Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA OLINDA GARCIA | ||
Descritores: | CONSIGNAÇÃO EM DEPÓSITO PROCESSO ESPECIAL AQUISIÇÃO TENDENTE AO DOMÍNIO TOTAL PARTICIPAÇÃO SOCIAL TITULARIDADE INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL FALTA DE ACORDO ARTICULADOS ADMISSIBILIDADE DE RECURSO DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DECISÃO FINAL CONHECIMENTO DO MÉRITO CONDENAÇÃO PARCIAL | ||
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Data do Acordão: | 04/28/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : | I - O art. 490.º, n.os 3 e 4, do CSC regula um modo de aquisição potestativa de participações sociais tendente ao domínio total do capital social, cuja contrapartida é garantida e paga através de consignação em depósito. II - Enquanto modo de extinção das obrigações além do cumprimento, exercida por via judicial, a consignação em depósito apresenta uma dimensão de direito substantivo (reguladora dos seus pressupostos e da sua funcionalidade), prevista nos arts. 841.º e ss. do CC, e uma dimensão de direito processual (reguladora do seu modo de execução), prevista no art. 921.º e ss. do CPC. III - O facto de o levantamento antecipado do depósito, efetuado nos termos do art. 490.º, n.º 4, do CSC, não se encontrar legalmente previsto, não impedirá, por si só, o levantamento do valor que não é alvo de litígio, continuando os autos a correr para apuramento do valor pedido em reconvenção. Todavia, já obsta a tal levantamento o facto de ainda não ter sido feita prova sobre a concreta identidade de todos os titulares do capital livre, bem como prova da concreta percentagem do capital de que cada um dos requerentes do levantamento é titular. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Processo n. 31673/15.9T8LSB-A.L1. S1
Recorrente: SONAGI – SGPS, SA Recorridos: AA e Outros.
I. RELATÓRIO
1. “SONAGI, SGPS, SA” instaurou processo de consignação em depósito contra: AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH (na qualidade de herdeira na herança indivisa de II), II (na qualidade de herdeiro na herança indivisa de II) e incertos (os restantes acionistas livres da “Longavia - Imobiliária, SA”). 2. A autora requereu: (i) Que fosse deferido o depósito judicial da quantia de € 444.928,68 (quatrocentos e quarenta e quatro mil novecentos e vinte e oito euros e sessenta e oito cêntimos), correspondente à contrapartida pela aquisição das ações remanescentes representativas do capital social da Longavia; e (ii) Que fosse ordenada a citação dos requeridos, nos termos do artigo 917º, n.1 do Código de Processo Civil, seguindo-se os demais trâmites previstos na lei. Invocou, em síntese, que por força do seu direito potestativo de aquisição das ações que os réus detêm no capital social da “Longavia”, à luz do artigo 490º n. 3 do CSC, pretende consignar em depósito judicial a quantia de € 444.928,68, correspondente à contrapartida devida por aquela aquisição.
3. Os réus AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, e ainda JJ contestaram a ação. Alegaram, nomeadamente, que o valor que lhes é devido pela dita aquisição é superior ao indicado pela autora; que os réus FF e GG deverão ser absolvidos, por não serem titulares de quaisquer ações representativas do capital social da Longavia, devendo, em substituição do réu GG, ser admitida a intervir no processo a ré JJ, que adquiriu, antes do início do presente processo, as ações que pertenciam àquele. E deduziram pedido reconvencional, pedindo que fosse julgado improcedente o pedido de consignação em depósito, por ser maior a contrapartida devida pela aquisição das ações aos ditos réus; e, cumulativamente com o pedido anterior, que se julgasse procedente o pedido reconvencional, por provado, e, em consequência, se reconhecesse que o crédito dos réus EE e AA, dos réus Irmãos KK e de JJ é de €610.350,61, condenando-se ainda a autora/reconvinda no pagamento de um depósito adicional de € 243.849,37, à ordem do Tribunal. A ré HH contestou individualmente, invocando não ser titular de ações por via de uma herança indivisa, mas em nome próprio; e deduziu pedido reconvencional. Não foi deduzida contestação por II, demandado na qualidade de herdeiro da herança indivisa.
4. Por despacho de 07.05.2018, foi admitido o chamamento para a ação, como associada dos requeridos, de KKJJ.... Por despacho saneador, de 05.07.2018, foram os réus FF e GG absolvidos dos pedidos formulados nos autos, dado não serem titulares de ações representativas do capital social da sociedade Longavia Imobiliária S.A., cessando assim a causa contra os mesmos.
5. Em requerimento de 15.03.2019, vieram os réus requerer o seguinte: a) Que se ordene a entrega imediata aos Réus do montante depositado pela Autora, na proporção das participações de que eram titulares (48.479 ações), no total de 366.501,24 €, ordenando a transferência de 44.793,00 € para a Ré EE para a conta bancária com o IBAN IBAN0001; de 44.793,00 € para o Réu AA para a conta bancária com o IBAN IBAN0001; de 67.493,00 € para a Ré EE para a conta bancária com IBAN IBAN0002; de 67.493,00 € para o Réu CC para a conta bancária com o IBAN ...; 67.493,00 € para o Réu DD para a conta bancária com o IBAN ...; e de 74.496,24 € para a Ré JJ, para a conta bancária com o IBAN IBAN0003; b) Que declare afinal que, para além do montante de 366.501,24 €, os Réus têm direito a receber um montante de 243.849,37 €, a título de contrapartida pela aquisição potestativo pela Autora das 48.479 ações representativas do capital social da Longavia, condenando a Autora no seu pagamento aos Réus, nas seguintes proporções: 29.802,75 € para a Ré EE para a conta bancária com o IBAN IBAN0001; de 29.802,75 € para o Réu AA para a conta bancária com o IBAN IBAN0001; de 44.892,75 € para a Ré EE para a conta bancária com o IBAN ...; de 44.892,75 € para o Réu CC para a conta bancária com IBAN ...; 44.892,75 € para o Réu DD para a conta bancária com o IBAN ...; e de 49.565,62 € para a Ré JJ, para a conta bancária com o IBAN IBAN0003; c) Cumulativamente, que condene, a final, a Autora no pagamento de juros vencidos e vincendos, calculados à taxa de 4%, sobre o montante de 243.849,37 €, os quais ascendem, a esta data, a 31.506,67 € (1179 dias a 4,00%); d) Subsidiariamente, se for indeferido o pedido de entrega imediata do valor depositado, que condene, a final, a Autora no pagamento de juros vencidos e vincendos, calculados à taxa de 4%, sobre o montante de 610.350,61 €, os quais ascendem, a esta data, a 78.860,64€ (1179 dias a 4,00%). 6. A autora opôs-se ao pretendido, alegando que os réus não têm direito aos juros peticionados, uma vez que o seu alegado crédito não é líquido, estando dependente de perícia a realizar, sendo certo que os próprios réus indicam valores de avaliação diferentes para o valor unitário das ações; que não está ainda clarificado qual o número de ações que cada réu detém e que, dado que estes impugnaram o valor consignado, só poderão ser ressarcidos do valor das ações no final do processo.
7. O Tribunal proferiu despacho no qual decidiu (no que agora interessa) «Conforme resulta dos autos, nomeadamente do despacho saneador (temas da prova), a questão da titularidade dos requeridos das acções da sociedade LONGAVIA - Imobiliária, S.A., é matéria controvertida, que carecerá de produção de prova por parte dos réus, nomeadamente o número de acções que cada um é titular. Pelo exposto e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, indefere-se o requerido pelos réus nesta parte».
8. Inconformados com aquele despacho, os requeridos interpuseram recurso de apelação, vindo o TRL a proferir a seguinte decisão: «Perante o exposto, na procedência parcial da apelação intentada, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em revogar parcialmente o despacho proferido em 21/06/2019, que substituem por outro que defere aos réus recorrentes o seu pedido de proceder ao levantamento imediato da quantia de €366.501,24, valor oferecido pela recorrida pelas 48.479 acções de que os recorrentes, no seu todo, eram titulares. No mais, mantem-se o despacho proferido.»
