Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3743/04.6TBMTS.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
PAGAMENTO
PREÇO
ACEITAÇÃO DA OBRA
EMPREITEIRO
ABANDONO DA OBRA
INTERPELAÇÃO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
RECUSA
MORA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
DESISTÊNCIA
DONO DA OBRA
DECLARAÇÃO TÁCITA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/08/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :


I - No contrato de empreitada, não existindo cláusula em contrário, o preço deve ser pago no acto da aceitação da obra (art. 1211.º, n.º 2, do CC). Não se demonstrando estar a obra concluída e aceite aquando da suspensão e recusa do reinício dos trabalhos pela empreiteira, não seria exigível, na altura, o pagamento do preço.

II - Tendo a empreiteira recusado cumprir integralmente a sua prestação, ou seja, proceder à finalização da obra, sendo esta, na altura, ainda possível de realizar, e tendo os credores interesse nessa realização, aquela constituiu-se em mora. Pese embora não se tenha demonstrado que os credores efectuaram uma interpelação formal à empreiteira para cumprir, o certo é que, tendo-se a empreiteira recusado a reiniciar os trabalhos, se constituiu, com essa recusa terminante, em mora. De resto, a própria recusa pressupõe uma interpelação (extrajudicial) para cumprir, sabendo-se que esta interpelação pode ser feita por qualquer dos meios admitidos para a declaração negocial (arts. 217.º e 224.º do CC).

III - Face à recusa de ultimação da obra por parte da empreiteira, com a constituição desta em mora, poderiam os credores pedir, em razão dela, uma indemnização por perdas e danos. Como a mora não extinguiu a obrigação, a devedora continuou adstrita a satisfazer a obrigação em atraso. A simples mora por parte da empreiteira não dava aos donos da obra o direito de resolver o contrato (não está em causa in casu o chamado “negócio fixo absoluto” em que o termo é essencial). A mora da empreiteira dava sim, ensejo aos credores de procederem à interpelação admonitória e então, verificando-se os respectivos pressupostos, considerar definitivamente não cumprida a obrigação.

IV - Ao não procederem da forma preconizada (não pedindo uma indemnização da empreiteira por perdas e danos, nem fazendo a interpelação admonitória), procedendo, logo depois do início da mora da outra parte, à entrega da ultimação da obra a terceiros, os donos da obra tornaram impossível a prestação (integral) da contra-parte.

V - Com a entrega da obra a outra entidade, os donos da obra, para além de tornarem impossível a prestação da empreiteira, extinguiram o contrato de empreitada que celebraram, através da desistência (tácita) dele, pelo que, nos termos do art. 1229.º do CC, terão de indemnizar a empreiteira pelos danos emergentes e lucros cessantes.

* Sumário elaborado pelo relator
Decisão Texto Integral:



