se façam compreender por todos, para que por todos sejam respeitados e a todos se imponham.

3º Deveria, pois, estritamente pautado pelo rigor de tal basilar princípio, ser o acórdão proferido entendível e inteligível (pelo menos) pelas partes a quem se destina, designadamente e no que ora interessa, pela ora requerente, o que não sucede, nem podia suceder, face à hermética e complicadíssima linguagem e construção gramatical utilizada.

4º É, assim, o acórdão proferido, todo ele, total e absolutamente obscuro (aliás, completamente opaco) não sendo possível à ora requerente (que, salienta-se, não tem apenas a escolaridade obrigatória, sendo licenciada e até doutorada em medicina) nem a qualquer mediano leitor colocado no lugar da ora requerente - o homem médio, bitola que deve impor-se a qualquer julgador - apreender o seu conteúdo e, consequentemente, percebê-lo e conformar-se, pela clareza dos argumentos, com a bondade/justeza da sua decisão.

5º O que não sucede no caso dos autos, sendo o acórdão proferido totalmente ininteligível, quer pela despropositada "erudição de conceitos", quer pelo inusitado tamanho das frases (várias com mais de 20 linhas), que não permitem, nem seguir o "fio à meada", nem acompanhar a lógica de pensamento, não sendo perceptível, nem sequer para o mais esclarecido dos juristas, o raciocínio seguido pelo julgador.

6º Não sendo possível acompanhar o raciocínio do julgador, não é possível compreender a decisão por este tomada, ou seja não é possível perceber a exposição dos motivos - de facto e de direito - que fundamentaram tal decisão.

7º Bem vistas as coisas, é como se a mesma não existisse.

8° O mesmo é dizer que não contém o douto acórdão proferido - porque não perceptível para os seus principais destinatários: as partes e seus mandatários - as menções referidas no n° 2 do artigo 374° do Código Penal, designadamente, a fundamentação da decisão, sendo o mesmo nulo e não produzindo qualquer efeitos, nos termos do artigos 425° n° 4 e 379° n° 1, alínea a) do Código de Processo Penal.

9º Nulidade esta que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

Sem prescindir,

             10° Mas este não é o único vício de que padece o douto acórdão proferido.

11° Com efeito, nos termos do artigo 410°, n° 1 do Código de Processo Penal, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida - ou seja, também a matéria de facto produzida em Audiência de Discussão e Julgamento.

12° Mais: a lei permite inclusivamente que, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito – o que não é (ou achava a ora requerente que não era) o caso dos autos - ainda assim, dentro dos limites impostos peio n° 2 do artigo 410° do Código de Processo Penal, é possível que o recurso tenha como fundamento a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, ou a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou o erro notório na apreciação da prova.

13° No entanto, nestes casos (em que a lei restringe a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o que é, repete-se, o caso dos autos), tal vício deve resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

14° No caso dos autos, conhecendo o Tribunal da Relação de facto e de direito (artigo 428° do Código de Processo Penai), tendo a ora requerente impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto, especificando os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (artigo 412°, n° 3 do Código de Processo Penal), e constando do processo todos os elementos de prova que lhe serviram de base (artigo 431°, alínea a) do Código de Processo Penal), pode a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto ser modificada.

15° Para tanto, impõe-se ao Tribunal Superior que aprecie a prova produzida, designadamente, a prova indicada pela recorrente como impondo decisão diversa da recorrida e, após tal apreciação, decida pela alteração ou manutenção da decisão proferida pela 1ª instância - sempre fundamentando a sua decisão, como lhe impõe a artigo 374° do Código de Processo Penal e o artigo 205° n° 1 da Constituição da República Portuguesa,

16° O que não sucedeu no caso dos autos, não tendo o Tribunal da Relação apreciado a matéria de facto, como lhe foi pedido que apreciasse.

17º Aliás, do pouco que o signatário da presente peça processual consegue apreender do douto acórdão proferido - já que a ora requerente nada percebe - entende esse douto Tribunal que não lhe compete (re)analisar a prova produzida, designadamente a indicada peia ora requerente, mas apenas verificar se a sentença proferida fundamentou a decisão acerca da matéria de facto.

