Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | LUIS ESPÍRITO SANTO | ||
Descritores: | INVENTÁRIO CABEÇA DE CASAL DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE REVISTA REJEIÇÃO DE RECURSO COMPETÊNCIA EM RAZÃO DE HIERARQUIA COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 11/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA | ||
Sumário : | I – As questões suscitadas relativamente à eventual ou pretensa falta dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso de apelação não interferem, por sua própria natureza, com a competência material e em razão da hierarquia do Tribunal da Relação que sempre seria, em qualquer circunstância, o competente, em termos gerais e abstractos, para o conhecimento da apelação, na medida em que se trata da instância judicial imediatamente superior àquela que produziu a decisão jurisdicional em crise e que a matéria em apreço (decisão proferida em processo de inventário) se insere naturalmente no âmbito da sua competência material. II – A decisão de substituição na nomeação do cabeça de casal, não se tratando de uma decisão final (de forma ou de fundo), mas unicamente de uma decisão meramente interlocutória, não admite a interposição do recurso de revista nos termos do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil, o que constitui uma razão mais para a revista não poder ser admitida. III – Pelo que não há lugar ao conhecimento do objecto do recurso que, nessa medida, se julga findo, nos termos gerais dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil. | ||
Decisão Texto Integral: |
Revista nº 438/14.6T8STS-AT.P1.S1. Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível): Foi proferida a seguinte decisão singular: “Nos presentes autos de inventário que correm termos por óbito de AA, exerceu funções de cabeça de casal, BB. Após o seu falecimento e da habilitação dos seus herdeiros, foi nomeado cabeça de casal CC, o qual veio, entretanto, também a falecer, mostrando-se já habilitadas as suas herdeiras. Nessa sequência, foi proferido despacho, datado de 8 de Março de 2023, que mandou notificar os interessados para informarem qual dos interessados diretos deveria ocupar o cargo de cabeça de casal ao abrigo do artigo 2080.º do Código Civil. Em resposta a essa notificação, veio DD, interessado nos autos, apresentar requerimento através do qual refere; “Declarar, para todos os efeitos legais, que pretende assumir as funções próprias de cabeça de casal, no processo, uma vez que: 1) Foi o único herdeiro que viveu com ambos os “de cujus” na casa da Quinta da ..., até ao falecimento de ambos; 2) Tem conhecimento perfeito de todas as diversas situações por que passaram, em especial, os principais ativos do acervo hereditário: Quinta da ...e Quinta de ...”, oferecendo com o requerimento, o compromisso de honra legalmente exigido, e requerendo seja admitido a intervir nos autos na referida qualidade. EE e FF, interessadas habilitadas como herdeiras do falecido interessado BB, vieram apresentar requerimento, opondo-se à nomeação como cabeça de casal, do interessado DD, e indicando para o cargo a interessada GG. Foi, ainda, junto aos autos requerimento pelo interessado DD, o qual junta declarações assinadas pelos interessados HH, II, JJ e KK, nas quais declaram concordar com a nomeação do interessado DD para o cargo de cabeça de casal. Decorrido o prazo do contraditório, foi proferida decisão que, ao abrigo do artigo 2083.º do CPC, nomeou para exercer as funções de cabeça de casal a interessada FF (após despacho a corrigir o lapso na indicação do nome da pessoa nomeada). Não se conformando, veio o interessado DD interpor o recurso de apelação. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9 de Maio de 2024 foi julgado procedente o recurso, e, consequentemente, alterada a decisão recorrida, determinando-se a substituição do despacho com a nomeação agora do apelante DD como cabeça de casal no inventário que corre por óbito de seus pais AA e LL. Veio FF interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões: 1. O objecto do presente recurso ordinário é o despacho de nomeação de cabeça de casal nos autos de inventário (herança), que constitui o processo principal. 2. O valordoprocessode inventário são € 997,60(novecentos enoventaeseteeuros esessenta cêntimos). 3. Não foi proferido qualquer despacho pela primeira instância, alterando o valor do processo de inventário. 4. Este despacho não corresponde a nenhum dos casos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 629.