Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
12618/20.0T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: FACTOS CONCLUSIVOS
RETRIBUIÇÃO-BASE
ISENÇÃO
HORÁRIO DE TRABALHO
Data do Acordão: 11/12/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
I. Importa verificar se um facto, mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa.

II. A retribuição base é aquela que corresponde ao exercício da atividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido.

III. A retribuição da isenção de horário de trabalho deve acrescer à retribuição base e não ser deduzida a esta (deduzida aos “complementos” que eram materialmente retribuição base e não apenas retribuição)

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 12618/20.0T8PRT.P1.S1

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

AA intentou ação declarativa comum contra BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. concluindo a final nos seguintes termos:

a) A título de pedido principal, o R. deve ser condenado no seguinte:

• a pagar à A. a quantia de €375.582,08 – correspondente à diferença entre a remuneração que a A. tinha direito desde a data da sua contratação e a remuneração que a A. efetivamente auferiu, considerando-se uma evolução normal na sua carreira, sem a baixa médica de 2010 até ao presente –, acrescida de juros de mora no montante de €134.011,00, num total de €509.593,08, a que acrescem juros vincendos desde a citação e até integral pagamento;

• a processar o subsídio de doença da A., a partir da data da citação, em conformidade com o regime da mensalidade de doença decorrente da aplicação das normas do ACT-BCP a que está vinculado, considerando a filiação da A. no Sindicato dos Quadros Técnicos Bancários, tal como supra exposto no artigo 143.º;

b) Deve o R. ser condenado a pagar à A. a quantia de €30.000,00 a título de danos morais;

c) Subsidiariamente, ao pedido formulado em a), o R. deve ser condenado no seguinte:

• a pagar à A. a quantia de €193.947,04 – correspondente às quantias seguintes: i)€138.424,72, devida a título de remuneração, contabilizada desde a sua contratação e até Junho de 2010; ii) €55.522,32, correspondente à mensalidade de doença que a A. teria direito a partir de Julho de 2010, considerando a remuneração que a A. deveria ter auferido desde a sua contratação –, acrescida de juros no montante de €106.121,87, num total de €300.068,91, acrescida de juros vincendos desde a citação e até integral pagamento;

• a processar o subsídio de doença da A., a partir da data da citação, em conformidade com o regime da mensalidade de doença decorrente da aplicação das normas do ACT-BCP a que está vinculado, considerando a filiação da A. no Sindicato dos Quadros Técnicos Bancários e o supra exposto no artigo 143.º.”.

A Ré contestou.

Foi elaborado despacho saneador.

Realizou-se audiência final.

Por Sentença de 09.10.2023 foi decidido o seguinte: “Por tudo o exposto, julga-se procedente a presente ação e, em consequência, condena-se o réu pagar à autora o que se vier a apurar, no respetivo incidente de liquidação, a título de retribuição de IHT e de diminuição do “complemento”.

As partes interpuseram recursos de apelação.

Por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.09.2024 foi decidido o seguinte “ Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso da Autora, e parcialmente procedente o recurso da Ré, alterando-se a decisão sobre a matéria de facto nos termos supra sintetizados, e revogando parcialmente a sentença recorrida de modo que apenas subsiste a condenação da Ré a pagar à Autora o que se vier a apurar, no respetivo incidente de liquidação, a título de retribuição de IHT (diferenças) no período de agosto de 1999 a junho de 2002.”.

A Autora interpôs recurso de revista.

Nas Conclusões delimita-se assim, o objeto do Recurso:

“i. O segmento em que decidiu eliminar os pontos 29., 31. e 32. dos factos provados, atenta a sua alegada natureza conclusiva [cfr. págs. 62 e 63 do acórdão];

ii. O segmento em que não se procedeu à apreciação da impugnação dos factos não provados m) e q), por se ter entendido que a natureza vaga/conclusiva dos factos impugnados não permitiria a sua apreciação [cfr. págs. 56 a 58 do acórdão], bem como o segmento que indeferiu o recurso no que diz respeito aos danos não patrimoniais, o que é consequência da posição adotada quanto às referidas alíneas m) e q) [cfr. pág. 79 do acórdão];

iii. O segmento que julgou improcedente a apelação no que diz respeito ao invocado nas conclusões O) a U) do recurso da A. [págs. 66 a 72 do acórdão];

iv. O segmento que julgou procedente o recurso da R. no que diz respeito ao período a considerar para efeito de atribuição da retribuição IHT, bem como na parte relativa às diminuições do complemento [cfr. págs. 72 a 75 do acórdão].”.

A Recorrente interpõe recurso de revista geral quanto aos acima referidos pontos i., ii. e iv. e revista excecional quanto ao ponto iii.

O seu recurso apresenta as seguintes Conclusões:

“A. O presente recurso tem por objeto os seguintes segmentos decisórios do acórdão recorrido:

i. O segmento em que decidiu eliminar os pontos 29., 31. e 32. dos factos provados, atenta a sua alegada natureza conclusiva [cfr. págs. 62 e 63 do acórdão];

ii. O segmento em que não se procedeu à apreciação da impugnação dos factos não provados m) e q), por se ter entendido que a natureza vaga/conclusiva dos factos impugnados não permitiria a sua apreciação [cfr. págs. 56 a 58 do acórdão], bem como o segmento que indeferiu o recurso no que diz respeito aos danos não patrimoniais, o que é consequência da posição adotada quanto às referidas alíneas m) e q) [cfr. pág. 79 do acórdão];

iii. O segmento que julgou improcedente a apelação no que diz respeito ao invocado nas conclusões O) a U) do recurso da A. [págs. 66 a 72 do acórdão];

iv. O segmento que julgou procedente o recurso da R. no que diz respeito ao período a considerar para efeito de atribuição da retribuição IHT, bem como na parte relativa às diminuições do complemento [cfr. págs. 72 a 75 do acórdão].

B. (…) [Não se transcreve a Conclusão porquanto respeita a particularidades processuais relativas ao facto de o Recorrente ter interposto simultaneamente recurso ao abrigo do artigo 671.º n.º 1 do CPC e revista excecional]

C. O Tribunal da Relação eliminou os factos 29., 31. e 32. do probatório por considerar que estes têm uma natureza conclusiva, o que, ressalvado o devido respeito, não é manifestamente o caso. Com efeito, os factos em pauta, que se reportam à circunstância de o “complemento” não ter sido resposto na sua totalidade, ou ter sido objeto de deduções em montante não apurado, não são conclusivos. Aquilo que se pode dizer é que não esclarecem, em termos definitivos, o montante do que foi objeto de reposição, dedução ou atualização, oque, nas circunstâncias do caso – relativamente a uma relação laboral que se prolongou por mais de 20 anos e em relação qual se juntaram centenas de documentos de difícil ou mesmo impossível cabal interpretação –, seria praticamente impossível fazer em termos rigorosos em relação a cada uma das parcelas das retribuições em causa. Mas isso não tem nada a ver com uma natureza conclusiva dos factos. Aquilo que tais factos atestam é que a reposição do complemento nunca mais se fez na totalidade, que a A. continuou a sofrer deduções no complemento e que tal complemento sofreu atualizações. Tais factos ocorreram e são relevantes.

D. Pelo exposto, considerando a ilogicidade, quase arbitrariedade, da forma como o tribunal julgou por conclusivo aquilo que não o era, entendemos que estamos perante um errore in procedendo, ou seja, a Relação aplicou erroneamente à situação dos autos as regras procedimentais do artigo 607.º, n.º 4 (aplicável à 2.ª instância), bem como do artigo 663.º, n.os 1 a 3, todos do CPC, razão pela qual deve ser anulado esse segmento decisório.

AIMPUGNAÇÃO DOS FACTOS NÃO PROVADOS m) E q)

E. Neste segmento estava em causa a matéria das conclusões D) a N) da apelação. A Relação não apreciou o mérito da impugnação da matéria de facto, por ter entendido que se trataria de factos vagos/genéricos/conclusivos, não podendo por isso integrar o elenco dos factos provados, nem dos não provados. Ressalvado o devido respeito, mais uma vez, a tese do tribunal assenta num formalismo excessivo e abusivo, que in casu não tem justificação.

Com efeito, lidos os factos não provados das alíneas m) e q) à luz do que consta da PI, particularmente do que consta dos seus artigos 149.º e 150.º, não existe vacuidade ou indeterminação nos factos das alíneas m) e q), os quais se reportam basicamente às terríveis (dramáticas mesmo) implicações que teve na vida da A. a incerteza quanto à retribuição a que tinha direito.

F. Ou seja, não se suscita qualquer dúvida de que, no que ora releva, aquilo que a A. alega que contribuiu de forma significativa para a situação descrita nos factos 67., 68, 69. e 79. teve sobretudo a ver com a conduta do R. quanto às vicissitudes por si introduzidas no complemento remuneratório que por si foi “manipulado” em termos que geraram a incerteza que ditou as consequências apontadas.

Dito de outro modo, é claríssimo que a conduta imputada ao R., a qual contribuiu para o resultado expresso nos factos 67., 68., 69. e 79., tem a ver com a forma [ilícita e abusiva] como tratou o denominado complemento remuneratório da A., gerando uma incerteza que quase “enlouqueceu” a A.

G. Pelo exposto, estando de novo perante uma situação de error in procedendo, em que a Relação aplicou erroneamente à situação em pauta as regras procedimentais do artigo 607.º, n.º 4 (aplicável à 2.ª instância), bem como do artigo 663, n.os 1 a 3, todos do CPC, deve a revista ser julgada procedente, revogando-se esse segmento decisórios do acórdão recorrido e determinando-se a baixa dos autos à Relação para que seja apreciado o mérito da impugnação da matéria de facto em causa relativa aos factos não provados m) e q). Daí decorrerá a necessidade de a Relação reapreciar a parte do recurso relativa aos danos não patrimoniais (cfr. conclusões V), W), Y), e Z) da apelação), o qual dependia da procedência do recurso quanto à impugnação da matéria de facto relativa aos tais factos não provados das alíneas m) e q).

DA IMPROCEDÊNCIADAAPELAÇÃO NO QUE DIZ RESPEITO À MATÉRIA DAS CONCLUSÕES O) A U) DO RECURSO DA A.; DA REVISTA EXCECIONAL

H. A sentença de 1.ª instância reconheceu que o complemento de retribuição em pauta destes autos fazia parte da remuneração que foi acordada com a A. Quando ela passou do BCHP para o BM. Todavia, e um pouco surpreendentemente, tendo em conta o excerto acima transcrito, a sentença de 1.ª instância não considerou que tal complemento integra a denominada “retribuição base”, o que a A. não aceita.

I.A questão em debate tem assim a ver com a noção de retribuição base em ordem a determinar se o “complemento” estabelecido a integra ou não. O conceito de “retribuição base” aparece devidamente identificado quer no Código do Trabalho vigente, quer no Código do Trabalho de 2003. Por outro lado, na LCT de 1969, como nos ACT’s de 1990 e de 2005 acima mencionados, o conceito equivalente aparece sob a designação de “remuneração base”. Porém, dessa terminologia diferente não decorre qualquer consequência prática relevante Aquilo de que se trata é da “retribuição base” ou “remuneração base” como principal parcela da retribuição que está afeta às necessidades correntes do trabalhador, ou seja, a componente nuclear do seu salário.

