Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1755/15.3T8CTB-D.C1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INSOLVÊNCIA
ENTIDADE EMPREGADORA
FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
OFENSA DO CASO JULGADO
Data do Acordão: 02/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- O Fundo de Acidentes de Trabalho garante o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica, não possam ser pagas pela entidade responsável.

II- A intervenção do Fundo de Acidentes de Trabalho no processo é posterior ao trânsito em julgado da sentença que definiu os termos da responsabilidade da entidade empregadora. Sendo um terceiro nessa ação, o Fundo de Acidentes de Trabalho não teve a oportunidade de defender os seus interesses, pelo que deverá poder discutir se estão verificados os pressupostos da transferência da responsabilidade e os concretos termos em que essa transferência deve ocorrer, designadamente se o âmbito e termos de responsabilização da entidade empregadora excedem ou não os termos e limites de responsabilização do Fundo de Acidentes de Trabalho, previstos no Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril.

III- No entanto, no caso, não concordando o FAT, designadamente, com o pagamento das quantias relativas a título dos danos patrimoniais constantes da sentença condenatória de 23.03.2018, deveria ter recorrido do despacho datado de 29.04.2020, que definiu os termos da transferência da responsabilidade da entidade empregadora para o FAT, no sentido de que relativamente ao valor da pensão o FAT não respondia pelo valor relativo ao seu agravamento, em resultado da inobservância por parte da entidade empregadora das regras de segurança no trabalho, mas responsabilizou ainda FAT por todas as demais prestações a título de danos patrimoniais em que a entidade empregadora do sinistrado foi condenada na referida sentença de 23.03.2018, transitada em julgado.

IV- Tendo o referido despacho de 29.04.2020, transitado em julgado, tem força obrigatória e vincula as partes, no caso o Sinistrado e o Fundo de Acidentes de Trabalho – artigo 619.º do CPC.

V- Deste modo, o acórdão do Tribunal da Relação ao julgar procedente a apelação, revogando o despacho recorrido proferido em 01.06.2020, alterou o sentido da decisão do despacho de 29.04.2020 que transitado em julgado, havia definido os termos em que a responsabilidade da entidade empregadora, definida na sentença condenatória de 23.03.2018, havia sido transferida para o FAT, ao abrigo do DL n.º142/99, violando assim o caso julgado imposto pelas referidas decisões. 

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 1755/15.3T8CTB-D.C1. S1

Recurso de Revista

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

AA intentou ação especial emergente de acidente de trabalho contra Mobileão, Lda. e Mapfre – Seguros Gerais, S.A.

Em 23.03.2018, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, tendo sido decidido:

1. Absolver a ré seguradora dos pedidos formulados.

A - Julgar o autor portador de uma incapacidade permanente parcial de 100%, com IPATH para a profissão de carpinteiro de 1ª, a partir do dia 30.04.2016.

B - Fixar a pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado no montante de € 8.910,00€, a suportar pela entidade empregadora. Tal pensão será a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual. A mesma será acrescida de Subsídios de férias e de Natal, cada qual correspondente a 1/14 da pensão suprarreferida, a satisfazer nos meses de junho e novembro;

C – Fixar a indemnização por incapacidade temporária no montante de 7.202,25€ euros, a pagar pela ré entidade empregadora;

D – Fixar o subsídio de elevada incapacidade permanente no montante de € 5.400€, a pagar pela ré entidade empregadora;

E – Fixar o subsídio para readaptação de habitação no montante de € 5.333,68€, a pagar pela ré entidade empregadora;

F – Fixar a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no montante de € 200€ mensais, a pagar pela ré entidade empregadora, nos termos acima referidos;

G – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 830,60 € pedida a título de despesas de farmácia, fisioterapia e deslocações;

H – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 43.200 € pedida a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos;

I – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 25.200 € pedida a título de indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, depois evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele;

J – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 10.780,88€ pedida a título de indemnização pelas obras de adaptação que o autor realizou na sua residência (a acrescer ao subsídio atribuído em E));

K – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 25.000 € pedida a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor;

L - Condenar a ré entidade empregadora no reembolso ao Instituto de Segurança Social, I.P., Centro Distrital ..., da quantia de € 5.839,57 a que o Autor teria direito a receber de indemnização por incapacidade temporária, a deduzir do montante desta;

M - São devidos juros sobre as quantias referidas em B), C), F), G), J) e K), à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento.

A entidade empregadora foi declarada insolvente por sentença de 09.01.2020, transitada em julgado no dia 12.02.2020, proferida no processo n.º 814/19.8T8FND que corre termos no Juízo de Comércio do Fundão.

Em 28.02.2020, o Sinistrado requereu que se ordenasse que o pagamento dos créditos no montante de 145.567,41 € fosse assegurado pelo Fundo de Acidentes de Trabalho.

Em 29.04.2020, foi proferido despacho pelo Tribunal de 1.ª Instância que conclui: Porque assim, ao abrigo do que vai disposto nos artigos 283º, nº 6, do Código do Trabalho, 82º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04.09. (NLAT) e 1º, nº 1, al. a), e 4, do DL. nº 142/99, de 30.04, deverá o FAT proceder ao pagamento do diferencial entre o valor das prestações agravadas da responsabilidade da entidade empregadora e o valor das prestações normais, atendendo a que, face à data em que o ocorreu o acidente de trabalho em causa (13-07-2015), o FAT não responderá pelo valor relativo ao agravamento, nos termos do disposto no artigo 1º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de maio.

Quanto ao valor devido a título de indemnização por incapacidades temporárias, deverá ser também deduzido o montante pago pela Segurança Social a título de subsídio de doença conforme resulta da sentença proferida, atenta a natureza não cumulável de tais prestações.

Deste despacho não foi interposto recurso.

              

Em 12.05.2020, o Sinistrado requereu que o Fundo de Acidentes de Trabalho fosse notificado para proceder de imediato ao pagamento ao Sinistrado, pela totalidade, da pensão anual da responsabilidade da entidade patronal e todas as demais prestações a que foi condenada, tal como definidas nas alíneas B) a J) da parte decisória da douta Sentença proferida em 23.03.2018, já transitada em julgado.