18º A ser assim, isto é, ao interpretar o artigo 412°, n° 3, alínea b) no sentido de que não é necessário ao Tribunal de 2ª instância reanalisar a prova indicada pelo recorrente quando da sentença conste a fundamentação para a fixação da matéria de facto, entende a ora requerente que fez o douto tribunal da Relação de Coimbra uma interpretação inconstitucional dos artigos 412° n° 3, alínea b) e 431°, alínea a) do 431° do Código de processo Penai, por violação dos artigos 20° e 32°, n°s 1 e 9 da Constituição da República Portuguesa e dos princípios do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, inconstitucionalidade essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

19° Não tendo apreciado as questões suscitadas no seu recurso, designadamente, não tendo apreciado criticamente a matéria de facto indicada pela ora requerente, que foi chamado a apreciar, deixou o douto Tribunal da Relação de se pronunciar sobre questão que se lhe impunha que apreciasse, o que determina a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379º, nº 1 al. c) do Código de Processo Penal, nulidade essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

20º Ressalva-se o caso de ter, eventualmente, o acórdão proferido apreciado tal matéria de facto, não tendo, no entanto, a ora requerente percebido que tal sucedeu, por não ter conseguido, como se referiu já, compreender o que se escreveu no referido acórdão.

21° Caso em que sempre será o acórdão nulo, por ininteligível, nos termos já supra invocados.

Esse requerimento foi indeferido por acórdão da Relação de 10.10.2018, com o seguinte teor:

I BB, arguida, notificada do acórdão desta Relação exarado a fls. 1805/1826, por cujo conteúdo – no que lhe respeita – se julgou improcedente o recurso que interpusera da sentença documentada na peça de fls. 1607/1625, essencialmente decisória da dispensa de pena por ajuizado cometimento dum ilícito criminal de ofensa à integridade física (p. e p. pelo art.º 143.º/1 do Código Penal) da pessoa de AA, nele discorreu putativos vícios de invalidade (nulidade) jurídico-processual por afirmada incompreensibilidade da respectiva fundamentação, em evocada razão de excepcional erudição redactorial e técnico-jurídica, virtualmente inalcançável/ininteligível pela própria cidadã-arguida e pela generalidade da comunidade nacional (!), e/ou omissão de pronúncia quanto à manifestada impugnação do próprio ajuizamento factual, [pretensamente tipificados sob o art.º 379.º/1/a)/c) do CPP], cuja arguição (naturalmente pelo seu Exm.º advogado) incidentalmente materializou pela peça ilustrada a fls. 1831/1833.

II Irreconhece-se, porém, qualquer racional sustentabilidade jurídico-processual a tal inusitada/curiosa/desconcertante – quiçá ridícula, máxime no que ao primeiro sinalizado argumento concerne – arguição de invalidade do enunciado aresto, cujo textual conteúdo, naturalmente redigido em estilo pessoal do relator, linguisticamente cuidado e de matriz necessariamente técnica, todavia de expectável apreensibilidade de qualquer jusperito, de superior formação, mormente do Ex.mo representante processual da id.ª recorrente/arguente – que, por inerência à própria, diferenciada, condição de advogado, se presumiu a tanto intelectivamente capacitado e adequadamente habilitado (como, crê-se, a generalidade dos seus pares!) com bastantes conhecimentos técnico-jurídicos e gramaticais-sintácticos do puro idioma português continental (de Portugal) –, cabalmente representa da adequada e criteriosa apreciação por competente órgão colegial deste tribunal de 2.ª instância da virtualidade jurídica da nucleariedade dos fundamentos recursórios – de ambos os arguidos, BB e AA –, e, decorrentemente, do rigor lógico-silogístico e da conformação à vigente legalidade do questionado ajuizamento judicial, como meãmente se colhe, máxime, do registo plasmado sob o § 2.º do SUBTÍTULO II do TÍTULO II, a págs. 1823/1825.

Por conseguinte, e em razão do inexorável esgotamento do poder jurisdicional desta Relação sobre a referenciada controvérsia recursiva, (cfr. art.º 613.º/1 do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, ex vi art.º 4.º do CPP), nada mais, com utilidade jurídico-processual, se nos oferece a propósito analisar e decidir – inclusive quanto à proclamativa alusão à virtual incorrência por este colégio judicial em opinada inconstitucionalidade interpretativa dos arts. 412.º/3/b) e 431.º/a) do Código de Processo Penal, cuja suscitação/cognoscibilidade, aliás, já evidentemente extravasa a amplitude do próprio procedimento incidental de arguição de nulidades jurídico-processuais, (vide art.º 425.º/4 do CPP), para além de marginal e absolutamente intangível à concreta fundamentação do questionado acórdão, dessarte manifestamente irrelevando para qualquer efeito jurídico-processual, (cfr. arts. 204.º e 280.º/1/b) da Constituição nacional) –, posto que qualquer acrescida lucubração sobre o incidente em apreço, máxime quanto às juridicamente despropositadas considerações aí tecidas, se quedaria pela inutilidade à sorte da lide, como tal ilícita e proibida, (cfr. art.º 130.º do C. P. Civil).

