Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
279/96.0TAALM.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: ADVOGADO
ARGUIDO
DEFENSOR
REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO
RECURSO PENAL
NULIDADE INSANÁVEL
ASSINATURA
PROCURAÇÃO
RATIFICAÇÃO
PRINCÍPIO DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Sumário :
I - Com a entrada em vigor da Lei 49/2004, de 24-08, firmou-se o entendimento que o advogado arguido carece de constituir outro advogado que o defenda, atendendo que o exercício da advocacia é incompatível com qualquer cargo, função ou actividade que afectem a isenção, independência e dignidade da função, idêntica disciplina se impondo quando seja arguido um magistrado.

II - Na fase de recurso é obrigatória a assistência de arguido por advogado, sob pena de nulidade insanável –arts. 119.º, al. c), 62.º, e 64.º, al. d), do CPP – vício que ocorre com o oferecimento de requerimento com motivação de recurso pela pena de arguido que seja também advogado.

III - Porém, tendo sido proferido acórdão em 1.ª instância, com declaração de depósito nele aposta e sendo a motivação de recurso subscrita pelos arguidos, mas da mesma figurando a assinatura de outro causídico, a quem os arguidos conferiram procuração com poderes para interpor recurso, ratificando o processado, a apontada nulidade não se comunica ao seu advogado constituído, em obediência à regra utile non vitiatur e ao princípio do maior aproveitamento dos actos processuais.

IV- A notificação para os fins do art. 417.º, n.º 2, do CPP deve ser endereçada ao defensor do arguido, por a ele validamente competir a prática do acto processual ─ resposta ─ atendendo ao seu conteúdo e estatuto profissional.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

Em P.º comum com intervenção do tribunal colectivo , sob o n.º 279/96 .OTAALM , do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Almada , foram submetidos a julgamento AA e BB , vindo , a final , a ser condenados como autores materiais de um crime de abuso de confiança qualificada , p . e p . pelo art.º 204.º n.ºs 1e 4 b) , do CP , na pena de 2 anos e 7 meses de prisão , suspensa na sua execução pelo espaço de 5 anos , com a condição de , cada um , pagar em 3 meses a contar do trânsito em julgado , à UMAR , de Almada , 1500 € , bem como aos assistentes /demandantes a soma de 39.383, 09 € e juros à taxa legal desde a data sua da notificação para pagarem o a quantia deduzida no pedido cível e até integral reembolso , acrescendo , ainda , o pagamento da importância de € 7.481, 97 a título de indemnização por danos não patrimoniais .

I . Os arguidos e assistentes inconformados com o teor da decisão recorrida , interpuseram recurso para a Relação , que , em acórdãos temporalmente autónomos ( 11.12.2007 e 21.9.2008 ) :

1. rejeitou o recurso interposto pelos assistentes quanto à medida concreta da pena , por ilegitimidade ;

2 . rejeitou o dos advogados arguidos com o fundamento de que sendo o recurso interposto sem assistência de defensor ( Os arguidos advogados foram os subscritores do requerimento de interposição de recurso , diz –se ) ocorre falta de interposição , derivando nulidade insanável , nos termos do art.º 119.º al.c) , do CPP;

3 . autonomamente da parte penal , por acórdão da Relação de 21.9.2008 , concedeu parcial provimento ao recurso quanto à questão cível e condenou os arguidos ao pagamento de juros vencidos às taxas legais , desde 17.11.93 a 30 de Maio de 2000 sobre a quantia de 3.503.000$00 ; juros vencidos às respectivas taxas legais , desde 15.12.95 a 30.5.2000 sobre a quantia de 16.099.500$00 , bem como juros vencidos e vincendos à taxa legal sobre a quantia de € 39.383, 09 à taxa legal desde Agosto de 94 e até integral reembolso .

II . Desatendeu-se , no entanto , ao pedido dos assistentes de indemnização a calcular em função do índice de inflação , ano a ano , consoante as estatísticas do INE , questão nova , antes não suscitada .

III . Decidida a questão penal pela Relação foram expressamente arguidas nulidades a que aquele Tribunal , por seu acórdão de 26.2.2008 , desatendeu, ut fls . 1536 , condenando em custas ( em 3Uc,s ) .