Na sequência, em 1.06.2020, o Tribunal de 1.ª Instância proferiu o seguinte despacho:

Notifique o FAT para, em 15 dias, comprovar nos autos o pagamento ao sinistrado da pensão anual da responsabilidade da entidade patronal, bem como das demais prestações a que mesma foi condenada, tal como definidas nas alíneas c) a I) da parte decisória da sentença proferida em 23.03.2018, já transitada em julgado, a saber:

c) Subsídio de elevada incapacidade permanente no valor de € 5.400,00;

d) Subsídio para readaptação de habitação no montante de € 5.333,68;

e) Prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no montante de € 200,00 mensais;

f) Despesas de farmácia, fisioterapia e deslocações no montante de € 830,60;

g) Indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos, no valor de € 43.200,00;

h) Indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele, no valor de € 25.200,00;

i) Indemnização pelas obras de adaptação na residência do sinistrado, no montante de € 10.780,88;

Quanto ao pagamento da indemnização por ITA, verifica-se que o valor da mesma, calculada sem agravamento, ascende a 5.485,14€, pelo que atendendo a que a título de subsídio de doença o sinistrado recebeu da Segurança Social a quantia de 5.839,57€, valor superior ao que teria direito relativamente à indemnização por ITA, nada mais lhe será devido a este título pelo FAT.

O Fundo de Acidentes de Trabalho, inconformado, interpôs recurso de apelação deste despacho proferido em 1.06.2020.

Por acórdão de 11.09.2020, o Tribunal da Relação ... decidiu julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida nos segmentos em que determinou que o apelante é responsável pelo pagamento do subsídio de readaptação da habitação em montante superior a 5.333,68 euros, assim como das indemnizações de 43.200€ e de 25.200€ arbitradas pela sentença de 23/3/2018, com a consequente absolvição do apelante das correspondentes condenações impostas pela decisão recorrida; tudo sem prejuízo do FAT dever satisfazer em espécie ou por equivalente pecuniário, sempre e sem limitação de valor, todas as necessidades do sinistrado de utilização de fraldas, resguardos, cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, e evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele.

O Sinistrado, inconformado, interpôs recurso de revista com as seguintes Conclusões:

1. Compete ao Estado, através das Autoridades, entidades e organismos competentes, a responsabilidade de fiscalizar o estrito cumprimento das normas de segurança por parte das entidades empregadoras.

2. O Recorrente, como abundantemente demonstrado e decidido nos presentes autos, sofreu um grave acidente de trabalho, decorrente do incumprimento das normas de segurança por parte da sua entidade empregadora, e, quando tal sucede, além da evidente falha da entidade empregadora, também o próprio Estado falha, como sucedeu in casu, ao não supervisionar e fiscalizar a observância das normas de segurança e ao não as fazer cumprir e a existência e validade de seguro de acidentes de trabalho.

3. Por douta Sentença proferida em 23.MAR/2018, há muito transitada em julgado, a então entidade empregadora do sinistrado, “Mobileão, Lda.”, foi condenada a pagar ao sinistrado as quantias discriminadas na parte decisória da mesma.

4. Tais quantias jamais foram pagas pela responsável, “Mobileão, Lda.”, que, por Sentença datada de 09.JAN/2020, transitada em julgado em 12.FEV/2020, foi declarada insolvente no âmbito dos autos de Insolvência Pessoa Coletiva, que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo de Comércio do Fundão, sob o número de processo 814/19.8T8FND.

5. Não fora a insolvência da entidade empregadora do Recorrente e este teria direito a receber todas aquelas quantias discriminadas na parte decisória da Sentença de 23.MAR/2018, como doutamente decidido pelo Tribunal de 1ª Instância.

6. Face à insolvência da entidade empregadora do Recorrente, e sendo obrigação do Estado assegurar a prestação do trabalho em condições de segurança, tendo o sinistrado sofrido um acidente de trabalho que o deixou numa situação de paraplégico, não pode, salvo o devido respeito, ver-lhe atribuída uma quantia inferior à correspondente aos prejuízos que sofreu, concretamente na adaptação da sua habitação à sua situação de paraplégico, e as indemnizações que lhe foram atribuídas pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos e pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele.

7. Não é admissível que a lei possa ser interpretada no sentido em que um facto infortunístico, que, em absoluto, não depende da vontade ou atuação do sinistrado, como é a solvabilidade da sua entidade empregadora, possa influenciar o valor que o mesmo tem direito a receber em resultado e como consequência de um acidente de trabalho.

8. O douto Acórdão recorrido fez uma errada interpretação do artigo 1º nº 5 do Decreto-Lei nº 142/99, de 30 de abril, na redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 185/2007, de 10 de Maio, ao considerar que o FAT não responde pelas prestações infortunísticas agravadas devidas pela atuação culposa do empregador ou por violação de regras de segurança e saúde no trabalho.

9. Ao contrário do sustentado na decisão recorrida, no preâmbulo do DL 185/07 não exclui da responsabilidade do FAT o pagamento de indemnizações e outras prestações correspondentes ou decorrentes do agravamento resultante da atuação culposa por parte da entidade empregadora.

10. O Preâmbulo do DL 185/07 refere-se, exclusivamente a “pensões”, ou seja, in casu à pensão anual e vitalícia a que o Recorrente tem direito.

11. Da leitura do preâmbulo do aludido diploma legal não resulta a exclusão da responsabilidade do FAT no pagamento das demais prestações em causa, designadamente, a quantia de € 16.114,56 despendida pelo sinistrado em obras de adaptação da sua habitação, € 43.200,00 arbitrados pela Sentença de 23/3/2018 a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos, e dos € 25.200,00 arbitrados pela mesma sentença a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes das despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, e evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele.

12. Nos termos do artigo 23º da LAT, o sinistrado tem direito “… às prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa” nelas se incluindo, indiscutivelmente, o fornecimento de fraldas, resguardos, cremes, loções e medicamentos de que o Recorrente carece.

13. Não colhe a interpretação e a conclusão inserta na douta decisão recorrida de que, nos termos do nº 5 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 142/99, de 30 de abril, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei nº 185/2007, de 10 de maio, o FAT não responde pelo pagamento da quota-parte correspondente ao agravamento das prestações em que a entidade empregadora foi condenada, referindo-se que “dispõe o artigo 1º nº 5, do referido Decreto-Lei nº 142/99 que “verificando-se alguma das situações referidas no nº 1 do artigo 295º, sem prejuízo do nº 3 do artigo 303º, todos da Lei nº 99/2003 de 27 de agosto, o FAT apenas responde pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido atuação culposa”.

14. Tal conclusão não poderá obter provimento, porquanto os diplomas legais a que se alude no douto Acórdão Recorrido (DL 142/99 de 30 de abril e DL 185/2007, de 10 de maio), são ambos anteriores ao atual Código do Trabalho, sendo certo que tais diplomas legais fazem remições para a Lei nº 99/2003, de 27 de agosto, ou seja, para o anterior Código do Trabalho, entretanto revogado.

15. O atual Código do Trabalho segue um ratio diferente, pois nos termos do nº 6 do artigo 283º do atual Código do Trabalho, “a garantia do pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida pelo Fundo de Acidentes de Trabalho”.