III Destarte, o competente órgão colegial judicial reunido para o efeito em conferência neste Tribunal da Relação de Coimbra delibera:

             1 – Julgar – obviamente – irreconhecidos quaisquer dos suscitados e enunciados vícios jurídico-processuais.

2 – Condenar a id.ª recorrente-arguente, BB, ao pagamento [a)] da importância pecuniária equivalente a 3 (três) UC, a título de taxa de justiça devida pelo decaimento no respectivo, anómalo e imaginoso incidente, [b)] bem como da acrescida soma de 5 (cinco) UC, a título de taxa sancionatória excepcional, condicionada pela sua temerária/inusitada/imprevidente produção, em rigorosa observância da normação ínsita sob os arts. 521.º/1 e 524.º do CPP, 527.º/1/2 e 531.º do Código de Processo Civil (subsidiariamente aplicável ex vi art.º 4.º do CPP), e 1.º, 7.º/4/8 (com referência à TABELA II-A) e 10.º do Regulamento das Custas Processuais.

Deste acórdão recorreu a requerente BB para o Supremo Tribunal de Justiça, dizendo:

I. EXPOSIÇÃO INTRODUTÓRIA

Nos presentes autos, no uso de um direito que a lei processual penal lhe confere, a assistente recorreu – de facto e de direito - da decisão de primeira instância, por entender que a prova produzida não permitia que a mesma tivesse sido condenada pelo crime de ofensa à integridade física e impunha a sua absolvição, requerendo a reapreciação da prova gravada pelo Tribunal da Relação.

O seu recurso veio a ser julgado improcedente, não tendo, no entanto, o tribunal da Relação reapreciado a matéria de facto, por entender – do que a ora recorrente conseguiu perceber - que estando a mesma fundamentada, não poderia sobrepor-se à interpretação do julgador de 1ª instância, pois, como aí se refere, o mesmo “só (apenas) seria passível de eventual censura jurídica se e na medida em que empírica, imediata e objectivamente se lhe observasse […] qualquer relevante irracionalidade lógico-jurídica”.

Veio, então, a ora recorrente, sempre no uso de um direito que a lei processual penal lhe confere, a arguir a nulidade do acórdão proferido, que não logrou apreender inteiramente e que não apreciou a matéria de facto, como se lhe impunha, invocando, inclusivamente, a inconstitucionalidade da interpretação feita pelos senhores desembargadores dos artigos 412º, 428º e 431º do Código de Processo Penal.

Debruçando-se sobre tal requerimento da recorrente, por acórdão de 10/10/2018, os Senhores Desembargadores não declararam as nulidades arguidas, “em razão do inexorável esgotamento do poder jurisdicional desta relação sobre a controvérsia recursiva”, como referiram, e terminaram, de forma liminar, condenando-a da seguinte forma:

“ (…) Condenar a idª recorrente-arguente, BB, ao pagamento [(a)] da importância pecuniária equivalente a 3 (três) UC, a título de taxa de justiça devida pelo decaimento no respectivo, anómalo e imaginoso incidente, [(b)] bem como da acrescida soma de 5 (cinco) UC, a título de taxa sancionatória excepcional, condicionada pela sua temerária/inusitada/imprevidente produção [...]”

E é deste excerto dessa decisão (porque do restante lhe está legalmente vedado o recurso) que se recorre, por com ele se não conformar a ora recorrente.

II. QUESTÃO SUSCITADA

A única questão suscitada consiste, pois, em saber se a intervenção da recorrente, quando arguiu a nulidade e a inconstitucionalidade do acórdão do Tribunal da Relação, constitui, ou não, um “incidente” processual e se é merecedora da condenação em custas e em taxa de justiça sancionatória excepcional.

