Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
86/16.6TRPRT.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: RECURSO PENAL
ÚNICA INSTÂNCIA
DECISÃO INSTRUTÓRIA
DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
DIFAMAÇÃO
INDÍCIOS SUFICIENTES
Data do Acordão: 11/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PENAL – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A HONRA / DIFAMAÇÃO / CRIMES CONTRA A VIDA EM SOCIEDADE / CRIMES DE PERIGO COMUM / PROPAGAÇÃO DE DOENÇA, ALTERAÇÃO DE ANÁLISE OU DE RECEITUÁRIO.
Doutrina:
- ALBERTO BORCIANI, As Ofensas À Honra, Coimbra, Arménio Amado Editor, 1950, p. 13 e ss.;
- AUGUSTO SILVA DIAS, Alguns aspectos do regime jurídico dos crimes de difamação e injúria, AAFDL 1989, p. 17-18;
- BELEZA DOS SANTOS, Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúria”, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 92, n.º 3152, p. 167/168;
- CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA, Indícios Suficientes: Parâmetros de racionalidade e “instância de legitimação”, Revista do CEJ, n.º 1, p. 160;
- CASTANHEIRA NEVES, Sumários de Processo Criminal, lições policopiadas, 1968, p. 38-39;
- FARIA E COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, p. 602 e ss.;
- GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, p.183;
- J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, p. 466;
- JORGE GASPAR, Titularidade da Investigação Criminal e Posição Jurídica do Arguido, Revista do Ministério Público, n.º 88, 101 e ss.;
- JORGE NORONHA E SILVEIRA, O conceito de indícios suficientes no Processo Penal Português, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, organizadas pela FDL e pelo C.D. de Lisboa da Ordem dos Advogados, em 2004, p. 155 e ss.;
- JOSÉ DE FARIA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, dirigido por JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Tomo I, Coimbra Editora, p. 607;
- M. MIGUEZ GARCIA e J.M. CASTELO RIO, Código Penal. Parte Geral e Especial, Almedina, 2.ª edição, p. 793;
- NELSON HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro 1956, Vol. 6.º, 3ª edição, p. 36 e ss.;
- PAULO DÁ MESQUITA, Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, 2003, p. 90 e ss.;
- VINCENZO MANZINI, Trattato di Dirito Penale, Turim, 4ª edição, T. 8º, p. 475 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 180.º, 283.º, N.º 2 E 308.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 16-06-2005, RELATOR PEREIRA MADEIRA, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-04-2008, PROCESSO N.º 4817/08;
- DE 08-10-2008, RELATOR SORETO DE BARROS, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 21-10-2009, PROCESSO N.º 1/08.0TRLSB.S1;
- DE 26-01-2011, PROCESSO N.º 417/09.5YRPTR.S2;
- DE 09-04-2015, PROCESSO N.º 5/13.1TRGMR.S1.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 28-10-2008, PROCESSO N.º 1376/06.1TACVL.C1.
Sumário :

I - Como bem refere o despacho de não pronúncia, se há factos que apontam no sentido de que, com o despacho de adiamento da audiência proferido pela arguida, se pretendeu depreciar ou desacreditar profissionalmente o queixoso (fazendo-se passar a ideia de que este faltou ao cumprimento dos seus deveres funcionais, causando transtorno a dezenas de pessoas e dificultando a continuidade da audiência), ele não têm, contudo, a consistência e a força persuasiva necessária para servir de base indiciária em que repousa o juízo de inferência que há-de permitir (ou não) chegar ao facto probando, pois outros há que indicam o caminho inverso, que afastam do horizonte da arguida a intenção de ofender o bom nome e o prestígio profissional do magistrado queixoso, ou sequer de ter representado essa possibilidade. Por isso é séria e fundada a dúvida sobre a verificação de dolo na sua actuação.

II - Mais, mesmo a nível do tipo objectivo, perante o contexto situacional em que ocorreu a prolação do despacho(s), não se vislumbra idoneidade bastante dos mesmos para desacreditar, desprestigiar, diminuir, enfim, ofender a honra e consideração do Senhor Juiz queixoso, justificando-se, também por esta via, a não pronúncia da arguida pelo crime de difamação.