16. Inexiste qualquer limitação ao pagamento do FAT ao sinistrado, independentemente da culpa da entidade empregadora na ocorrência do acidente.

17. Com a alteração do ratio do atual Código do Trabalho em relação ao Código anterior, no que a esta matéria diz respeito, pretendeu o legislador que o FAT passasse a assumir plenamente toda a responsabilidade material pela reparação devida pela ocorrência de acidente de trabalho.

18. A Lei nº 99/2003 foi revogada e substituída pelo Código do Trabalho atualmente em vigor, nos termos do qual a responsabilidade do FAT pelo pagamento das pensões e prestações devidas ao sinistrado é total.

19. Caso assim se não entendesse, o Estado, através das entidades e organismos competentes, não asseguraria o direito dos trabalhadores sinistrados à efetiva reparação dos acidentes de trabalho, e deixaria de o fazer precisamente em muitas das situações mais graves, em que os trabalhadores necessitam de maior apoio e em que esse mesmo Estado falhou no cumprimento das suas obrigações, nomeadamente as de assegurar a todos os trabalhadores a prestação de trabalho em condições de saúde e segurança.

20. Pelo que, também por este motivo, a interpretação e a consequente decisão do Acórdão recorrido não pode colher e, consequentemente, deve o FAT ser considerado responsável pelo pagamento ao sinistrado da indemnização pelas obras de adaptação na residência do sinistrado, no montante da € 10.780,88, como consta na alínea i) da parte decisória da douta Sentença de 23.MAR/2018, na medida em que esse é o valor que corresponde à compensação das despesas que o sinistrado, como consequência de ter ficado paraplégico em resultado do acidente de trabalho que sofreu, teve efetivamente de fazer para poder continuar a morar na sua habitação.

 21. E deve o FAT ser considerado responsável pelo pagamento ao sinistrado da indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos, no valor de € 43.200,00, e da indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele, no valor de € 25.200,00.

22. O Tribunal a quo fez uma errada interpretação do artigo 1º nº 5 do Decreto-Lei 142/99, de 30 de abril, na redação introduzida pelo Decreto-Lei 185/2007, de 10 de Maio, que, a prevalecer, violaria o princípio constitucional da igualdade.

23. Ao interpretar aquela norma legal nos termos efetuados, a douta Decisão recorrida confere um tratamento desigual ao sinistrado que, vítima de um acidente de trabalho por violação culposa das regras de segurança por parte do seu empregador, terá um tratamento diferente e compensação diversa da de outro trabalhador, acidentado nas mesmas circunstâncias, apenas e só em função da solvabilidade ou falta dela, da respetiva entidade empregadora.

24. Sendo certo que tal tratamento diferenciado e desigual é totalmente independente da vontade e atuação do sinistrado.

25. Interpretar o artigo 1º nº 5 do Decreto-Lei 142/99, de 30 de Abril, na redação introduzida pelo Decreto-Lei 185/2007, de 10 de Maio, no mesmo sentido da decisão recorrida, em que um facto infortunístico que não depende da atuação nem da vontade do sinistrado, como é a solvabilidade da entidade empregadora, influencie o valor a que o mesmo tem direito a receber em resultado de um acidente de trabalho, configura uma violação do princípio da igualdade, plasmado no art.º13 da Constituição da República Portuguesa.

26. Tal interpretação terá o efeito de conferir um tratamento desigual ao sinistrado que, vítima de um acidente de trabalho por violação culposa das regras de segurança por parte do seu empregador, em função de a sua entidade empregadora se encontrar insolvente, terá um tratamento diferente e compensação diversa da de outro trabalhador, acidentado nas mesmas circunstâncias.

27. O FAT foi constituído e existe para impedir que, em caso algum, os trabalhadores sinistrados fiquem sem receber as pensões e as prestações a que têm direito, ainda que as respetivas entidades empregadoras responsáveis pelo pagamento se encontrem insolventes, ou seja, para conferir igualdade de tratamento a todos os trabalhadores sinistrados, independentemente da solvabilidade – ou falta dela – das suas entidades empregadoras.

28. No caso, estamos perante um tratamento desigual de situações semelhantes, pela simples razão de que, a colher a interpretação plasmada no douto Acórdão recorrido, em caso de acidente de trabalho por violação culposa das regras de segurança por parte do empregador, os direitos do sinistrado às pensões, prestações e indemnizações legalmente estabelecidas estariam dependentes da solvabilidade daquela, originando tratamentos diferentes para situações análogas, direitos diferentes para eventos factuais idênticos, compensações diversas para trabalhadores acidentados em circunstâncias similares.

29. Deve considerar-se inconstitucional, pela violação do princípio constitucional da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 1º nº 5 do DL 142/99, de 30 de Abril, na redação introduzida pelo Decreto-Lei 185/2007, de 10 de Maio, no sentido de que numa situação de um acidente de trabalho em que a empregadora não possuía seguro de acidentes de trabalho válido e que, entretanto, foi declarada insolvente, existindo uma situação de responsabilidade agravada da entidade empregadora traduzida na violação culposa das normas de segurança, o FAT não é responsável pelo pagamento dos valores que a empregadora foi condenada a pagar e que excedem as prestações normais devidas por um acidente de trabalho.

30. O artigo 1º nº 5 do Decreto-Lei 142/99, de 30 de Abril, na redação introduzida pelo Decreto-Lei 185/2007, de 10 de Maio, deve ser interpretado no sentido de o FAT ser responsável pelo pagamento ao sinistrado das prestações normais devidas por um acidente de trabalho, incluindo os valores que a entidade empregadora foi condenada a pagar e que excedem aquelas prestações normais, em virtude de se registar uma situação de responsabilidade agravada da empregadora, sob pena de, entendendo-se em sentido contrário, se violar o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. Sem conceder …

31. Em 28.FEV/2020 o Sinistrado requereu a intervenção do FAT nos presentes autos, no sentido de lhe serem pagas todas as prestações em que a entidade empregadora fora condenada, tal como definidas na Sentença datada de 23.MAR/2018.

32. Como referido anteriormente, por douta Sentença proferida em 23.MAR/2018, há muito transitada em julgado, a então entidade empregadora do sinistrado, “Mobileão, Lda”, foi condenada a pagar ao sinistrado as quantias discriminadas na parte decisória da mesma.

33. Tais montantes jamais foram pagos pela responsável, “Mobileão, Lda.”, que, por Sentença datada de 09.JAN/2020, transitada em julgado em 12.FEV/2020, foi declarada insolvente no âmbito dos autos de Insolvência Pessoa Coletiva, que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo de Comércio ..., sob o número de processo 814/19.8T8FND.