9. Inconformada com essa decisão, a autora/requerente interpôs recurso de revista: «do segmento decisório que revogou a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância de indeferir o pedido de levantamento imediato da quantia consignada em depósito (segmento constante do ponto (iii) do Acórdão Recorrido, páginas 24 a 32).» Nas suas alegações formulou as seguintes conclusões: «1. A Recorrente não concorda com o segmento decisório do acórdão do Tribunal a quo de revogar a decisão do Tribunal de 1ª Instância que indeferiu o levantamento imediato pelos Recorridos dos montantes consignados em depósito, antes de o Tribunal de 1ª Instância proferir uma decisão quanto à valorização das participações sociais dos Recorridos na Longavia. 2. Desde logo, não foi feita prova nos autos do número de ações da Longavia que cada um dos Recorridos detém, sendo, por isso, controvertida a titularidade das ações da Longavia por cada um deles. 3. Em sede de contestação/reconvenção, cada um dos Recorridos alegou ser proprietário - individualmente ou em compropriedade ou propriedade conjunta com outros Recorridos - do seguinte número de ações (alegação esta impugnada pela Recorrente): (i) os Recorridos EE e AA seriam, em conjunto, titulares de 11.850 ações da Longavia; (ii) os Recorridos CC, DD e EE seriam comproprietários de 26.775 ações da Longavia e (iii) JJ seria titular de 9.854 ações. 4. Ou seja, os Recorridos não alegaram serem proprietários conjuntamente de 48.479 ações, representativas de 3,03% do capital social da Longavia, mas arrogam-se antes titulares individuais e distintos das ações em causa. 5. A Recorrente desconhece, sem obrigação de conhecer, quantas ações pertencem, concretamente, a cada uma das pessoas indicadas. 6. Um dos temas da prova enunciados pelo Tribunal de 1ª Instância no despacho saneador é precisamente a questão da titularidade das ações da Longavia (tema da prova 1, cf. Despacho Saneador), o que foi plenamente aceite pelas Partes. 7. É ao Tribunal de 1ª Instância que compete, em primeira linha, dar como provado, ou não, o número de ações da Longavia que cada um dos Recorridos afirma ser titular e, sendo assim, é incompreensível que os Recorridos recebam os valores depositados nesta fase processual em que se aguarda ainda a realização de perícias e da audiência de julgamento, e antes de o Tribunal de 1ª Instância dar como demonstrado o número de ações da Longavia que cada um dos Recorridos, concretamente, detém. 8. O Tribunal da Relação de Lisboa exorbitou os seus poderes e substituiu-se - sem que o pudesse fazer - ao Tribunal de 1ª Instância no julgamento da matéria de facto e antes de proferida a sentença onde essa matéria de facto deveria ser apreciada e decidida. 9. O que está em causa e o que releva nos presentes autos, não é a detenção conjunta de ações da Longavia pelos Recorridos. 10. Os Recorridos, em conjunto, não são uma única parte processual, nem tão-pouco atuam em litisconsórcio, mas sim 6 (seis) partes processuais distintas, que alegam ser, cada um deles, titulares de um determinado número de ações representativas do capital social da Longavia. 11. Este facto é suficiente para que a identificação da percentagem que conjuntamente detêm das ações da Longavia seja irrelevante - o que importa esclarecer é, pois, qual o número de ações da Longavia que cada um dos Recorridos, concretamente, detém (matéria que, por ser controvertida, terá de ser objeto de produção de prova). 12. Se os Recorridos, neste processo, invocaram ser, cada um, titular de um determinado número de ações, adquirias por via de negócios jurídicos diversos, não é aceitável que, no mesmo processo, se aceite a produção de determinados efeitos (no caso, o levantamento antecipado dos montantes antecipados) com base numa ficção de que os Recorridos são conjuntamente titulares do total de ações a que individualmente se arrogam. 13. Atendendo ao pedido reconvencional dos Recorridos, do que aqui se trata não é de saber qual o valor do depósito adicional a ser efetuado pela Recorrente em caso de sucesso da demanda dos Réus (no que não se concede). Diferentemente, do que ora se trata é de saber se os Recorridos têm direito, e em que medida, a levantar antecipadamente os montantes que se encontram já depositados pela Recorrente. 14. Se, por absurdo, o pedido fosse interpretado como dizendo respeito conjuntamente ao grupo dos Recorridos então não poderiam restar quaisquer dúvidas quanto à sua improcedência, uma vez que em momento algum se alega na Reconvenção apresentada nos autos que o crédito dos Recorridos é um crédito solidário e/ou que as ações fossem por eles detidas em compropriedade. 15. Além das apontadas insuficiências da matéria de facto, o Acórdão Recorrido sempre deveria ser revogado, uma vez que nem o regime da aquisição tendente ao domínio total de sociedade previsto no artigo 490.° no CSC nem o regime da consignação em depósito admitem o levantamento dos montantes consignados em depósito antes da prolação de uma decisão quanto à valorização das participações sociais na Longavia e, consequentemente, quanto ao efetivo valor da contrapartida a pagar aos Recorridos (e aos restantes Réus na presente ação). 16. É manifesto que o legislador societário optou por não estabelecer um regime em que o sócio livre pudesse receber o valor da contrapartida que lhe é oferecida pelo sócio dominante e, concomitantemente, impugnar esse valor com fundamento na sua insuficiência. 17. A remissão para o regime da consignação em depósito operada pelo artigo 490° da CSC tem, neste contexto, um significado claro: o sócio minoritário, caso não aceite o valor da contrapartida oferecida, terá de impugnar o depósito e deduzir a sua pretensão através de pedido reconvencional. Neste âmbito, o sócio minoritário terá o ónus de provar que o justo valor da sua participação social é outro que não o considerado pelo sócio dominante na sua oferta. 18. O sócio minoritário tem, assim, de ponderar entre duas opções: (i) aceitar a oferta do sócio dominante - suportada em parecer de revisor oficial de contas independente - e receber a contrapartida oferecida; ou (ii) não aceitar a oferta do sócio dominante e, nesse caso, impugnar judicialmente o depósito e demonstrar que o justo valor da sua participação social é superior ao oferecido pelo sócio dominante. 19. Se assim não fosse, não existiria qualquer incentivo para que os sócios livres aceitassem as propostas de aquisição efetuadas ao abrigo do artigo 490° do CSC: bem pelo contrário, o legislador estaria a convidar todos os acionistas minoritários a proporem uma ação judicial em que - já recibo o valor da contrapartida apresentada pelo acionista oferente - reclamassem um valor superior. Os sócios livres nada teriam a perder e encontrar-se-iam a cómoda posição de receber a contrapartida relativa a uma oferta que não aceitaram e, paralelamente, impugnar o valor dessa contrapartida que receberam. 20. Um dos objetivos visados pelo artigo 490° do CSC é o de facilitar o domínio total de sociedades comerciais, e não o de obstaculizar nem dificultar este tipo de operações, pelo que um sistema em que se admitisse que os sócios minoritários poderiam receber de imediato o valor da contrapartida oferecida pelo sócio dominante e, simultaneamente, impugnariam o seu valor - resultaria num evidente desincentivo à realização das operações de concentração previstas no artigo 490° do CSC. 21. Tal interpretação resultaria num claro incentivo à litigância, uma vez que inexistiria, nesse cenário, qualquer razão para que os sócios minoritários sequer ponderassem a aceitação do valor da contrapartida apresentada pelo sócio dominante. 22. De igual forma, o sócio dominante também não teria incentivos - num sistema com as aludidas características - a efetuar uma oferta de aquisição das participações minoritárias, sabendo que além de passar a ser responsabilizado pelas dívidas da sociedade participada iria necessariamente litigar com os sócios livres. 23. Por outro lado, como bem denota o Tribunal a quo (p. 27 do Acórdão Recorrido), o montante consignado em depósito pela Recorrente é efetivamente uma “garantia do cumprimento da sua obrigação”. Mas o facto de o montante consignado ser uma garantia do cumprimento da obrigação da Recorrente não quer dizer que tais montantes devam ser entregues aos Recorridos até que o litígio esteja decidido. É que se não fosse assim, os montantes consignados em depósito não serviriam para garantir o cumprimento da obrigação, mas constituiria antes um efetivo cumprimento da obrigação, o que não se aceita. 24. Por fim, e de igual forma, o regime da consignação em depósito (meio de extinção de uma obrigação, pelo qual o devedor se livra da obrigação mediante o depósito da coisa devida) também não admite o levantamento antecipado pelos Recorridos dos montantes consignados em depósito 25. No presente caso, a consignação não se encontra aceite pelo credor (os Recorridos declaram expressamente que a contrapartida devida é maior do que a oferecida pela Recorrente), nem o Tribunal declarou válida a consignação. 26. Ao terem contestado a ação de consignação em depósito com fundamento no artigo 919°, al. b), do CPC, os Recorridos, literalmente, impugnaram o depósito por entenderem ser maior a coisa devida. 27. A impugnação da contrapartida oferecida - em razão do seu valor -, se é legítima à luz do regime da aquisição potestativa, determina a necessidade de, em sede de processo judicial, se aferir do montante, a final, a oferecer aos sócios minoritários. Ou seja, o Tribunal de 1ª Instância terá de fixar o valor da contrapartida em dinheiro e, caso o Tribunal conclua que esse valor é superior ao oferecido em sede de aquisição potestativa (o que se acredita não ser o caso), determinar que a Recorrente complete o depósito já constituído em conformidade com essa decisão. 28. O regime legal da consignação em depósito impõe que o Tribunal, em primeiro lugar, decida do pedido de consignação em depósito requerido pelo devedor, e só depois - e em função dessa primeira decisão - decida do destino da coisa ou quantia depositada. 29. A possibilidade de o credor que impugnou o depósito levantar de imediato a contrapartida depositada, antes de decidida a impugnação, não foi contemplada, intencionalmente, pelo legislador. 