Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
078549
Nº Convencional: JSTJ00013272
Relator: TATO MARINHO
Descritores: CONTRATO PARA PESSOA A NOMEAR
CONTRATO-PROMESSA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Nº do Documento: SJ199111140785492
Data do Acordão: 11/14/1991
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N411 ANO1991 PAG544
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 452 ARTIGO 455 N2 ARTIGO 830.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1987/11/26 IN BMJ N371 PAG448.
ACÓRDÃO STJ DE 1986/01/23 IN BMJ N353 PAG429.
Sumário : I - Contrato para pessoa a nomear é o contrato em que uma das partes se reserva a faculdade de designar uma outra pessoa que assuma a sua posição na relação contratual, como se o contrato tivesse sido celebrado com esta última.
II - Não obsta à execução especifica de um contrato-promessa, a falta de declaração de nomeação porquanto, nos termos do artigo 455, n. 2, do Código Civil, o contrato produz os seus efeitos relativamente ao contraente originário, desde que não haja estipulação em contrário.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 - A e mulher B vieram propor no Tribunal Judicial da Comarca de Pinhel acção com processo ordinário contra C e mulher D pedindo a condenação dos Réus a reconhecerem o seu incumprimento contratual e a obrigatoriedade para os mesmos de outorgarem a escritura formalizante do contrato de cessão da quota pertencente aos mesmos Réus, e, ainda, a reconhecerem que a sentença substituirá para todos os efeitos de direito a sua intervenção no aludido acto notarial.
Fundamentam os seus pedidos no facto de AA., RR e um terceiro terem adquirido, em 1975, a firma Arnaldo Mendonça & Filhos e poucos meses após aquele terceiro ter cedido a sua posição social pelo que autores e
Réus passaram a ser únicos sócios da dita firma.
Mercê, contudo de desinteligências surgidas autores e réus decidiram pôr termo aos negócios sociais existentes entre eles, através de cessão que os réus fizeram de uma participação societária.
O acordo e compromisso, da promessa de compra e venda, reduzido a escrito, consignava que a escritura de compra e venda se deveria realizar até 30 de Abril de 1981, mas, as partes, posteriormente aceitaram que se formalizasse nos últimos dias do mês de Dezembro de 1981.
Marcada, com a concordância de ambas partes, pelo notário de Pinhel para o dia 28 de Dezembro de 1981 os Réus, sem qualquer motivo justificativo recusaram-se a intervir na escritura.
Da parte dos autores falta o pagamento da última prestação de 500 contos condicionada que estava ao acto notarial formalizante do contrato.
Contestaram os Réus por impugnação e de pedirem reconvenção pedindo que se declare resolvido o contrato celebrado em 6 de Abril de 1981 ou que os autores sejam condenados a comprovarem aos réus o pagamento do resto do preço para aquisição do imóvel e a pagarem aos réus a quantia de 500 contos acrescida de juros de mora a taxa legal.
Efectuaram-se, infrutiferamente duas tentativas de conciliação, foi proferido despacho saneador, elaborada especificação e organizado questionário objecto da reclamação atendida.
Procedeu-se a julgamento com intervenção do Tribunal Colectivo, o acordão respondeu-se à materia de facto constante do questionário julgando-se improcedentes a acção e a reconvenção.
Os autores apelaram e por acórdão julgou-se procedente a acção em termos de execução especifica.
Os réus interpuseram recurso de revista, doutamente alegaram e formularam as seguintes conclusões: a) Não pode haver execução especifica de um contrato-promessa de cessão de quotas, quando os cessionários não foram nele identificados, nem indirecta a proporção que a estes cabe na aquisição das referidas quotas; b) o tribunal não pode suprir, por si, aquela falta de indicação; c) o douto acordão recorrido fez errada aplicação do disposto no artigo 830 do Código Civil ao declarar, em substituição dos réus (cedentes), vendidas as quotas, deixando de lado, por omissão, a identidade dos cessionários e, neste caso, a proporção que caberia a cada um.
Doutamente, também, alegaram os autores.
Tudo visto, cumpre decidir.