34. Face à impossibilidade de pagamento das quantias devidas por conta da massa falida da “Mobileão, Lda.”, e na sequência do Requerimento apresentado pelo Sinistrado em 28.FEV/2020, por douto Despacho datado de 29.ABR/2020 foi determinado o pagamento, pelo FAT, das prestações devidas ao Sinistrado.

35. É certo que no mencionado Despacho de 29.ABR/2020 se refere que o “FAT não responderá pelo valor relativo ao agravamento”, contudo, tal sublinhado referia-se unicamente ao valor da pensão anual e vitalícia que, por força do disposto no artigo 1º nº 5 do Decreto-Lei nº 142/99, de 30 de abril, na redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 185/2007, de 10 de Maio.

36. Relativamente às demais prestações em causa, designadamente, € 43.200,00 arbitrados pela Sentença de 23/3/2018 a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos, e dos 25.200,00 arbitrados pela mesma sentença a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes das despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, e evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele, as mesmas sempre são devidas, independentemente da responsabilidade agravada por parte da entidade empregadora, nos termos do disposto no artigo 23º da LAT.

37. Isto mesmo resulta do disposto no douto Acórdão recorrido, onde se reconhece que o sinistrado tem direito “… às prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa (art.º23º da LAT/09), nelas se incluindo, sem margem para discussão, o fornecimento de fraldas, resguardos, cremes, loções e medicamentos de que o apelado carece.”

38. Ora, sobre este douto Despacho de 29.ABR/2020, que determinou o pagamento, pelo FAT, das prestações devidas ao Sinistrado, não recaiu qualquer recurso, pelo que, o mesmo transitou em julgado.

39. Em 12.MAI/2020, o Sinistrado, apesar de considerar claro o teor do douto Despacho de 29.ABR/2020, requereu nos autos que se determinasse ao FAT que, “ao abrigo do disposto nos artigos 283º nº 6 do Código do Trabalho, 82º nº 1, da Lei 98/2009, de 04.SET e 1º nº 1 al. a) e 4 do DL nº 142/99, de 30.ABR, proceda de imediato ao pagamento ao Sinistrado, pela totalidade, da pensão anual da responsabilidade da entidade patronal e todas as demais prestações a que foi condenada, tal como definidas nas alíneas B) a J) da parte decisória da douta Sentença proferida em 23.MAR/2018, já transitada em julgado”.

40. Por douto Despacho proferido no dia seguinte, 13.MAI/2020, foi determinado o seguinte: “Aguardem os autos o prazo de contraditório quanto ao requerimento que antecede”.

41. O FAT não exerceu qualquer contraditório ao requerimento apresentado pelo Sinistrado em 12.MAI/2020, por conseguinte, em 01.JUN/2020 foi proferido o Despacho sobre o qual recaiu o recurso de apelação interposto pelo FAT, com o seguinte teor:

Notifique o FAT para, em 15 dias, comprovar nos autos o pagamento ao sinistrado da pensão anual da responsabilidade da entidade patronal, bem como das demais prestações a que a mesma foi condenada, tal como definidas nas alíneas c) a i) da parte decisória da Sentença proferida em 23.MAR/2018, já transitada em julgado, a saber:

c) Subsídio de elevada incapacidade permanente no valor de € 5.400,00; d) Subsídio para readaptação de habitação no montante de € 5.333,68;

e) Prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no montante de € 200,00 mensais;

f) Despesas de farmácia, fisioterapia e deslocações no montante de € 830,60; g) Indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos, no valor de € 43.200,00;

h) Indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele, no valor de € 25.200,00;

i) Indemnização pelas obras de adaptação na residência do sinistrado, no montante de € 10.780,88.

Quanto ao pagamento da indemnização por ITA, verifica-se que o valor da mesma, calculada sem agravamento, ascende a € 5.485,14, pelo que a tendendo a que a título de subsídio de doença o sinistrado recebeu da Segurança Social a quantia de € 5.839,57, valor superior ao que teria direito relativamente à indemnização por ITA, nada mais lhe será devido a este título pelo FAT”. (numeração do Despacho)

42. O douto Despacho de 01.JUN/2020 vem confirmar e ratificar a interpretação feita pelo Recorrente do teor do Despacho de 29.ABR/2020, transitado em julgado, no sentido de que, relativamente à pensão anual e vitalícia o FAT não responde pelo valor relativo ao agravamento, mas não ficou beliscado o direito do sinistrado ao recebimento das demais prestações definidas nas alíneas B) a J) da parte decisória da douta Sentença proferida em 23.MAR/2018, já transitada em julgado.

43. O douto Despacho de 01.JUN/2020 mais não foi de que uma aclaração das consequências do Despacho proferido em 29.ABR/2020, sendo certo que, dessa aclaração resulta uma clara coincidência com a interpretação feita pelo Recorrente do teor do Despacho de 29.ABR/2020, no sentido de o FAT ser responsável pelo pagamento ao sinistrado das demais prestações em causa, entre as quais se incluem, designadamente, € 43.200,00 arbitrados pela Sentença de 23/3/2018 a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos, e € 25.200,00 arbitrados pela mesma sentença a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes das despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, e evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele, conforme expressamente discriminado no aludido Despacho.

44. Não concordando com o pagamento da indemnização pelas obras de adaptação na residência do sinistrado, no montante de € 10.780,88, da indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos, no valor de € 43.200,00 e da indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele, no valor de € 25.000,00, o FAT deveria ter recorrido do primeiro Despacho proferido nesse sentido, datado de 29.ABR/2020.

45. Ao não o fazer, transitou em julgado a decisão de responsabilizar o FAT pelo pagamento ao sinistrado da pensão anual da responsabilidade da entidade patronal e todas as demais prestações a que foi condenada, tal como definidas nas alíneas B) a J) da parte decisória da douta Sentença proferida em 23.MAR/2018, já transitada em julgado, com as legais consequências.

46. Em sentido contrário ao decidido pelo douto Acórdão recorrido e salvo o devido respeito, entende o Recorrente que a Sentença de 23.MAR/2018, proferida no processo principal, vincula o FAT, por força do caso julgado que se formou em torno da mesma, e, em consequência, está aquele Fundo obrigado a assumir em toda sua extensão a responsabilidade emergente do acidente de trabalho para a entidade empregadora do sinistrado, nos exatos termos definidos naquela sentença.

47. As pensões e demais prestações devidas ao sinistrado foram fixadas pela douta Sentença proferida em 23.MAR/2018, a qual transitou em julgado.

48. Nos termos do nº 1 do art.º 619 do Código de Processo Civil, transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos artigos 580º e seguintes.