IV. Interpôs , decididas aquelas nulidades , de seguida , recurso para este STJ , apresentando a arguida , recorrente , na motivação , a fls. 1539 e segs . , as seguintes conclusões :

Ao acórdão recorrido falta a assinatura de uma Exm.ª Desembargadora , pelo que inexiste deliberação a “ três “ , causa de nulidade do acórdão , nos termos dos art.ºs 668.º n.º 1 a) do CPC e 372.º n.º 2 , do CPP .

O recurso de 18 .6.2007 foi subscrito pelo Sr. advogado constituído , Dr. M...A... , com junção da procuração forense .

As contramotivações foram apresentadas em 27.7.2007 , havendo confusão –lapso da Relação- , mas não do Tribunal de Almada , admitindo-o .

Esse recurso foi interposto e motivado em 18.6.2007 .

O Tribunal da Relação deixou de pronunciar-se sobre questões que devia colocadas em tal recurso de 18.6.2007 , tempestivamente apresentado .

Nada foi decidido quanto à violação do princípio da continuidade da audiência - art.º 328.º n.º 6 , do CPP , tendo sido excedido o prazo de 30 dias entre as sessões de audiência , como se -omitiu referência à prescrição , já operada , como se não tomou posição quanto aos recursos interpostos em 3.2.2003 , de fls . 907 a 934 e sobre a reclamação deduzida em 24.3.2006 .

Por outro lado, tendo os assistentes interposto recurso para o STJ suprimindo uma instância intermediária , a Relação , não devia tomar conhecimento do seu recurso , já que o interposto pelos arguidos o é para a Relação , violando-se as normas dos art.ºs 399 .º , 400.º , 401.º n-º 1 b) , 406.º , 407.º n.º 1 a) , 408.º “ a contrario “ e 411.º n.º 1 , do CPP , pois que devia ter sido endereçado directamente ao STJ .

Há incompetência material da Relação para o conhecimento do recurso do assistente relativo à matéria cível –art.º 379.º n.º 1 c) , do CPP .

Também se não tomou posição quanto às questões da retenção , da prescrição dos juros e da compensação –art.º 84.º n.º 2 , do EOA .

V. A este recurso respondeu a Exm.ª Procuradora Geral-Adjunta na Relação afirmando que os arguidos intentam é impugnar o acórdão que rejeitou o recurso , pelo que o mesmo deve seguir os termos do processo de reclamação , nos termos do art.º 688.º n.º 5 , do CPC, esclarecendo que é , face à lei n.º 48/07 , de 29/8 , desnecessária , por força do art.º 419.º n.ºs 1 e 2 , do CPP, a intervenção de mais uma Exm.ª Juiza Desembargadora .

VI. O Tribunal da Relação ,por seu acórdão de 20.5.2008 , entendeu , além do mais , que a decisão de rejeição do recurso dos arguidos e assistentes obedeceu ao preceituado no art.º 417.º n.º 3 a) e 419.º n.ºs 3 e 4 a) e 420.º , do CPP , era passível de reclamação para Tribunal superior , nos termos dos art.ºs 688 .º n.º 5 , do CPC ,405.º e 4 .º , do CPP .

VII . E assim se seguiram , mercê de acórdão , os termos da reclamação para o Exm.º Presidente deste STJ , a fls . 1677 e segs .

VIII . Ambos os arguidos apresentaram as seguintes conclusões relativamente à decisão proferida pela Relação quanto à questão cível , separadamente , como dito já , da penal , de resto factor de evidente e desnecessário de perturbação processual , a fls . 1662 e segs . :

A única decisão correcta foi aquela que determinou o arquivamento dos autos , com a entrega de 19.602.500$00 , através do cheque de fls . 249 , proferido pelo M.º P.º /TJ de Almada , que considerou o diferendo com a prestação de contas .

A retenção para os fins de pagamento de honorários aos advogados e engenheiros foi legal não ocorrendo motivo de censura .

O acórdão recorrido omite pronúncia sobre os honorários que àqueles são devidos .

A prescrição do procedimento criminal ocorreu em 25.3 .04 , o que conduz a extinção do procedimento criminal e cível , sendo certo que as instâncias nada disseram “ não conseguindo encontrar a matemática prescricional “ ( sic) .