III. MOTIVAÇÃO

A decisão recorrida merece a nossa veemente discordância, pois temos para nós como seguro que nenhum cidadão/sujeito processual penal que recorra aos tribunais na ânsia legítima de “justiça” e no correcto exercício dos direitos que a lei constitucional e processual lhe confere, se possa sentir limitado nesse exercício perante a “ameaça” de “incidentes” e de condenações severas em custas!

Muito mais se o forem sem que percebam que factos objectivos os sustentam.

Os Senhores Desembargadores consideraram “irreconhecidos” os vícios suscitados pela ora recorrente e decidiram condená-la, sem mais, em custas pelo incidente, que fixaram em 3 UC’s e em taxa de justiça sancionatória excepcional, que fixaram em 5 UC's.

E dizemos, “sem mais”, porque é manifesto/notório que não fundamentou tal decisão, quer no que respeita a considerar aquela intervenção da recorrente como um “incidente”, quer tão pouco citando qualquer norma legal em que escore tal condenação em custas.

Para além de que, no que respeita à condenação em taxa de justiça sancionatória excepcional, é manifesto/notório que não fundamentaram tal decisão, como impõe o artigo 531º do Código de Processo Civil referido no acórdão, limitando-se a, infundadamente, qualificar como “temerário”, “inusitado” e “imprevidente” o legítimo exercício do direito da ora recorrente.

Sendo tal acórdão, no excerto recorrido, completamente omisso quanto aos fundamentos subjacentes a tal condenação, viola o disposto nos arts 97º, nº 5, do Código de Processo Penal e 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, de onde resulta a exigência de que os actos decisórios, nomeadamente os acórdãos, sejam sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito que pautaram a decisão, pois que só assim é perceptível a justeza da decisão, o entendimento do processo lógico que a ela conduziu e a sua aceitação.

A ora recorrente desconhece em absoluto porque é que foi condenada em custas e em taxa de justiça sancionatória excepcional - não compreende essa decisão e, consequentemente, não a pode aceitar...

Na verdade, o regime de custas em processo penal encontra-se expressamente previsto no disposto nos artigos 513º a 524º do Código de Processo Penal e nos artigos 7º e 8º, conjugados com as tabelas II e III, do Regulamento das Custas Processuais.

Não se encontra prevista para o processo penal, qualquer tributação para incidentes por arguição de nulidades, nem existe qualquer norma que preveja a aplicação das normas relativas ao processo civil ao processo penal, no que a incidentes se refere.

A decisão recorrida, no excerto visado, não tem, salvo o devido respeito, qualquer suporte legal, sendo por isso inadmissível por ilegal.

Pois,

Ao suscitar a questão da nulidade e a inconstitucionalidade do acórdão por ininteligibilidade e por não ter reapreciado a matéria de facto, como se lhe impunha, a ora recorrente usou de uma faculdade que a lei lhe confere e no prazo concedido para o efeito, não podendo tal requerimento considerar-se incidente ou procedimento anómalo, tributável nos termos estabelecidos no artigo 7º do RCP e na Tabela anexa II.

Ou sequer, nos termos do seu artigo 8º e na Tabela anexa III.

Não se prefigura ainda qualquer justificação para a condenação da ora recorrente em custas, a qualquer outra luz.

É necessário atender e analisar, simultaneamente, a previsão dos arts. 7º, n.º 4, 8º, do Regulamento das Custos Processuais, aprovado pelo DL nº 34/2008, de 26/02, 120º, n.ºs 2 e 3, 308º e 513º do Código de Processo Penal.

O primeiro desses preceitos legais, sobre a epígrafe, “Regras Especiais” (por contraposição às “Regras Gerais” previstas no seu artigo 6º), estabelece no seu nº 4 que:

“A taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a Tabela II, que faz parte integrante do presente Regulamento.”

O artigo 8º refere-se à taxa de justiça em processo penal e contra-ordenacional.

Os seus nºs 7 e 9, deverão ser conjugados com a Tabela anexa III, que faz parte integrante daquele Regulamento.

Na citada Tabela III, com relevo para a questão em análise, são enunciadas as reclamações e os pedidos de rectificação, tributados de 1 Uc a 3 Ucs – o que não é o caso dos autos.

Nem a actividade processual da ora recorrente ao arguir as aludidas nulidades e inconstitucionalidade, cabe dentro do conceito de incidente, definido, pelo Professor Doutor Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 1994, pág. 171 “, como “um desvio à marcha normal do processo para resolução de uma questão processual”.