J. É nesses termos que MONTEIRO FERNANDES se refere a essa principal parcela da retribuição como retribuição afeta às necessidades correntes do trabalhador, quer no âmbito da sua obra já sob a égide dos Códigos do Trabalho (cfr. “Direito do Trabalho”,Almedina, 22.ª Ed., 2023, pág. 391, a qual é citada no acórdão recorrido, pág. 71),quer no âmbito das obras produzidas quando vigorava a LCT (cfr. “Direito do Trabalho”, Almedina, 8.ª Ed., reimpressão, 1993, pág. 371). Assim sendo, quando no acórdão recorrido se diz que, à luz do Código do Trabalho, “seríamos levados a dizer que não há dúvidas de que o complemento se trata de retribuição base” (cfr. pág. 71), o que já não aconteceria no âmbito da LCT, o acórdão estabelece uma distinção conceptual que não tem razão de ser. A realidade subjacente às diferentes terminologias utilizadas é sempre a mesma.

K. Ou seja, aquilo que importa é distinguir a base da retribuição ou do salário – independentemente do título atribuído pelas partes – daquilo que, em substância, é complementar, ocasional ou acessório. Ora, o complemento em causa nesta ação é, em substância, parte integrante da retribuição/remuneração base que foi acordada entre aA. e o R. (rectius BM), equivalente à que auferia no BCHP [cfr. factos provados 5) a 10)]. Foi isso que as partes quiseram acordar, como, de resto, a sentença da 1.ª instância reconhece: «No caso presente, e como vimos, quando a autora “passou” do BCHP para o BM, foi querido pelas partes (autora e BM) que aquela continuasse a receber uma remuneração mensal equivalente à que auferia no BCHP.» (cfr. pág. 29).

Aliás, que o R. sempre teve consciência de que o “complemento” integrava a “retribuição base” está bem presente no pagamento dos subsídios de Natal e de férias, os quais são calculados em função da “retribuição base” ou “remuneração base”, tendo in casu sempre sido considerada a soma do que o R. denominou de “remuneração base” e de “complemento de retribuição”.

L. De resto, mesmo que assim não fosse, mesmo que existisse discrepância entre tais ACT’s e a Lei e/ou o contrato celebrado entre A. e R., prevaleceria sempre a solução mais favorável ao trabalhador, consubstanciada naquilo que foi acordado quando a A. celebrou um contrato de trabalho com o BM, em homenagem ao princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador – conforme ao favor laboratoris que constitui um critério fundamental do nosso sistema juslaboral–, bem como ao princípio da irredutibilidade da retribuição, que apenas permite derrogações excecionais e expressamente previstas na lei.

M. Aquilo que no caso em pauta conta é que o tal “complemento”, negociado para integrar a remuneração da A., assumiu uma natureza regular e permanente, paga todos os meses como contrapartida da atividade do trabalhador no período normal de trabalho (sem prejuízo de ter sido objeto das reduções abusivas e ilícitas que estão em causa nesta ação) – cfr. facto provado 84. Faz, por isso, parte da retribuição base, o que deve ser considerado para todos os efeitos, designadamente para os efeitos do ACT, como se pedia na apelação.

N. Pelo exposto, considerando que o acórdão recorrido aplicou erroneamente à situação dos autos as normas convocadas quanto ao que se deve entender por retribuição base, deve ser dada como procedente a revista no segmento ora em consideração, concluindo-se que a A. tem efetivamente direito a que o “complemento” em pauta seja considerado como retribuição base para efeitos do ACT, tendo, por isso, a Autora direito a todos os acréscimos dessa retribuição base assim considerada e dela decorrentes, desde a sua contratação, cujo montante deverá ser apurado no respetivo incidente de liquidação.

O. Da revista excecional

O segmento decisório objeto desta parte da revista só pode ser apreciado no âmbito de uma revista excecional, uma vez que sobre tal matéria incidiu uma dupla conforme, pelo que cumpre justificar o fundamento dessa excecionalidade, a qual, na ótica da Recorrente, se inscreve no âmbito das alíneas a), b) e c), do artigo 672.º, n.º 1 do CPC:

i. Aquilo que está em causa é a natureza conceptual do que é a retribuição base, o qual serve de referência aos acréscimos remuneratórios que lhe estão indexados, incluindo atualizações remuneratórias. Ora, estes autos, bem como a jurisprudência convocada pelo acórdão recorrido – acórdão do STJ de 04.07.2018 e acórdãos da secção social do TRP de 28.11.2022 e de 27.02.2023 –, evidenciam as dúvidas que subsistem quanto ao que deve ser entendido como “retribuição base”, o que, por si, justifica a revista, sendo manifesto que a questão em debate, pela sua relevância jurídica, carece de uma clarificação que assegure uma melhor aplicação do direito.

ii. Por outro lado, sendo a maioria dos portugueses trabalhadores por conta de outrem, estamos perante um tema que, no âmbito da jurisprudência laboral, atinge potencialmente interesses de particular relevância social, razão pela qual importa que o STJ consagre jurisprudência que esclareça, de uma vez por todas, que, independentemente da terminologia utilizada pelas partes, o pagamento regular de prestações complementares, não ditadas por necessidades ocasionais ou circunstâncias específicas, integra o conceito de “retribuição base”.

iii. Finalmente, o acórdão recorrido entra em contradição com o acórdão deste STJ, proferido em 04.07.2018, no processo n.º 4981/16.4T8VIS.C1.S1, disponível em www.gsi.pt, o qual transitou em julgado, nos termos da certidão que se protesta juntar. O acórdão fundamento sustenta que, independentemente do nome ou designação que tenha sido dada pelo empregador, as denominadas retribuições complementares, pagas regularmente todos os meses, integram a retribuição base, enquanto o acórdão recorrido sustenta que tal situação fáctica é insuficiente para integrar a noção geral de retribuição base. Como supra se explanou, a realidade ontológica é a mesma em qualquer dos regimes legais aplicáveis – LCT, Código do Trabalho de 2003, Código do Trabalho de 2009 –, pelo que a questão de direito em causa se reporta ao domínio da mesma legislação ou de legislação equivalente.

DA PROCEDÊNCIAPARCIAL DAAPELAÇÃO DO R.

P. A Relação julgou parcialmente procedente a apelação da R. no seguinte:

i. No período a considerar, no incidente de liquidação, para o efeito da retribuição de Isenção de Horário de Trabalho (IHT), diminuindo o âmbito temporal da decisão proferida;

ii. Nas demais diminuições do “complemento”, que desconsiderou.

Q. Quanto à primeira questão, o acórdão da Relação dá provimento ao recurso do R. no que respeita ao período de 17 de abril de 1995 a junho de 2002, concluindo que apenas se deve considerar o período de agosto de 1999 a junho 2002, porquanto, tendo a sentença convocado o ACT publicado no BTE n.º 30, de 15.08.1999, não se poderia considerar o período anterior.

R. É difícil de compreender a lógica subjacente à decisão proferida. É que a A. esteve sujeita a um regime de IHT desde 1995 a 2009, nos termos previstos nos instrumentos de regulação coletiva que se sucederam sem qualquer hiato. O problema residiu na circunstância dessa parcela remuneratória ter sido abusivamente abatida ao complemento remuneratório, como a sentença de 1.ª instância bem julgou, o que a Relação não contesta. Assim sendo, é inusitado que a Relação diminua o âmbito da decisão proferida em 1.ª instância apenas pela circunstância da sentença só convocar o ACT de 1999, o qual seria inaplicável às situações anteriores à data da sua entrada em vigor. É que a Relação ignora o instrumento de regulação coletiva que disciplinava a matéria no período anterior a 1999 (ACT publicado no BTE 31, de 22.08.1990), que é, no que releva, idêntico ao que ficou fixado no ACT de agosto de 1999. A circunstância da sentença de 1.ª instância não se ter reportado a esse outro instrumento de regulação coletiva é irrelevante. Não o terá feito por não o ter julgado necessário. Porém, nada impede que o Supremo Tribunal o tenha em consideração ao abrigo do princípio jura novit curia.

S. A situação fáctica relevante é sempre a mesma, apenas variaram os instrumentos de regulação coletiva aplicados à A., os quais mantiveram formulações idênticas (apenas com o problema de o IHT lhe ter sido pago através do indevido desconto no complemento). Assim sendo, não há qualquer razão para distinguir o período de agosto de 1999 a junho de 2002 do período de março de 1995 a junho de 2002 (ou do período de julho de 2002 a novembro de 2009, que ora não está em causa). Em ambos os períodos, vigorou legislação idêntica em matéria de IHT, sendo certo que a R. deduziu abusivamente do complemento essa remuneração em ambos os períodos, como decorre dos factos provados 22) a 28), 48) a 54) e 75).

T. Pelo exposto, deve ser revogado o segmento do acórdão recorrido que reduziu o período a considerar para efeitos de reposição da retribuição de IHT, repristinando-se nessa parte a sentença de 1.ª instância.

U. Quanto à segunda questão, a respeito das diminuições do “complemento”, o acórdão recorrido deu razão ao R. com o fundamente que vale a pena transcrever: «Ora, a Autora aceitou que o acréscimo a título de falhas fosse absorvido pelo “complemento” [pontos 20) e 21) dos factos provados], não constando que algo mais tenha sido aceite. Todavia, se outras diminuições do “complemento” houve [cfr. pontos 24) e 25) dos factos provados], os factos provados não nos permitem dizer que correspondessem a “correções da retribuição base”, mas sobretudo não permitem dizer que a Autora as não consentisse [e à mesma cabia provar, como facto constitutivo do seu direito]. Assim, procede o recurso nesta parte.».

V. A argumentação expendida não é muito clara e, em qualquer caso, ressalvado o devido respeito, é inconsistente para o efeito a que conduziu de anulação de um segmento da decisão de 1.ª instância.

W. Em primeiro lugar, importa ter presente que a questão da cláusula 23.ª n.º 5 do ACT, que permite que os aumentos de nível sejam concretizados através da integração de complementos retributivos, nada tem a ver com o que ora se discute. A um tempo, porque não está em causa na decisão proferida, nem no recurso, qualquer correção da retribuição base determinada por uma alteração de subida de nível, a que se dirige o comando de tal cláusula. A outro tempo, porque os complementos retributivos a que se reporta o n.º 5 da cláusula em apreço não podem contemplar, por natureza, aquilo que, embora tendo a denominação de complemento, foi acordado como parte integrante do salário do trabalhador, como acontece in casu com a A.; assim sendo, tais complementos retributivos terão de ser outros complementos, mesmo de natureza periódica, que satisfaçam necessidades ocasionais ou específicas, mas que não integrem a base da remuneração.