2 - Pretendem os réus que não pode haver execução especifica de um contrato-promessa de cessão de quotas quando os cessionários não foram nele identificados, nem indicada a proporção que a estes cabe na aquisição da referida quota.
O artigo 830 n. 1 do Código Civil, na redacção dada pelo artigo 2 do decreto-lei n. 236/80, de 18 de Julho, aplicável porque a realização do contrato-prometido, no caso sub-judice se deveria ter efectuado até 31 de Dezembro de 1981, estabelecia que se alguém se tivesse obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, podia a outra parte, em qualquer caso e desde que a isso se não opusesse a natureza da obrigação assumida, obter sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial do faltoso;
A esquecimento deste a mesma sentença poderia ordenar a modificação do contrato nos termos do artigo 437.
Assim, a execução especifica, que tem natureza supletiva, consiste na faculdade atribuida ao contraente de um contrato-promessa de obter o cumprimento desse contrato independentemente da emissão de declaração de contrato faltoso, suprimindo-a mediante decisão judicial.
A execução especifica destina-se a tutelar o cumprimento dos contrato-promessa e tem como ratio legis a possibilidade do tribunal suprir a falta da declaração de vontade do promitente contraente faltoso para o acto prometido, com o fundamento de que essa vontade já não era inteiramente livre, mas vinculada porque, no contrato-promessa se manifestou expressamente uma vontade de cumprimento (confere
Varela, Da Obrigação em Geral, I, página 320 e Almeida Costa, Direito das Obrigações, página 332).
A execução especifica é excluida nos termos do artigo 830 n. 1 do Código Civil quando a tal se oponha a natureza de obrigação assumida, nomeadamente: a) Quando a índole de prestação prometida e o conteúdo dos interesses em jogo não se coadune com a realização coactiva; b) Quando a realização coactiva, através de sentença judicial não possa produzir os efeitos de contrato prometido; c) Quando a execução especifica se encontra impedida por preceitos legais e d) Quando o contrato-promessa se apresenta dotado de mera eficácia obrigacional e o promitente-vendedor transmite a coisa a terceiro (confere Almeida Costa, obra citada, página 335).
A execução específica não é no entanto e em principio inviabilizada, se o contrato-promessa é omisso em relação a alguns pontos do contrato-prometido.
A execução especifica não poderá verificar-se quando o contrato-promessa, mesmo após o recurso à indagação da vontade das partes e as normas legais que ajudam a esclarecer a falta de declaração dos contraentes sobre pontos essenciais do contrato-prometido, não possibilita o preenchimento desses elementos essenciais (confere Varela, obra citada, páginas 322).
Na verdade, há critérios gerais como os dos artigos 236 e 239 do Código Civil e especiais, como os de fixação de preço (artigo 883 do Código Civil) e escolha de coisa nas obrigações alternativas (artigo 543 do Código Civil) que permitem a determinação dos elementos essenciais do contrato-prometido esclarecendo ou suprindo a falta de clareza e mesmo falta de declaração dos contraentes.
Acresce que o artigo 410 n. 1 do Código Civil expressamente manda aplicar no contrato-promessa as disposição legais relativas ao contrato-prometido, o que permite o recurso às normas gerais e especiais supletivas e de interpretação e determinação da vontade das partes (confere Almeida Costa, obra citada, página 338).
No caso sub-judice não faltam os elementos essenciais para o contrato-prometido.
Na verdade, encontra-se provado que autores, por um lado, e réus, por outro, foram os únicos outorgantes do contrato-promessa cuja execução especifica se pede.
A partir da data da celebração do contrato-promessa e por força da cláusula 9 os autores foram autorizados a iniciar as actividades societárias como se fossem únicos donos.
Os autores entregaram aos réus, e estes recebem, do preço total de 1500000 escudos, duas prestações de 500000 escudos, no total de 1000000 escudos.
Os autores, no cumprimento do contrato-promessa pagaram aos vendedores do imóvel que com os réus tinham adquirido a totalidade do preço.
Esta matéria de facto dada como provada nas instâncias não deixa dúvidas de que os autores actuaram como donos de sociedade e como titulares do contrato-promessa.