º do CPC. 5. O valor do presente recurso é, assim, de €997,60, inferior a €2.500,00, metade da alçada dos tribunais de primeira instância, pelo que é irrecorrível. 6. O despacho de admissão do recurso interposto pelos Recorridos, bem como o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, violam as regras da competência dos tribunais em razão da hierarquia. 7. O que determina a incompetência absoluta deste Tribunal da Relação do Porto para a apreciação do recurso que, certamente por lapso do Tribunal recorrido, lhe foi submetido. 8. A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e é, também, de conhecimento oficioso, devendo ser suscitada pelo próprio Tribunal “enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa” – cf. n.º 1 do art.º, 97.º do CPC. 9. A Interessadas, aqui Recorrentes, devem ser absolvidas da presente instância, mantendo-se o despacho recorrido que nomeou, no processo principal, FF como cabeça de casal. Sem prescindir, 10. A decisão recorrida é a seguinte: “O art. 2083.º do Código Civil, apenas pode ser entendido como sendo de aplicação subsidiária, e apenas no caso de não ser possível nomear alguma das pessoas referidas nos preceitos anteriores, como do próprio artigo resulta, quando refere “Se todas as pessoas referidas nos artigos anteriores se escusarem ou forem removidas (…)”, aí sim, pode o tribunal nomear o cabeça de casal, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado”. 11. Trata-se de uma interpretação literal do disposto no art.º 2083.º do CC. 12. Do despacho de nomeação de cabeça de casal consta, na fundamentação da decisão: “Sucede que este herdeiro (DD), face à factualidade dada como provada não reúne efectivamente condições para ser nomeado como cabeça de casal, uma vez que da factualidade dada como provada, a sua conduta configura situações que fundamentam a sua remoção desse cargo, designadamente, porque ocultou a existência de bens pertencentes à herança e não administrou o património hereditário com prudência e zelo, pelo que, por maioria de razão, não reúne condições para que o Tribunal possa nomeá-lo” – sublinhado nosso. 13. A douta decisão recorrida tem, na prática, a seguinteconsequência:sealguém, como simples herdeiro, tiver praticado actos que possam determinar a sua remoção do cargo de cabeça de casal, nomeadamente a ocultação de bens da herança, e mesmo que estes factos estejam dados como provados nos autos, deve ainda assim ser nomeado cabeça de casal se tal resultar da aplicação do disposto no art.º 2080.º do CC. 14. E, o Acórdão não o diz, mas é a consequência natural, após a sua nomeação iniciar-se-ia o processo para a sua remoção do cargo, sendo claro no caso sub judice que os factos que integram as condições para a sua remoção já estão dados como provados nos autos. 15. Salvo o devido respeito, que é muito, esta interpretação não tem em conta a unidade do sistema jurídico, reconduzindo-se à defesa da práctica de um acto inútil: a nomeação de alguém como cabeça de casal que, em última análise poderia nem sequer chegar a exercer o caso. 16. A interpretação literal feita no Acórdão recorrido da norma do art.º 2083.º do CPC viola o disposto no art.º 9.º do CC, porquanto não tem em conta que a práctica de actos, dados já como provados nos autos, que se traduzam na possibilidade de remoção de algum interessado no inventário do cargo de cabeça de casal deve desqualificá-lo para a nomeação para essas funções. 17. A interpretação do disposto no art.º 2083.º do CPC mais consentânea com a unidade do sistema jurídico, e que cumpre a proibição constante do art.º 130.º do CPC, é a que permite ao Juiz designar o cabeça de casal não só quando todas as pessoas referidas no art.º 2080.º do CC se escusarem ou forem removidas, mas também quando, não o tendo sido, constarem como provados nos autos factos que determinem essa remoção. Contra-alegou DD apresentando as seguintes conclusões: a) Conforme flui directamente do disposto no artº 1.123º nº 2, alínea a) do C. P. Civil, às Recorrentes não assiste o direito de recurso do TRP para o STJ; b) O valor inicial do processo de inventário – porque inicial e as mais das vezes sujeito a alterações notáveis – não permite estabelecer qualquer interacção ou relação com as alçadas dos tribunais - que o mesmo é dizer, com o direito de recurso dos Litigantes; c) Não existe, por conseguinte, qualquer violação da lei, no tangente quer à admissão do recurso de apelação interposto pelos Recorridos, quer do seu desfecho; d) A factualidade (negativa) imputada ao atual cabeça de casal, DD, foi devidamente escrutinada pelo TRP; e) Por força do decidido no douto acórdão do TRP, ao Tribunal de 1ª instância será sempre vedado decretar a remoção do atual cabeça de casal, com fundamento na prática daqueles factos. Notificadas nos termos e para os efeitos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, referiram as recorrentes: 1. Salvo melhor opinião, que muito se respeita, para que o Tribunal da Relação do Porto seja competente, hierarquicamente, para apreciar um recurso interposto de uma decisão do Tribunal de Santo Tirso, não basta a constatação de que este se encontra na zona geográfica abrangida por aquele. 