49. Hipóteses há em que a força do caso julgado se estende a terceiros, designadamente quando a sentença não cause a esses terceiros qualquer prejuízo jurídico (não invalide a própria existência ou não reduza o conteúdo do seu direito), porque deixa íntegra a consistência jurídica do seu direito, embora lhes cause um prejuízo de facto ou económico.

50. É o que se verifica in casu, pois força do caso julgado não causa qualquer prejuízo jurídico ao FAT (quando muito, causa em prejuízo meramente económico) na medida em que, nos termos do nº 3 do artigo 82º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04.09. (NLAT), o Fundo referido constitui-se credor da entidade economicamente incapaz, ou da respetiva massa falida.

51. A sentença de 23.MAR/2020 proferida no processo principal vincula o FAT, por força do caso julgado que se formou em torno da mesma.

52. Pelo que, nos termos do nº 6 do artigo 283º do Código do Trabalho e do artigo 1º nº 1 al. a) e 4 do DL 142/99, de 30.ABR, o FAT é responsável pelo pagamento ao sinistrado de todas as pensões, subsídios e prestações em que foi condenada a entidade patronal, tal como definidas na Sentença proferida em 23.MAR/2018, transitada em julgado, e requerido em 28.FEV/2020, concretamente (numeração da Sentença):

i) - Indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos, no valor de € 43.200,00;

ii) - Indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele, no valor de € 25.200,00;

iii) - Indemnização pelas obras de adaptação na residência do sinistrado, no montante de € 10.780,88.

53. O douto Despacho de 01.JUN/2020, proferido em data posterior ao douto Despacho de 29.ABR/2020, que determinou o pagamento, pelo FAT, das prestações devidas ao Sinistrado, limita-se a transcrever todas as prestações devidas ao sinistrado, conforme fixadas naquela Sentença de 23.MAR/2018, e cujo pagamento agora compete ao Recorrente FAT.

54. Quer os valores das pensões e prestações devidas quer o modo de pagamento das mesmas, encontram-se definidos e balizados na Sentença de 23.MAR/2018 e, naturalmente, não podem ser alterados, pelo que alterá-los agora, como se sustenta na Decisão recorrida, violaria os artigos 613º e 628º do Código de Processo Civil.

55. Tal alteração está desde logo vedada pelo artigo 613º do Código de Processo Civil, que, sob o seu nº 1, determina:

“1- Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”.

56. Manter a decisão recorrida implicaria, na verdade, alterar, indevidamente, as alíneas h) a j) da parte decisória da Sentença de 23.MAR/2018, transitada em julgado.

57. Ao julgar a apelação procedente, revogando o douto Despacho proferido em 01.JAN/2020, o qual se limita a transcrever todas as prestações devidas ao sinistrado, conforme fixadas naquela Sentença de 23.MAR/2018, e cujo pagamento agora compete ao Recorrente FAT por força do douto Despacho proferido em 29.ABR/2020, transitado em julgado, alterando os montantes devidos ao sinistrado, bem como as formas de pagamento fixadas naquela douta Sentença, o Acórdão Recorrido fez, na prática, uma alteração à própria Sentença de 23.MAR/2020.

58. O princípio do caso julgado (cf. art.º 628 do Código de Processo Civil) obsta à posterior alteração de decisão transitada em julgado.

59. O trânsito em julgado, conforme decorre do artigo 628º do Código de Processo Civil, ocorre quando uma decisão já não é suscetível de impugnação através de recurso ordinário ou por meio de reclamação, como é o caso.

60. Pelo que, julgar procedente a pretensão do FAT, alterando, na prática, a parte decisória da Sentença de 23.MAR/2018, (na medida em que o douto Despacho recorrido se limita a transcrever todas as prestações devidas ao sinistrado, conforme fixadas naquela Sentença de 23.MAR/2018, e cujo pagamento agora compete ao Recorrente FAT por força do douto Despacho proferido em 29.ABR/2020 (também já transitado em julgado), configura, por parte do Tribunal a quo, uma dupla violação processual: a do citado artigo 613º nº 1 do Código de Processo Civil e a do princípio do caso julgado.

61. Por conseguinte, no singelo entendimento do trabalhador sinistrado e agora Recorrente, outra solução não resta do que revogar a decisão recorrida.

62. Devendo o FAT ser responsável pelo pagamento ao sinistrado da pensão anual da responsabilidade da entidade patronal, bem como das demais prestações a que a mesma foi condenada, tal como definidas nas alíneas b) a j) da parte decisória da Sentença proferida em 23.MAR/2018, já transitada em julgado, a saber (numeração da Sentença):

b) Pensão anual e vitalícia;

c) Indemnização por incapacidade temporária no montante de € 7.202,25 (já paga);

d) Subsídio de elevada incapacidade permanente no valor de € 5.400,00 (já pago);

e) Subsídio para readaptação de habitação no montante de € 5.333,68 (já pago);

f) Prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no montante de € 200,00 mensais;

g) Despesas de farmácia, fisioterapia e deslocações no montante de € 830,60; h) Indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos, no valor de € 43.200,00;

i) Indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele, no valor de € 25.200,00;

j) Indemnização pelas obras de adaptação na residência do sinistrado, no montante de € 10.780,88.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá o douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que determine ser da responsabilidade do FAT o pagamento das demais prestações em causa, designadamente, a quantia de € 16.114,56 despendida pelo sinistrado em obras de adaptação da sua habitação, € 43.200,00 arbitrados pela Sentença de 23/3/2018 a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos, e dos € 25.200,00 arbitrados pela mesma sentença a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes das despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, e evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Tribunal, Exmo. Procurador‑geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de ser negada a revista.

II. Fundamentação

Tal como resulta das conclusões do recurso interposto, que delimitam o seu objeto, as questões essências que importa apreciar são as seguintes:

- Saber se a sentença proferida no processo principal, em 23.03.2018, vincula o Fundo de Acidentes de Trabalho, tendo este de pagar tudo aquilo que competiria à entidade empregadora caso esta não tivesse ficado insolvente;

- Saber se o despacho de 29.04.2020 transitou em julgado, e, consequentemente, o Fundo de Acidentes de Trabalho está obrigado a pagar ao Sinistrado todas as quantias que a entidade empregadora foi condenada a título de danos patrimoniais na sentença condenatória proferida em 23.03.2018.

Fundamentos de facto

 Dos autos resultam, com interesse para a decisão, os seguintes factos:

1.Nos autos principais, AA intentou ação especial emergente de acidente de trabalho contra Mobileão, Lda. e MapfreSeguros Gerais, S.A., com fundamento em acidente ocorrido em 13 de julho de 2015.