X. Em segundo lugar, não se compreende que o tribunal duvide que outras diminuições do complemento houve, uma vez que é isso que decorre da factualidade provada (se tivermos em conta as constantes oscilações desse complemento, como resulta dos factos do probatório que se lhe referem, e se comprova pelo teor dos recibos de vencimento juntos aos autos), o que foi, de resto, admitido pelo R., designadamente no n.º 42 das suas conclusões aperfeiçoadas, juntas aos autos em 07.05.2024, em que a questão da diminuição do complemento pelo aumento de nível é apenas uma “entre outras” (sic) diminuições ocorridas.

Y. Em terceiro lugar, e decisivamente, porque – não constando, para além do abono para falhas a que se reportam os factos 20) e 21) dos factos provados, mais nenhuma situação em que a A. tenha expressamente aceitado qualquer outra absorção do seu complemento, como o acórdão, na pág. 75, expressamente reconhece –, não é aceitável o argumento nuclear utilizado pela Relação de que a A. não teria provado não ter consentido outras diminuições do complemento, o que lhe caberia provar. Ressalvado mais uma vez o devido respeito, trata-se de um argumento insubsistente e, sem ofensa, até espantoso. Como é que a A. haveria de provar que não consentiu, tratando-se de um facto puramente negativo? Salvo melhor opinião, o consentimento da A. é que constituiria facto extintivo do direito que invoca, o que caberia ao R. invocar e provar, nos termos do artigo 342.º, n.º 2 do CC, que o acórdão recorrido aplicou erroneamente à situação dos autos.

Z. Pelo exposto, deve ser revogado este segmento decisório do acórdão recorrido, repristinando-se o que estava decidido pela 1.ª instância.

E rematava, pedindo que

- Fosse julgada procedente a revista normal, revogando os segmentos decisórios do acórdão recorrido referidos emA.i. eA.iv., e repristinando-se, nesses segmentos, a sentença de 1.ª instância, bem como dando provimento ao segmento recursório referido em A.ii., com as consequências referidas na conclusão G.;

- Fosse admitida e julgada procedente a revista excecional, com as legais consequências, designadamente quanto àquilo que consta na conclusão M.

Mais requeria, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7 do RCP que fosse dispensada a consideração na conta final do remanescente da taxa de justiça, atendendo a que, apesar da complexidade da matéria fáctica, o litígio acabou por se centrar em questões de simples enunciação, a que acresce a conduta processual das partes que se julga que foi sempre irrepreensível em termos de lealdade processual e de colaboração prestada ao tribunal; ademais, e quanto à A., atendendo à fragilidade da situação económica e de saúde.

A Ré apresentou requerimento de reforma do Acórdão por alegado lapso manifesto, o qual foi indeferido por Acórdão da Conferência de 11.12.2024.

A Ré contra-alegou e interpôs recurso de revista do Acórdão da Conferência.

Por despacho de 11.03.2025, não foi admitido recurso de revista interposto pela Ré e foi admitido o recurso interposto pela Autora.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Relator admitiu a revista interposta ao abrigo do artigo 1671.º n.º 1 do Código de Processo Civil (doravante designado por CPC) e a revista excecional foi admitida por Acórdão de 28-05-2025 da Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do CPC junto desta Secção Social.

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido de dever ser julgado improcedente o recurso quanto à questão relativa à decisão sobre a matéria de facto (1.ª questão) e procedente quanto às questões de direito (2.ª e 3.ª questão).

Fundamentação

De Facto

É a seguinte a matéria de facto apurada nas Instâncias:

1) AA – doravante designada por Autora –, iniciou a sua carreira de secretária no sector bancário, em 20 de janeiro de 1992, no Banco Central Hispano Portugal, S.A. (BCHP).

2) O BCHP não havia celebrado o ACTV, nem aderido ao mesmo.

3) Em 24 de junho de 1994, por mútuo acordo, com efeitos a 01 de julho de 1994, a Autora e o Banco Central Hispano Portugal, S.A. (doravante, BCHP) revogaram o contrato de trabalho em vigor.

4) À data da revogação do seu contrato de trabalho com o BCHP, a Autora auferia a remuneração base mensal de 293.000$00/€ 1.461,48, acrescida de 900$00/€ 4,49 a título de subsídio de alimentação e encontrava-se inscrita no regime geral da Segurança Social dos trabalhadores por conta de outrem.

5) Ainda em momento anterior à revogação do seu contrato de trabalho com o BCHP, Autora e o Banco Mello, S.A. (doravante, BM), acordaram os termos seguintes para a sua contratação:

• Celebração de um contrato de trabalho subordinado e sem termo para a Autora exercer, como exerceu, sob as ordens, direção e fiscalização do BM – e posteriormente da Ré – funções especificas de enquadramento correspondentes à categoria profissional de “secretária”, do Grupo I, do ACTV em vigor, publicado no BTE n.º 31, de 22 de agosto de 1990;

• Manutenção da antiguidade da Autora no BCHP, reportada a 20 de janeiro de 1992;

• Como contrapartida pelo trabalho prestado pela Autora, o pagamento de uma remuneração mensal equivalente à que auferia no BCHP, sendo que a remuneração inicial seria de 253.600$00/€ 1.264,95, a qual, ao longo do ano de 1994 seria ajustada com efeitos retroativos à data da sua contratação até perfazer a quantia de 283.300$00/€ 1.423,06 em janeiro de 1995.

• À remuneração da Autora acresciam ainda os subsídios seguintes – os quais seriam atualizados de acordo com os aumentos previstos no ACTV –: i) subsídio de almoço; ii) dois subsídios de estudo para os seus filhos (um subsídio trimestral de estudo para a filha da Autora, do 7.º ao 9.º ano de escolaridade, no montante de 6.200$00/€ 30,93 e um subsídio trimestral de estudo para o filho da Autora, do 10.º ao 12.º ano de escolaridade, no montante de 7.350$00/€ 37,56);

• As partes acordaram ainda na passagem da Autora para o regime contributivo privado da banca, passando a Autora a ficar inscrita na Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (doravante CAFEB) e dos Serviços de Assistência Médica Social (doravante, SAMS).

6) Em 01 de julho de 1994, a Autora passou a exercer funções de secretária no BM.

7) As partes não reduziram a escrito o contrato de trabalho.

8) Com data de 21 de junho de 1994, o Banco Melo comunicou à Autora o seguinte: “ASSUNTO: CONDIÇÕES DE ADMISSÃO De acordo com o combinado, vimos por este meio dar-lhe conhecimento das condições previamente acordadas: Nível: 6 do ACTV Função: Secretária/Assistente Grupo Funcional: Operacional Retribuição Mensal Bruta de 253.600$00 que se traduz em: * Base correspondente à do nível * Complemento de Retribuição Data de Admissão: 01 de julho de 1994. Data da Início: 01 de julho de 1994”.

9) Do recibo de vencimento da Autora de abril de 1994, do BCHP, consta como vencimento base 293.000$00.

10) Dos recibos de vencimento da Autora de julho de 1994 a fevereiro de 1995, do Banco Mello, consta:

- julho: retribuição mensal efetiva: 253.600$00; retribuição base: 121.450$00: retribuição complementar: 132.150$00:

- agosto: retribuição mensal efetiva: 253.600$00; retribuição base: 121.450$00; retribuição complementar: 132.150$00;

- setembro: retribuição mensal efetiva: 274.327$00; retribuição base: 121.450$00; retro. retribuição complementar: 41.454$00; retribuição complementar: 152.877$00;

- outubro: retribuição mensal efetiva: 274.327$00; retribuição base: 121.450$00; retribuição complementar: 152.877$00;

- novembro: retribuição mensal efetiva: 263.744$00; retro. retribuição base: 4.950$00; retro. retribuição complementar: 5.194$00; retro. Retribuição base: 4.950$00; retro. Retribuição complementar: 5.194$00; retro. Retribuição base: 4.950$00; retro. Retribuição base: 4.950$00; retribuição base: 126.400$00; retribuição complementar: 137.344$00;

- dezembro: retribuição mensal efetiva: 263.744$00; retribuição base 126.400$00; retribuição complementar: 137.344$00;

- janeiro: retribuição mensal: 263.744$00; retribuição base: 126.400$00; retribuição complementar: 137.344$00;

- fevereiro: retribuição mensal: 285.300$00; retro. Retribuição complementar: 26.750$00; retro. Retribuição complementar: 26.750$00; retro. Retribuição complementar: 6.023$00; retro. Retribuição complementar: 2.155$60; retro. Retribuição complementar: 2.155$60; retro. Retribuição complementar: 2.155$60; retribuição base: 126.400$00; retribuição complementar: 158.900$00.

11) O BM aditou, o que designou de “remuneração complementar”, o montante de 21.556$00/€ 107,52.

12) Os retroativos foram pagos de setembro de 1994 a fevereiro de 1995.

13) Em 23 de junho de 2000, o BM fundiu-se, por incorporação, no BCP, S.A que passou a ser a entidade patronal da Autora, e esta sua trabalhadora, tendo-se transmitido para a Ré todos os direitos e obrigações decorrentes do contrato de trabalho.

12-a)1 17 A partir de tal data, a Autora passou a integrar os quadros de pessoal da Ré, com antiguidade de 8 anos, 5 meses e 3 dias.

13-a) Em 07 de julho de 1994, a Autora foi admitida como sócia do Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos Bancários, tendo passado a ser beneficiária do SAMS/QUADROS.

14) Desde 15 de junho de 2010 que a Autora está de baixa psiquiátrica.

15) De 01 de julho de 1994 e até dezembro de 1994, a autora exerceu funções de secretária de ..., mais concretamente do Diretor ...da Zona Norte, na Direção Comercial Norte, na Av.ª 1.

16) Por comunicação de 11 de janeiro de 1995, o BM comunicou à Autora o seguinte: “Assunto: Realização de Estágio Conforme previamente acordado, vimos por este meio confirmar a realização de um Estágio no Balcão 1, com a função de Caixa, até à data da abertura do Balcão 2. Este período de Estágio terá início no dia 12 de janeiro de 1995, e serão mantidas as condições de remuneração acordadas na admissão”.

17) Em 08 de fevereiro de 1995, e na esteira do que havia sido acordado com a Direção de Recursos Humanos do BM, a Autora candidatou-se ao lugar de “caixa – Polivalente na DCN – ...”.

19)2 Com data de 17 de abril de 1995, a Autora assinou uma declaração, aceitando passar a desempenhar as funções de caixa, em substituição das suas funções próprias da sua categoria de secretária.

20) De tal declaração consta ainda “Este seu acordo não prejudica a manutenção da sua categoria de secretária, com o nível 6, e dos complementos mensais de remuneração, de 27.087$00 e de 114.113$00 que lhe foram atribuídos pelo Banco Melllo. Os referidos complementos de remuneração absorverão, contudo, o acréscimo a título de falhas previsto na cláusula 107ª do ACT do Setor Bancário”.

21) A Autora aceitou que o acréscimo devido a título de falhas seria absorvido pela parte que o BM designou de “complementar” da sua remuneração.

22) Na mesma data – 17 de abril de 1995 – a Autora assinou outra declaração, com o seguinte teor: “… declara concordar com a sua Isenção Parcial de Horário de Trabalho, por motivo do qual e das funções que exerce aufere a retribuição mensal de 126.400$00 acrescida 27.086$00 a título de retribuição adicional pela isenção”.

