Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8882/20.3T8LSB.L1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
Data do Acordão: 12/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL.
Sumário :

Existe contradição de acórdãos, para efeitos da al. c) do nº 1 do artº 672º, do CPC, quando o acórdão recorrido e o acórdão fundamento dão respostas opostas à questão de saber se, face ao Regulamento da Carreira Profissional de Tripulante de Cabine da TAP, sendo os contratos de trabalho considerados sem termo desde o seu início, por ter sido declarado nulo o respectivo termo, os correspondentes Autores, desempenhando as funções de Comissários /Assistentes de bordo, deveriam ter sido colocados desde essa data na categoria de CAB 1.

Decisão Texto Integral:

Processo 8882/20.3T8LSB.L1.S2


Revista Excepcional


128/23


Acordam na Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


AA, BB, CC, DD e EE intentaram ação declarativa sob a forma de processo comum contra TAP- Transportes Aéreos Portugueses, S.A., formulando os seguintes pedidos (retificados por requerimento de 11.05.2020):


“Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exa. doutamente suprirá deverá a presente ação ser julgada procedente e consequentemente:


a. Ser considerado nula a justificação aposta ao contrato de trabalho dos Autores, e serem os mesmos considerados como contratos de trabalho sem termo, nos termos do artigo 147º/1, a), b) e c) do Código do Trabalho;


b. Ser declarado ilícito o despedimento de cada um dos Autores, conforme artigo 381º, c), do CT, por não ter sido precedido de processo disciplinar, em consequência ser a Ré condenada a:


I-Reintegrar os Autores no seu posto de trabalho com a categoria de CAB I e antiguidade nessa categoria reportada a 19 de Abril de 2018, ou categoria mais elevada se lhes couber à data da decisão do Tribunal, conforme nºs 1 e 3 da cláusula 4ª e nºs 1 e 2 da cláusula 5ª do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina e nos termos do artigo 393º/2, b), do CT;


II -A pagar aos Autores as retribuições, incluindo subsídios de natal e de férias, que estes deixaram de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação nos termos do artigo 393º, n.º 2, a) do CT;


III- A pagar aos Autores a ajuda de custo complementar, que é parte integrante do seu salário base (Cl.1ª e 4ª, RRRGS), que estes deixaram de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação nos termos do artigo 393º, do CT, e que deverá ser calculada de acordo com a Cláusula 5ª do RRRGS;


IV - Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC, que se estima no valor de € 7.400,00 (sete mil e quatrocentos euros).


V - Seja a Ré condenada a pagar aos Autores a diferença no valor da ajuda de custo complementar, que os Autores deixaram de auferir fruto da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC, cujo valor deverá ser determinado individualmente e que só será definível após a Ré fornecer os dados relativos ao número total de dias que cada um dos Autores prestou de serviço efetivo, ao longo do período em que mantiveram o vínculo laboral.


VI – Seja a Ré condenada a pagar indemnização por danos não patrimoniais nos seguintes termos:


a. Às Autoras AA, DD e BB em valor a arbitrar pelo tribunal mas nunca inferior a €2.000,00, acrescidos de mora desde a data da citação da Ré;


b. À Autora EE, atendendo ao facto de esta se encontrar grávida e não ter sido efetuada atempadamente comunicação à CITE, nos termos do artigo 144º/3, do CT em valor a arbitrar pelo tribunal mas nunca inferior a €3.000,00 acrescidos de mora desde a data da citação da R.;


c. À Autora CC, atendendo ao facto de a Ré ter incumprido com os seus deveres legais junto da CITE, nos termos do artigo 144º/3 do CT, e por ter despedido trabalhadora em gozo de licença parental, em valor a arbitrar pelo tribunal mas nunca inferior a €3.000,00, acrescidos de mora desde a data da citação da Ré.


Subsidiariamente, se não se entender que estamos perante um despedimento individual, mas sim um despedimento coletivo,


a. Ser considerado nula a justificação aposta ao contrato de trabalho dos Autores, e serem os mesmos considerados como contratos de trabalho sem termo, nos termos do artigo 147º/1, a), b) e c) do Código do Trabalho;


b. Ser declarado ilícito o despedimento coletivo dos Autores por incumprimento das formalidades exigidas pela lei (359º e Ss.), conforme artigos 381, C) e 383º, do CT e, em consequência ser a Ré condenada a:


I-Reintegrar os Autores no seu posto de trabalho com a categoria de CAB I e antiguidade nessa categoria reportada a 19 de Abril de 2018, ou categoria mais elevada se lhes couber à data da decisão do Tribunal, conforme nºs 1 e 3 da cláusula 4ª e nºs 1 e 2 da cláusula 5ª do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina e nos termos do artigo 393º/2, b), do CT;


II -A pagar aos Autores as retribuições, incluindo subsídios de natal e de férias, que estes deixaram de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação nos termos do artigo 393º, do CT;


III- A pagar aos Autores a ajuda de custo complementar, que é parte integrante do seu salário base (Cl.1ª e 4ª, RRRGS), que estes deixaram de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação nos termos do artigo 393º, do CT, e que deverá ser calculada de acordo com a Cláusula 5ª do RRRGS;


IV - Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC, que se estima no valor de € 7.400,00 (sete mil e quatrocentos euros).


V - Seja a Ré condenada a pagar aos Autores a diferença no valor da ajuda de custo complementar, que os Autores deixaram de auferir fruto da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC, cujo valor deverá ser determinado individualmente, e que só será definível após a Ré fornecer os dados relativos ao número total de dias que cada um dos Autores prestou de serviço efetivo, ao longo do período em que mantiveram o vínculo laboral.