2. Por sentença de 23.03.2018, transitada em julgado, a ação foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi decidido:

1. Absolver a ré seguradora dos pedidos formulados.

A - Julgar o autor portador de uma incapacidade permanente parcial de 100%, com IPATH para a profissão de carpinteiro de 1ª, a partir do dia 30.04.2016.

B - Fixar a pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado no montante de € 8.910,00€, a suportar pela entidade empregadora. Tal pensão será a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual. A mesma será acrescida de Subsídios de férias e de Natal, cada qual correspondente a 1/14 da pensão suprarreferida, a satisfazer nos meses de Junho e Novembro;

C – Fixar a indemnização por incapacidade temporária no montante de 7.202,25€ euros, a pagar pela ré entidade empregadora;

D – Fixar o subsídio de elevada incapacidade permanente no montante de € 5.400€, a pagar pela ré entidade empregadora;

E – Fixar o subsídio para readaptação de habitação no montante de € 5.333,68€, a pagar pela ré entidade empregadora;

F – Fixar a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no montante de € 200€ mensais, a pagar pela ré entidade empregadora, nos termos acima referidos;

G – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 830,60 € pedida a título de despesas de farmácia, fisioterapia e deslocações;

H – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 43.200 € pedida a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos;

I – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 25.200 € pedida a título de indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, depois evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele;

J – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 10.780,88€ pedida a título de indemnização pelas obras de adaptação que o autor realizou na sua residência (a acrescer ao subsídio atribuído em E));

K – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 25.000 € pedida a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor;

L - Condenar a ré entidade empregadora no reembolso ao Instituto de Segurança Social, I.P., Centro Distrital de ..., da quantia de € 5.839,57 a que o Autor teria direito a receber de indemnização por incapacidade temporária, a deduzir do montante desta;

M - São devidos juros sobre as quantias referidas em B), C), F), G), J) e K), à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento.”.

3. Nessa sentença e como fundamento das prestações que a empregadora foi condenada a pagar ao autor foi convocada a responsabilidade agravada daquela porque … o acidente ocorreu em resultado da inobservância por parte da entidade empregadora das regras sobre segurança e saúde no trabalho que as circunstâncias em que incumbiu o Autor de fazer (o trabalho) lhe exigiam.”.

4. A entidade empregadora, Mobileão, Lda. foi declarada insolvente por sentença de 9.01.2020, transitada em julgado no dia 12.02.2020, proferida no processo n.º 814/19.8T8FND que corre termos no Juízo de Comércio do Fundão.

5. Por requerimento de 28.02.2020, o Sinistrado requereu que se ordenasse que o pagamento dos créditos no montante de 145.567,41 € fosse assegurado pelo Fundo de Acidentes de Trabalho.

6. Por requerimento de 2.04.2020, o Fundo de Acidentes de Trabalho pronunciou-se nos seguintes termos: “1 – A eventual intervenção do FAT nos presentes autos processo apenas pressupõe o pagamento do diferencial entre o valor das prestações agravadas da responsabilidade da entidade empregadora e o valor das prestações normais, atendendo a que, face à data em que o ocorreu o acidente de trabalho em causa (13-07-2015), o FAT não responde pelo valor relativo ao agravamento, nos termos do disposto no artigo 1º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de maio. 2 – Acresce que, ao valor devido a título de indemnização por incapacidades temporárias, deverá ser deduzido o montante pago pela Segurança Social a título de subsídio de doença conforme resulta da sentença, atenta a natureza não cumulável de tais prestações.

– Mais se requer a V. Exa. a notificação do Centro Nacional de Pensões para vir aos autos informar qual o valor pago a título de pensões de invalidez ao sinistrado, em como se tais pensões foram atribuídas em virtude do acidente de trabalho.”.

7. Em 29.04.2020, pelo Tribunal de 1.ª Instância foi proferido despacho, com o seguinte teor: Veio o sinistrado requerer que as prestações a que tinha direito e que eram da responsabilidade da entidade empregadora fossem satisfeitas pelo FAT ao abrigo do que vai disposto nos artigos 283º, nº 6, do Código do Trabalho, 82º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04.09. (NLAT) e 1º, nº 1, al. a), e 4, do DL. nº 142/99, de 30.04.

Cumprido o contraditório, pelo FAT foi dito nada ter a opor quanto à sua requerida intervenção.

Vejamos:

Dispõe o artigo 82º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04.09. (NLAT) que:

1 - A garantia do pagamento das pensões estabelecidas na presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida e suportada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos regulamentados em legislação especial.

2 - São igualmente da responsabilidade do Fundo referido no número anterior as atualizações do valor das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30 % ou por morte e outras responsabilidades nos termos regulamentados em legislação especial.

3 - O Fundo referido nos números anteriores constitui-se credor da entidade economicamente incapaz, ou da respetiva massa falida, cabendo aos seus créditos, caso a entidade incapaz seja uma empresa de seguros, graduação idêntica à dos credores específicos de seguros.

4 - Se no âmbito de um processo de recuperação de empresa esta se encontrar impossibilitada de pagar os prémios dos seguros de acidentes de trabalho dos respetivos trabalhadores, o gestor da empresa deve comunicar tal impossibilidade ao Fundo referido nos números anteriores 60 dias antes do vencimento do contrato, por forma a que o Fundo, querendo, possa substituir-se à empresa nesse pagamento, sendo neste caso aplicável o disposto no n.º 3”.

Como se pode concluir do preâmbulo do Decreto-Lei nº 142/99, de 30.04, o FAT fica responsável - com um legal direito de regresso sobre a entidade originariamente responsável pelas prestações não pagas ao sinistrado – pelo pagamento das prestações devidas ao sinistrado visando, assim "prevenir que, em caso algum, os pensionistas deixem de receber as pensões que lhe são devidas (...)".

Por outro lado, resulta abundantemente dos autos a impossibilidade de pagamento das quantias devidas por conta da ex-entidade empregadora, que foi declarada insolvente, nada o sinistrado tendo recebido no processo de insolvência.

Porque assim, ao abrigo do que vai disposto nos artigos 283º, nº 6, do Código do Trabalho, 82º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04.09. (NLAT) e 1º, nº 1, al. a), e 4, do DL. nº 142/99, de 30.04, deverá o FAT proceder ao pagamento do diferencial entre o valor das prestações agravadas da responsabilidade da entidade empregadora e o valor das prestações normais, atendendo a que, face à data em que o ocorreu o acidente de trabalho em causa (13-07-2015), o FAT não responderá pelo valor relativo ao agravamento, nos termos do disposto no artigo 1º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de maio.