III - Com efeito, a Senhora Juíza arguida não imputa ao Senhor Juiz queixoso, mesmo que sob a forma de suspeita, qualquer facto ou formula sobre ele qualquer juízo de valor desonrosos. Simplesmente reproduz um facto: a aplicação ao Senhor Juiz queixoso, pelo órgão competente, de sanção disciplinar.

IV - O facto reproduzido é verdadeiro, sendo certo que o tipo legal de difamação não exige que a afirmação seja falsa. Ao fazer a aludida referência, a Senhora Juíza arguida deu a conhecer, desnecessariamente, a punição sofrida por um dos membros do tribunal, assim o fragilizando perante os sujeitos processuais, sobretudo perante os arguidos, e os operadores judiciários (especialmente os advogados).

V - Mas se essa conduta pode, porventura, relevar no âmbito disciplinar, afigura-se que não é suficiente para a considerar criminalmente típica. Dar a conhecer o facto de se ter sofrido uma punição disciplinar não pode considerar-se um facto desonroso e, por conseguinte a sua reprodução não tem idoneidade ofensiva, objectivamente não é a adequado a denegrir, a degradar, a vexar quem foi sancionado.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I – RELATÓRIO


1. O Ministério Público no Tribunal da Relação do Porto deduziu acusação contra AA, Juíza … em funções na Instância Central da Comarca … – … Secção Criminal, imputando-lhe factos de integrar a prática de dois crimes de difamação agravada p. e p. pelos artigos 180.º, 183.º, n.º 1, alínea a), 184.º e 132.º, alínea l), do Código Penal.


A arguida requereu a abertura da instrução, pugnando pela sua não pronúncia.


Por decisão instrutória proferida em 11 de Janeiro de 2017, foi decidido «não pronunciar a arguida AA pelos factos, com o enquadramento jurídico-penal da douta acusação pública», determinando-se o arquivamento dos autos.



2. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso para este Supremo Tribunal da decisão instrutória, formulando as seguintes:


«CONCLUSÕES:

1. Tendo-se dado como indiciados os factos constantes dos números 1; 34; 35; 40; 41; 43; 44; 46, 47; 48; e 49, dos factos considerados como indiciados na douta decisão instrutória, sob recurso, e aqui considerados como reproduzidos, necessariamente que teriam de ser dados como indiciados os factos respeitantes aos elementos subjectivos das infracções, dados como não indiciados, nas respectivas alíneas a) e b), dos factos considerados como não indiciados e aqui considerados como reproduzidos.

2. A decisão de dar como não indiciados os factos relativos aos elementos subjectivos da infracção viola as regras da experiência comum e, por isso, é destituída de qualquer lógica, violando-se, assim, as boas regras relativas à prova por presunções.

3. Nem se diga, como faz o Exmo. senhor Desembargador recorrido, “que os elementos indiciários sobre o propósito da arguida, ao proferir os despachos de 16/9/2015 e de 19/9/2015 são de sinal contrário, pois que, perscrutada toda a douta decisão recorrida, não fomos capazes de descortinar esses sinais de sentido contrário.

4. Por isso, consideramos ser inadmissível a existência de qualquer dúvida sobre o facto da senhora magistrada aqui arguida ter atuado com dolo eventual.

5. Foi violado, pois, por erro de aplicação do direito aos factos, o disposto no artigo 349.º, do Código Civil.

6. Nem se diga, como faz o Exmo. senhor Desembargador recorrido, “que é óbvio que sofrer uma punição disciplinar não é um facto abonatório para um magistrado, constitui uma mancha no seu currículo e pode afectar negativamente o seu prestígio profissional mas dar a conhecer esse facto não pode considerar-se um facto desonroso e, por conseguinte, a sua reprodução não tem dignidade ofensiva, objectivamente não é adequado a denegrir, a degradar, a vexar quem foi sancionado”.

7. Se esta distinção tivesse alguma razão de ser, o CSM, em lugar de comunicar aos respectivos arguidos as diversas sanções que lhe fossem aplicadas, na data da respectiva decisão, publicaria, em lugar próprio, as referidas decisões, pois isso não seria susceptível de ofender a honra dos visados.

8. Mas não o faz, como é óbvio e, quando são publicadas decisões sobre sanções disciplinares aplicadas a magistradas, procura-se criar o anonimato, ocultando os nomes e quaisquer referências que os possam identificar.