VI – Seja a Ré condenada a pagar indemnização por danos não patrimoniais nos seguintes termos:


d. Às Autoras AA, DD e BB em valor a arbitrar pelo tribunal mas nunca inferior a €2.000,00, acrescidos de mora desde a data da citação da Ré.;


e. À Autora EE, atendendo ao facto de esta se encontrar grávida e não ter sido efetuada atempadamente comunicação à CITE, nos termos do artigo 144º/3, do CT em valor a arbitrar pelo tribunal mas nunca inferior a €3.000,00 acrescidos de mora desde a data da citação da R.;


f. À Autora CC, atendendo ao facto de a Ré ter incumprido com os seus deveres legais junto da CITE, nos termos do artigo 144º/3 do CT, e por ter despedido trabalhadora em gozo de licença parental, em valor a arbitrar pelo tribunal mas nunca inferior a €3.000,00, acrescidos de mora desde a data da citação da Ré.”


Citada, a Ré contestou.


Por despacho de 18.01.2021, o Tribunal de 1.ª Instância convidou as Autoras a aperfeiçoar a petição inicial.


As Autoras responderam ao convite, tendo ainda eliminado os pedidos subsidiários e alterado o ponto b. IV e V nos seguintes termos:


b. Ser declarado ilícito o despedimento de cada um dos Autores, conforme artigo 381º, c) e ss. do CT, por não ter sido precedido de processo disciplinar, nem integrar qualquer uma das formas lícitas de resolução do contrato e, em consequência ser a Ré condenada a:


(…)


IV Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais devidas a título de salário base, verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus contratos de trabalho, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC que, sem prejuízo da necessidade de recorrer a incidente de liquidação que se possa revelar necessário, são as seguintes, acrescidas de juros desde a data de citação:


a) À Autora AA o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos;


b) À Autora BB o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos;


c) À Autora CC o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos;


d) À Autora DD o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos;


e) À Autora EE o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos;


V - Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais devidas a título de ajuda de custo complementar, que os Autores deixaram de auferir fruto da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus contratos de trabalho e até ao final da relação laboral, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC, sem prejuízo da necessidade de recorrer a incidente de liquidação que se possa revelar necessário, são as seguintes, acrescidas de juros desde a data de citação:


a) À Autora AA o valor de € 11.346,36 (onze mil trezentos e quarenta e seis euros e trinta e seis cêntimos) ilíquidos;


b) À Autora BB o valor de No montante de € 14.224,06 (catorze mil duzentos e vinte e quatro euros e seis cêntimos) ilíquidos;


c) À Autora CC o valor de € 8.920,87 (nove mil novecentos e vinte euros e oitenta cêntimos) ilíquidos;


d) À Autora DD o valor de € 14.347,39 (catorze mil trezentos e quarenta e sete euros e trinta e nove cêntimos) ilíquidos;


e) À Autora EE o valor de € 10.236,39 (dez mil duzentos e trinta e seis euros e trinta e nove cêntimos) ilíquidos;”


A Ré respondeu à matéria do aperfeiçoamento.


Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:


Face ao exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:


a) declaro a nulidade da cláusula de termo aposta nos contratos de trabalho celebrados entre as AA. e a R. e, por conseguinte, considero sem termo os respectivos contratos de trabalho;


b) declaro ilícito o despedimento dos AA. promovido pela R., condenando-a:


§.1. - a reintegrar as AA. no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;


§.2. - a pagar as AA., desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da presente sentença, o valor das retribuições e do vencimento de senioridade, em cada momento em vigor, acrescidos da retribuição especial PNC, nos termos sobreditos, sem prejuízo das deduções a que aludem as alíneas a) e c) do n.º 2 do art. 390.º, do CT, e quanto à retribuição especial, da eventual superveniência de períodos de indisponibilidade da(s) trabalhador(as), sendo que a retribuição global, assim apurada, abrange a remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, tudo conforme se vier a liquidar em incidente próprio, sendo que os juros de mora devidos, à taxa supletiva legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento;


c) absolvo a R. quanto ao demais pedido pelas AA. contra si.


A Autoras e a Ré interpuseram recursos de apelação.


Por acórdão de 15.12.2022, os Juízes do Tribunal da Relação acordaram em:


a) quanto à impugnação de decisão da matéria de facto de:


i. na apelação das autoras:


- não admitir a junção dos documentos com a apelação, determinar que o mesmo seja devolvido às apelantes e condená-las em multa, que se fixa em 1,5 (uma e meia) UC (art.os 443.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 27.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais).


- eliminar o facto de julgar provado n.º 61;


ii. na apelação da ré:


- alterar o facto provado n.º 12, ficando assim: “12. As rotas de Wide Body são realizadas por aviões de 2 corredores - modelos de avião de maior dimensão, que na frota da R. correspondem a Airbus A330 LR, com exceção da rota Porto – JFK que é realizada um por Airbus A 321 desde o final de 2018/início de 2019”;


- alterar, ex officio, o facto provado 15, ficando assim: “15. Faz este avião (A321LR) a rota transatlântica referida no facto 12”.