Quanto ao valor devido a título de indemnização por incapacidades temporárias, deverá ser também deduzido o montante pago pela Segurança Social a título de subsídio de doença conforme resulta da sentença proferida, atenta a natureza não cumulável de tais prestações.                                        

Notifique, sendo o FAT para, no prazo de 20 dias, fazer prova nos autos do pagamento das quantias devidas nos termos da presente decisão.

8. O despacho referido em 7.º não foi objeto de impugnação, reclamação, pedido de reforma, retificação ou aclaração.

9. Por requerimento de 12.05.2020, o sinistrado requereu que o Fundo de Acidentes de Trabalho fosse notificado para proceder de imediato ao pagamento ao Sinistrado, pela totalidade, da pensão anual da responsabilidade da entidade patronal e todas as demais prestações a que foi condenada, tal como definidas nas alíneas B) a J) da parte decisória da douta Sentença proferida em 23.MAR/2018, já transitada em julgado.

10. Em 1.06.2020, o Tribunal de 1.ª Instância proferiu o recorrido despacho:

Notifique o FAT para, em 15 dias, comprovar nos autos o pagamento ao sinistrado da pensão anual da responsabilidade da entidade patronal, bem como das demais prestações a que mesma foi condenada, tal como definidas nas alíneas c) a I) da parte decisória da Sentença proferida em 23.MAR/2018, já transitada em julgado, a saber:

c) Subsídio de elevada incapacidade permanente no valor de € 5.400,00;

d) Subsídio para readaptação de habitação no montante de € 5.333,68;

e) Prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no montante de € 200,00 mensais;

f) Despesas de farmácia, fisioterapia e deslocações no montante de € 830,60;

g) Indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos, no valor de € 43.200,00;

h) Indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele, no valor de € 25.200,00;

i) Indemnização pelas obras de adaptação na residência do sinistrado, no montante de € 10.780,88;

*

Quanto ao pagamento da indemnização por ITA, verifica-se que o valor da mesma, calculada sem agravamento, ascende a 5.485,14€, pelo que atendendo a que a título de subsídio de doença o sinistrado recebeu da Segurança Social a quantia de 5.839,57€, valor superior ao que teria direito relativamente à indemnização por ITA, nada mais lhe será devido a este título pelo FAT.”.

Fundamentos de direito

1.ª questão Saber se a sentença proferida no processo principal, em 23.03.2018, vincula o Fundo de Acidentes de Trabalho, tendo este de pagar tudo aquilo que competiria à entidade empregadora caso esta não tivesse ficado insolvente.

O Recorrente alega que a sentença de 23.03.2018, proferida no processo principal, vincula o Fundo de Acidentes de Trabalho, por força do caso julgado, pelo que, em consequência, está obrigado a assumir, em toda sua extensão, nos exatos termos definidos naquela sentença, a responsabilidade emergente do acidente de trabalho por parte da entidade empregadora do sinistrado. Mais entende que, os valores das pensões, das prestações devidas e o modo do seu pagamento encontram-se definidos e balizados na referida sentença, a sua alteração viola os artigos 613.º e 628.º do Código de Processo Civil.

Vejamos

No caso da responsabilidade do  Fundo de Acidentes de Trabalho, a secção social deste Supremo Tribunal já se pronunciou no sentido de que: Não tendo o FAT tido qualquer intervenção na ação de acidente de trabalho na qual foram definidos os direitos das beneficiárias em consequência de acidente de trabalho mortal do sinistrado, não está aquele fundo abrangido pelo caso julgado que se formou quanto aos valores das pensões que lhes foram reconhecidas, porquanto este formou-se apenas entre as partes que nessa ação intervieram” – Acórdão de 11.12.2013, proferido no processo 631/03.7TTGDM.A.P1.S1 - 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.

Nos termos conjugados dos artigos 283.º, n.º 6 do Código do Trabalho, artigo 82.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (NLAT) e artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, o Fundo de Acidentes de Trabalho garante o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica, não possam ser pagas pela entidade responsável. A responsabilidade do Fundo de Acidentes de Trabalho é assim subsidiária, visando suprir a eventualidade de o sinistrado não poder obter o ressarcimento dos danos resultantes do acidente de trabalho por virtude de uma situação objetiva de impossibilidade material que lhe não seja imputável.

A intervenção do Fundo de Acidentes de Trabalho no processo é, por isso, posterior ao transito em julgado da sentença que definiu os termos da responsabilidade da entidade empregadora. Sendo um terceiro nesta ação, o Fundo de Acidentes de Trabalho não teve a oportunidade de defender os seus interesses.

A decisão que determina que o Fundo de Acidentes de Trabalho se substitua ao responsável principal cria na esfera jurídica daquele a obrigação de pagar as prestações ao Sinistrado. Embora, seja genericamente garante do pagamento das prestações devidas em caso de acidente de trabalho, até esta decisão inexiste qualquer relação jurídica entre o Fundo de Acidentes de Trabalho e o Sinistrado. Tal não significa que o FAT possa contestar todos os aspetos da decisão.

Tem sido unânime o entendimento de que o Fundo de Acidentes de Trabalho não pode discutir a existência do acidente de trabalho, das suas consequências (períodos e grau de incapacidade), nem a responsabilidade da entidade empregadora (designadamente a inexistência de contrato de seguro válido, o facto do valor retribuição do trabalhador ser superior ao valor indicado à seguradora ou a culpa do empregador na ocorrência do acidente). Todavia, deverá poder discutir se estão verificados os pressupostos da transferência da responsabilidade (incapacidade económica da entidade empregadora) e os concretos termos em que essa transferência deve ocorrer, designadamente se o âmbito e termos de responsabilização da entidade empregadora excedem ou não os termos e limites de responsabilização do Fundo de Acidentes de Trabalho, previstos no Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril.

O entendimento contrário implicaria que o Fundo de Acidentes de Trabalho pudesse ser confrontado com o pagamento de prestações que o legislador entendeu não colocar a seu cargo. Com efeito, nos casos, como o dos autos, em que se considerou que o acidente ocorreu em resultado da inobservância por parte da entidade empregadora das regras sobre segurança e saúde no trabalho, o artigo 1.º, n.º5 do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril restringe o âmbito da responsabilidade do Fundo às prestações que seriam devidas se não houvesse responsabilidade agravada.

Em face do exposto, impõe-se concluir que o caso julgado da sentença condenatória da entidade empregadora não impede o Fundo de Acidentes de Trabalho de discutir a extensão da sua responsabilidade.

2.ª questãoSaber se o despacho proferido em 29.04.2020 transitou em julgado, e, consequentemente, o Fundo de Acidentes de Trabalho está obrigado a pagar ao Sinistrado todas as quantias que a entidade empregadora foi condenada na sentença condenatória proferida em 23.03.2018, a título de danos patrimoniais.