Operou-se a nulidade absoluta prevista no art.º 119.º c) , do CPP devido à ausência do defensor constituído no debate instrutório – art.º 64.º n.º 1 b) e 279.º n.º 1 , do CPP - com a consequente anulação de todo o processado a partir de 6.10.2004 .

Nada foi dito sobre a violação do art.º 328.º n.º 6 , do CPP , do princípio da continuidade da audiência de julgamento , se for excedido o prazo de 30 dias

Nada foi dito sobre os recursos interpostos a fls . 575/581 , nem sobre o recurso de fls . 907 -934 , nem sobre a reclamação de fls . 958 /963 , em que pura e simplesmente rejeita a nomeação de defensor , com o fundamento de que quer dos art.ºs 54.º e 164.º , da O A não deriva a exclusão da sua autodefesa

O recurso foi regularmente interposto , motivado e concluído em 18 de Junho de 2007 , simultâneamente pelo advogado constituído Dr. M...A... e pelos advogados ( arguidos ) , que passaram procuração a favor daquele advogado .

As peças processuais juntas no dia 18 .6.2007 e no dia 27.7.2007 respeitam à motivação e contramotivação , respectivamente e a questão em causa é unicamente a respeitante àquela data .

O Tribunal da Relação tem-se limitado a conhecer de questões de que não devia porque os assistentes não deduziram qualquer recurso , mas sim ao STJ , pelo que se verifica a incompetência material da Relação . Esta não pode declarar que está em causa , apenas , o pedido cível e que os assistentes deduziram motivação , já que esta foi para o STJ , por isso a contramotivação foi para o STJ , ante este , nenhumas conclusões tendo sido apresentadas à Relação .

O único recurso de conhecer é o interposto em 18.6.2007 , havendo omissão de pronúncia , nos termos do art.º 379.º n.º 1 c) , do CPP .

E terminam os advogados arguidos , que se dizem assistidos por um Sr. advogado por concluir pela revogação-anulação do acórdão recorrido .

Este recurso foi admitido por despacho de fls . 1764 .

IX . Entretanto a fls . 1752 o Exm.º Sr. Juiz Conselheiro , Vice Presidente do STJ , como aludido no Cap.VII , conhecendo da reclamação que lhe foi dirigida , despachou no sentido de , “ como resulta do art.405.º , do CPP , a reclamação dirigida ao presidente do tribunal superior só pode incidir sobre um despacho do tribunal “ a quo que não admita ou retenha o recurso , o que não foi o caso .

X. Este STJ , na sequência processual , ordenou que a Relação se pronunciasse sobre o recurso interposto pela arguida BB a fls 1539 referente ao acórdão proferido em 25.3.2008 , a fls . 1539 , o que foi cumprido a fls . 1773 .

XI . Neste STJ o Exm.º Procurador Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso em que a arguida BB arguiu nulidades perante a Relação não é admissível , por força dos art.ºs 420.º n.º 1 b) , 414.º n.º 2 e 400.º n.º 1 c) , do CPP .

XII . No tribunal de 1.ª instância o factualismo provado é o seguinte :

Os assistentes constituíram seus mandatários judiciais AA e BB , no âmbito dos processos de expropriação n.ºs 438/94 e 2923 /93 , respectivamente no 2.º Juízo Cível e 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Almada .

Em ambos os processos os assistentes emitiram procurações a favor dos arguidos com poderes especiais , nomeadamente de “ receberem precatórios –cheques “ .

Os arguidos investidos destes poderes levantaram do Tribunal Judicial de Almada em 17 de Novembro de 1993 , no âmbito do P.º n.º 2923 /93 , do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Almada um precatório cheque no valor de 3.503 .000$00 ( três milhões quinhentos e três mil escudos) .

Em Agosto de 1994 , no âmbito do processo n.º 438/94 , do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Almada , um precatório-cheque no valor de 7.895.600$00 ( sete milhões oitocentos e noventa e cinco mil escudos ) ; em 15 de Dezembro de 1995 , no âmbito do processo n.º 2923 /93 , do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Almada , um precatório cheque no valor de 16.099.500$00 ( dezasseis milhões noventa e nove mil e quinhentos escudos ) .

Em 8 de Dezembro de 1993 os arguidos procederam ao depósito na sua conta pessoal n.º ... , do precatório cheque do valor de 3.503.000$00 acima referido .