Tão pouco que se possa considerar um procedimento ou incidente anómalo, no sentido de uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide que deva ser tributado segundo os princípios que regem a condenação em custas (vide nº 8 do artº 7º do RCP).

Nestes termos, o entendimento sufragado pelo acórdão recorrido, ao considerar a arguição de tais nulidades e inconstitucionalidade como um incidente processual, objecto do pagamento de custas processuais em caso de improcedência, não tem qualquer suporte legal.

Na verdade, da análise e interpretação conjugada daqueles preceitos e ensinamentos só se pode concluir que carece de qualquer fundamento a condenação da recorrente imposta no aludido segmento do despacho visado, pelo que deve o mesmo ser revogado, ficando sem efeito a sua condenação.

Por maioria de razão, carece de qualquer razão ou fundamento a surpreendente condenação da ora recorrente em taxa de justiça sancionatória excepcional.

Com efeito, verificamos, como se disse já, que, não só tal decisão não está minimamente fundamentada - não sendo possível à ora recorrente perceber os motivos da sua aplicação e, consequentemente, conformar-se com a justeza dos seus argumentos - como não devia, sequer, ter sido condenada em custas, quanto mais em taxa de justiça sancionatória excepcional!!...

Ao decidir da forma explanada no acórdão recorrido, violou o tribunal a quo, entre outros, os artigos 97º, nº 5, 513º, 521º, 524º do Código de Processo Penal, 7º, 8º e 10º do Regulamento das Custas Processuais, 527º, nºs 1 e 2 e 531º do Código de Processo Civil e 205º da Constituição da República Portuguesa e os preceitos, penal e constitucionalmente consagrados, da legalidade, da tipicidade, da proporcionalidade e da adequação.

CONCLUSÕES:

1- Vem o presente recurso interposto do acórdão de 10/10/2018 que condenou a recorrente em custas pelo “incidente”, com taxa de justiça que fixou em 3 UC´s, acrescida da soma de 5 UC's a título de taxa de justiça sancionatória excepcional, na sequência da arguição, por esta, da nulidade e inconstitucionalidade do acórdão que decidiu o seu recurso sem que tenha reapreciado a prova produzida, como se lhe impunha.

2- Na verdade, não fundamentou o tribunal a quo, nem de facto nem de direito, tal decisão, numa clara violação do disposto nos arts. 97º, nº 5, do CPP e 205º, nº 1, da CRP sendo certo que só fundamentando a decisão é possível percepcionar a justeza da mesma e entender o processo lógico que a ela conduziu, permitindo a sua aceitação.

3- Por outro lado, também não se vê qualquer fundamento, de facto ou de direito, e seja a que luz for, que integre a reacção da ora recorrente ao referido acórdão, num incidente processual anómalo ou estranho ao andamento normal do processo, a justificar a sua tributação em custas e muito menos em taxa de justiça sancionatória excepcional.

4- Com efeito, não se encontra prevista para o processo penal, qualquer tributação para incidentes por arguição de nulidades, nem existe qualquer norma que preveja a aplicação das normas relativas ao processo civil ao processo penal, no que a incidentes se refere, pelo que não tem a decisão recorrida, no excerto visado, qualquer suporte legal, sendo por isso inadmissível por ilegal.

5 - Ao suscitar a questão da nulidade e inconstitucionalidade do acórdão que não conseguiu perceber inteiramente e que não reapreciou a prova que lhe havia sido pedido que apreciasse, a ora recorrente usou, de forma prudente, de um direito que a lei lhe confere e no prazo concedido para o efeito, não podendo tal requerimento considerar-se incidente ou procedimento anómalo, tributável nos termos estabelecidos nos artigos 7º ou 8º do RCP e na Tabela anexa II, nem se prefigura qualquer justificação para a condenação da ora recorrente em custas, a qualquer outra luz.

6 – No que se refere à condenação em taxa sancionatória excepcional, é manifesto/notório que não fundamentaram os senhores desembargadores tal decisão, como impõe o artigo 531º do Código de Processo Civil referido no acórdão, limitando-se a, infundadamente, qualificar como “temerário”, “inusitado” e “imprevidente” o legítimo exercício do direito da ora recorrente.

7- E o certo é que a actividade processual da recorrente ao arguir as aludidas nulidades e inconstitucionalidades, não cabe dentro do conceito de incidente - ”um desvio à marcha normal do processo para resolução de uma questão processual” - nem se pode considerar um procedimento ou incidente anómalo, no sentido de uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide que deva ser tributado segundo os princípios que regem a condenação em custas (vide nº 8 do artº 7º do RCP).