9. Portanto, ao comunicar directamente aos intervenientes processuais, sem ter qualquer necessidade de o fazer, como foi reconhecido na douta decisão recorrida, que o magistrado aqui queixoso, tinha acabado de ser punido com uma sanção disciplinar de suspensão por 30 dias, a senhora magistrada aqui arguida, não podia deixar de representar que isso ofenderia a honra e a consideração que eram devidas ao seu colega e, não obstante, conformou-se com tal resultado.

10. Foi violado o disposto no artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal, por erro de qualificação jurídico-penal dos factos indiciados.


Termos em que, dando provimento ao recurso e determinando a revogação do, aliás, douto despacho recorrido, fazendo-o substituir por outro em que se pronuncie a arguida, nos termos constantes desta motivação, será feita inteira,

                        JUSTIÇA.»



3. A arguida apresentou resposta, concluindo:


«Conclusões


A) Pretende o Recorrente com o seu Recurso ver revista a decisão proferida quanto à matéria de facto, com vista a serem “dados como indiciados os elementos subjectivos das infracções”, revogando-se em consequência a decisão de não pronúncia qual deve ser substituída por outra que pronuncie a ora Recorrente pelos crimes de difamação de cuja prática foi acusada pelo Ministério Público.

B) Os poderes de cognição do STJ em matéria de facto estão limitados a “controlar o processo lógico desenvolvido pelo tribunal a quo para concluir, como concluiu, exigindo que a decisão seja motivada e objectivada, para que o resultado se mostre em consonância com essa objectivação, suficiente e racionalmente motivado”.

C) A decisão do JIC quanto à matéria objecto do presente recurso é motivada, clara, lógica e fundamentada, encontrando-se o resultado obtido em consonância com essa objectivação, suficiente e racionalmente motivada, escapando, por esta via, ao conhecimento deste Supremo Tribunal.

D) A decisão de não pronúncia não merece qualquer reparo na parte em que deu como não verificados os elementos subjectivos dos tipos penais de que a Arguida vinha acusada porquanto da correcta aplicação das regras da experiência comum aos factos indiciados pelo JIC não resulta com lógica, certeza e segurança que a Arguida tenha pretendido ofender a honra do Queixoso ou sequer admitido tal possibilidade, conformando-se com a mesma.

E) Por outro lado, podendo existir na matéria de facto indiciada dados de sinal contrário relativamente às intenções da Arguida, não podendo, assim, estabelecer-se com certeza e segurança qual a sua verdadeira intenção, tem aplicação o limite do princípio in dubio pro reo, não devendo a Arguida ser pronunciada, como sucedeu.

F) Adicionalmente, e quanto ao segundo dos crimes de cuja prática a ora Recorrida foi acusada (relacionado com o despacho por esta proferido em 19.09.2015), ainda que a alegação do Recorrente tivesse algum fundamento – que, manifestamente, não tem – nunca poderia produzir o resultado pretendido pelo Recorrente, já que, nos termos da decisão recorrida, não se encontra verificado o elemento objectivo da infracção cuja prática foi injustamente imputada à ora Recorrida.


Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão não deve ser concedido provimento ao presente recurso mantendo-se a decisão recorrida nos seus exactos termos, só assim se fazendo a costumada JUSTICA!»


4. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, acompanhando a argumentação expendida na motivação de recurso, considera que o recurso é merecedor de provimento.



5. Na pendência deste recurso, veio a arguida, em 15 de Maio de 2017, juntar aos autos cópia do acórdão de 4 de Maio de 2017, proferido pela Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 72/16.6YFLSB – autos de recurso da decisão condenatória proferida pelo Conselho Superior da Magistratura no âmbito do processo disciplinar contra si instaurado pelos mesmos factos em causa neste processo, acórdão de que foi notificada no dia 8 de Maio, requerendo que o mesmo seja considerado na decisão a proferir.


Foi dado conhecimento ao Ministério Público do citado documento.


6. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.



II - FUNDAMENTAÇÃO


1. A decisão instrutória. Os factos


A decisão recorrida considera que os autos fornecem os elementos necessários e bastantes para se considerar suficientemente indiciado que:

1. Pela … Secção Criminal da Instância Central da Comarca … corre termos o Processo Comum n.º 453/03.5 JACBR, classificado como de especial complexidade (com 124 volumes, 106 apensos, mais um apenso com 11 volumes, 22 anexos, tendo 132 arguidos pronunciados por crimes de associação criminosa e de burla agravada e no qual foram deduzidos 61 pedidos de indemnização civil) e que foi distribuído à Sra. Juiz, aqui arguida, Dra. AA.