Em 4 de Agosto de 1994 os arguidos procederam ao depósito na sua conta pessoal n.º ..., da CGD , do precatório cheque no valor de 7.895.600$00 , acima referido .

Em 22 de Dezembro de 1995 os arguidos procederam ao depósito na sua conta pessoal n.º ... , da importância de 17.615.637$50 , na qual estava integrada a quantia de 16.099.500$00 referente ao precatório cheque acima referido .

Os assistentes não deram conhecimento aos assistente do recebimento dos precatórios cheques nem dos depósitos efectuados até finais de Dezembro de 1995 .

Em finais de Dezembro de 1995 , em dia não concretamente determinado , mas posterior ao dia 22 , os arguidos convocaram uma reunião com os assistentes no seu escritórios para “ fazerem contas “ .

Foi nesta reunião que deram conhecimento aos assistentes que tinham em seu poder a quantia de 3.503.000$00 relativo ao processo n.º 2923 /93 , desde Novembro de 1993 , que tinham em seu poder a quantia de 16.099.500$00 , relativo ao mesmo processo desde 15 de Dezembro de 1995 e que tinham também recebido importâncias no âmbito processo n.º 483/94 , sem especificar , contudo , a data e o montante do recebimento .

Os assistentes não concordaram com a nota de honorários apresentada nomeadamente quanto às despesas referentes à alegada equipa de engenheiros .

Solicitaram aos arguidos por carta registada de 3 de Janeiro de 1996 que procedessem à entrega da quantia que tinham em seu poder referente ao processo 483 / 94 no prazo de 8 ( oito) dias .

Como os arguidos não procederam à entrega da mencionada quantia os assistentes revogaram as procurações anteriormente conferidas aos arguidos , nos dois processos cíveis em causa .

Pese embora tenham sido interpostos pelos arguidos recursos relativos à revogação das procurações , os tribunais superiores confirmaram a legalidade destes actos .

Como se verifica dos extractos de conta constantes de fls . 708/725 , os arguidos desde a data dos respectivos depósitos , procederam à utilização em proveito próprio das quantias depositadas e acima mencionadas e embora soubessem que tais quantias não eram suas e que se encontravam com o domínio provisório das mesmas , dispuseram delas de forma injustificada e não as entregaram aos legítimos proprietários -os assistentes –como era devido mesmo depois de interpelados para o efeito .

Agiram com a intenção de disporem das referidas quantias e de as não entregarem aos seus legítimos proprietários , como era devido , mesmo depois de interpelados para o efeito.

As condutas dos arguidos materializaram-se em actos de natureza idêntica , sendo certo que o êxito alcançado inicialmente , a persistência das circunstâncias que o determinaram e o sentimento de impunidade daí resultante contribuíram de forma decisiva para o prolongamento no tempo de tais condutas .

Agiram livre , voluntária e conscientemente , embora soubessem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei .

Só em 30 de Maio de 2000 é que os arguidos entregaram aos assistentes referente ao processo cível n.º 2923 /93 a quantia de 19.602.500 $00 ( dezasseis milhões seiscentos e dois mil e quinhentos escudos ) através do cheque n.º ... , na sequência de decisão do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados , nos termos do art.º 84.º n.º 3 , do Estatuto da Ordem dos Advogados , após pagamento pelos assistentes de uma caução no valor de 3.080.000 $00 ( três milhões e oitenta mil escudos ) .

Os arguidos foram condenados no âmbito do processo disciplinar n.º 330/D /1999 instaurado por denúncia dos assistentes e pela matéria relativa a estes autos , na suspensão do exercício da advocacia por 10 anos e acessoriamente na restituição de todas as quantias devidas aos participantes no âmbito dos processos de expropriação , ainda não devolvidas e na perda de honorários , incluindo os já recebidos , não tendo tal decisão transitado .

Os arguidos têm antecedentes criminais pela prática do crime de denúncia caluniosa ocorrido em 9.4.99 , tendo sido condenados na pena de multa à taxa de € 12.60 , por sentença de 30.3.2006 .

Os assistentes nada pagaram aos arguidos a título de provisão para despesas no âmbito dos processos de expropriação .