8- Da análise e interpretação conjugada daqueles preceitos e ensinamentos só se pode concluir que carece de qualquer fundamento a condenação da ora recorrente imposta no aludido segmento do despacho visado, pelo que deve o mesmo ser revogado, ficando sem efeito a sua condenação em custas e em taxa de justiça sancionatória excepcional.

9- Ao decidir da forma explanada no acórdão recorrido, violou o tribunal a quo, entre outros, os artigos 97º, nº 5, 513º, 521º, 524º do Código de Processo Penal, 7º, 8º e 10º do Regulamento das Custas Processuais, 527º, nºs 1 e 2 e 531º do Código de Processo Civil e 205º da Constituição da República Portuguesa e os preceitos, penal e constitucionalmente consagrados, da legalidade, da tipicidade, da proporcionalidade e da adequação.

Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e, consequentemente, ser o douto despacho recorrido revogado, com todas as legais consequências.

O recurso não foi admitido, por despacho do sr. Juiz-Desembargador relator de 5.12.2018, com fundamento nos arts. 432º, nº 1, b), e 400º, nº 1, c), ambos do Código de Processo Penal (CPP).

Reclamou então a recorrente para o sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

A reclamação foi deferida pela sra. Vice-Presidente, que ordenou a admissão do recurso no respeitante à condenação na taxa sancionatória excecional, por despacho de 22.1.2019.

Baixado o processo à Relação e admitido o recurso nos termos ordenados, o sr. Procurador-Geral Adjunto na Relação respondeu ao recurso desta forma:

I – DO RECURSO.

Interpôs a arguida recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, do douto acórdão deste Tribunal da Relação, de 10-10-2018, que condenou a recorrente em custas que fixou em 3 UCs, acrescida da soma de 5 UCs de taxa de justiça sancionatória excepcional, após uma decisão que indeferiu uma arguição de nulidade e inconstitucionalidade do acórdão que anteriormente decidira recurso em que solicitava uma reapreciação da prova produzida 1ª instância.

Invocou, concretamente, que o Tribunal não fundamentou nem de facto nem de direito a decisão de condenação em taxa sancionatória excepcional, violando o disposto no art.º 97º, n.º 5 do CPP e o art.º 205º, n.º 1 da CRP.

Para além, disso não existe, segundo a recorrente, qualquer fundamento que justifique tal condenação na medida em que a recorrente apenas usou de um direito que a lei lhe confere ao reagir contra uma decisão proferida, arguindo a existência de uma nulidade e de inconstitucionalidade de normas legais aplicadas no acórdão.

Violou neste âmbito a decisão recorrida o disposto no art.º 513º, 521º e 524º do CPP o art.º 7º, 8º e 10º do Regulamento das Custas Judiciais e os artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 531º do CPC.

Para concluir pedindo a revogação da decisão recorrida nesta parte.

II – APRECIAÇÃO.

No essencial vem a recorrente impugnar a decisão recorrida, no segmento identificado, com o facto de esta não estar fundamentada nem de facto, nem de direito, em violação do disposto nos artigos 97º, n.º 5 do CPP e 205º, n.º 1 da CRP.

É um facto que todos os actos decisórios têm que ser fundamentados nos termos da apontada norma, permitindo assim para além do mais a possibilidade de serem entendidos e eventualmente sindicados pelos sujeitos processuais visados se a lei o permitir.

Esta fundamentação terá que ser especificada com vista ao seu desiderato final, bem assim assente em factualidade que suporte tal decisão.

No caso dos autos o recorrente alega que inexiste fundamentação que permita a decisão que foi proferida no sentido da sua condenação em taxa de justiça sancionatória excepcional.

Ora, o que se constata dos autos é que a recorrente usou um instituto legalmente previsto como forma de reacção contra um acórdão proferido este Tribunal da Relação, questionando eventual existência de nulidade, bem assim colocando em discussão a possibilidade de se verificar alguma inconstitucionalidade na aplicação da lei, concretamente do art.º 412º, n.º 3, al. b) e 431º al. a) do CPP, por violação dos princípios constitucionais dos artigos 20º e 32º, n.º 1 e 9 da CRP.

Sendo que a decisão, também em acórdão, sobre estas questões foi de improcedência destas, teria que a atitude processual da reclamante do acórdão ser considerada abusiva ou manifestamente dilatória no que respeita ao andamento normal do processo.