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I- Relatório:
1-1- M..., Construção Civil e Obras Públicas S.A., com sede em Padim, Oldrões, Penafiel, propôs a presente acção com processo ordinário contra AA e marido BB, residentes na Rua do Regadio, nº ..., 4.450-365 Matosinhos pedindo que os RR. sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 337.746,94 €, correspondente à soma do capital em dívida e juros vencidos, acrescida de juros vincendos contados à taxa legal anual de 12% até integral e efectiva pagamento, reconhecendo-se que tem direito de retenção sobre a obra por si executada no seu prédio, até integral e efectivo pagamento do seu crédito.
Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que na sequência de orçamento apresentado pela A. em Junho de 2002, a R. adjudicou-lhe a execução das obras de infra-estruturas necessárias ao loteamento de um prédio sito na Rua de S. Gens, em Custóias, Matosinhos, de sua propriedade, pelo preço global de 364.122,46 €, acrescida de IVA à taxa legal, num total de 433.305,73 €. A R. entregou-lhe o prédio, para que a obra contratada nele fosse implantada, e esta foi executando os trabalhos contratados. A A. facturou à R., em 05.07.2002, a quantia de 120.812,26 € acrescida de IVA, num total de 143.764,21 € e, em 04.10.2002, a quantia de 238.392,20 € acrescida de IVA, num total de 283.686,72 €, sendo que o pagamento destas facturas devia ser feito no prazo de 30 dias a contar da sua emissão, como havia sido combinado entre as partes. A R., porém, só pagou 142.000,00 € em 31.12.2002, 25.000,00 € em 31.07.2003, mantendo-se devedora do capital de 278.450,93 €. À quantia em divida acrescerão os juros vincendos até integral e efectivo pagamento, contados à referida taxa anual de 12%. Em consequência da necessidade de apresentação de um aditamento na EDP e dos próprios interesses de mercado da R., esta ordenou a suspensão dos trabalhos, perto do final do ano de 2002, quando a empreitada estava praticamente concluída só faltando proceder à pavimentação das ruas. A empreitada foi-se mantendo suspensa por interesse da R. e na sequência de diversas negociações a A acabou por aceitar, em 22.01.2004, executar os trabalhos constantes do aditamento aprovado pela EDP, pelo preço, quase imposto pela R., de 15.000,00 € acrescido de IVA, porque assim desbloquearia a situação que lhe estava a ficar extremamente prejudicial e criava as condições para rapidamente receber o seu crédito e concluir a empreitada. Começou, então, a A. a querer acertar o pagamento do capital em dívida de 278.450,93 €, como condição para concluir a empreitada, aceitando até receber parcialmente o seu crédito e calendarizar o pagamento do restante. A R. começou então a dizer que só pagava parte com a recepção provisória da obra pela Câmara Municipal de Matosinhos e outra parte com a recepção definitiva, exigindo da A. a conclusão e entrega da obra, sem lhe pagar nem mais um tostão, o que esta recusou. Em 23.04.2004, a A passando no local de execução de empreitada, verificou a presença de uma sociedade empreiteira terceira, preparando-o para a finalização dos trabalhos. Aproveitando-se do facto de a empreitada ter sido praticamente concluída, a R. terá adjudicado a terceiro os poucos trabalhos sobrantes, sem disso dar conhecimento à A., nem à própria Câmara Municipal de Matosinhos que licenciou a empreitada com base no Alvará e termo de responsabilidade e seguros apresentados pela A.. O objectivo da R. era acabar a empreitada pagando uma quantia pequena ao terceiro, ficando a dever à A. a quase totalidade da obra executada. Perante isto a A. colocou no local camiões e máquinas com vista a impedir a continuação da execução da empreitada por terceiros. Mas a R. enviou para o local gruas, com vista a remover esses obstáculos, retirando-os para local que não impedisse a execução dos trabalhos pela sociedade terceira. Usando a força, expulsou os trabalhadores da A. e retirou a esta a posse da obra executada, mantendo no local quer pessoal de sua confiança, quer da sociedade empreiteira terceira. Tendo direito de retenção sobre a obra por si feita para garantia do pagamento das despesas que realizou na execução dela interpôs, em 27.04.2004, procedimento cautelar de restituição provisória de posse que correu termos com o nº 2662/04.1TBMTS pelo 6º Juízo Cível deste Tribunal, que foi deferida, sendo ordenada a requerida restituição das obras e infra-estruturas necessárias ao loteamento do prédio sito na Rua de S. Gens, freguesia de Custóias, concelho de Matosinhos, pertencente à R.. Os RR. são casados sob o regime da separação de bens, tendo a dívida sido contraída no exercício da actividade profissional exercida em nome da R. mulher, mas que é efectivamente liderada pelo R. marido, que foi quem, em nome do cônjuge, tudo tratou com a A.. A dívida foi contraída em proveito comum do casal, que com os respectivos lucros fará face aos encargos normais da vida familiar.
Os RR. contestaram alegando não assistir qualquer razão à A. sendo que esta invoca factos cuja falsidade não podia deixar de conhecer. A R. adjudicou à A. a realização da obra descrita no art. 1º da petição inicial pelo valor ali enunciado. Porém, todo o negócio foi contratado entre o administrador da A., Sr. BB, e o R. CC, que eram, de longa data amigos e conhecidos. Sabia aquele administrador da A. que os RR não tinham em meados de 2002, liquidez para fazer face ao pagamento das obras de infra-estrutura orçamentadas e que teriam de recorrer a um financiamento bancário, para poder custear aquelas obras de loteamento, financiamento cuja negociação, aprovação e concessão seriam, necessariamente, morosas. Não obstante o administrador da A. propôs aos RR. avançar com a realização das obras, acordando com eles que pagariam o respectivo valor quando pudessem, e à medida que entidade bancária lhes fosse disponibilizando os valores do financiamento que iam tentar obter, tendo ficado bem claro entre ambos, que pagamento integral do preço só seria devido depois de as obras de infra-estrutura estarem concluídas, e devidamente recepcionadas pelas entidades administrativas com poderes de vigilância e superintendência sobre o loteamento. É prática corrente em obras do género o dono reter uma parte do preço como garantia da aprovação executado, e para a eventual rectificação que se mostre necessária. Os RR diligenciaram a obtenção do financiamento de que careciam, e que obtiveram junto da «Caja Duero– Caja de Ahorros de Salamanca y Soria», em 17 de Dezembro de 2002. A A havia remetido aos RR os autos de medição datados de 28 de Junho e de 30 de Agosto de 2002, acompanhados das respectivas facturas, mas não pretendeu na altura que os RR as pagassem, nem reclamou deles esse pagamento, pois bem sabia que nessas datas estes ainda estavam a negociar a concessão do necessário financiamento. E tanto assim era que continuou com a realização das obras de infra-estrutura do loteamento até 19 de Dezembro de 2002, data em que estas obras foram suspensas. A suspensão ficou a dever-se ao facto de, por imposição da EDP, se ter tornado necessário proceder à alteração de localização do posto transformador de corrente eléctrica e não a qualquer falta de cumprimento dos RR, que, de facto, não se verificava. A A. apresentou um orçamento para efectuar as obras impostas pela EDP muito superior ao de outros empreiteiros. Depois de longas negociações a A. veio a apresentar, em Janeiro de 2004, o orçamento junto aos autos de providência cautelar como doc. nº 4. Mesmo depois de aceite o orçamento da A. esta recusou-se a iniciar a obra, pretendendo então que os RR. lhe pagassem o valor das obras já realizadas. Os RR dispuseram-se a pagar quando os trabalhos de cada uma das artes fossem recepcionados provisoriamente pelas entidades que os deviam receber. A A. impediu os RR de proceder à conclusão da obra, quer por não a realizar como estava contratualmente obrigada, quer por impedir a sua continuação por terceiro. Da suspensão da obra provocada pela A, decorre um aumento em montante ainda imprevisível, dos encargos financeiros resultantes do financiamento assumido, já que os RR ficaram impedidos de alienar lotes concluídos, com o que seria possível proceder ao pagamento do empréstimo obtido. Os RR procederam à remoção dos camiões e máquinas da A. com gruas que para o efeito contrataram no que despenderam a quantia de 949,62 €. Os RR viram-se na necessidade de contratar a conclusão da obra com terceiro devido ao abandonou infundado dos trabalhos pela A., tendo contratado essa conclusão com a sociedade «A...P...M..., Construção Civil, Lda.», que orçamentou os trabalhos em 56.768,23 €, com IVA incluído, valor que facturou aos RR e que estes pagaram.
Concluem pedindo que a acção seja julgada improcedente por não provada e os RR absolvidos dos pedidos contra eles formulados.
Pedem em reconvenção que a A. seja condenada a pagar-lhes a quantia de 57.717,85 €, e a que for apurada em liquidação de sentença, por danos suportados em consequência de facto ilícito e injustificado, por parte da A, acrescida juros contados à taxa legal, desde a data em que foram notificados para contestar o pedido reconvencional.
Na réplica a A. sustenta a improcedência da reconvenção, porquanto a A. não praticou qualquer facto ilícito limitando-se a exercer o seu direito de retenção sobre a obra em consequência da mora dos RR.
Conclui como na petição inicial.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se elaborou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento e se respondeu à base instrutória.
Proferiu-se sentença na qual se julgou a acção parcialmente provada e procedente e, em consequência, condenou-se os RR., a pagarem à A., por serviços prestados no âmbito de contrato de empreitada, a quantia de 278.450,93 €, (duzentos e setenta e oito mil, quatrocentos e cinquenta euros e noventa e três cêntimos), acrescida dos juros vencidos e vincendos à taxa legal fixada para as operações comerciais, contados da data da citação até efectivo e integral pagamento. Julgou-se improcedente o pedido da A. de reconhecimento do direito de retenção sobre a obra onde realizou os trabalhos. Mais se julgou parcialmente procedente, por provado, o pedido reconvencional formulado pelos RR. e, em consequência, condenou-se a A. a pagar à R. mulher, a quantia de 949,62 €, (novecentos e quarenta e nove euros e sessenta e dois cêntimos), a titulo de indemnização por responsabilidade contratual, acrescida de juros vencidos e vincendos contados à taxa legal, desde a data em que a A. foi notificada para contestar o pedido reconvencional até efectivo e integral pagamento.

Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os RR. de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 2-02-2009, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

1-2- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os RR. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.
Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- O NEGÓCIO JURÍDICO ENTRE RECORRENTES E RECORRIDA DEVE SER QUALIFICADO COMO UM CONTRATO DE EMPREITADA E DILUCIDADA A QUESTÃO COM BASE NAS REGRAS DESTE INSTITUTO LEGAL

2ª- A., NÃO EXECUTOU, NA INTEGRA, A OBRA CONTRATADA.

3ª- E RECUSOU-SE A REINICIAR A OBRA COM O FUNDAMENTO DE QUE A RECORRENTE NÃO LHE PAGAVA AS FACTURAS DADAS AOS AUTOS.

4ª- PORÉM, NÃO LHE ASSISTIA TAL DIREITO DE RECUSAR-SE A CUMPRIR A OBRIGAÇÃO EM FALTA

5ª- A RECORRIDA NÃO LOGROU PROVAR. COMO LHE COMPETIA. QUE POR VIRTUDE DE ACORDO COM OS RECORRENTES, FOI FIXADO UM PRAZO DE PAGAMENTO.

6ª- EM CONSEQUÊNCIA, É DE APLICAR O DISPOSTO NO Nº 2 DO ARTIGO 1211º DO CÓDIGO CIVIL

7ª- DONDE, O SEU CRÉDITO NÃO SE ENCONTRAVA AINDA VENCIDO, E NÃO ERA. POR TAL MOTIVO, EXIGÍVEL

8ª- APENAS O PODENDO SER QUANDO A OBRA SE ENCONTRASSE FINALIZADA E ACEITE.

9ª- DONDE O ACÓRDÃO RECORRIDO, AO DECIDIR COMO FEZ, VIOLOU AQUELE NORMATIVO LEGAL DO nº 2 DO ARTIGO 1211º DO C.C

10ª- PELO QUE DEVE SER REVOGADO E SUBSTITUIDA POR OUTRO QUE ABSOLVA OS RECORRENTES DO PEDIDO CONTRA ELES FORMULADO.

11ª- POR OUTRO LADO, MAL ANDOU TAMBÉM O ACÓRDÃO RECORRIDO QUANDO CONSIDEROU O ACTO DOS RECORRENTES COMO DESISTÊNCIA DO CONTRATO DE EMPREITADA CELE8RADO

12ª- APENAS APÓS A RECUSA DE CUMPRIR O CONTRATADO OS RECORRENTES COMETERAM A TERCEIRO A EXECUÇÃO DOS TRABALHOS SOBRANTES.

13ª- NÃO PODE SER APLICADO AO CASO EM DISCUSSÃO O DISPOSTO NO ARTIGO 1229° DO CC.

14ª- PORQUANTO A DESISTÊNCIA, IMPLICA UM ACTO UNILATERAL QUER QUANTO A ACÇÃO QUER QUANTO A VOLIÇÃO, POR PARTE DO DONO DA OBRA

15ª- EM NENHUM MOMENTO, SE DEMONSTROU QUE NÃO FOSSE DA VONTADE DOS RECORRENTES MANTEREM VIGENTE O CONTRATO DE EMPREITADA DOS AUTOS.

16ª- E A CONSEQUÊNCIA QUE A LEI ESTATUI PARA O CASO DE DESISTÊNCIA DO CONTRATO É OUTRO E DIFERENTE DA OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DAS FACTURAS EM DÍVIDA.

17ª- EM CONSEQUÊNCIA, O ACÓRDÃO RECORRIDO VIOLOU TAMBÉM O DISPOSTO NO ARTIGO 1229° DO CÓDIGO CIVIL, QUE APLICOU NO CASO SEM QUE SE VERIFICASSEM REUNIDOS OS REQUISITOS NELE ESTATUÍDOS

18ª- DEVENDO. TAMBÉM, POR ESTA ORDEM DE RAZÕES, SER REVOGADO E SUBSTITUIDO POR OUTRO QUE ABSOLVA OS RECORRENTES DO PEDIDO CONTRA ELES FORMULADO

FINALMENTE.