30. Aliás, a situação em que o depositante é devedor e existe litígio quanto ao montante do depósito - caso acontece in casu - encontra-se expressamente tratada no próprio artigo 921º, cuja letra do seu nº 2 não deixa margem para dúvidas quanto à solução preconizada: o facto de a lei expressamente referir que, no final do processo, e em caso de procedência do pedido do sócio livre, o depósito deve ser completado pressupõe que no final do processo ainda exista um depósito por completar. 31. É evidente que a letra e o espírito da lei - ao contrário do que decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa - não permitem o levantamento dos montantes consignados na fase processual em que se encontram os autos. 32.Tudo quanto sustentado não sai minimamente prejudicado pelo postulado no artigo 924° do CPC - que rege a consignação como incidente e tem um âmbito de aplicação precisamente delimitado - e que, ao contrário do que se afirma no Acórdão Recorrido, trata-se de uma disposição que não se aplica no contexto da aquisição tendente ao domínio total de sociedade, tal como prevista no artigo 490° do CSC, nomeadamente quando a aquisição é forçada pelo sócio minoritário ao abrigo do n. 6 desta disposição. 33. A norma em causa não se aplica a qualquer consignação que seja iniciada como incidente de uma ação já pendente; ao invés, aplica-se à consignação em depósito, apenas e só, quando esta seja deduzida como incidente de uma ação ou execução sobre uma dívida. 34. A ação intentada pelo sócio minoritário ao abrigo do disposto no artigo 490°, nº 6, do CSC - que assume a forma de processo de liquidação de participações sociais regido pelos artigos 1068° e 1069° do CPC - insere-se no âmbito da jurisdição voluntária e tem como objeto a fixação do valor de uma participação social. Não se trata, por conseguinte, de uma ação ou execução sobre dívida. 35. Se o regime do artigo 924° do CPC fosse aplicável ao referido processo de liquidação de participação social - e manifestamente não o é -, tal estaria expressamente previsto no artigo 924°, nº 2, do CPC, onde expressamente se estende a aplicação do regime em causa aos casos previstos no artigo 30°, nº 2, do CSC e à cessação da impugnação pauliana fundada na oferta de pagamento de dívida. 36. Por outro lado, o artigo 924°, nº 1, al. b), do CPC não contempla qualquer hipótese de levantamento antecipado do montante depositado pelo credor. 37. A hipótese contemplada pela disposição em causa é anterior ao depósito. E nestas situações, a lei permite que o pagamento seja efetuado diretamente ao credor, sem necessidade de qualquer depósito. Contudo, essa não é a situação dos presentes autos, uma vez que o depósito já se encontra há muito efetuado. 38. A consignação em depósito como incidente prevista no artigo 924°, nº 1, do CPC (que, recorde-se, se aplica às ações ou execuções sobre dívidas) e a consignação em depósito prevista no âmbito da aquisição potestativa regulada pelo artigo 490° do CSC têm campos de aplicação profundamente diferentes e não conciliáveis. 39. Face ao exposto, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa quanto à admissibilidade do levantamento antecipado dos montantes depositados não tem acolhimento nem no regime legal da aquisição tendente ao domínio total de sociedade nem tão-pouco pelo regime da consignação em depósito. 40. Tudo visto, enquanto o Tribunal de 1ª Instância não decidir a titularidade pelos Recorridos de ações da Longavia e não decidir o pedido reconvencional deduzido pelos Recorridos, não há razões para permitir que estes procedam ao levantamento antecipado do montante depositado. Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deverá o presente recurso do segmento decisório do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que permite aos Recorridos o levantamento imediato das quantias consignadas em depósito ser julgado totalmente procedente e ser aquele segmento decisório substituído por outro que indefira o pedido de entrega imediata dos montantes depositados aos Recorridos.»
10. Os recorridos apresentaram contra-alegações, que terminaram com as seguintes conclusões: « A. Com o presente recurso de revista a Recorrente não só procura levantar a dúvida quanto a factos que perfeitamente conhece (e que se encontram documentalmente provados no processo), como invoca argumentos cuja falta de fundamento não pode deixar de conhecer. Esta circunstância, acrescida do facto de a Recorrente nenhuma vantagem jurídica ou económica retirar da posição que sustenta (visando apenas pressionar economicamente os Recorridos e, assim, coarctar o seu legítimo exercício de direito de acesso ao direito e aos tribunais) revela-se contrária a essenciais princípios constitucionais, bem como gravemente ofensiva de valores jurídicos fundamentais e dos associados direitos de que os Recorridos são titulares, criando uma situação de injustiça gritante, insusceptível de ser admitida. B. O instituto da aquisição potestativa (artigo 490.°, n.° 3 do CSC) visa conferir aos sócios maioritários (com pelo menos 90% do capital social) a vantagem (absolutamente excepcional na ordem jurídica) de desapropriarem os sócios minoritários das acções que estes legitimamente titulam, impendendo sobre aqueles, em contrapartida dessa aquisição potestativa o dever de pagar o preço de tais acções. Este sinalagma cria para os sócios minoritários o direito de receber o valor do património de que se viram privados, sendo que após a realização de uma oferta de determinado preço pela adquirente (valor que, uma vez consignado em depósito, esta jamais reaverá) a definição do justo valor pode, nos termos da lei, ser discutido em Tribunal, no sentido de se apurar se ao valor oferecido deve acrescer algum montante. C. É esse apuramento que se verifica na presente acção, sendo que, apesar de a Recorrente já ter adquirido as acções há quase cinco anos (delas livremente dispondo e fruindo), os Recorridos, apesar de privados das acções também há esse tempo, ainda nada receberam em contrapartida (nem mesmo o valor oferecido pela Recorrente, que se encontra consignado em depósito e que esta jamais recuperará porque, qualquer que seja a sorte da acção é de modo inequívoco da titularidade dos Recorridos).
D. Esta flagrante e injusta falta de sinalagmaticidade carece de qualquer justificação, a ninguém beneficia, e coloca os Recorridos numa inequívoca posição de inferioridade económica e processual por um período indeterminado (no mínimo de entre seis a oito anos, considerando a possibilidade de eventuais recursos) assim produzindo o efeito que a Recorrente pretende - vencê-los pelo cansaço e pelo desgaste financeiro. Efeito com o que o Tribunal e o sistema de justiça não podem compactuar. E. Ou seja, não podem os Recorridos ficar, durante período sem fim determinado à vista, sem acções e sem dinheiro (mesmo sem aquele que ninguém contesta ser-lhes devido, que se encontra consignado em depósito), enquanto a Recorrente há quase cinco anos beneficia, integral e livremente, do património (acções) de que forçadamente os desapropriou, sob pena de ofensa dos princípios basilares do Estado de Direito e de conduta ilícita por abuso de direito. F. A Recorrente, contrariamente ao que afirmou nas suas alegações de Recurso, tem pleno e perfeito conhecimento de que os Recorridos eram sócios e, assim, titulares de acções da Longavia, razão pela qual, aliás, propôs a presente acção contra os mesmos. G. A Recorrente encontra-se também perfeitamente ciente do número correspondente à soma das acções de que cada um dos Recorridos era titular, tendo confessado isso mesmo, seja no artigo 115.° da sua réplica (“as ações adquiridas pela Autora aos Réus no âmbito da aquisição tendente ao domínio total representam apenas 3,03% do capital social da Longavia”), seja no artigo 100.° das contra-alegações de recurso de apelação (“No artigo 115.° da réplica que deduziu no presente processo, a Recorrida alegou que “em primeiro lugar, as ações adquiridas pela Autora aos Réus no âmbito da aquisição tendente ao domínio total representam apenas 3,03% do capital social da Longavia”), seja ainda no artigo 12.° das alegações por si oferecidas no presente recurso de revista (“(…) esta óbvia constatação não sai minimamente prejudicada pelo facto de a Recorrente ter alegado nos autos que as acções dos Réus representam, em conjunto, 3,03% do capital social da Longavia”). H. Como o Tribunal a quo explicita, a Recorrente tem, pois, consciência e confessa que os Recorridos eram titulares de 3,03% de acções representativas do capital social da Longavia, o que corresponde precisamente a 48.479 acções da Longavia (o exacto número de que os Recorridos entendem ser titulares), pelo que não pode haver qualquer dúvida em relação a este ponto: tendo em conta que o preço oferecido pela Recorrente por cada acção da Longavia foi de € 7,56, os Recorridos terão sempre direito a receber, no mínimo, 366.501,24€. I. Por outro lado, com a sua contestação os Recorridos ofereceram como prova (sob Doc. n.° 2) declarações das entidades bancárias Novo Banco e BPI, em que estes declaram que a 17.11.2015 os Recorridos eram titulares de acções da Longavia, explicitando igualmente o número de acções de que cada Recorrido era titular, tendo junto ainda, aos autos, em 06.01.2020, novas declarações do Novo Banco e do BPI, nas quais os bancos emitentes afirmam, entre o mais, que as acções detidas pelos Recorridos foram entregues à Recorrente, mais especificando o número de acções de que cada um dos Recorridos era titular e que foram transferidas para a Recorrente. J. Em qualquer circunstância, a definição de quantas acções pertenciam a cada um dos Recorridos é matéria que apenas a estes diz respeito, e que se encontra no poder de exclusiva disposição dos mesmos. K. Como bem sublinha o Tribunal a quo, os Recorridos ofereceram contestação e deduziram reconvenção em conjunto, formulando, igualmente em conjunto, o correspondente pedido reconvencional. Intervieram, assim, em regime de legitimidade plural (independentemente de estar em causa litisconsórcio ou coligação) e nesse contexto, não obstante terem identificado o número de acções de que cada um era titular, formularam um pedido relativo ao valor total a que entendem ter direito, tendo pedido ao Tribunal que “reconheça que o crédito dos Réus EE e AA dos Réus Irmãos KK e de JJ é de €610.350,01, e condene ainda a Autora/Reconvinda no pagamento de um depósito adicional de €243.849,37”. L. Para além disso (e como igualmente bem explicita o Tribunal a quo), ao longo da sua contestação com reconvenção, os Recorridos fizeram referência ao número de acções de que aqueles eram, no seu todo, titulares, tendo referido, entre outros, no artigo 238.