2. A audiência de julgamento teve início em 15.06.2015, sendo o Colectivo de julgamento constituído pela Sra. Juiz AA, que presidia, pelo Sr. Juiz BB e pela Sra. Juiz …, Dra. CC.

3. Na sequência de comunicação dirigida ao Conselho Superior da Magistratura (CSM) pela Sra. AA, da informação, a propósito, elaborada pelo Senhor Inspector da área, Desembargador DD, e da proposta formulada pelo vogal daquele Conselho, Dr. EE, o Ex.mo Vice-Presidente do CSM, por despacho de 21.10.2014, determinou o seguinte:

“Face aos fundamentos invocados pelo Exmo. Inspector Judicial da área, assim como a posição do Exmo. Vogal da área, concedo:

a) Exclusividade à Exma. Juíza de Direito AA ao processo n.º 453/03.5 JACBR, desde o trigésimo dia anterior ao do início da audiência de julgamento, para estudo e preparação do processo, e durante o período em que decorrer a audiência de julgamento, com o limite temporal de um ano a contar do respectivo início, e nos trinta dias subsequentes ao encerramento dos debates orais para elaboração de acórdão;

b) Exclusividade parcial aos Ex.mos Juízes de Direito que intervierem como adjuntos, desde o início da audiência de julgamento e até ao encerramento dos debates orais, com o limite temporal de um ano, intervindo noutros julgamentos nos dias úteis que não forem ocupados pela audiência de julgamento do processo comum colectivo n.º 453/03.5 JACBR, em termos a definir pelo Exmo. Juiz Presidente da Comarca do Porto”.

4. Por despacho de 27.04.2015, a Sra. Juiz presidente agendou as seguintes datas para realização de sessões da audiência de julgamento:

- 15, 16, 17, 18, 22, 23, 24, 25, 29 e 30 de Junho de 2015;

- 1, 2, 6, 7, 8, 9, 13 e 14 de Julho;

- 16, 17, 21, 22, 23, 24, 28, 29 e 30 de Setembro;

- 1, 5, 6, 7, 8, 12, 13, 14, 15, 19, 20, 21, 22, 26, 27, 28 e 29 de Outubro.

5. Sucede que, nessa altura, já decorria a audiência de discussão e julgamento da acção cível que, sob o n.º 2909/10.4 TBVCD, corria termos na … Secção Cível da Instância Central da Comarca …, sendo o processo, também, de grande dimensão e complexidade, audiência a que presidia a Sra. Juiz CC.

6. Por isso, acolhendo proposta do vogal do CSM, Dr. EE, através de despacho de 09.06.2015 (o mesmo que determinou a afectação da Sra. Juiz, Dra. CC para integrar, como adjunta, o Colectivo de julgamento) o Ex.mo Vice-Presidente do CSM determinou que no agendamento das sessões da audiência do Processo Comum n.º 453/03.5 JACBR fossem reservadas “…em cada semana, as quartas e as sextas-feiras para a identificada magistrada judicial realizar a audiência de discussão e julgamento do processo n.º 2909/10.4 TBVCD, da … Secção Cível da Instância Central da Comarca …, até que tal acto fique concluído”, do que foi dado conhecimento à arguida.

7. Por despacho de 08.05.2015, o Sr. Juiz BB transferiu para o dia 16.09.2015, pelas 14:30, a audiência de julgamento do Processo Comum n.º 2305/13.1 JAPRT, tendo aí consignado que “atento o teor do ofício (e despacho anexo) que antecede, do qual decorre que a M.ma Juiz 6, que integra o colectivo como adjunta, irá ficar impedida a partir do dia 16.05.2015 pelos motivos constantes do aludido ofício, conclui-se que a mesma não poderá participar em todas as sessões designadas para a realização da audiência de julgamento”.

