Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | REIS FIGUEIRA | ||
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Nº do Documento: | SJ200302110044571 | ||
Data do Acordão: | 02/11/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL GUIMARÃES | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 162/02 | ||
Data: | 06/12/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" e sua mulher B deduziram embargos de executado à execução que lhes instaurou o C. O Exequente-Embargado contestou os embargos. Na primeira instância os embargos foram julgados improcedentes logo no saneador. Recorreram os embargantes, de apelação, tendo a Relação de Guimarães confirmado o saneador-sentença. Recorrem de novo os Embargantes, agora de revista para este Supremo Tribunal. Alegando, concluíram: 1) É nula, por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito permitida, sem menção expressa da sua origem ou natureza, e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha. 2) No caso dos autos, os Embargantes assumiram, no termo de fiança, responsabilidades, como fiadores e principais pagadores, relativamente a todas as importâncias que a sociedade devedora devesse ou viesse a dever ao Banco embargado. 3) O crédito concedido não foi, tout court e ab initio, de 75.000.000 escudos, mas sim através do débito em conta corrente e até este montante. 4) A utilização dos valores mutuados ficava na exclusiva dependência da entidade mutuante, a Caixa Económica ...., a qual, através da avaliação dos respectivos Serviços Técnicos das obras de construção dos edifícios, é que determinava os montantes a serem utilizados. 5) Aos recorrentes não foi concedida qualquer possibilidade de controlarem ou intervirem nas quantias que viessem a ser libertadas - ou tão pouco se estipulou a prévia condição da sua notificação -, pelo que tanto podiam ficar obrigados pela quantia inicial libertada de 3.000.000 escudos, como pelo máximo de 75.000.000 escudos. 6) Assim sendo, a fiança não pode deixar de se considerar indeterminável, uma vez que os fiadores ficam, ilimitadamente, nas mãos do credor e de terceiros. E tudo sem contrapartida. 7) Adquire uma dimensão tão ampla e simultaneamente tão vaga a obrigação assim assumida que bem pode dizer-se não ter ela quaisquer limites, já que nenhum critério se estabeleceu - com intervenção e controle dos fiadores - a que devesse obedecer a determinação da prestação, no tocante aos débitos futuros. 8) Embora a dívida seja relacionada com o extracto de conta corrente, trata-se aí, tão somente, de uma indicação de índole exemplificativa, que, longe de restringir, tem o intuito de ampliar e reforçar, quanto a todas as formas de responsabilidade legalmente admissíveis, o leque de responsabilidades dos fiadores. 9) A determinabilidade em questão teria de ocorrer logo no momento da fiança, sem o que os fiadores não focariam suficientemente defendidos e estariam a riscos excessivos. 10) Foram violadas as disposições dois art. 280, nº1, 400 e 628, nº2 do CC. Não houve contra-alegação. Factos provados nas instâncias: Em 31-10-97 foi celebrado entre a Embargada e D - soc. de Construções, Ldª, o contrato de abertura de crédito em conta corrente, junto como doc. nº1 com a petição executiva (agora junto por fotocópia a fls. 62 a 72 dos autos). Para garantia das obrigações ali assumidas pela sociedade, constituíram-se fiadores e principais pagadores os sócios da referida sociedade e respectivos cônjuges, entre eles os ora Embargantes, com renúncia expressa ao benefício da excussão. No âmbito do contrato de conta - corrente, a mutuária utilizou, até 30/4/99, o montante de Esc. 58.387.166$00, achando-se pagos os juros vencidos até àquela data, conforme saldo de conta - corrente, junto como doc. nº2, com a petição executiva. A falência da mutuária foi decretada no Processo nº307/99 do 1º Juízo Cível de Braga. No preâmbulo do citado contrato, assinado que se encontra por ambos os Embargantes, escreveu-se: "como segundos outorgantes (...) A, casado com B (...), os quais outorgam por si e na qualidade de únicos sócios e gerentes e em representação da sociedade denominada "D - Sociedade de Construções, Limitada". Estipulou-se na cláusula 11ª do contrato, sob a epígrafe "rescisão do contrato": "Fica reconhecido ao "C, SA", o direito de livremente dar por terminado este contrato e proceder ao encerramento definitivo da conta, desde que se verifiquem quaisquer das hipóteses previstas no artº 780º do Código Civil". Apreciação. Estamos perante uma abertura de crédito em conta-corrente, que é uma operação bancária através da qual uma instituição