- alterar o facto provado n.º 31, ficando assim: “31. Até porque dos A321 LR previstos entrar na frota da ré, o primeiro só chegou em Abril/Maio de 2019 e os restantes mais tarde”;


- aditar este facto aos provados: “46-A A viabilidade económica de novas rotas é acurada pela ré num período de pelo menos 2 anos”;


b) relativamente às questões jurídicas:


i. na apelação das autoras:


- negar provimento à apelação i manter a sentença recorrida;


ii. na apelação da ré:


- alterar a sentença no que concerne à condenação desta apagar às apeladas autoras a prestação retributiva especial de modo a que apenas abranja 6 dias de disponibilidade destas sem que fossem incluídas em escala em cada mês do ano de 2021, ficando depois suspenso o direito até ao dia 31-12-2024 ou, se anterior, na data de entrada em vigor da revisão integral do acordo de empresa, prevista na cláusula 8.ª, na sequência da sua publicação no Boletim de Trabalho e Emprego, apurando se o mesmo em liquidação de sentença mas excluindo a sua retribuição do subsídio de Natal;


- no mais, manter a sentença recorrida.”


As Autoras interpuseram recurso de revista excepcional.


A Ré apresentou contra-alegações.


Por requerimento de 22.02.2023, as Autoras vieram invocar o disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil e requerer que o “recurso, além do fundamento na alínea c) do artigo 672º/1, seja também a subir nos termos das suas alíneas a) e b)” e que “a Revista, além de excecional, seja recebida para julgamento ampliado nos termos do artigo 686º/2 do Código de Processo Civil”.


Neste STJ, o Relator proferiu o seguinte despacho:


“AA, BB, CC, DD e EE, Autoras nos presentes autos em que é Ré Transportes Aéreos Portugueses, S.A., vieram interpor recurso de revista excecional.


A Ré contra-alegou.


Por requerimento de 22.02.2023, as Autoras vieram invocar o disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil e requerer que o “recurso, além do fundamento na alínea c) do artigo 672º/1, seja também a subir nos termos das suas alíneas a) e b)” e que “a Revista, além de excecional, seja recebida para julgamento ampliado nos termos do artigo 686º/2 do Código de Processo Civil”.


A Ré em resposta defendeu que estes dois pedidos eram intempestivos.


Com efeito, o fundamento da revista excecional deve resultar das alegações, não podendo ser ampliado em resposta a um requerimento sobre o valor da causa. No caso vertente, as partes foram notificadas para se pronunciarem quanto ao facto de, estando em causa uma coligação ativa, o pressuposto do valor da causa ser aferido por cada Autora e não globalmente.


Em suma, a alegação dos pressupostos da revista excecional (artigo 672.º, n.º 2 do CPC) tem de ser efetuada nas alegações de recurso e as únicas alterações admissíveis são as decorrentes da correção de lapsos de escrita, nos termos do artigo 146.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, e o aperfeiçoamento das conclusões nos termos do artigo 639.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, sendo que nenhuma destas possibilidades permite o alargamento requerido.


Assim, a ser admitido o presente recurso de revista excecional apenas o poderá ser com o fundamento indicado nas alegações (a contradição de acórdãos mencionada na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º).


Já quanto ao pedido de julgamento ampliado de revista constante desse mesmo requerimento, o artigo 686.º, n.º 2 do Código de Processo Civil atribuiu legitimidade às partes para requererem o julgamento ampliado, mas não estabelece prazo para a apresentação do respetivo requerimento. O Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2006, proferido no processo n.º 2114/06 decidiu que “a parte deve apresentar o requerimento para julgamento ampliado de revista com a respetiva alegação, ou, quando muito, até ao exame preliminar do relator, após a distribuição”. Com efeito, e tanto mais que a decisão de Sua Ex.ª o Presidente deste Tribunal de admitir a revista ampliada pode ter lugar até à prolação do Acórdão, afigura-se que o pedido feito, como sucedeu no caso, até ao exame preliminar do relator em nada prejudica o normal andamento do processo pelo que deve ser admitido.


No entanto e como a competência para decidir do julgamento ampliado da revista cabe exclusivamente ao Exmo. Conselheiro Presidente do STJ a questão só lhe será colocada se e quando a presente revista excecional for admitida pela Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do CPC junto desta Secção Social.


O recurso incide sobre Acórdão do Tribunal da Relação de 15.12.2022, que conheceu do mérito da causa – artigo 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.


As Recorrentes têm legitimidade, dado terem ficado parcialmente vencidas – artigo 631.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


As notificações do Acórdão foram remetidas em 16.12.2022, presumindo-se a respetiva notificação às partes no dia 19.12.2022, tendo o recurso sido apresentado em 10.01.2023.


As contra-alegações foram apresentadas em 13.02.2023


O prazo é de 30 dias e suspendeu-se nas férias judiciais, pelo que o recurso e as contra-alegações são tempestivos – artigo 80.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.


Por despacho de 29.05.2023, transitado em julgado, e com base na informação prestada pelas Autoras (requerimento de 4.05.2023), o Juiz de 1.ª Instância fixou o valor da causa nos seguintes termos:


- AA: € 38.210,36,


- BB: € 41.088,06,


- CC: € 36.784,87,


- DD: € 41.211,39.


- EE: € 38.100,39.


Sublinhe-se, também, que nas contra-alegações nada é invocado quanto ao valor da causa.


Assim estão também preenchidos os requisitos quanto à alçada e sucumbência.


Todavia o artigo 672.º n.º 1 alínea c) exige que quanto a cada uma das questões apenas se invoque um e um só Acórdão fundamento.


Destarte, determina-se que os Recorrentes indiquem apenas um Acórdão fundamento e juntem a respetiva certidão de trânsito em julgado.


Por requerimento de 18/07/2023, as Autoras vieram indicar como acórdão fundamento o proferido no processo nº 10317/20.2T8LSB-A.


Por decisão do Tribunal da Relação, foi homologada a transacção celebrada entre a Autora – BB e a Ré, pelo que o recurso apenas prossegue em relação às restantes Autoras.