8. Na primeira sessão da audiência do Processo n.º 453/03.5 JACBR, realizada em 15.06.2015, a Sra. Juiz presidente proferiu um despacho, no qual, além do mais, deixou consignado o seguinte:

“(...) Pelo menos até final de Julho, nas quartas-feiras, não vai haver realização de audiências de discussão e julgamento, pelo que as mesmas serão desconvocadas, em virtude da M.ma Juiz adjunta estar a presidir a um mega julgamento que está a ser realizado às quartas e sextas-feiras, pelo que oportunamente o tribunal reagendará as sessões de audiência de discussão e julgamento das quartas-feiras”.

9. Com a mesma data (15.06.2015), o Sr. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca … proferiu despacho determinando, além do mais, o seguinte:

“1. Atendendo a que o referido mega-processo [processo n.º 453/03.5] não decorrerá, por ora, às 4.ªs e 6.ªs feiras, cujo colectivo o Dr. BB integrará como 1.º adjunto, o mesmo presidirá aos julgamentos em processos que lhe estejam distribuídos, designadamente os já agendados, no dia que para tanto lhe está destinado (4.ª feira), sendo tal colectivo composto pelos Drs. FF e GG, como 1.º e 2.º adjuntos, respectivamente”.

10. Desse despacho foi dado conhecimento aos magistrados judiciais em exercício na 2.ª Secção Criminal da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca ….

11. Na sessão da audiência realizada em 16.06.2015, a Sra. Juiz presidente ditou e fez consignar em acta o seguinte despacho:

Tal como comunicado na anterior audiência, pelo menos até final de Julho, às quartas-feiras não vai haver realização de audiência de discussão e julgamento, em virtude da M. Juiz adjunta estar a presidir a um mega julgamento que está a ser realizado às quartas e sextas-feiras. Uma vez que até àquela altura o tribunal colectivo não se poderá constituir, o tribunal dá sem efeito a sessão de audiência de julgamento do dia 1 de Julho de 2015”.

12. No dia 1 de Julho de 2015, o Sr. Juiz BB agendou a audiência de julgamento do processo comum (tribunal colectivo) n.º 2186/11.0 JAPRT para o dia 16.09.2015, pelas 14:45.

13. No decurso da sessão da audiência do processo n.º 453/03.5 JACBR realizada no dia 6 de Julho de 2015, foi sugerido pela Dra. AA, ora arguida, a todos os sujeitos e intervenientes processuais “o reagendamento das datas (das sessões) da audiência julgamento para o mês de Outubro, nomeadamente dar sem efeito o dia 7 de Outubro, que é uma quarta-feira, bem como as seguintes quintas-feiras: 1, 15, 22 e 29. Tal alteração prende-se com a necessidade de concentração da audiência de discussão e julgamento nestes dias com a conciliação de agendas com os demais adjuntos que fazem parte deste Tribunal Colectivo e ainda com o facto de haverem muitos advogados que fazem as suas deslocações de …, concentrando preferencialmente as sessões de audiência (…) às segundas, terças e quartas-feiras em detrimento de quintas e sextas-feiras para que possam organizar melhor o seu serviço.”

14. Não tendo havido qualquer oposição a essa sugestão, a Sra. Juiz AA proferiu despacho do seguinte teor:

Para o mês de Outubro, o Tribunal passa a reagendar para continuação das audiências de discussão e julgamento nos seguintes termos:

O dia 7, que é uma quarta-feira, fica sem efeito;

Ficam ainda sem efeito as seguintes quintas-feiras do mês de Outubro: 1, 15, 22 e 29, sendo que as testemunhas que estavam previstas para estes dias serão distribuídas pelos três dias dessa mesma semana”.

15. As decisões referidas nos n.os 13 e 14 foram proferidas na sequência dos esforços envidados pelo Dr. BB e pela Dra. CC no sentido de “acertarem agendas” com vista à manutenção das quartas-feiras como dia destinado a sessões da audiência do processo comum n.º 453/03.5 JACBR, comprometendo-se esta a diligenciar no sentido de que, no novo ano judicial, pudessem ser reagendadas para as quintas e sextas-feiras as sessões da audiência de discussão e julgamento da acção civil, que estava a dirigir.

16. Desses esforços deu a Dra. CC notícia à Dra. AA, a quem também deu conta de que uma tal (possibilidade de) alteração havia sido discutida com o vogal do CSM, Dr. EE, o qual referiu nada obstar a que tal ocorresse.