Deste modo, ressalvado o devido respeito por diferente opinião, somos de parecer deverem ser ponderados os argumentos da motivação de recurso no sentido da sua procedência.

Desde logo, no que toca à necessidade de uma melhor e mais especificada fundamentação para a aplicação de uma taxa sancionatória excepcional, como vem sendo exigida pela jurisprudência dos Tribunais Superiores de forma constante, assim se podendo considerar verificada a alegada nulidade.

De facto, este Tribunal da Relação recentemente pronunciou-se sobre esta questão no proc. n.º 16/16.5GDIDN.C1, em acórdão de 19-12-2018, no sítio www.dgsi.pt tendo seguido na sua fundamentação, orientação do Supremo Tribunal nos termos que se apontam:

“Em suma, com todo o respeito por opinião contrária, nenhuma das circunstâncias mencionadas nos despachos recorridos justifica - quer por não se configurarem como pretensões manifestamente improcedentes e/ou protestos claramente infundados; quer por, no que foi o desenvolvimento do julgamento (bem patente nas correspondentes atas), não se extrair uma conduta intencionalmente dirigida a retardar o andamento dos trabalhos, ao entorpecimento do processo (requisitos cumulativos da figura) - as condenações decretadas a título de taxa sancionatória excecional.

A utilização abusiva do processo penal terá de traduzir-se num uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, situação insuscetível de ser confundida, como atrás se disse, com posições que podem ser encaradas como erros técnicos.

Perfilhamos, assim, o que a propósito, embora no âmbito de diferente jurisdição – não se vendo motivo para distinguir – se escreveu no acórdão do STJ de 10/05/2017, proc. n.º 12806/04.7DLSB.L2-A.S1, a saber: “Somente em situações excecionais, em que a parte (sujeito processual) aja de forma patológica no desenrolar normal da instância, ao tentar contrariar ostensivamente a legalidade da sua marcha, ou a eficácia da decisão, praticando ato processual manifestamente improcedente, é que deve ser aplicada a taxa sancionatória – por isso chamada – excecional”.

Mais limitativa ainda parece ser esta orientação jurisprudencial na interpretação da lei por parte do Supremo Tribunal de Justiça a exigir também, por maioria de razão uma especial fundamentação para a aplicação de uma taxa sancionatória excepcional.

Tudo para considerarmos, em termos conclusivos, dever ser ponderada a procedência do recurso atenta a motivação apresentada.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o sr. Procurador-Geral Adjunto limitou-se a apor “visto”.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. Fundamentação

1. Antes de mais, importa analisar se a decisão recorrida é impugnável, uma vez que a decisão da sra. Vice-Presidente que admitiu o recurso não vincula este Supremo Tribunal (art. 405º, nº 4, do CPP).

Note-se que o recurso foi circunscrito à parte do acórdão recorrido que condenou a arguida no pagamento de uma taxa sancionatória excecional, nos termos do art. 531º do Código de Processo Civil (CPC), por via do disposto no art. 521º do CPP, sendo nessa estrita medida que foi admitido pela sra. Vice-Presidente.

Não está em causa, portanto, a decisão de indeferimento da arguição de nulidades. Essa, sim, seria irrecorrível, por força dos arts. 432º, nº 1, b), e 400º, nº 1, c), ambos do CPP.

Contudo, o recurso, como vimos, vem restringido à condenação na taxa sancionatória excecional. Ora, nesse âmbito restrito, a decisão em causa é suscetível de impugnação, ao abrigo do nº 6 do art. 27º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), disposição especial que prevê que, fora dos casos legalmente admissíveis, sejam sempre recorríveis as condenações em multa, penalidade ou taxa sancionatória excecional. Como norma especial, prevalece sobre as normas referidas do CPP, sendo assim, a decisão da Relação recorrível nesse preciso ponto.

Confirma-se pois a decisão que impôs a admissão do recurso.

2. A taxa sancionatória excecional em processo penal vem prevista, como já se referiu, no art. 521º do CPP, que se limita, quanto aos sujeitos processuais, a remeter para o CPC. Este no art. 531º dispõe:

Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.

O montante da taxa está previsto no art. 10º do RCP, variando entre 2 e 15 UC.