23) O recibo de vencimento de março de 1995 da Autora, contém um acréscimo a título de falhas no montante global de 17.700$00/€ 88,29, bem como a atribuição do montante de 27.087$00/€ 135,11 a título de IHT.

24) A Autora recebeu este acréscimo de remuneração de março de 1995 a dezembro de 1996, inicialmente no montante de 17.700$00/€ 88,29 – que foi sendo atualizado –, o qual, porém, foi igualmente deduzido à parte da remuneração da Autora designada de “complemento”.

25) Tendo, na mesma data de março de 1995, sido deduzido à parte da remuneração da Autora designada de “complemento” o acréscimo de remuneração que lhe fora atribuído a título de IHT, no montante de 27.087$00/€ 135,11.

26) A parte da remuneração da Autora a que o BM designou de complemento e que era de 158.900$00/€ 792,59 – nos termos das correções efetuadas desde a data da sua contratação e espelhada no recibo de remunerações de fevereiro –, passou, em março de 1995, para 114.113$00/€ 569,19, uma vez deduzidos os montantes referentes a falhas (17.700$00/€ 88,29) e a IHT (27.087$00/€ 135,11).

27) O acréscimo a título de falhas veio a ser pago à Autora até junho de 2000.

28) O IHT manteve-se até 30 de novembro de 2009, sendo que em abril de 2001 passou de uma hora para duas horas diárias (Alterado pelo Tribunal da Relação, sendo a seguinte a redação original: O IHT manteve-se até 30 de novembro de 2009, sendo que em março de 2001 passou de uma hora para duas horas diárias).

29) A parte da remuneração da Autora a que o BM designou de “complemento” não mais veio a ser reposta na sua totalidade, considerando correções efetuadas até fevereiro de 1995 (eliminado pelo Tribunal da Relação e reposto por este Tribunal)

30) A Autora nunca chegou a assumir as funções de gestora de conta.

31) De abril de 1995 e até à incorporação do BM na Ré, em junho de 2000, e, depois, até março de 2001, a Autora continuou a sofrer deduções no “complemento” (eliminado pelo Tribunal da Relação e reposto por este Tribunal)

32) À medida que a parte da retribuição da Autora denominada “retribuição base” ia sendo atualizada por força do ACTV, o BM ia atualizando a denominada “retribuição complementar” (eliminado pelo Tribunal da Relação e reposto por este Tribunal).

33) De setembro de 1995 a março de 2001, a Autora esteve afeta ao balcão do BM 2, no exercício das funções de caixa.

34) Em 18 de abril de 1997, a Autora assinou uma declaração de renovação à concordância que havia dado em abril de 1995, no sentido de ser integrada em regime de isenção parcial (uma hora) de horário de trabalho.

35) Em junho de 1997, com efeitos retroativos a 01 de janeiro de 1997, o BM atribuiu à Autora a primeira diuturnidade, no montante de 5.750$00.

36) A Autora foi promovida pela Ré ao nível 07 em janeiro de 2005, tendo-lhe sido pagos os retroativos desde junho.

38) A Autora não voltou a ser promovida de nível.

39) Em 10 de novembro de 1999 a Autora recebeu uma nota de culpa e esteve suspensa até ao dia 08 de abril de 2001, tendo o processo vindo a ser arquivado.

40) Em julho de 2000, a Ré retirou à Autora o acréscimo de falhas que lhe havia sido atribuído à luz da cláusula 107.ª do ACTV, o qual, àquela data, ascendia a 21.000$00/€ 104,75, tendo esse montante sido resposto na parte “complementar” da sua retribuição, tal como era expectativa da Autora desde que, em abril de 1995, deu o seu consentimento à referida dedução.

41) Em junho de 2000, a parte da retribuição designada de “complemento” ascendia ao montante de 114.017$00/€ 568,71 e o abono de falhas ascendia ao montante de 21.000$00/€ 104,75, perfazendo um total de 135.017$00/€ 673,46.

42) Em julho de 2000, tendo sido retirado à Autora o acréscimo referente a falhas, a quantia que ela passou a receber afeta ao “complemento” passou a ser de 132.632$00/€ 661,57.

43) De janeiro a março de 2001, a quantia que a Autora passou a receber afeta ao “complemento” passou a ser de 143.499$00/€ 715,77.

44) Arquivado o processo disciplinar de que foi alvo, em 09 de abril de 2001, a Autora regressou ao trabalho e até junho daquele ano foi secretária do Diretor ..., do BCP Leasing.

45) De junho de 2001 e até junho de 2010, a Autora passou pelas seguintes funções e locais de trabalho:

• de junho de 2001 e até junho de 2002, a Autora passou a exercer as funções de “administrativo” na 2, do Grupo da Ré, no Porto.

• de 15 de junho de 2002 até dezembro de 2002, a Autor passou a exercer funções de “secretária” na Unidade ..., secretariando o Diretor ...da referida unidade, em Oeiras;

• a partir de janeiro de 2003 até junho de 2003, a Autora foi cedida à 1, tendo passado a exercer a função de “secretária”, em Oeiras;

• a partir de junho de 2003 até setembro de 2003, a Autora regressou ao Porto, para exercer a função de “administrativo” companhia de seguros do Grupo da Ré/ 2;

• de outubro de 2003 até abril de 2004, a Autora manteve-se na 2, a trabalhar, mas sem “função” atribuída, desempenhando tarefas de apoio ao seu superior hierárquico e demais colegas, nomeadamente de apoio telefónico, de arquivo documental e de elaboração de mapas estatísticos;

• de maio de 2004 até 14 de janeiro de 2005, a Autora manteve-se na 2, no exercício das funções de “assistente de apoio ao cliente”.

• de janeiro de 2005 até abril de 2005, a Autora passou a exercer funções de “assistente comercial” na 3;

• de abril de 2005 a maio de 2005, a Autora foi transferida para o 4, porém nunca exerceu funções nessa sucursal, mas no 5;

• de maio de 2005 a agosto de 2006, a Autora passou a exercer funções de “assistente comercial” no 6;

• de setembro de 2006 a outubro de 2008, a Autora passou a exercer funções de “assistente técnico de operações” no 7;

• de novembro de 2008 a janeiro de 2009, a Autora passou a exercer funções de “assistente técnico operações” no PEO – Equipa de Operações Diversas;

• de fevereiro de 2009 a maio de 2010, a Autora passou a exercer funções de “assistente de operações” no 8;

• em junho de 2010 a Autora passou a exercer funções de “assistente de operações” no 9;

46) Em 15 de junho de 2010, a Autora entrou de baixa médica, situação que permanece até ao presente.

47) No período de junho de 2001 a junho de 2010, a Ré atribuiu à Autora as seguintes diuturnidades:

• em janeiro de 2002, a Ré atribuiu à Autora a segunda diuturnidade, tendo a Autora passado a receber o montante de € 66,50 a este título, sem prejuízo das atualizações salariais;

• em janeiro de 2004, a Ré atribuiu à Autora a terceira diuturnidade, tendo a Autora passado a receber, a este título, até julho o montante de € 105,75 e, de agosto a dezembro, o montante de € 108,60, sem prejuízo das atualizações salariais;

• em maio de 2008, a Ré atribuiu à Autora a quarta diuturnidade, tendo a Autora passado a receber, a este título, o montante de € 160,32, sem prejuízo das atualizações salariais;

48) Em 09 de abril de 2001, a Autora assinou nova declaração de IHT, no sentido de dar o seu consentimento ao regime da isenção de horário de trabalho, que passou a ser de duas horas, mediante a contrapartida da remuneração adicional de 33.913$00/€ 169,16.

49) A Ré processou na remuneração da Autora a título de IHT aplicando uma percentagem de 46,43% sobre uma remuneração base de 158.250$00/€ 789,35 (correspondente à remuneração base da Autora, acrescida das diuturnidades), sendo que a partir de setembro de 2002 e até novembro de 2009 foi aplicada a percentagem que decorria do ACT-BCP em vigor, correspondente a 46,50% (Alterado pelo Tribunal da Relação: a versão original era a seguinte: A Ré processou na remuneração da Autora a título de IHT aplicando uma percentagem de 46,43% sobre uma remuneração base de 158.250$00/€ 789,35 (correspondente à remuneração base da Autora, acrescida das diuturnidades), sendo que a partir de setembro de 2002 e até novembro de 2002 foi aplicada a percentagem que decorria do ACT-BCP em vigor, correspondente a 46,50%).

50) A partir de abril de 2001, a quantia atribuída à Autora a título de IHT foi de 73.475$00/€ 366,49, correspondente a duas horas de IHT e não 33.913$00/€ 169,16.

51) Em março de 2001, a quantia atribuída a título de IHT estava afeta ao “complemento” e que era de 143.499$00/€ 715,77 e passou, a partir de abril de 2001, a ser de 103.937$00/€ 518,44.

52) Tal situação manteve-se inalterada até ter cessado o IHT em novembro de 2009.

53) Em 30 de setembro de 2009, a Ré comunicou à Autora a cessação do regime de isenção de horário de trabalho, com efeitos a 01 de dezembro de 2009.

54) Uma vez cessado este regime de IHT, a Ré cessou a redução que havia sido efetuada ao “complemento” da remuneração a partir de abril de 2001, tendo acrescido a essa parte da remuneração da Autora – que em 30 de novembro de 2009 era de € 467,92 – a quantia de € 326,81, que passou, assim, a totalizar € 794,73.

55) De 01 de dezembro de 2009 e até novembro de 2011, a Autora recebeu, a título de “complemento” o montante de € 794,73.

56) Quanto à parte da remuneração da Autora que correspondia à base do nível em que estava integrada pela Ré, bem como as diuturnidades atribuídas pela Ré, em dezembro de 2009 era de € 1.019,39.

57) A partir de janeiro de 2010 até novembro de 2011, essa parte remuneratória passou a ser de € 1.029,58, correspondendo ao nível mínimo do nível 7, nos termos dos ACT-BCP em vigor.

58) Por carta de 06 de dezembro de 2011, a Ré informou a Autora que, daquela data em diante, a sua situação remuneratória passaria a ser abrangida pelo regime de mensalidade de doença, nos termos do estipulado na cláusula 119.ª, n.º 1 do ACT-BCP, e a sua remuneração bruta passaria “a ser a mensalidade mínima atual (vencimento base do nível 4), acrescida das diuturnidades”.

59) No mês de dezembro essa comunicação ainda não produziu a totalidade dos seus efeitos na remuneração auferida pela Autora, tendo a mesma recebido € 137,28 a título de vencimento base.

60) De janeiro de 2012 até setembro de 2019, a Autora recebeu, a título de mensalidade de doença, a quantia de € 748,54.

61) Em outubro de 2019, foram processados vários montantes referentes à mensalidade de doença, tendo a Autora recebido a quantia de € 928,56.

62) A partir de novembro de 2019 até ao presente, a Autora tem recebido, a título de mensalidade de doença, o montante mensal de € 759,81.

63) A Ré comunicou à Autora a cessação do período intercalar em dezembro de 2011.