O processo foi distribuído a esta Formação, para se indagar se estão preenchidos os pressupostos para a admissibilidade da revista excepcional referidos na alínea c) do nº 1 do artº 672º do Código de Processo Civil.


As Autoras formularam, com vista à respectiva admissibilidade, as seguintes conclusões:


A) Os Autores/Recorridos/Recorrentes (AA.) vêm, ao abrigo do disposto dos artigos 80º/1, 81º/1 e 2, 83º/1 e 83º-A/1 do CPT e 672º/1, c) do CPT, aplicável ex vi artº 1º/2 do CPT, interpor Recurso de Revista Excecional da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo nº 8882/20.3T8LSB.L1, que correu inicialmente termos no J... do Juízo de Trabalho de ..., Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa .


B) Os Acs. já transitados em julgado em contradição com aquele que aqui se recorre são os Acs. proferidos pela Relação de Lisboa nos Processos nº 10317/20.2T8LSB-A de 24/11/2021 e Proc. Nº 15121/20.5T8LSB de 29/06/2022, e pelo STJ no processo 968/12.4TTLSB.L1.S1, os quais verificaram que apenas os tripulantes contratados a termo poderiam ocupar a categoria de CAB Início e CAB 0, obrigando a R. a reintegrar os Autores desses processos como CAB 1 desde o início da relação laboral.


E referiram no corpo da alegação:


1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pela Veneranda Relação de Lisboa, em referência à douta Sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo do Trabalho de ..., Juiz ..., Proc. nº 8882/20.3T8LSB(L1), que julgou a ação parcialmente procedente, julgando nula a cláusula justificativa aposta aos contratos a termo dos Autores/Apelantes/Recorrentes (AA.), e condenando a Ré a reintegrar os mesmos nos seus postos de trabalho verificado o despedimento ilícito, com o pagamento das devidas retribuições intercalares, absolvendo a Ré/Recorrente/Recorrida (R.) nos demais pedidos.


2. Em suma, a ação intentada pelos Autores/Apelantes/Recorrentes tinha em vista o reconhecimento da ilicitude dos contratos a termo celebrados entre si e a Apelada, tendo em conta a falsidade do motivo da sua contratação, bem como o incumprimento das diversas formalidades legais da contratação a termo.


3. Ademais em consequência da ilegalidade de tais contratos e a sua conversão em contrato sem termo desde o início da relação laboral, reclamaram estes o pagamento retroativo de diferenças salariais que assim lhe seriam devidas pois, apenas os tripulantes contratos a termo podem ocupar as categorias de CAB Início e CAB 0, conforme Acordo de Empresa celebrado entre a Ré/Recorrente/Recorrida e o Sindicato Nacional de Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), publicado em BTE Nº 8 2006 (doravante Acordo de Empresa ou, simplesmente, AE). Do seu petitório constava, também, pedido de indemnização por danos não patrimoniais, bem como o reconhecimento de diversas componentes salariais como parte do seu vencimento base e devidas a título de retribuições intercalares.


4. Veio a Relação de Lisboa confirmar a nulidade dos seus contratos a termo, bem como concedeu parcialmente o recurso das AA. quanto ao reconhecimento de que a Ajuda Complementar Extra será devido a título de retribuições intercalares.


5. No entanto, o Tribunal a quo confirmou o entendimento firmado em 1ª instância relativamente à categoria a reintegrar, dando novamente as AA como vencidas em tal questão.


6. Acontece que a Relação de ..., nas decisões proferidas nos Processos nº 10317/20.2T8LSB-A de 24/11/2021 e Proc. Nº 15121/20.5T8LSB de 29/06/2022, condenou a Ré/Apelada/Recorrida nesses mesmos pedidos que aqui se recorrem, em situações exatamente iguais à presente (um dos Autores do processo 10317/20.2T8LSB-A é colega de Turma das AA., tendo a mesma data de entrada e saída ao serviço da R. – Autora FF) dando cumprimento aos preceituados supramencionados, e considerando que apenas os tripulantes contratados a termo podem ocupar as categorias de CAB Início e CAB 0. Consequência de tal seria que, esses Autores, agora vendo os seus contratos convertidos em contratos por tempo indeterminado desde o início da relação laboral, teriam que ter ocupado a categoria de CAB 1 desde então. Ao mesmo passo, já havia o STJ condenado a R. pela mesma questão no processo 968/12.4TTLSB.L1.S1. Decisões todas juntas como Docs. 1 a 3, a do STJ ainda consultável em 1.


7. Dando-se nota que, no primeiro processo referido supra, os AA eram representados pelo mandatário aqui subscritor desde o início dos Autos e, no segundo dos casos, foram esses AA representados por este mesmo mandatário a partir do recurso de Apelação, sendo os pedidos iguais, e as decisões conformes. A ver, esses AA., tal como as aqui Recorrentes peticionaram, com as devidas adaptações “(…)I- Reintegrar as Autoras no seu posto de trabalho com a categoria de CAB I e antiguidade nessa categoria reportada a de Abril de 2018, ou categoria mais elevada se lhes couber à data da decisão do Tribunal, conforme nºs 1 e 3 da cláusula 4ª e nºs 1 e 2 da cláusula 5ª do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina e nos termos do artigo 393º/2, b), do CT;(…) IV Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais devidas a título de salário base, verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus contratos de trabalho, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC que, sem prejuízo da necessidade de recorrer a incidente de liquidação que se possa revelar necessário, são as seguintes, acrescidas de juros desde a data de citação: (….) V - Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais devidas a título de ajuda de custo complementar, que os Autores deixaram de auferir fruto da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus contratos de trabalho e até ao final da relação laboral, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC, e por isso, sem prejuízo de eventual incidente de liquidação quanto aos montantes vincendos aos Autores que respeite, são as seguintes, acrescidas de juros desde a data de citação:”