19ª- COM O COMPORTAMENTO DESCRITO, QUE DEVE SER CONSIDERADO ABUSIVO E VIOLADOR DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS ASSUMIDAS E DA LEI VIGENTE,

20ª- A RECORRIDA PROVOCOU AOS RECORRENTES DANOS PATRIMONIAIS CONSIDERÁVEIS, QUE SE CONCRETIZARAM

21ª- NO DISPÊNDIO DE QUANTIA DEVIDA AO ALUGUER DE GRUAS PARA DESLOCAR A MAQUINARIA COLOCADA PELA RECORRIDA PARA OBSTACULIZAR À CONTINUAÇÃO DA OBRA.

22ª- NO ACRÉSCIMO DE ENCARGOS BANCÁRIOS, COM OS JUROS QUE SE VENCERAM ENTRE O MOMENTO EM QUE A RECORRIDA SE RECUSOU A INICIAR A OBRA E AQUELE EM QUE FOI POSSIVEL RETOMÁ-LA.

23ª- BEM COMO NO VALOR PAGO PELOS RECORRENTES A TERCEIRO PARA A CONCLUSÃO DA OBRA E CORRESPONDENTE AO VALOR DAQUELES CUJA REALIZAÇÃO FOI IMPEDIDA PELA RECORRIDA;

24ª- DANOS QUE DEVE SER CONDENADA A INDEMNIZAR, SENDO OS PRIMEIROS NA QUANTIA JÁ FIXADA E OS DEMAIS EM QUANTIA QUE SE VIER A LIQUIDAR EM SEDE DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA.

25ª- PORQUE ASSIM NÃO DECIDIU O ACÓRDÃO RECORIDO VIOLOU A NORMA DOS ARTIGOS 798º E 808º DO COD CIVIL DEVENDO, TAMBÉM POR ESSA RAZÃO E NESTA SEDE SER REVOGADO.


Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).
Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Momento do pagamento da obra, pelos donos desta.
- Incumprimento do contrato (mora) por parte da A. e consequências jurídicas daí recorrentes.
- Desistência da empreitada por parte dos donos da obra e respectivas consequências.
- Montante da indemnização pela desistência.
- Teor do pedido reconvencional
2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:
1- Na sequência de orçamento apresentado pela A. em Junho de 2002, a R. adjudicou-lhe a execução das obras de infra-estruturas necessárias ao loteamento de um prédio sito na Rua de S. Gens, em Custóias, Matosinhos, de sua propriedade, pelo preço global de 364.122,46 €, acrescido de IVA à taxa legal, num total de 433.305,73 €, conforme documento junto de fls. 15 a 23 dos autos de providência cautelar de restituição provisória de posse em apenso, cujo teor se dá por reproduzido.
2- A R. entregou o prédio à A., para que a obra contratada nele fosse implantada e esta foi executando os trabalhos contratados, que facturou à R.:
Em 05.07.2002 a quantia de 120.812,26 € acrescida de IVA, num total de 143.764,21 €, conforme documento junto de fls. 24 a 27 dos autos de providência cautelar em apenso, cujo teor se dá por reproduzido;
Em 04.10.2002 a quantia de 238.392,20 € acrescida de IVA, num total de 283.686,72 €, documento junto de fls. 28 a 33 dos autos de providência cautelar em apenso, cujo teor se dá por reproduzido.
3- A R. pagou à A. as quantias de 124.000,00 €, em 31.12.2002; e de 25.000,00 €, em 31.07.2003.
4- A R. ordenou a suspensão dos trabalhos, perto do final do ano de 2002, quando a empreitada estava praticamente concluída só faltando proceder à pavimentação das ruas.
5- Em 22 de Janeiro de 2004, na sequência de diversas negociações, a A. aceitou executar os trabalhos constantes do aditamento aprovado pela EDP pelo preço de 15.000,00 € acrescido de IVA.
6- Com o propósito de rapidamente receber o seu crédito e concluir a empreitada.
7- Começou, então, a querer acertar o pagamento do capital em dívida de 278.450,93 €, como condição para concluir a empreitada aceitando até receber parcialmente o seu crédito e calendarizar o pagamento do restante.
8- Apesar das diversas soluções apresentadas pela A., a R. dizia que não pagava mais nada e a A., consequentemente, recusou o reinício dos trabalhos.
9- Em 23.04.2004, uma sociedade empreiteira terceira, encontrava-se no local de execução da empreitada, preparando-o para a finalização dos trabalhos.
10- A R. adjudicou a terceiro os trabalhos sobrantes, sem disso dar conhecimento à A., nem à própria Câmara Municipal de Matosinhos que licenciou a empreitada com base no Alvará e termo de responsabilidade e seguros apresentados pela A..
11- A A requereu a notificação judicial avulsa da requerida, através deste Tribunal, nos termos do art. 261º e 262º do Código Processo Civil, de que:
“A A. está a exercer o seu direito de retenção sobre todas as obras de infra-estruturas executadas para loteamento do prédio sito na Rua de S. Gens, em Matosinhos de que a R. é proprietária, até que lhe seja pago o seu crédito vencido no valor de 278.450,93 €. Se deve abster de praticar quaisquer actos que por alguma forma violem ou ponham em causa o direito de retenção da A.”
12- A R. ordenou que a sociedade terceira avançasse com os trabalhos necessários à conclusão da empreitada, trabalhos esses que esta iniciou.
13- Perante isto, a A. colocou no local camiões e máquinas com vista a obstacularizar a continuação da empreitada por terceiros.
14- A R. enviou para o local gruas, com vista a remover esses obstáculos, retirando-os para local que não impedisse a execução dos trabalhos por sociedade terceira, tendo a A. solicitado a intervenção da GNR.
15- Usando a força, expulsou os trabalhadores da A. e retirou a esta a posse da obra executada, mantendo no local, quer pessoal de sua confiança, quer da sociedade empreiteira terceira.
16- Os RR são casados sob o regime da separação de bens.
17- A dívida foi contraída no exercício da actividade profissional exercida em nome da R. mulher, mas que é efectivamente liderada pelo R. marido, que foi quem, em nome do cônjuge, tudo tratou com a A..
18- Os RR pretendem dividir a sua propriedade em lotes destinados à construção urbana e vendê-los a terceiros.
19- E com os respectivos lucros fazerem face aos encargos normais da vida familiar.
20- Iniciadas as obras, os RR. diligenciaram a obtenção do financiamento de que careciam, e que obtiveram junto da “Caja Duero – Caja de Ahorros de Salamanca Y Soria”, em 17.12.2002, no valor de 450.000,00 €.
23- O contrato foi celebrado em 17 de Dezembro de 2002, conforme documento de fls. 34 a 57, cujo teor se dá por reproduzido.
24- A A. remeteu aos RR. os autos de medição datados de 28 de Junho e de 30 de Agosto de 2002.
25- A A. desde Dezembro de 2002, que havia retirado das obras todo o seu pessoal, maquinismos e ferramentas, estando as obras desde então paradas.
26- A A. impede os RR. de procederem à conclusão das obras de infra estruturação do loteamento.
27- Quer por não realizar a obra, quer por impedir a sua realização por terceiro.
28- A suspensão dos trabalhos, ocorrida perto do final de 2002, resultou da necessidade de apresentação de um aditamento na EDP, para alteração de localização do posto transformador de corrente eléctrica.
29- A R. pretendia pagar o valor orçamentado para as demais artes, com excepção da rede eléctrica, quinze dias após a respectiva vistoria e aprovação pelas entidades fiscalizadoras competentes.
30- Todo o negócio foi contratado entre o administrador da A., Sr. BB e o R. CC, que eram, de há longa data, amigos e conhecidos.
31- O Administrador da A. sabia que, em meados de 2002, os RR. estavam a diligenciar pela obtenção de financiamento bancário.
32- Não obstante, aquele Sr. Alves propôs aos RR. avançar com a realização das obras.
33- Na altura em que remeteu os autos de medição datados de 28 de Junho e de 30 de Agosto de 2002, e as facturas, a A. não pretendeu que os RR. as pagassem, nem reclamou deles esse pagamento, pois bem sabia que, nessas datas, estes ainda estavam a negociar a concessão do financiamento.
34- Tendo continuado com a realização das obras de infra-estrutura do loteamento até 19 de Dezembro de 2002.
35- Com a contratação de gruas para remoção dos camiões e máquinas, os RR. despenderam a quantia de 949,62 €.
36- Os RR contrataram uma terceira pessoa para concluir a obra.
37- O que fizeram com a sociedade “A...P...M..., Construção Civil, Lda.”, que a orçamentou em € 56.768,21, com IVA incluído.
38- Valor que facturou aos RR. e que estes efectivamente pagaram.
40- Por causa da intervenção da A. não pôde aquela firma empreiteira, levar até final os trabalhos de conclusão das infra-estruturas do loteamento. -------------------
2-3- Na douta sentença de 1ª instância, face aos factos dados como provados, entendeu-se que o contrato que celebrado entre as partes, foi o de empreitada sujeito às regras dos artigos 1207º e seguintes do C.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem). A A. não logrou demonstrar, como lhe competia, o acordo das partes de que o pagamento das facturas deveria ser feito no prazo de 30 dias a contar da respectiva emissão (resposta não provado ao quesito 1º). Na ausência de convenção em contrário, rege a regra supletiva prevista no nº 2 do art. 1211º, segundo a qual “o preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra”. Não estando a empreitada concluída, porque faltava proceder à pavimentação das ruas e atenta a obrigação que legalmente impendia sob a A. de executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, nos termos do disposto no art. 1208º, não era legitimo à A., em finais de Janeiro de 2004, exigir o pagamento do seu crédito relativo aos trabalhos realizados. Entendeu-se depois que a R., ao contratar uma terceira pessoa para concluir a obra em Abril de 2004, desistiu tacitamente do contrato (art. 1229º). Ocorrendo a desistência do dono da obra, impende sobre este o dever de indemnizar o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra. Pretendo a sociedade A. que lhe seja pago apenas o valor correspondente aos trabalhos realizados e que se encontram ainda por pagar no total de 278.450,93 €, tal pretensão não poderá deixar de ser atendida, nos termos do disposto no citado art. 1229º. Considerou-se depois que a dívida em causa responsabiliza ambos os cônjuges (independentemente do regime de bens do casamento) porquanto, tais factos traduzem o inequívoco consentimento do R. marido, que foi quem de tudo tratou em nome da esposa (al. a) do nº 1 do art. 1691º). Entendeu-se, outrossim, que a obrigação de proceder ao pagamento dos trabalhos efectuados pela A. não tem prazo certo, pelo que nos termos dos artigos 805º nº 1 e 806 nº 1, os RR só se constituíram mora com a citação para a presente acção. A A. é uma sociedade comercial pelo que os contratos em análise são actos de comércio (art. 2º e 13 nº 2 ambos do C. Comercial), razão por que os juros deverão ser os estabelecidos para as operações comerciais nos termos das disposições conjugadas dos artigos 806 nº 2 e 559º. Com estes fundamentos, condenou-se os RR. nos termos acima aduzidos.
A Relação confirmou esta decisão, baseando-se, no essencial, na argumentação jurídica empregue na douta sentença de 1ª instância.
É com uma argumentação similar à usada para a apelação, que os RR. pedem a presente revista.
Segundo os recorrentes, a A. não executou na íntegra a obra contratada, tendo-se recusado a reiniciar a obra com o fundamento de a recorrente não lhe pagava as facturas dos autos. Porém, não lhe assistia o direito de recusar-se a cumprir a obrigação em falta, visto que a recorrida não logrou provar, como lhe competia, que por virtude de acordo com os RR. foi fixado um prazo de pagamento. Por isso, será de aplicar o disposto no nº 2 do art. 1211º, donde o seu crédito não se encontrava ainda vencido e não era, por tal motivo, exigível, só podendo ser quando a obra se encontrasse finalizada e aceite. Assim, o acórdão recorrido, ao decidir como fez, violou esta disposição legal.