Esta taxa, como a própria designação indica, não tem natureza tributária (como a tem a taxa de justiça), mas sim sancionatória, o que significa que ela se destina a punir uma conduta processual censurável ou reprovável.[1]

A lei fornece um critério muito lato ou flexível para a caracterização dos atos suscetíveis desta sanção: a manifesta improcedência; e ainda (cumulativamente, portanto) a falta de prudência ou diligência devidas.

E acentua no texto do artigo, como também na epígrafe, o caráter excecional da sanção, que funciona como elemento integrante da própria cominação.

O que significa, em síntese, que esta taxa poderá/deverá ser aplicada quando o ato processual praticado pela parte seja manifestamente infundado, tendo ainda a parte revelado nessa prática falta de prudência ou de diligência, a que estava obrigada, assumindo o ato um caráter excecionalmente reprovável, por constituir um incidente anómalo, um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo.

Tipicamente cabe nessa previsão a utilização de meios não previstos na lei ou a sua utilização claramente abusiva para dificultar a marcha do processo, ou seja, a prática de atos meramente dilatórios completamente infundados.

O uso da faculdade prevista no art. 531º do CPC, sobretudo no processo penal, deve ser objeto de um especial rigor, para não ser posto em causa o direito das partes a usufruir plenamente dos seus direitos de defesa ou de patrocínio dos seus interesses processuais. Ou seja, não se deve confundir a mera defesa enérgica e exaustiva desses interesses com um uso desviante e perverso dos mesmos. Só neste caso se justificará o sancionamento nos termos do citado art. 531º do CPC.[2]

3. A arguida arguiu a nulidade do acórdão que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença da 1ª instância.

Os argumentos da arguida não convenceram a Relação, que negou provimento ao recurso e a condenou consequentemente em taxa de justiça. A essa tributação, porém, o Tribunal da Relação fez acrescer uma sanção: a taxa sancionatória excecional de 5 UC, “pela sua temerária/inusitada/imprevidente produção”.

Analisado o requerimento da arguida, constata-se que ela veio arguir a nulidade do acórdão da Relação, em duas vertentes: obscuridade, por ininteligibilidade da exposição; e por omissão de pronúncia, por não ter apreciado a impugnação da matéria de facto por ela subscrita no recurso para a Relação.

Esta reação da arguida à decisão da Relação foi produzida ao abrigo de disposições previstas no CPP, concretamente os arts. 379º, nº 1, c), e 380º, nº 1, b), do CPP, e era o único meio de reação possível, uma vez que o acórdão da Relação não admitia recurso ordinário (ver os citados arts. 432º, nº 1, b), e 400º, nº 1, c), do CPP).

Consequentemente, não foi utilizado nenhum meio processual anómalo ou abusivo.

É certo que, no entender da Relação, o requerimento da arguida não merecia provimento, por serem improcedentes os argumentos apresentados. Mas a consequência desse facto, no plano das custas, era unicamente a condenação em taxa de justiça, como efetivamente sucedeu.

A condenação numa taxa sancionatória excecional só se justificaria no caso de o ato praticado poder ser qualificado como inusitado, abusivo ou imprudente.

O que manifestamente não sucede. O requerimento apresenta-se como um meio legalmente previsto e adequado de reagir à decisão proferida, não constituindo portanto nenhuma anomalia, nem uma atitude perversa de travar a marcha normal do processo.

Pelo contrário, a recorrente fez um uso normal e adequado dos meios processuais de defesa que a lei lhe concede.

Consequentemente, é absolutamente insustentável condená-la na taxa sancionatória excecional.

Aliás, essa condenação não está sequer minimamente fundamentada no acórdão recorrido.

Procede, pois, o recurso interposto.

III. Decisão

Com base no exposto, e concedendo provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido na parte em que condenou a arguida BB na taxa sancionatória excecional de 5 UC.

Sem custas.

                                    Lisboa, 26 de junho de 2019

Maia Costa (Relator)

Pires da Graça

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[1] Outras taxas sancionatórias estão previstas no CPP, como nos arts. 223º, nº 6, 420º, nº 3, e 456º, punindo também atos manifestamente infundados ou temerários.
[2] Em sentido idêntico, ver os acórdãos do STJ de 4.1.2017, proc. nº 149/05.3PULSB.L1-B.S1 (cons. Rosa Tching), de 10.5.2017, proc. nº 12806/04.7DLSB.L2-A.S1 (Cons. Pires da Graça) e de 29.5.2019, proc. nº. 364/14.9TAPDL.L1.S1 (do presente relator).