64) No período, de dezembro de 2011 até ao presente, a Ré atribuiu à Autora as seguintes diuturnidades:

• em janeiro de 2012, a Ré atribuiu à Autora a quinta diuturnidade, tendo a Autora passado a receber, a este título, o montante de € 205,45;

• em julho de 2017 a Ré atribuiu à Autora a sexta diuturnidade, tendo a Autora passado a receber, a este título, o montante de € 246,54, sem prejuízo das atualizações salariais;

• em janeiro de 2020, a Ré atribuiu à Autora a sétima diuturnidade, tendo a Autora passado a receber, a este título, o montante de € 289,10.

65) A Ré atribuiu à Autora em janeiro e abril de 2007, um prémio de antiguidade no montante de € 2.073,65, pago nesses meses.

66) A Ré pagou à Autora, em fevereiro de 2017, um prémio no montante de € 811,90.

67) Ao longo dos anos, a Autora sentiu-se stressada, ansiosa e desesperada.

68) Em junho de 2010, tentou o suicídio, na sequência da qual, foi-lhe diagnosticada uma perturbação ..., recorrente, grave, sem características psicóticas e com características melancólicas.

69) Esta situação levou a que a Autora entrasse de baixa médica em 15 junho de 2010 até ao presente.

70) A Autora teve de contrair empréstimos bancários e usar o seu cartão de crédito para poder fazer face à sua vida, endividando-se perante a Ré.

71) Em 2012 a Autora tinha dois empréstimos em vigor – crédito habitação e fundo social da Ré, onerados com as prestações mensais de € 539,93 e € 266,56 – totalizando um encargo mensal de € 806,49 –, tendo ficado numa situação de grande debilidade financeira.

72) A Autora veio a ser promovida ao nível 7, em julho de 2004, com alteração remuneratória correspondente a janeiro de 2005 com pagamento de retroativos, não mais tendo sido alterado o seu nível, e apenas recebeu essa promoção com referência à designada “remuneração base”, sem que o “complemento” fosse considerado para esse efeito. (Alterado pelo Tribunal da Relação. A redação originária era a seguinte: A Autora veio a ser promovida ao nível 7 em janeiro de 2007, não mais tendo sido alterado o seu nível, e apenas recebeu essa promoção com referência à designada “remuneração base”, sem que o “complemento” fosse considerado para esse efeito).

73) De 01 de julho de 1994 até ao presente, a Autora recebeu, a título de remuneração base mensal, subsídios de férias e de Natal e de férias, promoções automáticas e prémio de antiguidade a quantia de € 451.705,27.

74) O BM e depois a Ré, processaram/atribuíram à Autora as diuturnidades seguintes:

• em junho de 1997, com efeitos retroativos a 01 de janeiro de 1997, o BM atribuiu à Autora a primeira diuturnidade, no montante de 5.750$00;

• em janeiro de 2002, a Ré atribuiu à Autora a segunda diuturnidade, tendo a Autora passado a receber o montante de € 68,70 a este título, sem prejuízo das atualizações salariais.

• em janeiro de 2004, a Ré atribuiu à Autora a terceira diuturnidade, tendo a Autora passado a receber, a este título, até julho o montante de € 105,75 e, de agosto a dezembro, o montante de € 108,60, sem prejuízo das atualizações salariais.

• em maio de 2008, a Ré atribuiu à Autora a quarta diuturnidade, tendo a Autora passado a receber, a este título, o montante de € 160,32, sem prejuízo das atualizações salariais.

• em janeiro de 2012, a Ré atribuiu à Autora a quinta diuturnidade, tendo a Autora passado a receber, a este título, o montante de € 205,45;

• em julho de 2017, a Ré atribuiu à Autora a sexta diuturnidade, tendo a Autora passado a receber, a este título, o montante de € 246,54, sem prejuízo das atualizações salariais;

• em janeiro de 2020, a Ré atribuiu à Autora a sétima diuturnidade, tendo a Autora passado a receber, a este título, o montante de € 289,

74-a)3 20 A remuneração adicional a título de falhas auferida pela Autora no período de março de 1995 a dezembro de 1996, foi deduzida à parte da sua remuneração a que o BM denominou de “complemento” e foi, posteriormente, reposta.

75) Pese embora a Autora tenha assinado a primeira declaração de IHT, referente a 1 hora de trabalho diário, a 17 de abril de 1995, logo em março desse mesmo ano o BM começou a processar esse adicional nos seus recibos de vencimento.

76) A título de IHT, a Autora recebeu a quantia de € 79.096,41.

77) Ao fim de 18 meses – em dezembro de 2011 –, a Ré comunicou à Autora a cessação do período intercalar, passando a aplicar-lhe um regime em que a sua remuneração bruta passaria “a ser a mensalidade mínima atual (vencimento base do nível 4), acrescida das diuturnidades”.

78) A Autora recebeu no período intercalar o montante de € 59.194,04 e após o período intercalar e até ao presente, a Autora recebeu o montante de € 91.548,78.

79) A Autora sentia-se insegura, ansiosa e com medo pelo futuro.

80) A Autora chegou a viver em casa de amigos e contraiu empréstimos.

81) Em 11 de julho de 2012, a Autora tivesse proposto uma providência cautelar contra a Ré, pedindo que o Tribunal decidisse o seguinte: «a) ordenar o requerido a pagar à Requerente uma mensalidade de doença do montante equivalente a 75% da sua remuneração base, ou seja, do montante de € 1.368,23 (75% x € 1.824,31) (mil trezentos e sessenta e oito euros e vinte e três cêntimos), acrescida, nesta data, de 5 diuturnidades, do montante total de € 205,45 (€ 41,09 x 5), tudo perfazendo o total de € 1.573,68 (mil quinhentos e setenta e três euros e sessenta e oito cêntimos); b) ordenar a atualização dos referidos montantes em conformidade com os aumentos salariais que vierem a ser determinados pelo ACT/BCP; c) ser o Requerido condenado a pagar à Requerente e ao Estado, em partes iguais, a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento da providência que vier a ser decretada nestes autos; d) ordenar a notificação do Requerido, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 391.º do CPC e 348.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código Penal, ou seja, os Administradores do Requerido, incorrem na pena do crime de desobediência qualificada se infringir a providência cautelar decretada, sem prejuízo das medidas adequadas à sua execução coerciva e, naturalmente também, sem prejuízo da sanção pecuniária compulsória; e) condenar o requerido no pagamento das custas do processo, bem como no pagamento das custas de parte, nas quais se incluem honorários ao mandatário e no mais de lei.»

82) A aqui Ré deduziu oposição, defendendo, por um lado, a falta de pressupostos processuais para a ação; e por outro lado, defendendo que a parte do salário da Autora que corresponde a um “complemento remuneratório” não está regulada no ACT aplicável e «(…) não faz parte da sua remuneração base mensal, e que poderia ser absorvida quer por futuros aumentos salariais (decorrentes da atualização do valor correspondente ao nível 6, ou outro em que a Autora viesse a estar colocada, quer por outras quantias (nomeadamente pagamento de retribuição especial por isenção de horário de trabalho ou abono para falhas), estando a sua atualização dependente de decisão unilateral do Requerido, sendo que tal complemento remuneratório apenas é pago se o trabalhador está em efetividade de serviço e é irrelevante para o cálculo da prestação de doença ou para o cálculo de pensão de reforma».

83) O processo veio a correr termos pelo Tribunal de Trabalho do Porto, Juízo Único, ....ª Secção, sob o número de processo 1069/12.0TTPRT e, por sentença de 05/03/2013, o Tribunal julgou o procedimento cautelar improcedente por ter entendido que para a verificação do requisito do periculum in mora a Autora tinha, por um lado, de ter feito prova do valor da sua remuneração base tal como por si reclamada e, por outro lado, uma vez feita tal prova, tinha ainda de ter provado que a mensalidade de doença por si reclamada deveria corresponder a 75% da remuneração base reclamada, prova esta que não logrou fazer; assim sendo, a decisão proferida acabou por não apreciar o mérito da matéria que está em causa nesta ação.

84) A “remuneração complementar” foi recebida todos os meses desde a sua contratação, incluída nos subsídios de férias e de Natal e sobre a qual a Autora pagava as contribuições para a CAFEB e IRS.

85) A Autora reformou-se em setembro de 2020.

86) Enquanto trabalhadora da Ré a Autora celebrou com esta, que é uma instituição financeira, em 04/11/2002, um contrato de mútuo com hipoteca, para compra de habitação própria e obras de beneficiação, em condições apenas concedidas aos seus trabalhadores por ser ao abrigo do Regulamento do Crédito à Habitação para o Sector Bancário, que, entre outros benefícios tem taxa de juro correspondente a 65% da taxa de refinanciamento da Ré junto do BCE (Banco Central Europeu), sem spread, ou seja, e até aqui igual ao regime aplicado a todos os seus colegas que tenham possibilidade e interesse em financiamento.

87) A Autora, atentas as condições financeiras difíceis que alegou ter tido em diversos momentos, obteve da Ré uma suspensão de pagamento de prestações, em 2002, durante seis meses.

88) A Autora está em incumprimento desde 2016, não tendo a Ré tomado até à presente data qualquer iniciativa de resolução do mútuo e sua cobrança judicial desse seu crédito, tratamento que é bem distinto do tido com colegas seus em incumprimento, que em menos de um mês veem o seu processo afeto a contencioso.

89) No contrato de mútuo a Autora obrigou-se a não onerar o imóvel sua garantia, condição que relevou para que a Ré lhe emprestasse o valor mutuado nas condições em que fez.

90) A Autora arrendou o imóvel garantia.

91) A Ré até à presente data não resolveu o contrato de mútuo, direito que lhe assiste nos termos do contratado, ou seja, em situação de qualquer um dos incumprimentos versados.

92) A Ré concedeu à Autora financiamento por via do Apoio Social que tem, com vista a que a Autora pusesse termo às situações em que se encontrava financeiramente.

93) Por carta de 28 de outubro de 2004 a Autora reclamou o nível 7 junto da Ré, nos seguintes termos: “Como sabem, na sequência da integração do Banco Mello no Grupo BCP no ano de 2000 não beneficiei, como penso deveria ter acontecido, da passagem para o nível 7, ao tempo do ACTV Geral do Sector, dado que estava no nível 6 desde a minha admissão naquela instituição – 01/07/1994”.

94) A essa carta respondeu a Ré por correio eletrónico de 07/01/2005, nos seguintes termos:

“D. AA

1 – Promoção ao nível seguinte.

Em 01/07/2000 reunia condições para a cláusula 18 do ACTV para passar o nível 7. Mas, em 30/06/2000 com a fusão do Banco Mello no BCP e porque é filiada no Sindicato dos Quadros, ficou ao abrigo do ACTQ/Grupo BCP com o Sindicato dos Quadros, em que a cláusula 18 ou equivalente não existe e, por isso não, foi promovida.