XIII . Uma outra face da questão processual atinente aos arguidos : estes interpuseram recurso em 3.2.2003 , dos despachos de fls . 532 e 533 e de fls . 867-869 , este por não reanalisar a questão da amnistia , prescrição - rearquivamento dos autos e indeferir a nulidade de todo o processado com base na ausência de advogado -constituído desde 6.10.2004- , em debate instrutório , operando-se a não notificação do advogado que requereu a sua suspensão , sem constituição de novo e sua notificação para requerer novas diligências , bem como na condenação nas custas do incidente em 10 UC,s a cada um dos arguidos ( que “ ultrapassa , dizem , os limites do bom senso “ ) e sobre a reclamação deduzida em 24.3.2006 .

O recurso incidente sobre este último despacho –de fls . 867 -869 – admitido a fls . 937 , a subir de imediato e em separado dos autos no efeito meramente devolutivo , não foi apreciado pela Relação , pois que , por seu Ac. de 16.11.2006 , decidiu dele não tomar conhecimento , interpondo recurso para o STJ e TC , também inadmitidos , sendo a reclamação subsequente para os Exm.ºs Presidentes de tais Tribunais desatendida .

No despacho de fls . 532 e 533 decidiu –se que tendo sido a instrução requerida após a morte dos assistentes , F...A... e F...M... , entendeu-se que a a instrução prossegue com os demais , não havendo lugar ao incidente de habilitação de herdeiros inaplicável em processo penal , sendo os interessados sobrevivos que deviam desencadear a habilitação de assistência , segundo os moldes previstos no art.º 68.º n.º 1 b) , do CPP .

Conclusões atinentes a esse recurso :

O impulso para a instrução provém dos sujeitos privados da relação processual;

A instrução pode ser requerida apenas para a resolução de uma questão de direito : prescrição , legitimidade , revogação e inconstitucionalidade da norma , inexistência de crimes , etc , e nesta não pode ter lugar a prática de actos de instrução .

A realização de actos de instrução carece de satisfação do princípio da legalidade , nos termos do art.º 118 .º , do CPP .

Não se pode recorrer à analogia de normas diametralmente opostas –art.ºs 68.º e 519.º , do CPP .

Com a morte dos impulsionadores do processo passam a inexistir actos legitimados , devendo decorrer a nulidade dos actos subsequentes .

A interpretação das normas dos art.ºs 519.º n.º 3 e 68 .º , do CPP , no sentido de inexistir habilitação de assistência ao contrário da declaração de nulidade de todo o processo , afecta o princípio constitucional da legalidade , nos termos dos art.ºs 20.º n.º 4 e 32.º n.º 5 , da CRP , pelo que deve ser revogado tal despacho .

A Relação não tomou conhecimento do recurso e o arguido advogado interpôs , de seguida , recurso para o STJ e TC , mas ambos os recursos lhe foram rejeitados por despacho de 7.2.2007 e , tendo sido objecto de reclamação, a ambas se desatendeu .

Por sua vez no despacho proferido a fls . 970 escreveu-se que “ Considerando que apenas agora alegam os arguidos querer litigar em causa própria e por ser um direito que lhes assiste satisfaça-se “ , devem os arguidos ponderar .

XIV . Como questão prévia , em ordem a introduzir um fio lógico na decisão , importa ter presente que o poder cognitivo deste STJ debruçar-se-à , inicialmente , sobre a auto-representação em juízo pelos arguidos , ambos advogados , que ora constituem advogado , ora intervêm , por si , sob a alegação de que o seu direito à defesa , nos art.ºs 61.º n.º 1 e) e 62.º , do CPP , não veda que possam estar , por si , em juízo, tal como é consentido nos termos previstos no art.ºs 54.º e 164 .º , do EOA .

Do recurso interposto do despacho de fls . 867, para a Relação de Lisboa , decidiu este Tribunal por seu Ac. de 16.11.2006 , não tomar conhecimento dele , por virtude de o requerimento de interposição se mostrar assinado pelo arguido na qualidade de advogado em causa própria ser ineficaz e , portanto , a ratificação que desse acto se faça ulteriormente peca por extemporaneidade .