Será, no entanto, limitativa da execução especifica, por dificuldade insanável na determinação dos sujeitos activos do contrato-prometido, a parte final da cláusula 9 do contrato-promessa que estipula que a cessão de quotas será feita na proporção que entenderem os autores para as pessoas que eles indicarem?
Afigura-se que não é subscrevendo inteiramente o acórdão recorrido.
O artigo 452 do Código Civil estabelece no seu n. 1 que, ao celebrar o contrato, pode uma das partes reservar o direito de nomear um terceiro que adquira os direitos e assuma as obrigações provenientes desse contrato.
Na definição de Varela, obra citada, página 395, contrato para pessoa a nomear é o contrato em que uma das partes se reserva a faculdade de designar numa outra pessoa que assuma a sua posição na relação contratual como se o contrato tivesse sido celebrado com esta última.
Este contrato produz todos os seus efeitos entre os contraentes e, apenas entre eles, porque enquanto não houver designação de outra pessoa, os contraentes são os outorgantes no contrato.
Distingue-se, assim, de outros contratos próximos,como a representação, contrato a favor de terceiro e falta de negócios, mandato sem representação e do proprio contrato-promessa.
Na verdade, o contrato para pessoa a nomear é definitivo entre as partes mas a pessoa a nomear ou que seja nomeada não é parte no contrato-promessa porque a nenhuma promessa se obrigou.
Ponto importante a salientar é que no contrato para pessoa a nomear o outorgante apenas se reserva o direito de nomear um terceiro, sem qualquer compromisso, conferindo-se a si próprio uma faculdade
(confere Varela, obra citada, página 401 Nota 1).
Desta natureza afluem somente os efeitos referidos no artigo 455 n. 2 do Código Civil que estabelece que não sendo feita a declaração de nomeação nos termos legais o contrato produz os seus efeitos relativamente ao contraente originário, desde que não haja estipulção em contrário.
A introdução de um contrato deste tipo um contrato-promessa e em relação ao contrato-prometido é admitido embora, por vezes , se entenda que se trata de outro contrato porque o promitente esta a agir como agente, intermediário, mais do que como estipulante (confere Varela, obra citada, páginas 397; Almeida Costa, obra citada, páginas 284, Nota 2, acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Novembro de 1987, in Boletim 371, páginas 448, parecendo, em sentido contrário, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Janeiro de 1986, in Boletim 353, 429).
No caso sub-judice os autores tinham reservado a faculdade na cláusula 9 do contrato-promessa de indicarem a pessoa para quem, no contrato-prometido, seriam cedidas as quotas dos réus bem como na proporção que entendessem.
Não o fizeram os autores, nem neste processo em tempo, pelo que, nos termos do artigo 455 n. 2 do Código Civil o contrato produz os seus efeitos relativamente aos autores.
Afigura-se não constituir obstáculo à execução especifica do contrato-promessa a falta de indicação da proporção em que a cessão de quotas se verificaria.
Por um lado, porque se entende que esta proporção só seria de indicar se fosse indicada uma terceira pessoa, que não os outorgantes, para cessionário das quotas.
Por outro, porque existe norma que permite a determinação dessa proporção no silêncio dos contraentes.
Na verdade, o artigo 1403 n. 2 do Código Civil estabelece os direitos dos consortes ou comproprietarios sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do titulo constitutivo.
Assim, os autores, ao não usarem da faculdade, aceite pelos réus e consignada na cláusula 9, de nomearem uma pessoa e a proporção em que se traduziria a cessão de quota para essa pessoa sujeitam-se, ao pedirem a execução especifica do contrato, à regra do disposto no artigo 1403 n. 2 do Código Civil.
Bem andou, portanto, a Relação de Coimbra ao decidir como decidiu.
Improcedem, deste modo, as conclusões a), b) e c) das alegações.
Pelo exposto, acordam no Supremo em negar a revista.
Custas pelos réus recorrentes.
Lisboa, 14 de Novembro de 1991.
Tato Marinho,
Cabral de Andrade,
Baltazar Coelho. (Com a declaração de que eu teria descriminado, no acordão, os factos provados).