8. Bem como, em ambos os Acórdãos supra, foi a R. condenada a: “D – a reintegrar cada um dos doze Autores no seu posto de trabalho com a antiguidade que lhes couber em face do início da sua relação laboral com a Ré assim como com a inerente antiguidade à data do trânsito da presente decisão conforme nºs 1 e 3 da cláusula 4ª e nºs 1 e 2 da cláusula 5ª do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina; F- a pagar a cada um dos doze Autores os valores a apurar no incidente de liquidação respeitantes às diferenças salariais entre os montantes que os Apelantes auferiram como CAB início e CAB 0 e os valores que deviam ter auferido como CAB 1 com a posterior progressão. G - a pagar a cada um dos doze Autores os valores a apurar no incidente de liquidação respeitantes às diferenças registadas a título de ajuda de custo complementar que auferiram como CAB início e os valores que deviam ter auferido como CAB 1 com a posterior progressão.” [in Acórdão Proc. Nº 10317/20.2T8LSB-A de 24/11/2021] e no Ac. Proc. Nº 15121/20.5T8LSB: “Em face do exposto, acorda-se em: (…) – conceder provimento parcial ao recurso dos dois Autores e consequentemente nesse aspeto condenar a Ré a pagar a cada um deles os valores a apurar no incidente de liquidação respeitantes às diferenças salariais entre os montantes que auferiram como CAB início e CAB 0 e os valores que deviam ter auferido como CAB 1 com a posterior progressão, sendo certo que esses valores devem ser acrescidos de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data do vencimento de cada um dos valores devidos até integral pagamento.” .


9. No 1º dos Acórdãos (que grandemente é reproduzido no texto do segundo Acórdão), a propósito desta matéria, vieram os Doutos desembargadores expor: “E nem se esgrima, tal como faz a apela, que a evolução nos níveis salariais não depende da natureza do vincula contratual (contratado a termo ou contratado sem termo), mas tem por base a experiência profissional, traduzida no tempo de permanência exigido em cada posição salarial, como resulta claro da Clª 5ª, nº 2 do RCPTC. Não é isso que resulta da clª5ª [Cláusula 5ª Evolução salarial 1- A evolução salarial processa-se de acordo com os seguintes escalões: CAB início a CAB 0 (contratados a termo);). Das duas uma: ou se entende que da menção contratos a termo constante da cláusula 5ª decorre que todos os CAB têm de ser inicial e necessariamente contratados a termo (com ou sem motivo atendível para isso… em desrespeito do estatuído no CT/2009), o que não se afigura aceitável nem atendível, ou cumpre considerar – oque aqui se irá fazer – que a menção contratados a termo tem por natural contraposição os contratados sem termo aos quais aquela primeira evolução salarial não logra aplicabilidade. Assim, cumpre considerar que estes últimos iniciam a sua evolução não no nível CAN início ou CAB 0, mas em CAB 1 com os posteriores e eventuais desenvolvimentos. (…) Em resumo, o recurso procede nesta vertente. Cumpre, pois, condenar a Ré a pagar aos doze Autores os valores a apurar no incidente de liquidação respeitantes às diferenças salariais entre os montantes que os Apelantes auferiram como CAB início e CAB 0 e os valores que deviam ter auferido como CAB 1 com a posterior progressão”.


10. Fica claro que a decisão que aqui se recorre esbarra diretamente nestas duas anteriores.


11. Não fosse bastante, esbarra esta também em decisão anterior deste Supremo Tribunal de Justiça. Com a devida referência que os contratos a termo em apreciação na decisão anterior do STJ tinham uma justificação ligeiramente diferente, não se deixa de transportar o aí decidido para a presente causa. A ver, a decisão proferido pelo STJ a 16-06-2016 no processo nº 968/12.4 TTLSB.L1.S1. que nos diz: Como se vê dos nºs 1 e 3 da cláusula 4ª e nºs 1 e 2 da cláusula 5ª, apenas os tripulantes de cabine contratados a termo são classificados nas categorias CAB início e CAB 0, sendo os tripulantes com contrato por tempo indeterminados integrados na categoria CAB I.


De acordo com os nºs 1, 2 e 4 da mesma cláusula 5ª a evolução salarial ([6]) é automática, ou seja, ocorre em função dos períodos de permanência, só assim não sendo nos casos em que se verifiquem as situações previstas no nº 4.


Constituindo estas situações exceções à regra geral da progressão salarial automática, compete à empregadora alegar e provar a respetiva verificação.


Por conseguinte, como bem se referiu no acórdão em análise, “tendo em conta as tabelas salariais insertas no mesmo instrumento de regulação coletiva, deveria [o A.] ter auferido desde a admissão a retribuição base mensal de € 905,00. Porque auferiu a retribuição base de € 570,00, correspondente à categoria de CAB início entre 14.05.2008, data da admissão, até Novembro de 2010 e a retribuição base de € 740,00, correspondente à categoria de CAB 0 até ao despedimento, em 14.5.2011, são-lhe devidas as respectivas diferenças salariais, que ao nível da remuneração base, quer ao nível das demais prestações calculadas por referência a essa retribuição.