financeira coloca à disposição do cliente, por certo prazo e até certo montante, um crédito que ele poderá utilizar à medida das suas necessidades (Simões Patrício, Direito do Crédito, Introdução, 31). "A abertura de crédito pode revestir a forma de conta-corrente (abertura de crédito em conta-corrente), mas neste caso a operação não tem de comum com a operação comercial designada por contrato de conta-corrente regulada nos art. 344 e ss do CComercial, senão o nome, sendo-lhe pois inaplicáveis as disposições legais reguladoras daquele contrato" (Pinto Coelho, Operações de Banco, II, 117). No presente caso a abertura de crédito foi em conta-corrente e garantida (pela fiança), que é a situação normal e corrente: "na prática bancária portuguesa, em que as aberturas de crédito operam em favor de sociedades, recorre-se a livranças subscritas pela própria sociedade e avalizadas pelos sócios mais significativos. Fala-se então, na gíria bancária, em conta-corrente caucionada": Meneses Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2ª edição, 587. A única questão que se nos coloca é a de saber se a fiança "in casu" prestada é nula por indeterminabilidade do seu objecto É o apelo claro ao disposto no art. 280, nº1 do CC, que, depois de se reconhecer que a fiança pode ter por objecto obrigações futuras (art. 628, nº2 do CC), fere de nulidade o negócio jurídico cujo objecto seja indeterminável. O que importa é saber se, no presente caso, o objecto da fiança prestada pelos executados-embargantes é indeterminável, para o que importa socorrer-nos também da jurisprudência que tem sido perfilhada por este STJ, nomeadamente o acórdão uniformizador de jurisprudência nº 4/2001, de 23/01/01, publicado no DR, 1ª série, nº57, de 08/03/01. Ora, o C, e a sociedade D, Sociedade de Construções Limitada, outorgaram o contrato de abertura de crédito com hipoteca e fiança, junto por fotocópia de fls. 62 a 72 dois autos (que se dá por integrado), em que intervieram, por si e como únicos sócios e gerentes da D, E e o Embargante A, e como terceiras outorgantes as mulheres destes, respectivamente F e a Embargante B. Aí, além do mais, a agora Exequente-Embargada abriu a favor da D um crédito em conta corrente de 75.000.000 escudos, que se destina a financiar as construções a implantar nos prédios que identifica e pelo mesmo acto hipotecados à mutuante (cláusula 14ª), pelo prazo por 3 anos e sendo a utilização do crédito em conta-corrente feita através da conta de depósitos à ordem nº 1.730.376/001, da D. Os segundos outorgantes, ditos E e A, por si e as terceiras outorgantes, F e B, casadas com os segundos, constituíram-se fiadores e principais pagadores de todas as obrigações emergentes de presente contrato, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia (cláusula 22ª). Sabemos que a D foi declarada falida. Qual a tese dos recorrentes? Que a fiança, que eles iniludivelmente prestaram à credora, é nula por indeterminabilidade do seu objecto. O que é obviamente errado. Conforme referido acórdão uniformizador, "é nula, por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza, e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha". O que não sucede aqui, porquanto, sendo embora a fiança de obrigações futuras (como aliás o art. 628, nº2 do CC expressamente autoriza), os fiadores não se constituíram garantes de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza, independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha. De facto, os fiadores são ele, um dos dois únicos sócios e gerentes da mutuária, e ela o seu cônjuge, pelo que pelo menos ele tem ou deve ter o controlo dos montantes que saem da conta-corrente; eles constituíram-se garantes das obrigações resultantes de um concreto contrato de abertura de crédito em conta-corrente, de que é beneficiária a dita sociedade, e que tem um limite desde logo fixado: 75.000.000 escudos. Por isso, o objecto da obrigação garantida é uma obrigação pecuniária concreta, de montante limitado e pré-fixado (nos créditos em conta-corrente o que se fixa é o montante máximo, por o montante concreto poder ser variável), conhecido o seu limite máximo e origem. O objecto não é portanto indeterminável: ele é determinado no seu montante máximo e na sua origem. Como todos os anotadores do CC exigem para que a obrigação se considere determinável, no quadro do art. 280, nº1 do CC. Não foram violados os preceitos indicados, nem outros. Improcede o recurso. Decisão. Pelo exposto, acordam em negar a revista, condenando o recorrente nas custas. Lisboa, 11 de Fevereiro de 2003 Reis Figueira Barros Caldeira Faria Antunes |