A questão em debate é muito antiga( já abordada por Luís Osório no domínio do CPP de 29 , TI , págs . 285 /286 , e sedimentada desde o conhecido Ac. deste STJ , de 24.1.39 , Col. Of . , 78, pág. 15 ) e tem conhecido resposta que , no âmbito do direito processual penal , tem apontado ao nível da jurisprudência e doutrina para a tese da inadmissibilidade de o arguido advogado litigar em causa própria . – cfr. Código de Processo Penal , Anotado por Vinício Ribeiro , pág. 101 e Maia Gonçalves , Código de Processo Penal , Anotado , jurisprudência citada em comentário ao art.º 62.º .

Decerto que se reconhecem ponderosos interesses em o arguido , advogado , auto-patrocinar e promover –se , mas não menos relevante é o reconhecimento de essa defesa ou promoção dever ter lugar num clima desapaixonado e de serenidade , o que no fundo milita no próprio interesse do advogado arguido e da justiça em geral , tanto mais que essa qualidade não o pode silenciar no exercício dos direitos de defesa esparsos no art.º 61.º , do CPP e 32.º , da CRP , que asseguram ao arguido o direito a um processo justo , a “ due processo of law”.

A independência ou a equidistância em relação à questão a decidir concorrem decisivamente para o apuramento da descoberta da verdade material e conferem à defesa condição de credibilidade necessária para a sua imagem , sendo que o facto de o advogado poder advogar em causa própria não pode validamente retirar-se que o possa fazer no âmbito específico do processo penal , pois aí se discutem prevalentemente interesses públicos, que é de todo o pragmatismo uma interpretação restritiva, atenta a fundada dicotomia direito processual civil –direito processual criminal , baseada na específica natureza dos interesses em confronto, em termos que não sejam confiados ao próprio acusado advogado , isto sem ofensa a qualquer princípio de igualdade .

No fundo trata-se de tratar diferentemente aquilo que é desigual –art.º 13.º , da CRP .

Depois da entrada em vigor da Lei n.º 49/2004 , de 24/8 , que veio definir os actos que podem ser praticados pelos advogados e de se estipular que , em processo penal , sempre que o arguido seja assistido por defensor essa função é obrigatoriamente exercida por advogado , além de que só são actos próprios de advogados os que forem exercidos no interesse de terceiros e no âmbito da actividade profissional –art.º 1.º n.ºs 7 e 10 -, pode considerar-se assente que o advogado arguido carece de constituir advogado que o defenda , atendendo a que o exercício da advocacia é incompatível com qualquer cargo , função ou actividade que afectem a isenção , independência e dignidade da profissão , dispõe o art.º 76.º n.º 1 , do E O A , aprovado pela Lei n.º 15/2005 , de 26/1 , revogando o antecedente .

Impõe-se, pois, claramente , uma demarcação entre o advogado arguido e o advogado defensor , funções que , confundindo-se , gerariam dificuldades práticas de execução , o que sucederia por ex.º na tomada de declarações ao ofendido ou inquirição de testemunhas arroladas pela parte contrária , tudo fonte de inextricáveis querelas e disfunções sem resultado útil à vista .

Falta , em tal caso , “ a serenidade desinteressada ( fundamento psicológico ) (…) que se fazem mister à boa condução do pleito “ , são judiciosas palavras e de permanente actualidade do Prof. Manuel de Andrade , in Noções Elementares de Processo Civil , pág. 85) .

Não se trata de minimizar o estatuto de advogado , mas de reconhecer a supremacia do interesse colectivo e público da administração da justiça sobre o interesse individual , sendo que nem por isso , ou seja pela constituição de outro advogado , que goza do poder de acompanhar de perto , de forma menos aparente , é certo , os seus interesses saem beliscados .

Por outro lado idêntica disciplina se impõe quando seja arguido magistrado , cfr. o Ac. deste STJ , de 24.9.2003 , P.º n.º 1112/03 , onde , em debate instrutório se exigiu a representação de magistrado por advogado .

Até porque recai sobre o defensor enquanto órgão autónomo da administração da justiça colaborar na descoberta da verdade e na realização do direito , estando, à partida esconjurado o risco de uma defesa frouxa e qualitativamente duvidosa .

Da leitura do acórdão no caso Engel e outros poderia deduzir –se que , escreve Ireneu Cabral Barreto , In Comentário à Convenção Europeia dos Direitos do Homem , pág. , 117 , o acusado que pode defender-se por si não tem direito a um defensor oficioso , mas a al.c) , do n.º 3 , do art.º 6 .º , da CEDH , não erige em direito absoluto o de o acusado se defender a si próprio , podendo os Estados pela via legislativa ou por via judicial impõr a obrigação de a defesa ser confiada por advogado .