Desta forma, está desde 30/06/2000 ao abrigo do ACTQ/Grupo BCP, e só após 5 anos de notações superiores a 70 é que poderá ser promovida (cláusula 22), no entanto as notações registadas são inferiores a 70. Está também ao abrigo da cláusula 23-1, que determina que um colaborador com 10 anos de permanência no nível mínimo da respetiva categoria deverá transitar para o nível seguinte. É o que se verifica, porque já tem 10 anos de nível 6 e 10 anos de categoria contratual de Secretária. Deverá falar com a direção de modo a ser despachado a atualização de Nível com data de 01/07/2004, ao abrigo da cláusula 23 – 1 do ACTQ/Grupo BCP.

2 – Aumento de complemento de vencimento.

Na admissão no Banco Melo não ficou garantida a atualização de todos as rubricas de vencimento, que tinha no BCH. No entanto era essa a prática seguida. Quanto aos aumentos do vencimento decorrente da revisão anual salarial estes estão sempre sujeitos aos critérios definidos pela Administração, e a partir de 2002 foi determinado que o complemento não era contemplado. Esta regra foi aplicada para todos os colaboradores do Grupo e por esse motivo não foi atualizado o complemento de vencimento desde 2002.”

95) Conforme deliberação do Conselho de Administração da Ré, as progressões ficaram suspensas.

96) A Categoria de Secretaria compreende funções administrativas.

97) Apenas os Administradores têm secretárias no sentido versado pela Autora.

98) Foi a Autora que solicitou, por razões pessoais, a transferência para Lisboa.

99) A 1 é um ACE, que servia como plataforma de otimização dos recursos humanos do Grupo da Ré.

100) Em junho de 2003 a Autora regressou ao Porto, fê-lo a seu pedido.

101) Tratou-se de uma preferência da Autora que teve de balancear entre não regressar ao Porto, e regressar na contingência de não ser possível ser enquadrada nas funções próprias da sua categoria.

102) A Autora dirigiu à Ré uma missiva na qual dá conta das dificuldades da sua vida privada, designadamente que os planos que a levaram a pedir a transferência para Lisboa se haviam frustrado, e se viu obrigada a arrendar um apartamento não conseguindo suportar esse encargo conjuntamente com o encargo da casa que havia comprado no Porto com empréstimo da Ré.

103) E por isso pede novamente transferência para o Porto, mas mencionando que esta não ocorra sem antes estar assegurada e instruída a pessoa que a viesse a suceder.

104) A Autora agradeceu à Ré todo o apoio por este dado através do Fundo Social, e que pretende intensificar, assegurando que não usou o cartão de crédito, condição imposta pelo anterior apoio social pedido, e concedido, mas que tal não foi possível a partir de janeiro de 2003, referindo que: “É de facto impossível, sobreviver. Isto afeta-me, também psicologicamente. Não consigo desta forma voltar a ter sossego, paz de espírito e serenidade para continuar a trabalhar, raciocinar e viver”.

105) No parecer proferido sobre o pedido da Autora, a Ré acolheu os argumentos da Autora, seguindo o parecer emitido pelo Departamento Social em que se refere ser de manter a suspensão do pagamento de prestações do crédito à habitação (anteriormente pedidas), promover o regresso ao Porto, autorizar a utilização do ASD da conta ordenado (plafond a descoberto), mas não permitir o uso de cartão de crédito interditado pelo anterior apoio social pedido.

106) Em maio de 2004 alega a Autora não exercia ainda as funções próprias da categoria de secretária, mas não estava sem função atribuída.

107) A partir de janeiro de 2005 a Autora ingressou no denominado “5”.

108) Em novembro de 2008 a Autora, com o seu acordo sai da 7, e é colocada na 8 onde esteve até entrar de baixa em 15 de junho de 2010, exercendo de facto as funções no mesmo espírito.

108-a)4 Se a retribuição por IHT estiver indexada ao Base/nível, era aumentada sempre que este era aumentado, o que não sucederia com a rúbrica complemento.

109) Nos acordos de isenção de horário de trabalho celebrados em 09 de abril de 2001 e 24 de fevereiro de 2003, consta exatamente uma declaração da Autora com o seguinte texto: “O empregado abaixo assinado declara dar o seu acordo ao pedido de isenção de horário de trabalho, formulado pelo(a) BCP Leasing / 1, e que o seu vencimento já consta um acréscimo para esse fim”.

Por terem sido objeto do recurso indicam-se os factos não provados m) e q):

m) O referido em 67), 68) e 69) relaciona-se com as vicissitudes das funções da Autora e da sua remuneração.

q) Foi a conduta da Ré que determinou o referido em 79).

De Direito

Um dos segmentos decisórios do Acórdão recorrido sobre o qual incide o presente recurso é o que se refere à decisão de eliminar os pontos 29., 31. e 32. o elenco dos factos provados.

A redação originária do ponto 29 era a seguinte: “A parte da remuneração da Autora a que o BM designou de “complemento” não mais veio a ser reposta na sua totalidade, considerando correções efetuadas até fevereiro de 1995”. O Tribunal da Relação eliminou este ponto afirmando que “não mais veio a ser reposta na sua totalidade” é vago/conclusivo, pois tem subjacente que uma parte foi reposta, mas não se sabe que parte foi e que parte não foi reposta.

A redação originária do facto 31 era a seguinte: “De abril de 1995 e até à incorporação do BM na Ré, em junho de 2000, e, depois, até março de 2001, a Autora continuou a sofrer deduções no “complemento””. O Tribunal da Relação eliminou este ponto com a seguinte argumentação: “Argumenta a Recorrente ser conclusivo o que consta deste ponto, na medida em que não refere as deduções que estão em causa em concreto, e assenta num adjetivo que qualificaria como ilícita qualquer dedução. Na verdade, este ponto terá tido na base o alegado no artigo 51º da PI (primeira parte) que se inicia dizendo “portanto”, ou seja, assume o cariz conclusivo apontado pela Recorrente”.

A redação originária do facto 32 era a seguinte: “À medida que a parte da retribuição da Autora denominada “retribuição base” ia sendo atualizada por força do ACT, o BM ia atualizando a denominada “retribuição complementar”. O ponto foi suprimido pelo Tribunal da Relação com a seguinte argumentação: “Argumenta a Recorrente ser conclusivo, pois não refere expressamente as atualizações a que se refere. As atualizações em causa são as mesmas que a “retribuição base” sofria, pelo que não decorre daí o cariz conclusivo. A questão é que este ponto teve na base o alegado no artigo 51º da PI (parte final), estando encadeado com o que constava do ponto anterior, ou seja, reporta-se ao mesmo período de abril de 1995 até à incorporação do BM na Ré em junho de 2000, sendo dito que foram feitas as deduções referidas no ponto anterior “apesar da circunstância de o BM atualizar …” Havendo esse encadeamento, valem, então, as considerações feitas a propósito do ponto anterior”.

Antes de mais, apesar dos reduzidos poderes deste Supremo Tribunal de Justiça quanto à decisão em matéria de facto, cabe nos seus poderes sindicar a decisão do Tribunal da Relação sobre se um facto é conclusivo e deve, por isso, ser eliminado do elenco dos factos provados.

Com efeito, e como se afirmou no Acórdão proferido a 14-07-2021 no processo n.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1 (Relator Júlio Gomes), “importa verificar se um facto, mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa”. E, como se sustentou com desenvolvida argumentação no Acórdão proferido por esta Secção Social a 11-12-2024, no processo n.º 1974/23.0T8MTS-A.P1.S1 (Relator Mário Belo Morgado) não se pode hoje ignorar que não é possível separar inteiramente matéria de facto e matéria de direito e nas palavras de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “excluir da realidade processual os "factos conclusivos" é contrariar a solução que, de forma adequada, foi finalmente consagrada no regime processual civil português: a de que não há uma estrita separação entre a matéria de facto e a matéria de direito”.

Ora e começando pelo ponto 32 este limita-se a descrever o que foi sucedendo, sendo certo que como o próprio Acórdão recorrido reconhece as atualizações em causa são as mesmas que a “retribuição base” sofria, Deste ponto não decorre inelutavelmente a solução a dar ao caso, pelo que não se vislumbra em que é que o mesmo é conclusivo.

O facto 29 é, na verdade, em alguma medida vago pois não se sabe em que medida é que a reposição do complemento foi feita – 10%, 50%, 99%? Mas tem em todo o caso uma informação útil – a reposição não foi feita na totalidade. Assim poderia ter-se determinado a produção de prova adicional para o densificar, mas não se justifica a sua pura e simples eliminação.

E tão pouco se justifica a eliminação do ponto 31 pelo facto de o mesmo resultar de um artigo da petição inicial que começava por “portanto”.

Procede, pois, o recurso neste segmento repondo-se na matéria de facto dada como provada os factos 29, 31 e 32.

Outro segmento decisório objeto do recurso consiste na decisão sobre os factos não provados m) e q), os quais em seu entender deveriam constar do elenco dos factos provados.

Ora quanto aos factos não provados pode ler-se na sentença que “ficaram a dever-se à insuficiência ou inexistência de prova para a sua demonstração ou mesmo à prova do seu contrário”, sendo que também o Acórdão recorrido manteve tais factos m) e q) na lista dos factos não provados por insuficiência da prova afirmando que “[a]complexidade da situação pode não facilitar a sua prova, mas têm que estar em causa factos concretos, não podendo estar em causa uma conduta não concretizada”. É certo que o Acórdão recorrido também refere a possibilidade de tias factos nem sequer constarem da lista dos factos não provados porque seriam demasiado vagos e conclusivos, mas acaba por mantê-los no elenco dos factos não provados porque a Autora não conseguiu, em seu entender, fazer a prova de factos concretos aos quais se pudesse imputar um dano não patrimonial. Acresce que estamos no domínio da livre apreciação da prova, o qual não é suscetível de ser sindicado por este Supremo Tribunal.

Improcede, por conseguinte, o recurso neste segmento, mantendo-se os factos m) e q) do elenco dos factos não provados.

Prosseguindo a análise, resulta do facto 4 que “à data da revogação do seu contrato de trabalho com o BCHP, a Autora auferia a remuneração base mensal de 293.000$00/€ 1.461,48, acrescida de 900$00/€ 4,49 a título de subsídio de alimentação”, referindo-se, desde já, que o BCHP não estava vinculado a qualquer contrato coletivo (facto 2). A Autora e o seu empregador seguinte, o Banco Mello, acordaram mesmo antes de a Autora ter revogado o seu contrato com o BCHP as condições da sua futura contratação. Importa ter presente que o Banco Mello veio a fundir-se por incorporação no BCP SA., como decorre do facto 13 (“Em 23 de junho de 2000, o BM fundiu-se, por incorporação, no BCP, S.A que passou a ser a entidade patronal da Autora, e esta sua trabalhadora, tendo-se transmitido para a Ré todos os direitos e obrigações decorrentes do contrato de trabalho”) e, sendo a fusão por incorporação uma modalidade da transmissão de unidade económica, o BCP SA. Assumiu todas as obrigações e passou a ser titular dos direitos emergentes desse acordo e do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e o Banco Mello.