17. No dia 10 de Julho de 2015, o Sr. Juiz BB agendou para o dia 1 de Outubro (quinta-feira) a 1.ª data da audiência de julgamento no processo comum n.º 1944/14.6 JAPRT e o dia 7 de Outubro (quarta-feira) como a 2.ª data da mesma audiência.

18. Na sessão da audiência do processo comum n.º 453/03.5 JACBR realizada em 14 de Julho de 2015, a Sra. Juiz Presidente proferiu despacho do seguinte teor (reproduzido na parte que para aqui interessa):

Sendo que se encontra concluída a inquirição de todas as testemunhas para hoje convocadas, interrompo a presente audiência e para a sua continuação designo o próximo dia 16 de Setembro de 2015, às 9,15 horas, tal como anteriormente agendado.

(...)

Este despacho mereceu a prévia concordância de todos os sujeitos processuais. Oportunamente nos pronunciaremos sobre os restantes meses, atendendo a que está dependente da organização do serviço que a senhora Juíza …, Dra. CC tem já designado”.

19. Entretanto, no processo cível n.º 2909/10.4 TBVCD, a Dra. CC tinha realizado sessões da audiência de julgamento nos dias 17.06.2015 (4.ª feira), 26.06.2015, 03.07.2015, 08.07.2015 (4.ª feira), 10.07.2015 e 24.07.2015.

20. Na última das referidas datas, foi decidido que a continuação da audiência para conciliação das partes prosseguiria em 07.10.2015.

21. No dia 15.07.2015, o vogal do CSM, Dr. EE, apresentou ao Ex.mo Vice-Presidente do CSM proposta de despacho em que, depois de reproduzir o teor do despacho de 09.06.2015 (a que se alude no ponto 6 supra), escreveu:

Atingido o termo do ano judicial, impõe-se reavaliar estas medidas.

Para tanto, temos de partir da consideração de que continua a não ser possível agendar mais de três sessões semanais da audiência de julgamento do mencionado processo comum n.º 453/03.5 JACBR, uma vez que a Ex.ma Sra. Juíza … CC, que nele intervém como adjunta, ainda não concluiu a audiência de discussão e julgamento do processo n.º 2909/10.4 TBVCD da … Secção Cível da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca …. Devem ser mantidas as condições para que tal possa suceder com a maior celeridade possível, permitindo-se-lhe que continue a dedicar, em cada semana, dois dias – as quartas e as sextas-feiras – para esse ato.

Por decorrência, considerando este circunstancialismo, continua a afigurar-se desnecessário afectar mais um juiz do Quadro Complementar a Secção, posto que o Exmo. Sr. Juiz … BB, que também intervém como adjunto no julgamento do processo comum n.º 453/03.5 JACBR, continua a dispor de dois dias por semana, num dos quais, pelo menos, pode presidir as audiências de julgamento dos processos que lhe foram e forem distribuídos.

Isto pressupõe que se mantenha o recurso, pelo menos um dia por semana, a outros juízes em exercício de funções nas secções sediadas no município de …. O sacrifício que tal importa – temporalmente balizado pela conclusão da audiência de discussão e julgamento do processo n.º 2909/10.4 TBVCD, da … Secção Cível da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca …, salvo se entretanto ocorrerem circunstâncias que obstem a adopção de medidas que permitam intensificar o ritmo da audiência de julgamento do processo comum n.º 453/03.5 JACBR – sendo repartido de forma equitativa por todos, incluindo pelo juiz auxiliar que no MJO foi destacado para o conjunto das Secções Criminais das Instâncias Locais da … e de …, não se nos afigura desproporcionado”.

Em consequência, propôs o dito vogal do CSM que fosse determinado que:

1. Até indicação em contrário – que tendencialmente será dada quando a Ex.ma Sra. Juíza … CC concluir a audiência de discussão e julgamento do processo n.º 2909/10.4 TBVCD da … Secção Cível da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca … – a audiência de julgamento do processo comum colectivo n.º 453/03.5 JACBR deve continuar a decorrer ao ritmo de três sessões diárias por semana;

2. Essas sessões devem decorrer às 2.ªs, 3.ªs e 5.ªs feiras, ficando as 4.ªs e 6.ªs feiras reservadas para que a Ex.ma Sra. Juíza … CC realize as sessões da audiência de discussão e julgamento do processo n.º 2909/10.4 TBVCD da … Secção Cível da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca …, com o objectivo de a concluir no mais curto espaço de tempo possível;