° que: “(…) os Réus EE e AA, os Irmãos KK e JJ, detêm, em conjunto, 48.479 acções”. M. Contrariamente ao que a Recorrente alega, quando alude à ideia de ficção, a formulação, em juízo, de um pedido em conjunto por vários sujeitos contra outro, não significa, evidentemente, que estes credores sejam titulares, em regime de conjunção ou de solidariedade, de um direito contra o devedor: pode, como acontece no presente caso, estar em causa um pedido conjunto por vários credores, titulares de créditos entre si autónomos (embora com o mesmo teor) contra o mesmo devedor, tratando-se, assim, de diferentes credores que, no âmbito do seu livre poder de disposição, e enquanto Reconvintes (assim com liberdade para conformar a sua causa de pedir e pedido reconvencionais) se juntam para formular um único pedido correspondente à soma da totalidade dos seus direitos. N. Encontrando-se provada (quer por documentos, quer por confissão) - sem margem para “quaisquer dúvidas”, como bem salienta o TRL - o número de acções de que os Recorridos eram titulares no seu todo, estes entendem que esta matéria não se encontra no âmbito do tema da prova formulado em despacho saneador quanto à titularidade das acções; antes se justifica por diferentes razões, como a Recorrente bem sabe: por um lado, porque existem no presente processo Réus incertos e, por outro lado, como o Tribunal a quo salienta, porque se verificam discordâncias entre os restantes Réus certos (que não os Recorridos) quanto à titularidade das acções e à quantidade de acções de que cada um deles é titular. O. Como bem explicita o Tribunal a quo, o referido tema da prova, formulado em despacho saneador, não obsta ao deferimento do levantamento imediato, em benefício dos Recorridos, da parte da quantia consignada aqui em causa (366.501,24€). P. O facto de os ora Recorridos terem sido, no total, titulares de 48.479 acções e de, assim, terem o direito a receber, do valor consignado em depósito, a quantia de €366.501,24, é, nesta medida, um facto absolutamente assente e pacífico, não integrado nos temas de prova, pelo que mal andou o Tribunal de 1ª instância quando indeferiu o pedido de levantamento invocando ser tal matéria controvertida. Q. Ainda que se considerasse que a questão da titularidade da totalidade das acções em causa pelo conjunto dos Recorridos integrava os temas de prova, continuaria a merecer reparo a decisão proferida em 1.° instância: uma vez confrontado com o pedido de levantamento imediato da quantia em apreço, o Tribunal de lª instância tinha o dever, tendo em conta os meios de prova que já constavam do processo, de proferir de imediato decisão quanto a tal aspecto, ao abrigo dos princípios da gestão processual e da adequação formal, julgando de imediato provado que os Recorridos eram titulares de 48.479 acções, assim reunindo os pressupostos para julgar procedente o levantamento imediato, pelos Réus (ora Recorridos) do valor consignado em depósito correspondente - €366.501,24.
R. Ante a solicitação de levantamento imediato (pedido formulável em qualquer momento do processo, desde que anterior à decisão final, quer porque a lei não fixa qualquer prazo preclusivo, quer porque, sendo tal valor contrapartida sinalagmática pelo valor das acções transmitidas, deve o mesmo poder ser levantado desde o momento em que tal aquisição se verifica) pelos Recorridos, da referida quantia, era imperioso, neste caso, o exercício, pelo juiz, do poder-dever que o legislador atribuiu ao decisor no artigo 6.°, n. 1, do CPC. S. Revela-se violadora da CRP (designadamente no que diz respeito aos seus artigos 2.°, 13.°, 18.°, 20.° e 62.°) uma interpretação do artigo 6.°, n.1, e do artigo 547.° do CPC segundo a qual, encontrando-se consignado em depósito o valor de oferta proposto pelos sócios maioritários, e requerendo os sócios minoritários (encontrando-se nos autos prova documental e por confissão em relação ao número de acções de que estes eram titulares) o levantamento imediato daquele valor, não tem o Tribunal o dever de, mesmo a título oficioso, desenvolver as diligências necessárias de adequação da tramitação processual em ordem a assegurar a justa resolução do litígio, de imediato se pronunciando em ordem a esclarecer, com base nos documentos, a controvérsia relativa ao número de acções de que tais sócios eram titulares, simultaneamente ordenando a entrega do valor peticionado, antes devendo o Tribunal indeferir o requerimento de entrega de tal montante. T. Por outro lado, o não exercício desse poder-dever implica também violação do direito a decisão num prazo razoável: não é compatível com critérios elementares de justiça que, como pretende a Recorrente, os Recorridos fiquem privados da entrega do valor consignado em depósito entrega por período ou prazo indefinido, sem receberem qualquer contrapartida, enquanto a contraparte livremente dispõe e frui das participações de que aqueles foram desapropriados. U. O Tribunal de lª instância não julgou provada uma matéria que o está, assim proferindo decisão errada sobre a matéria de facto. Razão por que foi solicitado, no âmbito do recurso de apelação interposto pelos réus (ora Recorridos), ao Tribunal a quo que corrigisse essa decisão, fazendo uso da competência que lhe é expressamente atribuída pelo artigo 662.°, n.° 1 do CPC; correcção que se verificou e que se revela insusceptível de censura. V. Assim, apenas se conserva controvertido o que efectivamente se encontra por esclarecer - determinar se os Recorridos têm a receber o valor acrescido de €243.849,37, em cujo pagamento requereram, em reconvenção, a condenação da Recorrente, por entenderem ser esse o valor devido a pagar pela compradora, para justa remuneração do património de que, forçadamente, se viram destituídos. W. A Recorrente argui ainda, de forma puramente formal e improcedente, que quer o regime jurídico do artigo 490.° do CSC, quer o regime da consignação em depósito, não permitiriam o levantamento imediato do montante depositado. Impõe-se, entre o mais, que nos termos gerais da interpretação normativa (artigo 9.° do CC), a leitura das normas seja feita também à luz do seu espírito, de acordo com critérios de interpretação teleológica, sendo que de acordo com esse elemento resulta de uma forma muito clara do artigo 490.° do CSC a preocupação do legislador em, dentro da especialidade anómala do regime em causa (permissor da imposição de venda de acções), assegurar um mínimo de equilíbrio e equidade entre as partes. X. Tal preocupação manifesta-se, designadamente, na previsão legal da possibilidade de os sócios minoritários discutirem o real valor das acções em tribunal, no sentido de aí poderem exercer o direito de demonstrar e provar que esse valor é superior ao valor oferecido pelos sócios maioritários. Y. É também a preocupação do legislador em balancear de forma equilibrada o poder que é conferido ao sócio maioritário, com a posição do sócio minoritário, que permite concluir que, caso este legislador (substantivo, que não processual) houvesse de se pronunciar sobre o aspecto processual dos termos da consignação em depósito e se deparasse com o problema de determinar a possibilidade de levantamento do valor consignado em depósito não deixaria de legislar em sentido positivo a esse levantamento. Z. De notar, a este propósito, que o facto de a consignação de depósito representar uma garantia de cumprimento não obsta à entrega imediata do valor consignado em depósito. Assegura apenas que, depois da aquisição, o forçado vendedor não se verá confrontado com a situação de não existir património para pagamento do valor oferecido, ficando ad eternum sem acções e sem dinheiro. AA. Aliás, essa solução não só decorre do equilíbrio de posições pretendido pelo artigo 490.° do CSC, como é também a resposta que decorre do regime da consignação em depósito constante do Código de Processo Civil: na verdade, resulta do previsto no artigo 924.° do CPC que o credor tem o direito a receber de imediato o valor oferecido pelo devedor, com a simultânea declaração de que se julga com direito a maior quantidade, continuando a acção apenas quanto ao valor em litígio. BB. É um detalhe de ordem meramente formal saber se o recebimento acontece antes ou depois da consignação em depósito. O relevante é o espírito ou razão de ser que subjaz a essa solução: o legislador entendeu, judiciosamente, que o facto de se pugnar por valor superior ao oferecido não obsta ao direito a, de imediato, receber o montante oferecido (e, assim, irreversivelmente devido). CC. E se é certo que essa norma respeita a hipóteses em que a consignação surge como incidente da acção judicial, certo é também que na norma que respeita à hipótese em que a consignação não é incidente (artigo 921.° do CPC) não se proíbe esse recebimento imediato. Não havendo qualquer razão que justifique que o referido recebimento imediato seja possível quando a consignação é incidente da acção, mas já não quando a anteceda, também nesta segunda situação - que é a presente no caso sub iudice - se deve considerar admissível o recebimento imediato da quantia oferecida. DD. Não se revela aplicável ao caso em presença a referência que a Recorrente faz ao artigo 920.° do CPC (este reporta-se às alíneas a) e c) do artigo 919.°, quando, em causa, está a alínea b)), nem ao artigo 921.° do CPC (este reporta-se aos casos em que o depositante não é o devedor, o que não sucede na hipótese em análise). EE. Também formal e carente de fundamento é a arguição da Recorrente no sentido de que o levantamento imediato do depósito seria impedido pelo facto do artigo 921.°, n.