Se bem entendemos esta argumentação, os recorrentes não se afastam dos fundamentos jurídicos usados, quanto ao tema, pelas instâncias. Com efeito, tanto a 1ª instância como a Relação consideram dever-se aplicar à situação o disposto no art. 1211º nº 2 (segundo o qual “o preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra”). Isto porque, em síntese, a A. não logrou provar que a forma de pagamento convencionada tenha sido a indicada por si, isto é, o vencimento de cada prestação seria no prazo de 30 dias após a emissão da respectiva factura (resposta negativa ao ponto 1º da base instrutória) Acrescentou-se também no aresto da Relação, que os RR. não lograram igualmente provar que havia sido acordado entre as partes, irem os RR. pagando quando pudessem, à medida que a entidade bancária fosse disponibilizando o financiamento, embora o pagamento integral só fosse devido após conclusão das obras de infra-estrutura e recepção pelas autoridades administrativas (reposta negativa aos pontos 8º e 9º da base instrutória)..

E diga-se que, a este respeito, as instâncias decidiram de forma correcta.

Os factos provados demonstram, sem polémica, que as partes celebraram um contrato de empreitada, já que a A. se obrigou a realizar uma obra (trabalhos de construção civil) aos RR., mediante um preço (art. 1207º).

Não existindo cláusula em contrário, o preço deve ser pago no acto da aceitação da obra, como resulta do referido nº 2 do art. 1211º, disposição que deve ser aplicada supletivamente, dado que nenhuma da partes logrou provar ter existido convenção válida em contrário Como se diz acertadamente no douto acórdão recorrido “não se tendo provado que as partes estipularam um prazo certo para pagamento do preço, ainda que fraccionado (tese da autora) ou que acordaram no estabelecimento de um prazo incerto, fosse ele o financiamento da obra ou da recepção das infra-estruturas (tese dos réus), aplica-se a norma supletiva do nº 2 do artigo 1211º”. .

Segundo cremos, até aqui não existe qualquer dúvida ou polémica.

A divergência resulta da circunstância de os recorrentes entenderem que não pode proceder o pedido de pagamento da recorrida até que se encontre demonstrado que a obra contratada se encontra terminada e aceite, razão por que o crédito da A. não se encontra ainda vencido, não sendo, por isso, exigível.

Recorde-se que as instâncias entenderam que a R., ao contratar uma terceira pessoa para concluir a obra, desistiu tacitamente do contrato, razão por que impendia sobre esta, nos termos do art. 1229º, o dever de indemnizar o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra, motivo por que entenderam dar procedência à pretensão da A. de pagamento dos trabalhos realizados.

Sobre este entendimento, os recorrentes mostram igualmente a sua divergência pois, segundo eles, só após a recusa da recorrida em cumprir o contrato é que cometeram a terceiros a execução dos trabalhos sobrantes. É a recorrida quem falha no cumprimento da obrigação, não sendo os recorrentes que desprezam e desistem do contrato. Não pode, assim, ser aplicado ao caso, o disposto no art. 1229º Esta disposição estabelece que “o dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra”.

Evidentemente que não se demonstrado estar a obra concluída e aceite (aquando da suspensão dos trabalhos pela A.), não seria exigível, na altura, o pagamento do preço.

Como se demonstrou, foi a R. quem ordenou a suspensão dos trabalhos, perto do final do ano de 2002 (estando então a empreitada praticamente concluída, faltando, somente, proceder à pavimentação das ruas). Depois de 22 de Janeiro de 2004, a A. começou a querer acertar o pagamento do capital em dívida, como condição para concluir a empreitada aceitando até receber parcialmente o seu crédito e calendarizar o pagamento do restante. Mas a R. dizia que não pagava mais nada e a A., consequentemente, recusou o reinício dos trabalhos. Em 23.04.2004, uma sociedade empreiteira terceira, encontrava-se no local de execução da empreitada, preparando-o para a finalização dos trabalhos, o que foi feito.

Estes factos demonstram que a A. que se recusou a reiniciar os trabalhos, com o pretexto de a R. não efectuar o pagamento dos trabalhos já realizados. Ora, não se tendo provado que os trabalhos deveriam ser pagos na altura indicada pela A., devendo-se considerar, portanto, que a obra deveria ser paga no acto da sua aceitação, parece-nos evidente que com a recusa em prosseguir com os trabalhos a A. incumpriu o contrato (incumprimento em sentido lato). Sublinhe-se a este propósito que, pese embora não tivesse sido convencionada pelas partes qualquer suspensão de trabalhos Provou-se que a suspensão foi ordenada pela R.., o certo é que, como os factos provados demonstram, a A. não colocou qualquer óbice a essa circunstância, demonstrando-se que só não reiniciou as obras por falta dos pretendidos pagamentos e não em virtude dessa interrupção. Também em relação a este aspecto, as partes não colocam qualquer dúvida.

Em sede de contratos vigora, como se sabe, a liberdade contratual, segundo a qual, dentro dos limites da lei as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no código civil ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver (art. 405º). Os contratos devem ser cumpridos pontualmente, isto é, ponto por ponto, ficando as partes vinculadas nos seus precisos termos (art. 406º).

Verifica-se o não cumprimento de uma obrigação sempre que a prestação debitória deixa de ser efectuada nos termos adequados.