A partir de 15.5.2011, por ter atingido 3 anos de permanência na categoria CAB I, deveria o Autor ter progredido automaticamente para a categoria de CAB II, de acordo com a cl. 5ª do mesmo Regulamento, pelo que lhe é devida, a partir dessa data a retribuição base de € 1.213,00.””(sublinhado e negrito nossos).


12. Tudo isto a conflituar com a decisão exposta no Acórdão aqui recorrido que se limitou a recusar o recurso nesta parte dizendo:


Concluem estes autores que todos os contratos a termo são ou CAB Início ou CAB 0, mas nem todos os CAB Início e CAB 0 são necessariamente contratados a teimo. E que ein caso de conversão do contrato em contrato sem termo o trabalhador mantém a categoria e a remuneração, alterando-se apenas a estabilidade do vínculo".


Concorda-se com este modo de ver as coisas, pois que, como refere a Exm.a Sr." Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, se bem que "quanto à inserção das autoras/recorrentes na categoria profissional que pretendem, dir-se-á que a literalidade das cláusulas do AE aplicáveis favorece a sua posição. Resta saber se o «pensamento legislativo» a encontrar terá na letra da lei um «mínimo de correspondência verbal» {art.0 9.°, n." 2 do C. Civil). Considera-se que a interpretação feita pela sentença poderá colher na parte em que, buscando a ratio das normas em causa, refere não fazer sentido - como, de facto, não faz - que qualquer trabalhador (posto que o respectivo contrato seja sem termo) assuma desde o início da sua actividade a categoria de CAB 1, (ultrapassando as CAB início e CAB 0) sem que possua a mínima experiência para o efeito".


De resto, bem vistas as coisas o próprio elemento histórico trazido à colação pelas apelantes autoras (conclusão L) é relevante mas reversível, encaminhando a leitura para uma colisão com a por elas pretendido: é que se o AE de 1994 "estipulava preto no branco que os tripulantes com a 'Efectivação' passavam à categoria CAB 1", se a coloração deixou de ser assim tão nítida no AE vigente seguramente terá sido porque as partes tiveram outra opção cromática.


É certo que as apelantes autoras pretenderam que se aditasse um facto aos provados referindo que "a R. ao longo de, pelo menos, cerca de 14 anos sempre passou os tripulantes a CAB 1 quando os efectivou antes de decorrido o normal tempo como tripulante contratado a termo", com isso pretendendo ter sido estabelecido um uso na empresa sobre essa matéria. Todavia, tal pretensão não foi acolhida e o facto não foi julgado provado, pelo que, correndo o ónus da prova por sua conta (art° 342.°, n.° 1 do Código Civil), naturalmente que dal não pode resultar ganho de causa para as mesmas.


Pelo que nesta parte se não pode conceder provimento à apelação das autoras.


13. A esta argumentação da Veneranda Relação, antecedem as considerações da instância nos presentes Autos.


14. No entanto, as considerações da instância baseiam-se em Acórdão algo diverso da presente situação. Sendo esse Ac. respeitante ao processo nº 2210/13.1TTLSB-A.L1, desde logo cabe dizer que tal Acórdão diz respeito a incidente de liquidação e não a processo declarativo. Ademais, esse Acórdão vem, de forma surpreendente, confirmar a decisão de instância nesse processo, pela qual o Tribunal recusou liquidar a decisão proferida em processo declarativo.


15. E, contrariamente ao aí dito, o STJ nesse processo não se pronunciou sobre a questão da categoria Cab 1, uma vez que considerou haver dupla conforme, juntando-se o mesmo para que dúvidas não hajam, como Doc. 4, deixando-se aqui a parte relevante de tal decisão (...)


16. Face ao exposto, verificando-se clara contradição entre decisões proferidas por Relação e STJ já transitadas em julgado, ao abrigo do disposto do artigo 80º/1, 81º/1 e 2, 83º/1 e 83º-A/1 do CPT e 672º/1 c) do CPT, aplicável ex vi artº 1º/2 do CPT, interpõe Recurso de Revista Excecional, juntando as decisões contraditórias supramencionadas como Doc. 1 em cumprimento do artigo 672º/2, c) do CPC e 81º/2 do CPT.


x


Cumpre apreciar e decidir:


A revista excepcional é um verdadeiro recurso de revista concebido para as situações em que ocorra uma situação de dupla conforme, nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil.


A admissão do recurso de revista, pela via da revista excepcional, não tem por fim a resolução do litígio entre as partes, visando antes salvaguardar a estabilidade do sistema jurídico globalmente considerado e a normalidade do processo de aplicação do Direito.


De outra banda, a revista excepcional, como o seu próprio nome indica, deve ser isso mesmo- excepcional .


As Recorrentes invocam, com vista à admissão da revista excepcional, a al. c) do nº 1 do artº 672º do CPC, que estabelece:


“1 - Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:


(...)


c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.


Quanto a este fundamento, no Acórdão do STJ de 3/03/2016, proc. 102/13.3TVLSB.L1.S1, incluído nos Boletins Anuais disponibilizados em www.stj.pt, entendeu-se, lapidarmente, que “I - Constitui entendimento uniforme da Formação de apreciação preliminar, que a oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito, para efeitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, al. c), do CPC, verifica-se quando a mesma disposição legal se mostre, num e noutro caso, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade de situação de facto subjacente a essa aplicação.