° 2 do CPC estabelecer que caso o Tribunal declare que o adquirente deve pagar valor superior ao oferecido, será “completado o depósito”. Desta expressão resulta apenas que o sócio maioritário adquirente terá de depositar o valor que falta pagar, não resultando da mesma, salvo mediante exploração ilegítima do texto da lei, qualquer impedimento ou obstáculo à possibilidade de levantamento imediato do valor consignado em depósito. FF. Não pode colher a perspectiva (da exclusiva lavra da Recorrente) segundo a qual a política do legislador para com os sócios minoritários forçadamente desapropriados das suas acções, se reconduziria à seguinte alternativa: ou se contentavam com o valor unilateralmente oferecido pelos sócios maioritários (não propondo a acção judicial para determinação do justo valor), hipótese em que receberiam de imediato esse valor; ou, não concordando com o montante oferecido e querendo demonstrar, em juízo, que o valor das acções é superior, ver-se-iam constrangidos a receber mesmo aquele montante que lhes foi oferecido (e que é indiscutivelmente seu) apenas no fim da acção. GG. Tanto representaria um estímulo ao não requerimento (pelos sócios minoritários) da definição, pelo Tribunal, do valor justo das acções, quando, ao invés, o sistema jurídico é, em tudo, avesso, à existência de obstáculos que impeçam, dificultem ou onerem o recurso ao direito e aos tribunais como sede própria para os cidadãos fazerem valer os direitos de que entendem ser titulares. O sistema jurídico não se compadece, assim, sequer com a ideia, que a Recorrente defende, de ser o próprio Estado a criar um incentivo para contrariar esse acesso, punindo o sócio minoritário quando este optasse por exercer o seu direito de acesso à justiça), HH. A referida posição da Recorrente significaria também o estabelecimento de uma presunção no sentido de favorecimento da posição do sócio maioritário: partir-se-ia (nessa perspectiva) do princípio de que a posição deste seria a correcta, donde o recurso a tribunal pelo sócio minoritário implicaria que este sofresse uma sanção, vendo-se privado, até ao fim da acção, de receber a parte do valor que é indiscutivelmente sua, o que se revela insustentável a todos os títulos, máxime quando estão, como no caso, em causa sujeitos com posições jurídicas privadas perfeitamente paritárias, nada justificando que uma das partes seja beneficiada com presunção. II. O preço oferecido é o mínimo sinalagmático a que os sócios minoritários têm direito pela perda forçado do seu património, não podendo ser tratado e usado como um bónus ou algo a que os mesmos tenham direito a título de especial concessão. JJ. Acresce que a ideia de que aos sócios minoritários apenas assiste a (acima referida) alternativa indicada pela Recorrente significaria a adopção, pelo legislador, de uma solução profundamente violadora do princípio da igualdade, na medida em que se admitiria que uma das partes adquirisse as acções e delas dispusesse e fruísse livremente, enquanto a outra parte se veria na circunstância de ficar, durante período indefinido, quer sem as acções, quer sem o valor correspondente às mesmas. Nem a tanto obsta, ao contrário do que a Recorrente argui, o facto de, em certas circunstâncias, os sócios minoritários poderem exigir a aquisição das acções de que sejam titulares, dado que não é essa a hipótese em presença, antes sendo esse um contexto absolutamente distinto e não verificado no caso concreto; nessa medida, uma supra realidade que apenas visa estabelecer a confusão. KK. Também não colhe, por várias razões, a argumentação expendida pela Recorrente em relação à determinação do valor por parte de um ROC: por um lado, porque os métodos adoptáveis para este tipo de avaliação não são uniformes, podendo um ROC adoptar um determinado critério e um outro ROC critério distinto, conduzindo à natural diferença de resultados. Por outro lado, porque o facto de o ROC em causa ter sido escolhido pela adquirente das acções (parte interessada em que o valor seja o mais baixo possível) compromete seriamente a objectividade e a justeza da avaliação, visto que nada impede a adquirente de, entre o mais, escolher um ROC cujos métodos de avaliação sejam por si conhecidos e correspondam aos que mais lhe convêm, o que inevitavelmente terá um reflexo directo no preço oferecido pelas acções dos sócios minoritários. LL. De tudo o exposto se retira que a interpretação teleológica do artigo 490.° do Código das Sociedades Comerciais, em conjugação com a interpretação sistemática e teleológica do regime da consignação em depósito previsto no CPC tornam, assim, claro que, na hipótese em presença, os Recorridos têm o direito ao recebimento imediato da quantia consignada em depósito correspondente ao valor oferecido pelas acções de que foram desapropriados (€366.501,24). MM. Ainda que, por mera hipótese, se considerasse existir lacuna legislativa no âmbito dos artigos 490.° do CSC e 916.° e seguintes do CPC, tal solução (levantamento imediato do valor proposto pelo número de acções de que os Recorridos eram titulares e consignado em depósito pela Recorrente) retirar-se-ia, por analogia legis (artigo 10.°, n.° 1 do CC) da solução prevista pelo sistema jurídico quanto a situações equivalentes, ou seja, quanto a casos em que, como no presente, se torna necessário ajustar a diferença entre as posições das partes de modo a satisfazer as pretensões de justiça. Disso são exemplos os artigos 52.°, n.° 3 e 71.°, n.° 3 do Código das Expropriações, onde se consagra que o expropriado pode proceder ao levantamento do montante depositado, mesmo quando impugne a justeza desse valor, prosseguindo a causa quanto ao valor remanescente (diferença entre o valor peticionado e o valor que o expropriante confere ao bem). NN. A solução adoptada pelo Código das Expropriações impõe-se, até, com maior veemência, no presente caso, dado que, se no âmbito da expropriação a desapropriação se verifica por razões de superior interesse público, no presente caso é determinada por razões de natureza eminentemente privados (os interesses dos sócios maioritários). A razão de ser da solução legal é, em todo o caso, a de assegurar a tutela da parte que se encontra em posição de maior fragilidade: além os expropriados, aqui os sócios minoritários desapropriados. OO. A norma que se extrai do artigo 490.° do CSC, nos seus nºs 1, 2, 3, 4 e 6, quando interpretada no sentido de que o exercício por um sócio minoritário do direito previsto no artigo 490.°, n° 6 do CSC (requerimento ao Tribunal de que fixe o justo valor das acções de que foi desapropriado) o impede de receber de imediato o valor consignado em depósito, até que o tribunal determine definitivamente o valor da contrapartida (que, sublinhe-se, sempre será, pelo menos, igual ao valor depositado), é inconstitucional por violação do princípio da propriedade privada (artigo 62° da CRP), bem como do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso (artigos 2,° e 18.° da CRP), do princípio da igualdade (artigo 13.° da CRP) e do princípio de acesso aos tribunais (consagrado no artigo 20.° da CRP). PP. Não assiste, em suma, razão à Recorrente quando alega que o regime do artigo 490.° do CSC, bem como o regime da consignação em depósito regulado no CPC não permitem o levantamento imediato do valor por si oferecido quanto às acções de que os Recorridos são titulares e oportunamente consignado em depósito pela mesma Recorrente, pois que a admissibilidade de levantamento imediato dessa quantia não só se retira de tais normas, como de soluções análogas (via analogia legis) e do sistema jurídico no seu conjunto (via analogia iuris). QQ. Razões por que, e em síntese, a decisão recorrida se revela irrepreensível, quer sob o ponto de vista do tratamento jurídico a que procede do caso, quer sob o ponto de vista da sua adequada integração sistémica e do justo equilíbrio de interesses que garante, devendo, por isso, manter-se, improcedendo a pretensão da Recorrente. Nestes termos, e nos mais em Direito permitidos, deve o presente recurso de revista ser considerado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.»
II. ANÁLISE DO RECURSO E FUNDAMENTOS DECISÓRIOS 1. A questão prévia da admissibilidade do recurso: Em causa está um processo especial de consignação em depósito, previsto no art.916º e seguintes do CPC, em relação ao qual não existem normas especificamente disciplinadoras do regime de recursos, pelo que vigoram, quanto à sua admissibilidade, as regras comuns do recurso de revista. A admissibilidade do presente recurso não é absolutamente isenta de dúvidas, quer face ao âmbito de admissibilidade da revista previsto no n.1, quer no n.2 do art.671º do CPC. Na realidade a primeira instância não proferiu uma sentença final, decidindo sobre a totalidade do mérito da causa ou pondo fim ao processo (e também ainda não foi decidido o pedido reconvencional). A decisão da primeira instância é uma decisão “interlocutória”, do ponto de vista da marcha do processo. Todavia, essa decisão não recaiu sobre a relação processual. A primeira instância indeferiu um requerimento dos réus, no qual estes pretendiam o levantamento das quantias que a autora havia consignado em depósito para pagamento das ações que potestativamente tinha adquirido, nos termos do art.490º do Código das Sociedades Comerciais. Revertendo essa decisão, e determinando a entrega imediata de parte do valor depositado, o acórdão recorrido acaba por produzir efeitos na relação material controvertida, que não se restringem à esfera processual, mas constituem uma verdadeira decisão de mérito com efeitos substantivos. Assim, ao considerar assente, por acordo, que o conjunto dos requeridos era titular das ações em causa e que o valor depositado correspondia ao valor mínimo aceite por ambas as partes, como contrapartida dessa aquisição potestativa tendente ao domínio total, e que, como tal, poderia ser, desde já, entregue aos requeridos, a Relação decidiu parcialmente do mérito da ação[1]. Deste modo, ao determinar a entrega antecipada e definitiva dos valores respetivos, já depositados, o acórdão considerou não haver qualquer litígio que justificasse o prosseguimento da ação nesta parte, entendendo existir acordo quanto a essa matéria, sendo esta a razão que justificou a ordem de levantamento desses montantes (e não a mera entrega provisória), tendo-se formado em tal matéria uma situação de caso julgado material. Nestes termos, ainda que o acórdão recorrido não termine expressamente com uma decisão de condenação ou de absolvição do pedido ou da instância, material e substantivamente, a autorização de levantamento dos valores depositados tem como fundamento o conhecimento parcial do objeto da ação, sendo ainda enquadrável nas decisões objeto de recurso de revista nos termos do art. 671º, n. 1, do CPC.