No incumprimento dos contratos haverá a distinguir, o atraso na prestação (a mora), da impossibilidade definitiva desta Poderá também, ao lado destas formas de não cumprimento, inscrever-se o cumprimento defeituoso ou imperfeito, modalidade, porém, sem interesse para aqui considerar.. Naquela hipótese, chegado o vencimento da obrigação, o devedor não cumpre, podendo, porém, a prestação ainda ser realizada com interesse para o credor. Nesta hipótese a prestação impossibilita-se de vez. Torna-se definitivamente irrealizável Neste sentido vide, entre outros, Direito das Obrigações de Galvão Telles, 7ª edição, pág. 299 e 300, Noções de Direito Civil de Almeida Costa, 2ª edição, págs. 289 e 290, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, pág. 60.

Nos termos do art. 804º nº 2 “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuado no tempo devido”.

Quer dizer, o devedor incorre em mora quando a prestação, ainda possível, não for realizada no prazo convencionado. “A prestação não é executada no momento próprio, mas ainda é possível, por continuar a corresponder ao interesse do credor” Antunes Varela, obra citada, pág. 64..

A mora traduz, assim, não uma falta definitiva de realização da prestação debitória, mas um simples retardamento ou dilação no cumprimento da obrigação.

Estabelece, por sua vez o art. 805º nº 1 que o “devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicialmente ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”. Haverá, todavia, mora independentemente da interpelação, se a obrigação tiver prazo certo, se provier de facto ilícito ou se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se neste caso interpelado na data em que normalmente o teria sido (art. 805º nº 2).

Serve isto para dizer que, no caso dos autos, tendo-se a A. recusado a cumprir integralmente a sua prestação, ou seja, a proceder à finalização da obra, sendo esta, na altura, ainda possível de realizar, e tendo a credora (a R.) interesse nessa realização, aquela constituiu-se em mora. Sublinhe-se que, pese embora não se tenha demonstrado que a R. efectuou uma interpelação formal à A. para cumprir, o certo é que, tendo-se a A. recusado a reiniciar os trabalhos, se constituiu, com essa recusa terminante, em mora Neste sentido Pessoa Jorge, Obrigações,1966, pág. 296.. De resto, a própria recusa pressupõe uma interpelação (extrajudicial) para cumprir, sabendo-se que esta interpelação pode ser feita por qualquer dos meios admitidos para a declaração negocial (arts. 217º e 224º) Ver a este propósito, C.Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, Vol. II, 3ª edição, pág. 64.

A mora não extingue, porém, a obrigação, continuando o devedor adstrito a satisfazer a prestação em atraso. Os efeitos da mora reconduzem-se à indemnização por perdas e danos (arts. 798º e 804º nº 1).

Daqui também resulta que o credor, em razão da (simples) mora não pode resolver o contrato (a não ser nos chamados «negócios fixos absolutos» em que o termo é essencial – vide Acórdão deste Supremo Tribunal de 21-1-2003, in Col. Jur. 2003, Tomo I, pág. 44 e a doutrina nele indicada -).