Mesmo ante a comunicação do Comité dos Direitos do Homem , de 18.4.2006 , Portugal não anuiu a modificar “ ex professo “ ou sem o ser , o direito interno no sentido pretendido pelos arguidos , não havendo razões válidas para divergir de um entendimento enraizado ao nível da jurisprudência e doutrina , neste plano convergindo , também , os entendimentos do Prof. Germano Marques da Silva , Curso de Processo Penal , I , 316 , nota 2 e , como citado , Luís Osório, in Comentário ao Código de Processo Penal de 1929 , I , págs . 285/286 . Idem o Parecer n.º E -21/97 , do CGOA , de 4.5.99 , os Acs . do STJ , de 19.3.98 , BMJ 475 , 495 , da Rel. Évora , de 25/9/99 , CJ , 1999 , III , 291 , da Rel. Porto , de 5.6.2002 , da Rel. de Guimarães , de 3.5.2004 , P.º n.º 390 /04 e da Rel . Coimbra de 13.6.2007 , P.º n.º 910/06 .1TBCTR.C1

O próprio TC , fiscalizando a conformidade constitucional de semelhante interpretação , na esteira dos direito de defesa , ao trabalho e à igualdade , fê-lo numa abordagem que não abona o ponto de vista dos advogados arguidos , pelo contrário opõe-se –lhes –cfr . o paradigmático Ac. n.º 497/89 , publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional , 14.º Vol. , págs . 227 a 247 , onde se escreveu que a proibição de o advogado sendo arguido se defender tem a inegável vantagem de “ permitir que a defesa dos seus interesses seja feita de modo desapaixonado “ , solução que foi acolhida em toda a linha no Ac. n.º 960/06 , de 14.3.2007 , no Ac. n.º 578/2001 , in Acórdãos do Tribunal Constitucional , 51.º Vol . , pág. 655 e segs ., citado no Ac. de 17.5 . 2006 , P.º n.º 236/06 .

A própria CRP ao assegurar ao arguido o seu ilimitado direito de defesa deixa ao legislador ordinário os moldes em que ela pode ser exercida e por quem , o que não invalida que ao s arguidos advogados assista o direito , de per si , subscreverem e endereçarem ao processo , para o exercício do seu direito de defesa, nos termos do art.º 98.º n.º 1 , do CPP , exposições , memoriais e requerimentos , que não envolvam questões de direito , estando-lhe vedado contudo interpor , motivando o recurso , onde, de resto , suscitam questões daquela evidente natureza .

Na fase de recurso é obrigatória a assistência do arguido por advogado, sob pena de nulidade insanável –art.º119.º c) , 62 .º e 64.º d) , do CPP - e , portanto , o requerimento com a motivação por quem sendo arguido advogado não pode fazê-lo , integra a prática de acto “ contra-legem “ , desvio processual , nulidade , por força do princípio da legalidade –art.º 118.º , do CPP -e de natureza insanável , atenta a obrigatoriedade da assistência na fase de recurso .

E assim tudo apontaria , ante a interposição de recurso pelos advogados arguidos , no enfoque conferido pela Relação , no sentido de se entender que o acto de interposição do recurso enferma de nulidade e que a concebida ratificação como diz a Relação , fora do prazo de interposição válida , levaria a reputar como não interposto e dele se não conhecer .

Mas não é assim , pois que tendo sido proferido acórdão em 1.ª instância datado de 1.6.2007 , porém com declaração de depósito em 5.6.2007 , conforme certificado a fls . 1151 -em acta da audiência contra o que os assistentes afirmam , não foi instaurado qualquer recurso - constata-se que a motivação do recurso para a Relação, da decisão final , foi presente em 18 de Junho de 2007 -fls . 1178 e segs . , subscrita é certo pelos arguidos ,porém também se verifica –fls . 1182 –que nela figura a assinatura de M...A... , advogado , a quem os advogados arguidos conferiram procuração , com poderes para interpor recursos , ratificando o processado –fls . 1240 .