Por sua vez no Ac. deste STJ e Secção Social de 13/1/2021, proc. 512/18.0T8LSB.L1.S2, escreveu-se:


“A doutrina e a jurisprudência têm entendido que o acesso ao recurso de revista excecional, previsto no art.º 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC, pressupõe a verificação dos seguintes requisitos:


- O acórdão recorrido e o acórdão-fundamento têm de incidir sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo ser idêntico o núcleo da situação de facto, atento o ratio da norma aplicável;


- A existência de uma contradição ao nível da resposta dada em ambos os acórdãos a determinada questão, bastando que no acórdão recorrido se tenha dado uma resposta diversa e não, propriamente, contrária à resposta dada no acórdão-fundamento, devendo, no entanto, a oposição ser frontal e não implícita ou pressuposta;


- A essencialidade da questão de direito conducente ao resultado numa e noutra das decisões, sendo irrelevante a argumentação sem valor decisivo;


- A existência de um quadro normativo idêntico, independentemente de eventuais alterações que não tenham alterado a sua substância;


- Não exista acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a questão jurídica em questão que o acórdão recorrido tenha seguido”.


No caso que nos ocupa e analisando os dois acórdãos- recorrido e fundamento- constata-se que efectivamente existe a apontada contradição.


Nos dois deu-se resposta à seguinte questão, em sentido contrário:


- se, face ao Regulamento da Carreira Profissional de Tripulante de Cabine1, sendo os contratos de trabalho considerados sem termo desde o seu início (por ter sido declarado nulo o respetivo termo), os Autores deveriam ter sido colocados desde essa data na categoria de CAB 1;


No acórdão fundamento considerou-se provado, com relevância, que foram aí Autores foram contratados, a termo, para exercer funções de Comissários /Assistentes de bordo.


Concluindo-se que esses Autores, vendo os seus contratos convertidos em contratos por tempo indeterminado desde o início da relação laboral, teriam que ter ocupado a categoria de CAB 1 desde então.


Com a seguinte argumentação:


E nem se esgrima, tal como faz a apelada, que a evolução nos níveis salariais não depende da natureza do vincula contratual (contratado a termo ou contratado sem termo), mas tem por base a experiência profissional, traduzida no tempo de permanência exigido em cada posição salarial, como resulta claro da Clª 5ª, nº 2 do RCPTC.


Não é isso que resulta da clª5ª [Cláusula 5ª Evolução salarial 1- A evolução salarial processa-se de acordo com os seguintes escalões: CAB início a CAB 0 (contratados a termo);).


Das duas uma: ou se entende que da menção contratos a termo constante da cláusula 5ª decorre que todos os CAB têm de ser inicial e necessariamente contratados a termo (com ou sem motivo atendível para isso… em desrespeito do estatuído no CT/2009), o que não se afigura aceitável nem atendível, ou cumpre considerar – oque aqui se irá fazer – que a menção contratados a termo tem por natural contraposição os contratados sem termo aos quais aquela primeira evolução salarial não logra aplicabilidade.


Assim, cumpre considerar que estes últimos iniciam a sua evolução não no nível CAN início ou CAB 0, mas em CAB 1 com os posteriores e eventuais desenvolvimentos.


(…) Em resumo, o recurso procede nesta vertente.


Cumpre, pois, condenar a Ré a pagar aos doze Autores os valores a apurar no incidente de liquidação respeitantes às diferenças salariais entre os montantes que os Apelantes auferiram como CAB início e CAB 0 e os valores que deviam ter auferido como CAB 1 com a posterior progressão”.


No acórdão recorrido ficou provado, de relevante:


- As AA. e a R. celebraram entre si um contrato de trabalho a termo certo com data de início a 20/04/2018, com a duração de 12 meses

- Na cláusula 1ª de tal contrato constava:

“A TAP admite o(a) Trabalhador(a), ao seu serviço e este obriga-se a prestar-lhe a sua actividade com a categoria profissional de (AB - Comissário/Assistente de Bordo, cuja caracterização é a seguinte: 'É o tripulante, devidamente qualificado pela entidade aeronáutica nacional ou pela empresa, que colabora directamente com o chefe de cabina, por forma que seja prestada assistência aos passageiros e à tripulação, assegurando o cumprimento das normas de segurança, a fim de lhes garantir conforto e segurança durante o voo, segundo as normas e rotinas estabelecidas e tendo em conta os meios disponíveis (...)”.


E, após se considerar nula a justificação aposta nos contratos de trabalho das Autoras e declarar que esses contratos são contratos sem termo, decidiu-se dar resposta negativa à aludida questão de saber se, tendo sido reconhecido que os contratos de trabalho eram por tempo indeterminado desde o início, deveriam também ter ocupado a categoria de CAB 1 desde essa data, devendo a apelada Ré ser condenada ao pagamento de retroactivos a título de vencimento base e ajuda de custo complementar.


Alinhando-se a seguinte argumentação:


“Segundo as apelantes autoras a sua pretensão "resulta da leitura das Cl.ª 4.ª, n.º 3 do Anexo ao Acordo de Empresa - Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina (RCPTC) - que regeu a relação laboral dos AA. com a R., publicado em BTE 8/2006 - Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina (RCPTC) - estipula: '3 - Os tripulantes de cabina contratados a termo (CAB início e CAB 0), enquanto se mantiverem nesta situação, apenas serão afectos a equipamento NB.' Sublinhado e negritos nossos e Cl.ª 5.ª/1 desse anexo estipula que: '1 — A evolução salarial processa-se de acordo com os seguintes escalões: CAB início a CAB 0 (contratados a termo);' Sublinhado e negritos nossos, bem como da tabela constante a Cl.ª 5.º/2, a linha CAB 1, de onde esta é a única que usa o vocábulo 'Até'. Ainda, de acordo com a Cl.ª 5.º/4: '4 - A evolução salarial terá lugar, salvo verificação das seguintes situações: a) Existência de sanções disciplinares que não sejam repreensões no período de permanência no escalão possuído; b) Pendência de processos disciplinares; c) Ocorrência de motivo justificativo em contrário relacionado com exercício ou conduta profissional, desde que expresso e fundamentado por escrito'".