Entende o Recorrente que o referido despacho determinou que o Fundo de Acidentes de Trabalho procedesse ao pagamento das prestações devidas ao Sinistrado, incluindo as prestações agravadas, com exceção do valor da pensão anual e vitalícia.  Alega, ainda, que o despacho recorrido proferido em 01.06.2020 não é mais do que uma aclaração daquele despacho anterior no sentido de que o Fundo de Acidentes de Trabalho era responsável pelo pagamento ao sinistrado das referidas prestações.

Vejamos

Afigura-se-nos que o Recorrente/Sinistrado tem razão quando afirma que, por não ter sido interposto qualquer recurso, transitou em julgado o Despacho de 29.04.2020, que determinou o pagamento, pelo FAT, das prestações devidas ao Sinistrado, constantes da sentença condenatória de 23.03.2018, transferindo assim a responsabilidade da entidade empregadora para o FAT, ao abrigo do DL n. º142/99 de 30 de abril.

Posteriormente, em 12.05.20, o Sinistrado requereu que se determinasse ao FAT que, ao abrigo do disposto nos artigos 283º nº 6 do Código do Trabalho, 82º nº 1, da Lei 98/2009, de 04.SET e 1º nº 1 al. a) e 4 do DL nº 142/99, de 30.ABR, proceda de imediato ao pagamento ao Sinistrado, pela totalidade, da pensão anual da responsabilidade da entidade patronal e todas as demais prestações a que foi condenada, tal como definidas nas alíneas B) a J) da parte decisória da douta Sentença proferida em 23.MAR/2018, já transitada em julgado - facto n.º9.

Em resposta, em 01.06.2020, foi proferido o Despacho, sobre o qual recaiu o recurso de apelação interposto pelo FAT, com o seguinte teor:

Notifique o FAT para, em 15 dias, comprovar nos autos o pagamento ao sinistrado da pensão anual da responsabilidade da entidade patronal, bem como das demais prestações a que a mesma foi condenada, tal como definidas nas alíneas c) a i) da parte decisória da Sentença proferida em 23.MAR/2018, já transitada em julgado, a saber:

c) Subsídio de elevada incapacidade permanente no valor de € 5.400,00;

d) Subsídio para readaptação de habitação no montante de € 5.333,68;

e) Prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no montante de € 200,00 mensais;

f) Despesas de farmácia, fisioterapia e deslocações no montante de € 830,60;

g) Indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos, no valor de € 43.200,00;

h) Indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele, no valor de € 25.200,00;

i) Indemnização pelas obras de adaptação na residência do sinistrado, no montante de € 10.780,88.

Quanto ao pagamento da indemnização por ITA, verifica-se que o valor da mesma, calculada sem agravamento, ascende a € 5.485,14, pelo que a tendendo a que a título de subsídio de doença o sinistrado recebeu da Segurança Social a quantia de € 5.839,57, valor superior ao que teria direito relativamente à indemnização por ITA, nada mais lhe será devido a este título pelo FAT”. (numeração do Despacho) – facto n.º 10.

Resulta assim que este Despacho de 01.06.2020, confirmou o conteúdo do Despacho de 29.04.2020 - facto n.º7 - transitado em julgado, que foi no sentido de que,  relativamente à pensão anual e vitalícia, o FAT só não responde pelo valor relativo ao agravamento da pensão  anual e vitalícia, em resultado da  atuação culposa da entidade empregadora pela inobservância das regras de segurança no trabalho, cf. disposto no artigo 18.º n.º4 a) da Lei n.º 98/2009, mas sem pôr em causa o direito do Sinistrado ao recebimento das demais prestações definidas na parte decisória da sentença proferida em 23.03.2018, transitada em julgado e que foram referidas nas alíneas c) a i) do mesmo despacho recorrido.  

Na verdade, o despacho proferido em 01.06.20, limitou-se a dar sequência ao que tinha sido definido no despacho antecedente de 29.04.2020, determinando que o FAT comprovasse no prazo de 15 dias, o pagamento ao sinistrado de todas prestações em que causa, que foram discriminadas no referido despacho e que faziam parte da condenação da entidade empregadora, constante da sentença proferida 23.MAR/2018.

Assim, não concordando o FAT, designadamente, com o pagamento das quantias relativas a título dos demais danos patrimoniais constantes da sentença de 23.03.2018, deveria ter recorrido do despacho datado de 29.04.2020.  Ao não o fazer, transitou em julgado essa decisão que responsabilizou o FAT pelo pagamento ao Sinistrado da pensão anual e vitalícia  da responsabilidade da entidade empregadora, no sentido de que relativamente ao valor dessa pensão o FAT não respondia pelo valor relativo ao seu agravamento, em resultado da inobservância por parte da entidade empregadora das regras de segurança no trabalho, mas responsabilizou ainda o FAT por todas as demais prestações a título de danos patrimoniais em que a entidade empregadora havia sido condenada na mesma sentença de 23.03.2018, pelas razões constantes do referido despacho de 29.04.2020. Este despacho, como se referiu, transitou em julgado, tem força obrigatória e vincula as partes, no caso o Sinistrado e o Fundo de Acidentes de Trabalho – artigo 619.º do CPC.

Deste modo, o acórdão do Tribunal da Relação ao julgar procedente a apelação, revogando o despacho recorrido proferido em 01.06.2020, que confirmava o despacho de 29.04.2020, alterou o sentido da decisão deste último despacho que havia definido os termos em que a responsabilidade da entidade empregadora, definida na sentença condenatória de 23.03.2018, havia sido transferida para o FAT, ao abrigo do DL n.º142/99 de 30 de abril, violando assim o caso julgado imposto pelas duas referidas decisões. 

III. Decisão

Face ao exposto, acorda-se em revogar o acórdão recorrido, julgar procedente recurso interposto pelo Sinistrado, julgando-se ser da responsabilidade do FAT o pagamento das prestações em causa que ainda não foram pagas, como resulta da parte final das alegações do Sinistrado, a saber:

- Prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no montante de € 200,00 mensais;

- Despesas de farmácia, fisioterapia e deslocações no montante de € 830,60;

- Indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos, no valor de € 43.200,00;

- Indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele, no valor de € 25.200,00;

- Indemnização pelas obras de adaptação na residência do sinistrado, no montante de € 10.780,88.

Custas pelo Recorrido.

STJ, 9 de fevereiro de 2022.

Maria Paula Sá Fernandes (Relatora)

Leonor Cruz Rodrigues

Júlio Vieira Gomes