2. Se dúvidas existissem a este respeito, estabelece a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário): Artigo 42.º Competência em razão da hierarquia 1 - Os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados para efeito de recurso das suas decisões. 2 - Em regra, o Supremo Tribunal de Justiça conhece, em recurso, das causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais da Relação e estes das causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais judiciais de primeira instância. (...) 3. A competência dos Tribunais da Relação para apreciar decisões da primeira instância depende assim, não apenas da sua localização geográfica, mas também do valor da causa; 4. A “falta de alçada” determina a incompetência absoluta do Tribunal da Relação do Porto, incompetência em razão da hierarquia, onde a questão se insere na própria Lei (supra citada), para a decisão que proferiu. 5. A fixação do valor da causa é prévia à admissão do recurso, não é uma mera formalidade descartável, e tem regras previstas na lei processual civil. 6. Não tendo sido fixado o valor da causa, o valor para efeitos de alçada é o atribuído pelas partes e que consta do respectivo processo: €997,60 (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos). 7. Não tendo a Relação devolvido à primeira instância o processo para esse fim – fixação do valor à causa – a verdade é que proferiu uma decisão numa causa cujo valor é €997,60 (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos), não existindo qualquer norma excepcional que o permita. 8. Sendo o valor da causa inferior à alçada do tribunal de comarca, carece o Tribunal da Relação do Porto competência, em razão da hierarquia, como se viu, para proferir tal decisão. O fundamento principal do presente recurso é, precisamente, a violação das regras da competência em razão da hierarquia, pelo que a revista deve ser admitida. Apreciando liminarmente da admissibilidade da presente revista. É evidente que a situação sub judice não se enquadra na previsão do artigo 629º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil, onde se prevê a recorribilidade (sem limite) da decisão que tenha por fundamento a violação das regras sobre a competência em razão da matéria e da hierarquia. Não é isso que está em causa nos presentes autos. Nos próprios termos do recurso apresentado é absolutamente manifesto que o Tribunal da Relação do Porto era de facto o competente, quer em razão da matéria, quer em razão da hierarquia, para o conhecimento do recurso de apelação apresentado contra decisões proferidas no âmbito deste processo de inventário. Nenhuma dúvida séria se coloca neste tocante. As questões ora suscitadas relativamente à eventual ou pretensa falta dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso de apelação não interferem, por sua própria natureza, com a competência material e em razão da hierarquia daquele tribunal que sempre seria, em qualquer circunstância, o competente, em termos gerais e abstractos, para o conhecimento da apelação, na medida em que se trata da instância judicial imediatamente superior àquela que produziu a decisão jurisdicional em crise e que a matéria em apreço (decisão proferida em processo de inventário) se insere naturalmente no âmbito da sua competência material. Ora, não se tratando de questão que tenha a ver com a violação das regras da competência e da hierarquia (não é seriamente defensável que o competente para o conhecimento do recurso de apelação interposto não seja, independentemente dos pressupostos de admissibilidade do recurso, o Tribunal da Relação em causa), o presente recurso de revista tem unicamente por objecto o acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação, e não a decisão de 1ª instância sobre que aquele decidiu, sendo certo que o invocado valor da causa - € 997,60(novecentos enoventaeseteeuros esessenta cêntimos) -, a ser - por hipótese - tomado em consideração e relevado nos termos