2. O objeto do recurso: Como resulta das alegações da recorrente, o presente recurso tem por objeto apenas parte do acórdão recorrido, ou seja, a parte em que revogou o despacho da 1.ª instância, (proferido em 21.06.2019) que tinha indeferido a pretensão dos requeridos quanto ao levantamento imediato de parte da quantia consignada. A questão central em análise é a de saber se o acórdão recorrido fez a correta aplicação do direito quando autorizou os agora recorridos a levantarem parte da quantia consignada, no valor de € 366.501,24.
3. A factualidade relevante: A factualidade relevante é a que resulta do relatório supra apresentado. Releva ainda a seguinte factualidade, que se colhe no acórdão recorrido: - A autora, Sonagi, comunicou aos acionistas da Longavia, através de anúncio publicado em 21.10.2015 e no Portal da Justiça, relativo à publicação online de atos societários que «na sequencia de uma aquisição de ações representativas de aproximadamente 5% do capital social da Longavia (...) passou a dispor diretamente, a partir de 24 de junho de 2015, de ações correspondentes a cerca de 90,5% do capital dessa sociedade e que, para efeitos do n. 3 do artº 490º do CSC, exercerá o seu direito potestativo de aquisição de participações sociais dos Senhores Acionistas minoritários da Longavia que não aceitem voluntariamente a oferta de compra proposta (...)». - A Sonagi propôs-se, assim, adquirir, livre de ónus ou encargos, aos respetivos titulares, todas as ações representativas do capital social da Longavia, oferecendo uma contrapartida de 7,56 € por ação. - No contexto dos autos, com vista à aquisição tendente ao domínio total, a requerente concluiu a aquisição de um total de 93.253 acções da Longavia, passando a deter 1.541.147 ações, representativas de 96.3% do capital social dessa sociedade, faltando-lhe concluir a aquisição de 58.853 ações, representativas de 3.7% do capital social da Longavia. - A autora recorreu ao presente processo especial de consignação em depósito, consignando um total de € 444.928,68, resultado da multiplicação do valor da contrapartida devida por cada ação – € 7,56 – pelas 58.853 ações representativas do capital social da Longavia remanescentes.
4. O direito aplicável: 4.1. Em causa está um apenso a uma ação especial de consignação em depósito, proposta com vista ao cumprimento do disposto no art.490º, n. 4, do Código das Sociedades Comerciais, na qual a autora, Sonagi, SGPS, S.A., na qualidade de acionista adquirente do domínio total da sociedade Longavia – Imobiliária, S.A., procedeu ao depósito de € 444.928,68, correspondente ao valor de 58.853 ações, representativas de 3,7% do capital social que lhe faltava adquirir. A ação foi proposta contra nove pessoas singulares, bem como contra incertos, sócios livres da sociedade adquirida, por a autora não conhecer todos os titulares, na medida em que os títulos correspondiam a ações ao portador[2]. Quase todos os requeridos certos contestaram a ação[3], afirmando serem titulares de 48.479 ações, correspondentes a 3,03% do capital social, indicando que cada um deles seria titular de um número distinto de ações ao portador; e deduziram pedido reconvencional por discordarem do valor atribuído por ação. Em 15.03.2019, os réus requereram que lhes fosse imediatamente entregue parte do montante depositado pela Autora, na proporção das participações de que eram titulares (48.479 ações), no total de 366.501,24 €, discriminando os valores que a cada um deles cabia receber. A autora reagiu a essa pretensão, invocando, entre outros argumentos, o de que não seria ainda certo qual o número de ações detidas por cada um dos demandados. A primeira instância foi sensível a este argumento; e foi com base nele que indeferiu a pretensão dos demandados. A segunda instância reverteu essa decisão, e entendeu que os demandados têm o direito de levantar, de imediato, o valor correspondente ao número de ações de que são titulares. Cabe apreciar se foi tomada a decisão correta.
4.2. A figura da aquisição tendente ao domínio total encontra-se prevista no art.490º do Código das Sociedades Comerciais[4]. Estabelece o art. 490º do CSC: (Aquisições tendentes ao domínio total) «1- Uma sociedade que, por si ou conjuntamente com outras sociedades ou pessoas mencionadas no artigo 483.º, n.º 2, disponha de quotas ou acções correspondentes a, pelo menos, 90% do capital de outra sociedade, deve comunicar o facto a esta nos 30 dias seguintes àquele em que for atingida a referida participação. 2 - Nos seis meses seguintes à data da comunicação, a sociedade dominante pode fazer uma oferta de aquisição das participações dos restantes sócios, mediante uma contrapartida em dinheiro ou nas suas próprias quotas, acções ou obrigações, justificada por relatório elaborado por revisor oficial de contas independente das sociedades interessadas, que será depositado no registo e patenteado aos interessados nas sedes das duas sociedades. 3 - A sociedade dominante pode tornar-se titular das acções ou quotas pertencentes aos sócios livres da sociedade dependente, se assim o declarar na proposta, estando a aquisição sujeita a registo por depósito e publicação. 4 - O registo só pode ser efectuado se a sociedade tiver consignado em depósito a contrapartida, em dinheiro, acções ou obrigações, das participações adquiridas, calculada de acordo com os valores mais altos constantes do relatório do revisor. 5 - Se a sociedade dominante não fizer oportunamente a oferta permitida pelo n.º 2 deste artigo, cada sócio ou accionista livre pode, em qualquer altura, exigir por escrito que a sociedade dominante lhe faça, em prazo não inferior a 30 dias, oferta de aquisição das suas quotas ou acções, mediante contrapartida em dinheiro, quotas ou acções das sociedades dominantes. 6 - Na falta da oferta ou sendo esta considerada insatisfatória, o sócio livre pode requerer ao tribunal que declare as acções ou quotas como adquiridas pela sociedade dominante desde a proposição da acção, fixe o seu valor em dinheiro e condene a sociedade dominante a pagar-lho. A acção deve ser proposta nos 30 dias seguintes ao termo do prazo referido no número anterior ou à recepção da oferta, conforme for o caso. 7 - A aquisição tendente ao domínio total de sociedade com o capital aberto ao investimento do público rege-se pelo disposto no Código dos Valores Mobiliários.»
A hipótese prevista nos números 3 e 4 do art. 490º do CSC, que é aquela que está na base dos presentes autos, respeita a uma aquisição potestativa (que dispensa a aceitação da contraparte), cuja contrapartida é, não apenas garantida, mas também paga por via de consignação em depósito. Como afirmam Coutinho de Abreu/Soveral Martins: “o momento da aquisição potestativa será aquele que seja declarado na oferta ou proposta e que deverá coincidir com aquele em que termina o período de duração da oferta ou ser posterior a esse. Se as ações forem tituladas nominativas, a aquisição tem lugar independentemente de declaração de transmissão aposta no título ou de registo junto do emitente. E quando as ações forem tituladas ao portador, a aquisição é independente da entrega dos títulos”[5]. A este específico modo de transmissão onerosa da titularidade das ações corresponde um específico modo de cumprimento da obrigação de pagamento do preço [que sempre será devido por aplicação direta do art.879º, al. c) ou por remissão do art.939º do CC], pelo menos daquele que é, desde logo, calculado nos termos do n.4 do art.490º do CSC (que pode ser impugnado pelos transmitentes das ações, nos termos do art.921º do CPC, como se verificou nos autos principais) – a consignação em depósito. Enquanto modo de extinção das obrigações além do cumprimento, exercida por via judicial, a consignação em depósito apresenta uma dimensão de direito substantivo (reguladora dos seus pressupostos e da sua funcionalidade), prevista no art.841º e seguintes do CC, e uma dimensão de direito processual (reguladora do seu modo de execução), prevista no art.921º e seguintes do CPC. Como afirmou Antunes Varela: “Além de se enxertar no processo da relação creditória que visa extinguir, a consignação cria uma outra relação obrigacional (secundária, dependente ou acessória) entre o devedor, como depositante, e o terceiro a quem a coisa devida é entregue, como depositário ou consignatário (art.844º) – relação substantiva que o Código Civil regula nos artigos 841º e seguintes. Mas acontece, por outro lado, que a consignação em depósito só pode efetuar-se mediante recurso aos tribunais, através de um processo especial (…) que cria uma relação (processual) de direito público entre as partes e o tribunal.”[6] Não cabe no enquadramento jurídico do caso em análise o desenvolvimento de considerações sobre a dimensão substantiva da consignação em depósito, porque os problemas que integram o objeto do presente recurso não se reportam, na essência, a essa dimensão. Em causa está um conflito que se inscreve na dimensão processual da consignação em depósito, respeitando, portanto, ao modo de execução desta figura, que revestindo natureza judicial (e, portanto, de direito público, lato senso), não pode deixar de atender à consideração de todos os interesses aí polarizados. Deste modo, a pretensão dos réus em levantarem, de imediato, o valor depositado (que entendem corresponder ao número de ações de que são titulares) não pode ser analisada exclusivamente na perspetiva do reflexo que tal levantamento possa ter relativamente à Autora devedora do preço, pois não está essencialmente em equação a questão de concluir se tal levantamento causará algum prejuízo à depositante. Na medida em que os réus (requerentes do levantamento do valor depositado) não são os únicos titulares das participações sociais a cuja aquisição tende a operação lançada pela autora, e ainda porque os réus requereram ao tribunal a emissão de específicas ordens de pagamento a favor de cada um deles, segundo o número de ações que a cada um caberá, o tribunal, ao deferir as suas pretensões, estaria a antecipar uma decisão judicial, sem que se tivesse produzido prova sobre a efetiva titularidade das ações que sustentam os pedidos de levantamento do depósito.