Desse acordo entre a Autora e o Banco Mello constava, designadamente, que este último se obrigava a pagar à Autora “[c]omo contrapartida pelo trabalho prestado (…) uma remuneração mensal equivalente à que auferia no BCHP, sendo que a remuneração inicial seria de 253.600$00/€ 1.264,95, a qual, ao longo do ano de 1994 seria ajustada com efeitos retroativos à data da sua contratação até perfazer a quantia de 283.300$00/€ 1.423,06 em janeiro de 1995” (facto 5), prevendo-se, ainda, um subsídio de refeição e subsídios trimestrais de estudo para os dois filhos da Autora.

Embora se tivesse obrigado a pagar uma retribuição mensal “equivalente” à que a Autora auferia ao serviço do BCPH – e “[d]o recibo de vencimento da Autora de abril de 1994, do BCHP, consta como vencimento base 293.000$00” – o Banco Mello não lhe pagou, desde o início, sequer a remuneração de 253.600$00 como remuneração-base, optando por “decompor a importância”, como resulta do recibo de julho de 1994 em uma retribuição base de 121.450$00 e uma retribuição complementar de 132.150$00 (perfazendo no total o que chamava de retribuição efetiva de 253.600$00) (facto 10, em que se dá conta igualmente de ter o Banco Mello ter por vezes efetuado pagamentos retroativos).

Antes de prosseguir, convém, no entanto, esclarecer alguns pontos preliminares.

Antes de mais, tanto ao abrigo do Decreto-Lei n.º 49408 (doravante designado por LCT), como no domínio dos Códigos de Trabalho de 2003 e de 2009, o contrato individual de trabalho pode afastar-se da convenção coletiva em sentido mais favorável. Assim, é perfeitamente válido o acordo como o dos autos que esclarece o sentido do contrato individual de trabalho (porque preparou o mesmo) que, recorde-se, no caso vertente não foi celebrado por escrito. E quando o empregador se obrigava a pagar à Autora “uma remuneração mensal equivalente à que auferia no BCHP, sendo que a remuneração inicial seria de 253.600$00/€ 1.264,95, a qual, ao longo do ano de 1994 seria ajustada com efeitos retroativos à data da sua contratação até perfazer a quantia de 283.300$00”, obrigou-se a pagar-lhe uma remuneração base (como à época se dizia na LCT) nesse montante.

Dir-se-á, em contrário, como se afirma no Acórdão recorrido, que a lei atual não contém, em rigor, uma definição de retribuição base e que, em todo o caso, o conceito de remuneração base da LCT não seria esse já que a LCT não continha uma norma equivalente ao artigo 262.º n.º 2 alínea a) do atual Código do Trabalho.

Efetivamente, por ler-se no Acórdão recorrido:

“Sucede que, quando a Autora passou a trabalhadora do BM, estava em vigor a LCT5 que, embora dizendo que a retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas (art.º 82º, nº 2), não continha norma equivalente ao art.º 250º do Código do Trabalho/2003, atual art.º 262º do Código do Trabalho.

Sendo assim, quando a Autora passou a trabalhadora do BM, ao ser-lhe mantida a retribuição que vinha auferindo no BCHP, decomposta em “base” e “complemento” [cfr. ponto 8) dos factos provados], tal aconteceu em consonância com a terminologia do ACT publicado no BTE n.º 31, de 22 de agosto de 1990 [como exposto na sentença recorrida, recordando-se agora que retribuição base: a prevista no anexo II para cada nível dos diversos grupos]6, ou seja, é cristalino que não foi considerado o “complemento” como retribuição base, nem pode ser considerado como tal.

A questão que se poderia colocar era, então, saber se aquando da entrada em vigor do Código do Trabalho/2003, sendo a Autora trabalhadora da Ré [ponto 13) dos factos provados] e já não sendo aplicável o referido ACT, é de passar a considerar o “complemento” como retribuição base, sabido que não releva o “título” atribuído pelas partes a determinada prestação.

Porém, não se nos afigura que assim possa ser, pois não se pode dizer ter operado aí uma alteração do que vinha sendo praticado, sem esquecer que o Código do Trabalho não contém uma noção geral de retribuição base.”

Importa ter presente que o conceito de retribuição base é um conceito legal utilizado amiúde pelo legislador e para questões de grande importância, como sucede hoje, por exemplo, com o cálculo das compensações por despedimento coletivo ou de indemnizações no caso de despedimento ilícito, pelo que o intérprete por aplicação do artigo 9.º do Código Civil não está absolvido da tarefa de lhe dar um sentido útil. E tal sentido não pode consistir na mera remissão para a contratação coletiva pois que o legislador não pode ignorar que algumas relações laborais não estão sujeitas à aplicação de qualquer convenção coletiva e, mesmo assim, também nelas há que identificar o que seja a retribuição base. Ora e ainda que se possa dizer, como faz o Acórdão recorrido, que não existe uma noção geral no Código do Trabalho de retribuição base – repare-se que a alínea a) do n.º 2 do artigo 262.º começa pela frase “para efeito do disposto no número anterior” – a verdade é que muito antes do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, invocado como Acórdão fundamento na revista excecional da Autora, já a nossa jurisprudência identificou uma noção operacional de retribuição base.

Como se pode ler, por exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/01/2008 (Processo n.º 7884/2007-4, Relator Ferreira Marques):

“Retribuição base é aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido. É aquela que corresponde ao montante fixo mensal auferido pelo trabalhador; é aquela retribuição de carácter certo, que é paga pelo empregador, como contrapartida do trabalho prestado e que é calculada em função do período normal de trabalho estabelecido; é aquela que está apenas ligada ou relacionada com a actividade desempenhada pelo trabalhador e não com as condições ou circunstâncias desse desempenho”.

E, no mesmo sentido, veja-se, igualmente, a decisão constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-06-2010, proferido no processo nº 303/07.3TTVFX.L1.S1 (Relator Sousa Peixoto):

“Verifica-se, assim, que a lei distingue os conceitos de ‘retribuição’ e de ‘retribuição base’, sendo necessariamente aquele de maior amplitude. Já da lei anterior resultava estarmos perante conceitos distintos, ao dispor o nº 2 do artº 82.º da LCT que ‘a retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. É, por isso, inquestionável que o conceito de retribuição é mais lato do que o conceito de remuneração de base, uma vez que a retribuição compreende tudo aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao empregador, enquanto que o segundo apenas compreende uma parcela da retribuição. A questão que se coloca é a de saber qual é essa parcela. E se da LCT não constava expressamente o conceito da remuneração da base, o que é certo era que ao contrapor a remuneração de base a todas as outras prestações, temos de concluir que a remuneração de base era constituída, apenas, por uma das prestações que integram o conceito mais geral de retribuição.
E quer a doutrina quer a jurisprudência dos tribunais superiores vinha a entender que a retribuição base, ou remuneração de base, correspondia à parte certa da retribuição que é definida em função da categoria profissional do trabalhador e do tempo de trabalho que ele se obrigou a prestar e que consta das tabelas salariais dos instrumentos de regulamentação colectiva”

Esta referência final aos IRCT’s não visava afastar que a retribuição base (ou remuneração base como lhe chamava a LCT) não pudesse ser definida no contrato individual de trabalho, o qual, reitera-se, pode ser mais favorável do que o que resulta da negociação coletiva, e pode existir mesmo na ausência de qualquer regulamentação coletiva aplicável à relação laboral concreta.

Assim, também na LCT, a remuneração base não compreendia a retribuição por isenção de horário de trabalho, a qual, de resto, era designada pela LCT como uma “retribuição especial”. Por outro lado, abrangia o que fosse pago ao trabalhador como contrapartida do seu trabalho, atendendo ao número de horas que este se obrigou a prestar já que o tempo era também uma medida da prestação laboral.

Decorrem daqui várias ilações:

Em primeiro lugar, a remuneração base (ou como nos Códigos de 2003 e 2009 se passou a designar a retribuição base) que o Banco Mello se obrigou a pagar à Autora (tendo-se o atual Réu sub-rogado ope legis nessa obrigação) no montante de 283.300$00/€ 1.423,06 em janeiro de 1995, foi decomposta em duas parcelas, uma que nos recibos vinha identificada como retribuição base e outra como “retribuição complementar”, mas tanto uma como outra integravam materialmente a retribuição base da Autora, sendo pagas todo o ano, bem como nos subsídios de férias e de Natal (facto 84) e não se vislumbrando outra razão que não fosse o trabalho normalmente realizado (e não condições específicas desse trabalho). Na realidade, e como se pode ler lapidarmente no Parecer do Ministério Público junto aos autos neste Tribunal:

“No caso dos autos não havia qualquer causa específica e individualizável para a prestação com a designação de retribuição complementar que era feita nos recibos de remuneração da trabalhadora. Na verdade, o que a entidade empregadora fez foi apenas uma repartição artificial e sem fundamento legal da retribuição base da recorrente em duas parcelas, designando uma como retribuição base e a outra como retribuição complementar. Parecendo que o que motivou essa decisão foi o facto de, aquando do início da relação contratual entre a autora e o BM, auferindo a autora uma retribuição base superior à que seria devida por força da tabela salarial do ACTV bancário aplicável, estando o BM obrigado a manter a retribuição da trabalhadora autora por força do princípio da irredutibilidade da retribuição, previsto, então, na alínea c), do n.º 1, do art.º 21.º da LCT, a empregadora decidiu, mantendo o valor total da retribuição, ficcionar a sua repartição naquelas duas diferentes retribuições - a retribuição base e a complementar.”

Destarte, há que concluir que as chamadas “retribuições complementares” integram a retribuição base da Autora.

Assim sendo, e desde logo, a retribuição da isenção de horário de trabalho devia acrescer à retribuição base e não ser deduzida aos “complementos” (que eram materialmente retribuição base e não apenas retribuição). Verifica-se que desde que a trabalhadora passou a estar em isenção de horário de trabalho até que tal situação findou – ou seja, desde março de 1995 até 1 de dezembro de 2009, como resulta do facto 53 verificaram-se deduções ao “complemento” a título de isenção de horário de trabalho, pelo que a Autora tem direito a que lhe sejam pagas tais quantias.

Sublinhe-se que a sentença, muito embora com outra fundamentação já que não reconheceu que a “retribuição complementar” fosse retribuição base, sempre afirmava que “o “complemento” foi acordado precisamente para “compor” a remuneração da autora quando esta passa do BCHP para o BM e, porque assim foi, o réu não poderia usá-lo a seu bel-prazer para absorver acréscimos remuneratórios a que a autora tivesse direito ao longo da relação laboral. Por exemplo, por melhor que tivesse sido a intenção do réu, não podia integrar na retribuição base a retribuição do IHT, diminuindo na mesma medida o “complemento””.