Nessa medida a questão sofre outro rumo . De acordo com a regra “ utile per inutile non vitiatur “ e o princípio do maior aproveitamento dos actos processuais , pois que a nulidade em que incorreram não se comunica ao seu advogado constituído que , ao fim e ao cabo , interpôs recurso em tempo e do qual importa conhecer .

Actualmente não é possível recorrer das decisões da Relação que não conheçam a final , do objecto do processo ou seja que não conheçam do mérito da causa , ou seja da acusação , absolvendo ou condenando –art.º 400 .º n.º 1 c) , do CPP , após a alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007 , de 29/8 .

Antes , e correspondentemente , a inadmissibilidade do recurso era extensiva aos acórdãos que não pusessem termo ao processo , segundo a alteração introduzida pela Lei n.º 59/98 , de 25/8 , alargando , contudo , a lei nova a irrecorribilidade – Cfr, Paulo Pinto de Albuquerque , Comentário do Código de Processo Penal , pág. 1002.

Punham termo ao processo , no regime processual penal pré-vigente , os acórdãos finais , conhecendo do mérito , mas, ainda os que não pondo, fazem cessar a relação jurídica processual , o “ jus puniendi “ , impedindo a sua prossecução , como o acórdão da Relação , cujo não conhecimento impediu a pronúncia sobre um leque amplo de questões , suscitadas , de resto , repetidas vezes .

XV.Outra questão :

Decorre do exposto que tendo os arguidos constituído advogado , seu patrono no processo , a notificação que lhe foi feita para apresentar resposta ao parecer do M.º P.º, neste STJ , nos termos do art.º 417.º n.º 2 , do CPP , envolvendo matéria de direito , estava vedado aos arguidos advogados , por não poderem auto-patrocinar-se , apresentarem resposta , de acordo com o pré-citado art.º 98.º n.º 1 , do CPP .

Reclamaram , contudo , para a conferência a fim de que esta se pronunciasse sobre a bondade do despacho do relator em que se ordenou o desentranhamento e entrega em momento posterior da resposta ao parecer do Exm.º Procurador Geral -Adjunto neste STJ , por se sentirem prejudicados com tal despacho , jamais cedendo ao enfoque , sistematicamente defendido nos autos , sem protecção constitucional , de que podem auto –representar –se .

O teor da resposta envolve , clara , extensa e irrefutável e repetida matéria de direito .

De qualquer modo , a notificação para os fins do art.º 417.º n.º 2 , do CPP , foi legalmente endereçada ao seu defensor constituído nos autos , só a ele, validamente , incumbindo a resposta, atendendo ao seu conteúdo e estatuto profissional .

De outra maneira ocorre perguntar pela razão de ser da constituição , que , de resto , envolve o reconhecimento dessa mesma impossibilidade legal ; os arguidos introduzem com isso uma nota de perturbação ao nível do processo porque a ser assim jamais se alcança quando as notificações devem ser feitas a ambos ou ao seu advogado ou a todos conjuntamente .

XVI . Ao terminarem a resposta informando , a final , que “ A assistência está a cargo do ilustre advogado constituído (…) “ só se concebe o termo assistência num uso que se não coaduna com a lei –art.º s 64 .º e segs . , do CPP - , porque quando a lei consigna que o arguido é assistido por defensor tal assistência é absolutamente inconciliável com a sua auto-representação , porque dela excludente, supondo a confiada a pleno defensor , menos ainda com um seu ( do advogado constituído) estatuto menor , que , por certo , está fora das suas mentes atribuir-lhe , confinado simples assessor , colaborador, etc..

XVII . Nesta conformidade quando , por discordarem do despacho do relator e requerem que os autos sejam presentes à conferência , para avaliar do bem fundado do despacho só resta confirmá-lo .

XVIII . De todo o exposto:

-se confirma o despacho recorrido , reclamado para a conferência .

- se revoga o acórdão recorrido da Relação quanto à parte penal , ficando prejudicada a apreciação das demais questões incluindo a cível enxertada , e que aquela revogação afecta , não podendo subsistir .

Custas pelos arguidos . Taxa de justiça : 7 Uc,s , relativamente à confirmação acima decretada em conferência .

Supremo Tribunal de Justiça, 1 de Julho de 2009

Armindo Monteiro (Relator)

Santos Cabral