4.3. O acórdão recorrido fundou a sua decisão (quanto à parte que é alvo de revista) nos seguintes termos: «(…) no caso dos autos, formulada a oferta de aquisição potestativa, a autora ficou absolutamente vinculada ao dever de pagar, pelo menos, o valor oferecido e depositado, assumindo a proposta feita um carácter imodificável para valor inferior, surgindo apenas a possibilidade de ter de pagar valor superior se os réus lograrem demonstrar nos autos que o acréscimo pedido é o valor reputado justo para a aquisição já efectuada. Donde concluímos que nada impediria, à partida, dado que não foi contestado o processo aquisitivo, que quem foi privado das suas acções pudesse, de imediato, proceder ao levantamento do valor consignado, solução que, a nosso ver, resulta do sistema jurídico visto no seu todo. Com efeito, ainda que o legislador societário não tenha previsto expressamente a possibilidade de levantamento da contrapartida, antes do termo do processo de consignação, também não o proibiu, sendo que o equilíbrio dos interesses em presença permite a interpretação pugnada pelos recorrentes, tanto mais que, como bem alegam, quando a consignação em depósito é realizada como incidente em acção proposta pelo credor, este pode optar por receber o valor depositado com a “declaração de que se julga com direito a maior quantidade”, continuando a causa “mas o valor dela fica reduzido ao montante em litígio, devendo seguir-se, quanto possível, os termos do processo correspondente a esse valor” [artigo 924.°, n. 1 alínea b) do CPC], sendo que tal preceito tem aplicação aos casos de aquisição potestativa realizada ao abrigo do artigo 490.° do CSC, em que a acção é iniciada pelo accionista minoritário (credor). Não foi, todavia, com qualquer impedimento legal que obstasse ao levantamento da quantia consignada que o tribunal a quo indeferiu o mesmo. Conforme consignado na decisão recorrida a mesma teve por fundamento apenas, e tão só, o facto de “estar dependente a prova quanto ao número de acções de que cada um dos réus é titular”. E acrescentou-se quanto à matéria da titularidade das ações: «(…) Na petição inicial, a recorrida alegou que as participações na Longavia, que foram alvo de aquisição, de acções ao portador se tratavam. Os réus (…), por sua vez, defenderam nos autos, em contestação, que, no seu conjunto, eram titulares de 48.479 acções do capital social da sociedade Longavia, concretizando depois a quota parte de cada um naquele montante global. Com efeito, em contestação, nos artigos 238º e segs. daquele articulado defendem que EE e AA são em conjunto titulares de 11.850 acções, CC, DD e EE são comproprietários de 20.775 acções e, por último, JJ, detém 9.854 acções. A autora, por seu lado, em sede de réplica, ainda que tenha impugnado a medida dessa participação de cada um (ou seja, quantas acções tem cada um dos réus) alegou, no artigo 115º daquela peça processual, que as participações sociais na Longavia que a totalidade daqueles réus representavam, no seu conjunto, era de 3,03% do capital social da dita sociedade. Ora, sendo o capital social da Longavia, como a própria autora alega, composto por 1.600.000 acções, 3,03% corresponderá, precisamente, a 48.479 acções da Longavia de que os réus se arrogavam titulares e de que foram desapropriados. E, a ser assim, do total de €444.928,68 depositados pela recorrida, a título de valor proposto para as acções a cuja aquisição potestativa já procedeu, o valor de €366.501,24 (decorrente da multiplicação de €7,56/acção - valor oferecido pela recorrida - pelas 48.479 acções de que os recorrentes se viram desapropriados), pertence aos recorrentes, sendo apenas controvertida nos autos a diferença entre esse valor, depositado pelo recorrida, e o valor pedido pelos recorrentes, o qual será fixado em sentença pelo Tribunal. É certo que os recorrentes não alegaram nos autos serem proprietários, conjuntamente, daquelas 48.479 açcões representativas do capital social da Longavia, alegando, pelo contrário, cada um deles ser proprietário - individualmente ou em compropriedade ou propriedade conjunta com outros recorrentes - de um determinado número de acções. Não obstante, certo é que formularam apenas um pedido reconvencional nos autos, pelo valor global da totalidade das ditas acções, e não seis distintos pedidos. E assim foi tal pedido reconvencional admitido, donde, na sentença a proferir a final, aquele pedido nos moldes deduzidos, no seu todo, e não individualmente, será apreciado, e julgado, procedente ou improcedente (pese embora a alegação circunstanciada dos réus e o requerimento que depois fizeram em 15/03, em que pedem um valor concreto para cada um). Ora, não olvidemos que o que a autora impugnou nos autos, por desconhecimento, foi a alegação dos réus quanto ao número de acções representativas do capital social da Longavia detidas por cada um deles (cf artigo 147 da réplica, em especial no que se refere à impugnação, por desconhecimento, dos artigos 45º a 51º da contestaçao/reconvençao) e não que os mesmos são titulares daquelas acções, no seu todo, de 3,03% do capital social da sociedade. Não existem, pois, quaisquer dúvidas quanto ao número de acções de que os recorrentes são titulares, no seu todo, pois que resulta da factualidade alegada por autora e réus, em sede de articulados, que os mesmos estão de acordo nessa matéria. Sem entrar na discussão doutrinária da coligação/litisconsórcio (…) certo é que nos autos, as partes, autora, de um lado, e os réus recorrente do outro, estes representados pelo mesmo mandatário, formularam um pedido único ao tribunal - ou seja, que se reconheça que o crédito dos réus EE e AA dos réus Irmãos KK e de JJ é de €610.350.61, condenando-se a autora/reconvinda no pagamento de um depósito adicional de € 243.849,37, à ordem do Tribunal. Donde concluímos que, em face do acordo vertido em articulados, e posição das partes em sede de pedidos formulados, nada impede o deferimento do pedido de levantamento da quantia consignada, sendo depois da responsabilidade dos réus a sua divisão entre eles daquele valor. E a tanto não obsta o tema da prova formulado em despacho saneador. Primeiro, porque o mesmo sempre teria de ser feito. Veja-se que ali se diz, no que respeita à excepção invocada pela ré , que a apreciação da questão estaria dependente da resposta à matéria sobre a titularidade das acções (resulta dos autos que a mesma alega em contestaçao/reconvençao ser titular exclusiva de 5 517 acções ao portador, e que a herança indivisa de LL não é titular de quaisquer acções representativas daquele capital accionista). Segundo, por que, independentemente da bondade do mesmo, o que aqui não podemos conhecer por extravasar o objecto do recurso, ele poderá relevar para os réus, para a divisão do valor a ser feita entre eles, não servindo, contudo, para, como se decidiu no despacho recorrido, obstar ao levantamento imediato do valor consignado pela autora, quando a mesma confessa que aqueles réus, no seu todo, são os titulares das acções em causa. Em conclusão, na procedência das alegações recursiva, impõe-se julgar procedente a apelação neste segmento decisório, revogando-se, nessa medida, a decisão de indeferimento proferida.»
4.4. A recorrente sustentou a sua pretensão recursiva, essencialmente, em duas ordens de razões. Por um lado, não existiria fundamento legal para que a Relação tivesse autorizado o levantamento imediato do preço depositado, pois tal hipótese não se encontra prevista, nem no art. 490º do CSC, nem no processo especial de consignação em depósito, regulado pelo art.916º e seguintes do CPC. Por outro lado, o levantamento do preço depositado também não seria possível por ser ainda necessário fazer prova da titularidade do número de ações pertencentes a cada um dos acionistas.
4.5. A possibilidade de levantamento da quantia consignada antes de se decidir o pedido reconvencional, formulado pelos réus nos termos do art.921º do CPC, não se encontra prevista nem no domínio específico do art.490º do CSC, nem, em termos gerais, no regime do processo especial de consignação em depósito, regulado pelo art.916º do CPC. Por esta razão, entende a recorrente que não seria possível o levantamento antecipado do valor depositado. Diferentemente, na opinião dos réus, a possibilidade de levantamento do valor depositado (prosseguindo o processo quanto ao pedido reconvencional) decorreria da hipótese prevista no art.924º, n.1, al. b) do CPC (respeitante à consignação como incidente). Na realidade, para além da hipótese específica do art.923º do CPC (depósito como ato preparatório da ação), que (na ausência de acordo expresso entre depositante e notificado) exclui a possibilidade de levantamento da quantia depositada antes de ser proferida sentença, não se encontra na lei um fundamento para excluir a hipótese de levantamento antecipado em todo e qualquer caso. Porém, no caso dos presentes autos, não é por estar em discussão (no processo principal) a questão de saber se o valor depositado/pago devia ser superior (de acordo com o pedido reconvencional) que deverá ser excluída a possibilidade de levantamento da parte que não é posta em causa pelos réus (e que a autora não terá possibilidade de reaver). O obstáculo ao levantamento antecipado, nos presentes autos, resultará, essencialmente, de não se encontrarem provados os montantes que lhes são devidos, para que a consignação possa cumprir a sua função de dar execução aos pagamentos respetivos, tal como formulado no pedido apresentado através do requerimento de 15.03.2019.