Estabelece, porém, o art. 808º nº 1 “se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”. Acrescenta o nº 2 da disposição que “a perda do interesse na prestação é apreciado objectivamente”.
Perante este art. 808º, o credor pode transformar a mora em incumprimento definitivo. Esta conversão tanto poderá suceder pela perda de interesse na prestação por banda do credor, como pela não realização da prestação no prazo que for, razoavelmente, fixado pelo credor. A perda do interesse na prestação (o que se sucederá quando esta, apesar de ser fisicamente concretizável, deixou de ter oportunidade), é apreciada objectivamente, razão por que eventuais subjectivismos, serão de afastar. “Não basta que o credor diga, mesmo convictamente, que a prestação já lhe não interessa, há que ver, em face das circunstâncias, se a perda de interesse corresponde à realidade dos factos” Galvão Telles, obra citada, pág. 311.. Isto é, a perda do interesse deve ser justificado segundo um critério de razoabilidade entendido pela generalidade das pessoas. No mesmo sentido referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela que “a perda do interesse do credor deve, nos termos do nº 2, ser apreciada objectivamente. Pretende-se evitar que o devedor fique sujeito aos caprichos daquele ou à perda infundada do interesse na prestação. Atende-se, por conseguinte, ao valor objectivo da prestação, não ao valor da prestação determinado pelo credor, mas à valia da prestação medida (objectivamente) em função do sujeito” Obra citada, pág. 72
Revertendo estes princípios para o caso vertente, temos que os RR., face à recusa de ultimação da obra por banda da A., com a constituição desta em mora, poderiam pedir, em razão dela, uma indemnização da A. por perdas e danos. Como a mora não extinguiu a obrigação, a devedora (a A.) continuou adstrita a satisfazer a obrigação em atraso.
A simples mora por parte da A., não dava aos RR. o direito de resolver o contrato (não está em causa in casu o chamado «negócio fixo absoluto» em que o termo é essencial). A mora da A. dava sim, ensejo aos RR. de procederem à interpelação admonitória e então, verificando-se os respectivos pressupostos, considerar definitivamente não cumprida a obrigação.
Verifica-se que os RR. não procederam da forma preconizada (não pediram uma indemnização da A. por perdas e danos, nem fizeram a interpelação admonitória) procedendo, logo depois do início da mora da outra parte, à entrega da ultimação da obra a terceiros.
Tornaram, assim, impossível a prestação (integral) da contra-parte.
A nosso ver, com a entrega da obra a outra entidade, os RR., para além de tornarem impossível a prestação da A. Originando a que a outra parte pudesse escolher entre o direito de pedir uma indemnização compensatória e o direito de resolver o contrato (art. 801º). Neste sentido vide Antunes Varela, obra citada, págs. 106 e 107., extinguiram o contrato de empreitada que celebraram, através da desistência (tácita) dele.
Estabelece o art. 1229º que “o dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra”.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela Obra citada, pág. 833 a respeito da desistência do dono da obra, “a lei não exige forma especial para a desistência. Trata-se de uma declaração negocial que pode ser feita por qualquer dos meios admitidos (cfr. art. 217º)”. Estes autores levantam depois a impossibilidade de prova de extinção da empreitada por desistência do dono da obra, através de testemunhas, quando o acto estiver reduzido a escrito. Não nos debruçaremos, porém, quanto ao tema, visto que está fora da presente instância.
Nesta conformidade e de harmonia com o disposto no art. 217º a declaração pode ser tácita (quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam), pelo que face aos factos provados, a declaração de desistência é de colocar.
Como se deduz daquela disposição, a desistência pode ter lugar a todo o tempo, ainda que já tenha sido iniciada a sua execução. A todo o momento o dono da obra pode afastar o empreiteiro, desde que o compense dos lucros que obteria com a regular execução da empreitada. Sobre este tema o Acórdão deste Supremo Tribunal de 23-10-2008 (in www.dgsi.pt/jstj.nsf), referiu que “o dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que a execução tenha sido iniciada, desde que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e proveito que ele teria poderia tirar se tivesse realizado a obra”.
A desistência da empreitada por parte do dono da obra, “não corresponde a uma revogação ou resolução unilateral, nem rigorosamente, a uma denúncia do contrato, dados os especiais efeitos prescritos neste artigo… Trata-se, pois, de uma situação sui generis, que não corresponde a nenhuma daquelas figuras e cujo objectivo é apenas o de dar ao dono da obra a possibilidade de não prosseguir a empreitada, interrompendo a sua execução para o futuro, o que pode ter a sua justificação nas mais variadas causas:… prosseguir nela com outro empreiteiro …”. Como se diz no referenciado acórdão “não se trata de resolução unilateral ou denúncia do contrato de empreitada, sendo que este é eficaz até ao momento da desistência, incorporando o dono da obra na sua esfera jurídica o resultado da actividade realizada pelo empreiteiro”, ficando o dono da obra “vinculado à indemnização do empreiteiro relativamente aos danos emergentes ou lucros cessantes que tenham afectado a sua esfera jurídica, como se tivesse resolvido o contrato sem justa causa”.
É certo que a desistência, no caso vertente, ocorreu, como já se viu, após a mora da A.. Mas esta circunstância apenas dava aos RR. as prerrogativas e direitos acima assinalados, mas não o direito de contratar outro empreiteiro para finalizar as obras. Ao fazê-lo, desistiram, tacitamente, da empreitada convencionada com a A..
Por conseguinte, terão os RR, nos termos do art. 1229º, de indemnizar a A. pelos danos emergentes e lucros cessantes, que coincidem, como as instâncias decidiram, com o custo, mencionado nas facturas, ainda não pago.
Os recorrentes sustentam que o montante titulado pelas facturas são relativos a trabalhos parcelares de uma obra mais ampla, compreendida no âmbito do contrato celebrado entre as partes.
Para além de não se ter provado que as facturas em causa digam respeito a trabalhos mais amplos, diremos ainda que, como já se afirmou, a A. teria (sempre) o direito a ser indemnizada pelos lucros cessantes, pelo que a objecção carece de pertinência.
A decisão recorrida merece, pois, nesta parte, confirmação.
2-4- Sustentam ainda os recorrentes que com o comportamento descrito, a recorrida provocou aos recorrentes danos patrimoniais consideráveis, que carecem de reparação. Concretamente gastou a quantia decorrente do aluguer de gruas para deslocar a maquinaria colocada pela recorrida para obstacularizar à continuação da obra. No acréscimos de encargos bancários, com os juros que se venceram entre o momento em que a recorrida de recusou a iniciar a obra e aquele em que foi possível retomá-la. O valor pago pelos recorrentes a terceiro para a conclusão da obra e correspondente ao valor daqueles cuja realização foi impedida pela recorrida, danos em que deve ser a A. condenada a indemnizar, sendo os primeiros na quantia já fixada e os demais em quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença.

Como ponto prévio, dir-se-á que as instâncias condenaram a A. a pagar à R. mulher a quantia de 949,62 €, a titulo de indemnização decorrente de danos derivados da contratação de gruas para libertarem o local da maquinaria que a A. havia colocado na obra, para que os trabalhos pudessem prosseguir, razão por que não se vê pertinência na invocação, aqui e agora, de tal pedido de ressarcimento.

Já sobre as outras rubricas, no douto acórdão recorrido, ponderou-se que, quanto ao acréscimo de encargos bancários, não se provou que tivessem ocorrido, razão por que se considerou não ocorrer a obrigação de indemnização quanto a este vector do pedido reconvencional.

É absolutamente certa esta posição, já que a essa matéria factual, inserida no art. 17º da base instrutória, foi respondido negativamente. Assim sendo, como correctamente se refere no aresto recorrido, não se provando a existência do dano, tal exclui a possibilidade de futura quantificação em sede de liquidação de sentença.

No que toca aos valores pagos pelos recorrentes ao terceiro para a conclusão da obra, como se diz acertadamente no acórdão recorrido, sempre os RR. teriam que suportar o respectivo valor como contrapartida da execução dos trabalhos realizados, não sendo legítimo que a A. suportasse o respectivo pagamento. Como os RR. apenas pediram a condenação da A. no custo de conclusão da obra, nada mais alegando/provando quanto a outros danos resultantes da necessidade da contratação de terceiros, esse segmento do pedido reconvencional não poderia, igualmente, deixar de ser julgado improcedente.

Esta posição é, pois, de confirmar.

O recurso improcede na totalidade.

III- Decisão:

Por tudo o exposto, nega-se a revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Supremo Tribunal de Justiça, 8 de Setembro de 2009


Garcia Calejo (Relator)
Helder Roque
Sebastião Póvoas