O Acórdão recorrido, todavia, alterou neste segmento a decisão da sentença e restringiu a determinação das importâncias em dívida ao período de agosto de 1999 a junho de 2002, e de julho de 2002 a novembro de 2009 com a seguinte argumentação:

“Argumenta a Recorrente/Ré que o ACT invocado pelo tribunal a quo, publicado no BTE n.º 30, de 15/08/1999, apenas entrou em vigor em 1999, além de que, sendo aplicável à Ré, à Autora apenas é aplicável de junho de 2000 a julho de 2002, já que a Autora antes mantinha vínculo com o Banco Melo, pelo que não pode ser considerado como foi. Tem razão a Ré/Recorrente, donde a condenação determinada em 1ª instância se reportar não ao período de março de 1995 a junho de 2002, mas antes ao período de agosto de 1999 a junho de 2002, procedendo o recurso nestes termos. Relativamente ao período de julho de 2002 a novembro de 2009, em face do que se decidiu supra sobre a “retribuição base”, mantém-se o decidido em 1ª instância”.

Concordamos com o Recorrente quando este afirma que o Tribunal não estava dispensado de invocar a anterior convenção coletiva aplicável a esta relação laboral, já que a trabalhadora se sindicalizou a 07 de julho de 1994, filiando-se no Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos Bancários (facto 13-A). Mas e sobretudo, considerando que o acordo entre a trabalhadora e o Banco Mello previa uma remuneração base superior ao que resultaria da contratação coletiva importaria ter presente que a própria LCT previa expressamente uma retribuição “especial” pela isenção de horário de trabalho nos seguintes termos: “Os trabalhadores isentos de horário de trabalho, nos casos e condições a estabelecer na respectiva legislação, têm direito, em regra, a retribuição especial” (artigo 50.º, n.º 1) e “[e]ssa retribuição nunca será inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia, sempre que a isenção implicar a possibilidade de prestação do trabalho para além do período normal de trabalho” (artigo 50.º, n.º 2). Destaque-se que a LCT até admitia a renúncia à retribuição por isenção de horário de trabalho, no seu artigo 50.º, n.º 3: “Podem renunciar à retribuição referida no número anterior os trabalhadores isentos de horário de trabalho que exerçam funções de direcção na empresa ou aufiram remuneração superior à que, para o efeito, for estabelecida por portaria de regulamentação de trabalho ou convenção colectiva”. De qualquer modo também o n.º 2 do art.º 14.º da LDT (DL 409/71, de 27-09) aplicável á situação dos autos quando se iniciou a isenção de horário de trabalho passou a prever que “[n]a falta de disposições incluídas nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, os trabalhadores isentos de horário de trabalho têm direito a uma retribuição especial, que não será inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia” e só passou a permitir a renúncia a tal retribuição aos trabalhadores com funções de direção (n.º 3 do artigo 14.º).

Quanto à base de cálculo para a remuneração da isenção de horário de trabalho ela deverá consistir para todo o período em que tal isenção existiu na retribuição que a trabalhadora auferiu resultante da soma da “retribuição base”, assim identificada pelo empregador, e da retribuição complementar, sendo que uma e outra integram, como se disse, a sua genuína retribuição base.

Tal resulta, desde logo, da lei aplicável.

Como já se assinalou, o Decreto-Lei n.º 409/71 de 27 de Setembro (que só foi revogado pelo Código do Trabalho de 2003, Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, art. 21.º) previa no seu artigo 14.º n.º 1 que “os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho fixarão as retribuições mínimas a que, no caso de serem isentos, terão direito os trabalhadores por eles abrangidos” e no seu n.º 2 que “na falta de disposições incluídas nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, os trabalhadores isentos de horário de trabalho têm direito a uma retribuição especial, que não será inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia”, sendo que, por outro lado, “a primeira hora de trabalho extraordinário diário será remunerada com um aumento correspondente a 25 por cento da retribuição normal e as horas subsequentes com um aumento correspondente a 50 por cento” (artigo 22.º n.º 1) e “os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho podem estabelecer aumentos superiores em função do número de horas de trabalho extraordinário” (artigo 22.º n.º 2). A retribuição normal da Autora era a que resultava da soma da denominada “retribuição base” e do complemento salarial.

Também o Código de 2003, depois de prever que “por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho pode fixar-se a retribuição mínima a que tem direito o trabalhador abrangido pela isenção de horário de trabalho” (n.º 1 do artigo 256.º), estabelecia que “na falta de disposições incluídas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, o trabalhador isento de horário de trabalho tem direito a uma retribuição especial, que não deve ser inferior à retribuição correspondente a uma hora de trabalho suplementar por dia” (n.º 2) e “na falta de disposições incluídas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, quando se trate de regime de isenção de horário de trabalho com observância dos períodos normais de trabalho, o trabalhador tem direito a uma retribuição especial, que não deve ser inferior à retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar por semana” (n.º 3 do artigo 256.º), sendo que a compensação horária que servia de base ao cálculo do pagamento do trabalho suplementar, por força do artigo 258.º n.º 3, era calculada pela fórmula constante do artigo 264,º; Rm (retribuição mensal)x12: 52xn (período normal de trabalho semanal). Também neste contexto a retribuição mensal tem que ter em conta a realidade: a trabalhadora recebia não apenas a designada “retribuição base”, mas também o complemento.

E, em bom rigor, o mesmo pode afirmar-se inclusive face ao ACT entre o BCP, SA, e outros e o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários, publicado no BTE, 1.ª série, 1999, n.º 30 (data da publicação: 15/08/1999).

Tal acordo previa na sua cláusula 89.ª que “os trabalhadores isentos de horário de trabalho têm direito a uma remuneração adicional que não será inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho suplementar por dia, no caso de, em média, não excederem de uma hora o seu período normal de trabalho diário; de outra forma, a remuneração adicional não será inferior à correspondente a duas horas de trabalho suplementar por dia” e na sua cláusula 81.ª n.º 1 que “a retribuição horária é calculada segundo a seguinte fórmula: (rm×12):(52×n), sendo rm o valor da retribuição mensal e n o período normal de trabalho semanal em horas”. É certo que no n.º 2 da Cláusula 79.º se dizia que “a retribuição mensal compreende a remuneração de base decorrente da aplicação do anexo III para cada nível, as diuturnidades e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, pela instituição ao trabalhador, designadamente as prestações compreendidas na base de incidência dos descontos para a segurança social”, mas como se vê, apesar da referência restritiva à remuneração de base decorrente da aplicação do anexo III para cada nível, acrescentava-se que também integravam a retribuição mensal outras prestações regulares e periódicas realizadas pelo empregador ao trabalhador como era o caso do “complemento salarial” dos autos.

Por conseguinte, durante todo o período de isenção de horário do trabalho o cálculo da sua remuneração deve ter em conta o valor global da retribuição designada como retribuição base acrescida do complemento salarial, não se mostrando assim justificadas distinções temporais durante esse período, ao contrário do decidido, quer pelo Acórdão recorrido, quer pela sentença.

Deve, pois, repor-se a decisão da sentença neste segmento e remeter-se para liquidação na fase da execução a determinação das importâncias em dívida pelo Réu ao Autor relativamente á retribuição da isenção durante todo o período em que a mesma teve lugar, mas atendendo como base de cálculo ao valor global da retribuição designada como retribuição base acrescida do complemento salarial.

Relativamente a outras diminuições do complemento não sufragamos o argumento do Acórdão recorrido de que caberia à Autora provar que não consentiu na sua existência como sucedeu com o abono para falhas (poderia, aliás, questionar-se da validade da aceitação pela trabalhadora que o abono para falhas fosse deduzido na sua retribuição base, mas a questão não consta do pedido neste recurso). Se o empregador procedeu a deduções na retribuição complementar cabe-lhe justificar tais deduções e não à Autora provar que não consentiu nas mesmas. Em todo o caso, a interposição pela Autora de uma providência cautelar é a demonstração de que a mesma, como o empregador bem sabia, não estava de acordo com a partição artificial da sua retribuição base acordada em retribuição-base e retribuição complementar e com as consequências que entendia daí resultarem (facto 81). Muito embora as deduções ao “complemento” não tenham sido repostas na totalidade, importa ter em conta que as deduções efetuadas a título de isenção de horário de trabalho já deverão ser atendidas no âmbito do anterior segmento condenatório. Mesmo assim, existirão outras como resulta dos factos 41 e 42.

Diga-se, ainda, que muito embora no contrato individual de trabalho se possa prever uma retribuição base mais elevada do que a que resultaria da aplicação de uma convenção coletiva, já que o contrato individual pode afastar-se em sentido mais favorável para o trabalhador, não se segue daí como afirma a Recorrente na Conclusão O) que tal retribuição base seja a “referência aos acréscimos remuneratórios que lhe estão indexados, incluindo atualizações remuneratórias”. Com efeito, a convenção coletiva prevê atualizações das retribuições que prevê nas suas tabelas salariais para cada categoria. O trabalhador tem direito a que seja observada a sua retribuição base como consta do contrato, mas não a que a essa retribuição base seja aplicado o coeficiente de atualização previsto na convenção coletiva para outra realidade.

Quanto ao pedido de compensação por danos não patrimoniais importa destacar que neste segmento, perfeitamente autonomizável, existe “dupla conformidade” da decisão das instâncias, tanto mais que continuam a constar do elenco dos factos não provados as alíneas m) e q), e a revista excecional interposta pela Autora (e admitida pela Formação) não incidia sobre este segmento decisório (mas sim sobre o conceito de retribuição base). Em todo o caso, cabe ao lesado demonstrar não apenas os danos não patrimoniais sofridos – e é patente perante a matéria de facto provada que existem danos não patrimoniais graves (vejam-se, a título de exemplo, os factos 67, 68, 79 e 80) – mas também que os mesmos são imputáveis à conduta do autor do facto ilícito (que aqui no essencial se resume à partição artificial no seio da retribuição base da Autora), o que não foi demonstrado.

À luz do disposto no artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26 de fevereiro), atendendo à conduta processual das Partes dispensa-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Decisão

Acorda-se em conceder parcialmente a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, condenando-se o Réu a pagar à Autora o que se vier a apurar, no respetivo incidente de liquidação, a título de retribuição de isenção de horário de trabalho, assumindo como base de cálculo, durante todo o tempo em que teve lugar, o valor global da retribuição designada como retribuição base acrescida do complemento salarial, e de diminuição do “complemento”.

Custas do recurso em proporção do decaimento.

Lisboa, 12-11-2025

Júlio Gomes (Relator)

Mário Belo Morgado

José Eduardo Sapateiro

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1. Por lapso de numeração na sentença existem dois números 12 e dois números 13. O Acórdão do Tribunal da Relação optou por renumerá-los como 12 a) e 13 a), solução que se mantém.

2. Por lapso de numeração na sentença não existe o n.º 18 e daí que se passe diretamente de 17 para 19.

3. Por lapso constavam da sentença dois números 74, tendo o Tribunal da Relação optado por renumerar um deles como 74-a).

4. Por lapso constavam da sentença dois números 108, tendo o Tribunal da Relação optado por renumerar um deles como 108-a).

5. Lei do Contrato de Trabalho, regime jurídico aprovado pelo DL nº 49.408, de 24/11/1969.

6. Note-se que em face do disposto no art.º 6º do DL nº 519-C1/79, de 20 de dezembro (Lei dos Instrumentos de Regulamentação Coletiva) – atualmente art.º 3º do Código do Trabalho –, o ACT podia “definir” o que seria retribuição base.