4.6. No requerimento de 15.03.2019, os réus pediram ao tribunal para ordenar a transferência de montantes específicos para diversas contas bancárias, pertencentes a cada um deles. Ora, para dar satisfação a essas concretas pretensões, é necessário que o tribunal saiba que a cada um deles cabe, efetivamente, o valor pedido. Nos termos do art.412º do CPC, os factos alegados (com exceção dos factos notórios) carecem de produção de prova. Todavia, no caso concreto, a questão da titularidade das ações encontra-se enunciada nos temas de prova (art.596º, n.1 do CPC) no processo principal. Deferir a pretensão dos réus no sentido do imediato pagamento dos valores que alegam a cada um deles, sem que tenha sido ainda feita prova das concretas titularidades por eles invocadas, constituiria, em certa medida, uma inversão metodológica, porquanto se estaria a dar como certa uma factualidade ainda não definitivamente apurada. Afirma-se, no acórdão recorrido, que dos autos resultaria provado por acordo entre as partes qual o valor das participações sociais respeitantes aos réus, pelo que não existiria obstáculo a que o levantamento do preço depositado pudesse ser feito de imediato. Veremos, infra que essa conclusão não poderá ser extraída dos autos nos termos em que o acórdão recorrido o fez. Antes de se desenvolver esse ponto, importa fazer referência à linha argumentativa dos recorridos segundo a qual o levantamento imediato do montante depositado em nada afetaria a autora, pois ela não poderia, em caso algum, reaver esse valor. O valor que tinha a pagar, segundo as regras do art.490º, n.4 encontra-se definitivamente depositado, e só será alterado (para mais) se for procedente o pedido reconvencional que os réus formularam. Por outro lado, eventuais desacertos de titularidade, dentro do valor global que alegaram pertencer-lhes, seria uma questão interna, que em nada colidiria com os interesses da autora. Porém, como supra referido, apesar de a autora não poder reaver o montante depositado (por ser contrapartida da propriedade que já adquiriu), existem interesses de certeza e segurança jurídica que importa acautelar, porque a ação de consignação em depósito foi proposta também contra titulares desconhecidos (dado que os réus não eram os únicos titulares das ações adquiridas pela ré), mas sobretudo porque não se pode extrair dos autos a existência de acordo quanto aos valores que cada um pretende receber.
4.7. O facto de a questão da titularidade das ações constar dos temas da prova não foi considerado, pelo acórdão recorrido, como obstáculo ao levantamento imediato de valores depositados. O acórdão recorrido sustentou (ao contrário da 1.ª instância) que a Autora admitiu, no art.115 da réplica, que os recorridos representavam, no seu conjunto, 3,03% do respetivo capital social, correspondente a 48.479 ações, pelo que, sendo controvertido apenas o valor pedido a mais pelos agora recorridos, nada impedia a entrega imediata, ao conjunto dos recorridos, do valor depositado, pois poderia concluir-se pela existência de um acordo sobre a matéria que não era alvo da reconvenção. Consultados os autos principais, constata-se, diferentemente do que resulta do acórdão recorrido, que não existem elementos para concluir pela inequívoca aceitação da recorrente ou pela existência de acordo entre as partes quanto à titularidade das participações sociais detidas pelos agora recorridos. Com efeito, a recorrente vem afirmando que não lhe é possível saber, com segurança, a identidade dos titulares das participações sociais, face à circunstância de estarem em causa títulos ao portador, legalmente admissíveis à data. Alegou nos arts. 7º, 8º e 9º da petição inicial que, com base na informação disponível, entendeu ser possível identificar parte dos acionistas livres, mas que (face à natureza dos títulos), por não ser possível fazer essa identificação, demandava igualmente requeridos incertos. Deduzidas as contestações, respondeu a autora mantendo o anteriormente afirmado a respeito do desconhecimento da titularidade das ações, impugnando por desconhecimento a matéria em que os réus alegam a titularidade das respetivas participações sociais.
Na verdade, ainda que o acórdão recorrido tenha dado especial relevo ao art. 115º da réplica [na qual se afirmou: “Em primeiro lugar, as ações adquiridas pela Autora aos Réus no âmbito da aquisição tendente ao domínio total representam apenas 3,03% do capital social da Longavia”], analisado o teor integral deste articulado e à luz das regras gerais de interpretação das declarações negociais (arts. 236.º e seguintes do CC, aqui também aplicáveis), não se poderá concluir com segurança em sentido inverso – que, tendo a recorrente no art. 147º da réplica (apresentada à contestação dos aqui recorridos), impugnado expressamente, por desconhecimento, a matéria referente às participações sociais por estes alegadas, nos arts. 45.º a 51.º da sua contestação [“A Autora impugna ainda, por desconhecimento, os factos alegados nos seguintes artigos da contestação: (…) 45º a 51º (…)”], tenha esta, de alguma forma, confessado que os recorridos eram titulares das referidas participações sociais. Acresce que os réus, em sede de pedido reconvencional, (nos arts. 238º a 242º da contestação) repetiram o número de ações de que cada um seria titular, no total a 48.479 ações, sem, contudo, mencionarem a percentagem do capital social, tendo tal matéria sido objeto de impugnação pela recorrente, invocando desconhecimento (no art. 147º da réplica). Considerando que, no decurso do processo, sempre a recorrente manteve a alegação de desconhecimento concreto da titularidade das ações (seja no que se refere ao seu detentor, seja quanto à quantidade), é de concluir que não se pode dar como ultrapassada a situação de incerteza quanto à titularidade da participação social detida pelos recorridos. Considera-se, portanto, que não existe acordo das partes quanto à titularidade das participações sociais invocadas pelos agora recorridos, sendo certo que competirá aos requeridos proceder à prova da titularidade das ações ao portador, na data da aquisição potestativa, sendo, portanto, lógico, que tal matéria tenha sido incluída nos temas da prova com referência a todas as participações em causa nos autos.
Efetivamente, constituindo a consignação em depósito uma causa de extinção das obrigações que consiste na possibilidade reconhecida ao devedor de extinguir a obrigação através do depósito judicial da coisa devida, sempre que não possa realizar a prestação com segurança, nomeadamente, por motivo relacionado com a pessoa do credor [art. 841º, n. 1, al. a), do CC], apenas com a determinação concreta do devedor se conseguirão remover as dúvidas que justificam o recurso a este mecanismo.
Assim, e para além das especificidades de regime que justificam a consignação em depósito prevista no art. 490º do CSC, deverá entender-se que a obrigação de recorrer ao processo especial de consignação em depósito tem como objetivo a extinção da obrigação de pagamento do valor devido pela aquisição da participação social, face a quem efetivamente seja credor do preço. No caso dos presentes autos, não sendo ainda absolutamente certa essa titularidade (dado tratar-se de aquisição potestativa de títulos ao portador), não é indiferente para a requerente do processo que esse pagamento seja feito ao credor que comprovadamente o demonstre nos autos. Mas, sobretudo, não é indiferente para a correta administração da justiça acautelar os valores de certeza e segurança inerentes à natureza judicial da consignação em depósito, a qual, na sua dimensão de direito público (lato senso), como referia Antunes Varela[7], se projeta para além de concretos interesses contratuais de alguma das partes, cabendo-lhe filtrar todos os interesses judicialmente atendíveis, no cumprimento da sua função de solucionar definitivamente o litígio. Assim, ao autorizar-se o levantamento antecipado de parte da quantia depositada, em favor de cada um dos réus, sem estar ainda apurada a titularidade de cada participação social, e constituindo tal matéria objeto do litígio (conforme definido no despacho saneador e na seleção dos temas da prova), cria-se uma situação que não permite atingir na sua plenitude o fim do processo especial de consignação em depósito (a extinção da obrigação perante o credor concreto após esclarecidas as dúvidas), podendo, até, criar novas fontes de litígio, face ao que viesse a apurar-se no final da ação quanto à titularidade das ações.
Em resumo, a decisão recorrida não fez, assim, a correta aplicação do direito ao caso concreto, na medida em que deu como provados, por acordo, factos que integram os temas da prova, desrespeitando, portanto, o disposto nos artigos 412º e 596º do CPC, e não garantindo, nessa medida, a certeza e a segurança sobre a determinação dos montantes que devem ser entregues a cada um dos credores (com observância das regras processuais estabelecidas no art.916º e seguintes do CPC) e a consequente extinção da obrigação (nos termos do art.846º do CC) em relação a cada um dos sujeitos que vierem a ser identificados como credores desses montantes.
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DECISÃO: Pelo exposto, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido, ficando a prevalecer a decisão da primeira instância.
Custas na revista: pelos recorridos.
Lisboa, 28.04.2021 Maria Olinda Garcia (Relatora) Ricardo Costa António Barateiro Martins
*A relatora declara que, nos termos do art. 15.º-A do DL n. 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo DL n. 20/2020, de 1 de maio, o presente acórdão tem voto de conformidade dos Conselheiros adjuntos.
Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).
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