em que o pretende a recorrente, impediria desde logo, como é óbvio, a própria admissibilidade do recurso de revista por notória falta de alçada. (É certo ainda que a falta de fixação do valor da causa que deveria ter tido lugar aquando da prolação do despacho de admissão do recurso, nos termos gerais do artigo 306º, nº 3, do Código de Processo Civil – pendendo o presente inventário, de resto, há largos anos -, competindo assim ao Tribunal da Relação haver ordenado oportunamente a remessa dos autos à 1ª instância para esse efeito. Todavia esta omissão processual não altera minimamente a decisão definitiva quanto à questão essencial da inadmissibilidade da presente revista pelas razões supra aduzidas, pelo que, seguindo o princípio da economia processual genericamente consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil, entende-se conhecer, imediatamente e sem mais delongas, da falta dos pressupostos gerais de recorribilidade verificada na interposição da presente revista). Sempre se dirá ainda que a decisão de substituição na nomeação do cabeça de casal, não se tratando de uma decisão final (de forma ou de fundo), mas unicamente de uma decisão meramente interlocutória, não admite a interposição do recurso de revista nos termos do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil. O que constitui uma razão mais para a revista não poder ser admitida. A posição manifestada pelas recorrentes aquando da sua notificação nos termos e para os efeitos do artigo 665º, nº 1, do Código de Processo Civil não comporta qualquer novidade para além do que já antes havia sido referido, nada competindo acrescentar a esse propósito perante a manifesta inadmissibilidade da presente revista. Pelo que não há lugar ao conhecimento do objecto do recurso que, nessa medida, se julga findo, nos termos gerais dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil. Pelo exposto: Julgo findo o presente recurso de revista, não havendo lugar ao conhecimento do seu objecto, nos termos dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código Civil. Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC”. Apresentou a recorrente reclamação para a Conferência nos seguintes termos: 1. As Recorrentes fundamentam a incompetência do Tribunal da Relação do Porto para apreciar o recurso interposto pelos Recorridos no disposto no art.º 42.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), a qual define a Competência em Razão da Hierarquia dos Tribunais da Relação como limitada, salvo as excepções previstas na Lei, às causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais judiciais de primeira instância; 2. Sobre esta questão a douta Decisão Singular nada diz, limitando-se a repetir o despacho anterior, ignorando o normativo legal citado; As Recorrentes entendem ainda, em defesa da sua honra, dizer o seguinte: 3. Repete-se na Decisão Singular a acusação de falta de seriedade das Recorrentes, na interpretação que fazem das disposições que definem a competência em razão da hierarquia dos tribunais judiciais; 4. O que pareceu às Recorrentes ser apenas um reforço de argumentação na redacção do referido despacho, embora dispensável na nossa modesta opinião, surge agora repetido na douta Decisão Singular, mesmo após as Recorrentes terem aclarado o fundamento da sua posição. 5. Refuta-se a acusação de falta de seriedade da posição das Recorrentes, expressão desnecessária, e salvo o devido respeito, que é muito, injustificada. Apreciando do mérito da reclamação apresentada nos termos do artigo 653º, nº 3, do Código de Processo Civil: Não assiste razão às reclamantes, pelos motivos desenvolvidos na decisão singular. De resto, na reclamação apresentada as reclamantes limitam-se a repetir, sem qualquer verdadeira novidade, o argumentário já antes exposto, aquando da sua notificação nos termos e para os efeitos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil. Nada há, portanto, a acrescentar ao que antes foi dito pelo relator do processo. Concorda-se, assim e inteiramente, com o despacho reclamado, para cujos fundamentos se remete. Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) em indeferir a reclamação apresentada, mantendo-se a decisão singular reclamada que decidiu o não conhecimento do objecto do recurso, nos termos dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil. Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs. Lisboa, 12 de Novembro de 2024. Luís Espírito Santo (Relator) Rosário Gonçalves Luís Correia de Mendonça V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil. |