Sobre isto a sentença considerou, em grande síntese, o seguinte:


"(…) julgamos que o critério diferenciador entre os CAB Início, CAB 0 e CAB 1, não é a espécie de contrato de trabalho firmada entre o tripulante e a R. (contrato de trabalho a termo/contrato de trabalho sem termo), mas o período de permanência do trabalhador em cada um dos escalões (anteriores).


Isto mesmo foi reconhecido pelo Ac. da Rel. de Lisboa, de 20/11/2019 (depois confirmado pelo Ac. do S.T.J., de 08/07/2020 – Proc. n.º 2210/13.1TTLSB-A.L1), junto pela R., que subscrevemos por merecer a nossa inteira concordância, «(…) a circunstância de o AE definir a posição salarial de CAB Iniciado e CAB 0 para trabalhadores contratados a termo não implica que aqueles tripulantes tenham que ser integrados automaticamente em CAB I quando e se passarem a trabalhadores por tempo indeterminado», posto que a evolução salarial pressupõe a verificação de outros requisitos que se não reconduzem à natureza do vínculo.


E desenvolve, nos seguintes termos:


Tal como argumenta a Apelada a circunstância de o AE definir a posição salarial de CAB Iniciado e CAB 0 para trabalhadores contratados a termo, não implica que aqueles tripulantes tenham que ser integrados automaticamente em CAB I quando e se passarem a trabalhadores a tempo indeterminado.


Na verdade, independentemente do tipo de contratação, a Cl.ª 5.ª, n.os 1 e 2, estabelece vários requisitos para a evolução salarial em escalões previstos, maxime, o decurso do tempo em cada posição, não podendo estabelecer-se um regime diferente em função da contratação.


A permanência de um certo período em cada escalão tem a sua razão de ser na aquisição de experiência, razão por que não se nos afigura que a natureza do vínculo contratual implique posicionamento num ou noutro escalão.


Com o que subscrevemos a afirmação da Apelada, segundo a qual a circunstância de haver um reconhecimento do vínculo contratual sem termo decorridos três meses da sua admissão na empresa, não faz aumentar a experiência dos Recorrentes: a experiência profissional necessária e subjacente à progressão salarial não se adquire pelo tipo de vínculo laboral, mas sim pelo desempenho, sendo este o princípio em que assentam os sucessivos graus referidos, quer na tabela salarial, quer no RCPTC, para além da verificação da não existência de incidências disciplinares e outras.


(…)


Esta tese sustenta-se também em parecer junto aos autos, subscrito por Pedro Romano Martinez e Luís Gonçalves da Silva, parecer esse no qual se afirma que 'No caso de o contrato de trabalho do CAB, contratado a termo, se converter em contrato por tempo indeterminado, o trabalhador mantém a categoria e a remuneração; alterando-se tão só a estabilidade do vínculo' (pág. 30), e ainda que '...a referência a «contratados a termo» constante da cláusula 4.ª n.º 3 do AE, por imperativo legal tem de ser entendida como não impondo que os tripulantes integrados na categoria CAB Início ou CAB 0 sejam contratados a termo. Não tendo, assim, a conversão do contrato com duração indeterminada qualquer impacto na categoria ou remuneração do trabalhador' (pág. 31).


Concluem estes autores que todos os contratos a termo são ou CAB Início ou CAB 0, mas nem todos os CAB Início e CAB 0 são necessariamente contratados a termo. E que em caso de conversão do contrato em contrato sem termo o trabalhador mantém a categoria e a remuneração, alterando-se apenas a estabilidade do vínculo".


Concorda-se com este modo de ver as coisas, pois que, como refere a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, se bem que "quanto à inserção das autoras/recorrentes na categoria profissional que pretendem, dir-se-á que a literalidade das cláusulas do AE aplicáveis favorece a sua posição. Resta saber se o «pensamento legislativo» a encontrar terá na letra da lei um «mínimo de correspondência verbal» (art.º 9.º, n.º 2 do C. Civil). Considera-se que a interpretação feita pela sentença poderá colher na parte em que, buscando a ratio das normas em causa, refere não fazer sentido – como, de facto, não faz – que qualquer trabalhador (posto que o respectivo contrato seja sem termo) assuma desde o início da sua actividade a categoria de CAB 1, (ultrapassando as CAB início e CAB 0) sem que possua a mínima experiência para o efeito".


De resto, bem vistas as coisas o próprio elemento histórico trazido à colação pelas apelantes autoras (conclusão L) é relevante mas reversível, encaminhando a leitura para uma colisão com a por elas pretendido: é que se o AE de 1994 "estipulava preto no branco que os tripulantes com a 'Efectivação' passavam à categoria CAB 1", se a coloração deixou de ser assim tão nítida no AE vigente seguramente terá sido porque as partes tiveram outra opção cromática”.


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Decisão


Pelo exposto, acorda-se em admitir a revista excepcional, interposta pelas Autoras / recorrentes, do acórdão do Tribunal da Relação.


Custas a definir a final.


Lisboa, 06/12/2023


Ramalho Pinto (Relator)


Júlio Vieira Gomes


Mário Belo Morgado





Sumário (da responsabilidade do Relator).

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1. Anexo ao Acordo de Empresa publicado no BTE n.º 8, de 28.06.2006.↩︎