3. O Ex.mo Sr. Juiz … BB continue a presidir, um dia por semana, pelo menos, as audiências de julgamento dos processos que lhe couberem por via das regras de distribuição, sendo esse dia um daqueles em que não há sessão da audiência de julgamento do processo comum colectivo n.º 453/03.5 JACBR;

4. O restante serviço da unidade da … Secção Criminal continue a ser assegurado pelo Ex.mo Sr. Juiz … que não intervém no julgamento do processo comum n.º 453/03.5 JACBR e pelo Ex.mo Sr. Juiz … que se encontra a substituir a juíza presidente do colectivo durante a exclusividade que lhe foi atribuída;

5. Os julgamentos que devam ser presididos por qualquer um desses magistrados judiciais sejam integrados, em regime de substituição, por juiz de direito em exercício de funções nas secções do Tribunal Judicial da Comarca … sediadas no município de …, o qual interviria como 2.ª adjunto, salvo se o 1.º adjunto no julgamento do processo comum colectivo n.º 453/03.5 JACBR (Dr. BB) estivesse disponível para esse efeito, por não haver sessão da audiência deste processo;

6. O Exmo. Sr. Juiz Presidente do Tribunal nomeie o juiz de direito acabado de referir, com a possibilidade de delegar tal função na Exma. Sra. Juíza …, de entre juízes de direito em exercício de funções nas secções sediadas no Município de …, incluindo pelo juiz auxiliar que no MJO de 2015 foi destacado como auxiliar para o conjunto das Secções Criminais das Instâncias Locais da … e de …, em termos que permitam a repartição equitativa do sacrifício por todos, com o menor prejuízo possível para o serviço, observando, tanto quanto possível, o princípio da especialização”.

22. Sobre essa proposta recaiu o despacho, datado de 20.07.2015, do Ex.mo Vice-Presidente do CSM, do seguinte teor:

Acolhendo a avaliação e proposta do Ex.mo Vogal da área, constantes de folhas 313 a 315, determino que se executem as medidas enunciadas de 1. a 6. dessa proposta e cujo teor aqui dou por reproduzido”.

23. Da proposta e do despacho referidos nos n.os 21 e 22 foi dado conhecimento, em 23.07.2015, através de mensagem enviada para as respectivas contas de correio electrónico, ao Sr. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca …, ao Dr. BB, à Dra. AA e à Dra. CC.

24. Na sequência, a Sra. Juiz … das secções do Tribunal Judicial da Comarca … sediadas no município de …, Dra. HH, proferiu despacho com data de 01.09.2015 que, na parte que para aqui releva, é do seguinte teor:

“1. (...)

2. O colega Dr. BB integra, como 1.º adjunto, o colectivo incumbido do referido mega processo, cujas audiências não decorrerão às 4.ªs e 6.ªs feiras, conforme determinado superiormente por despacho do Ex.mo Sr. Vice-Presidente do CSM de 21 de Julho de 2015, cabendo àquele, pois, presidir aos julgamentos em processos que lhe estejam distribuídos, designadamente os já agendados, no dia que para tanto lhe está destinado (4. feira), sendo o concernente colectivo composto, futuramente, pelos colegas Drs. II e GG, como 1.º e 2.º adjuntos, respectivamente.

3. Às 2.ªs, 3.ªs e 5.ªs feiras, dias em que o Dr. BB estará impedido e deslocado de Matosinhos no julgamento do dito PCC 453/03.5 JACBR, o cumprimento da tramitação processual nos autos que lhe estejam distribuídos poderá continuar a ser assegurado pelos Drs. II e GG, em processos pares e ímpares, respectivamente, como já vinha sendo feito.

4. Nos colectivos agendados para esses dias terá de intervir, como segundo adjunto, um juiz em exercício de funções nas secções sediadas em …, em regime de substituição, salvo se o Dr. BB estiver disponível para esse efeito, por não haver sessão de audiência do referido PCC 453/03.5 JACBR (cfr. medida n.º 5 determinada no despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente do 20 de Julho de 2015);

5. (...)

Tudo visto, nomeio o Exmo. Sr. Colega que no pretérito MJO foi destacado para o conjunto das Secções Criminais das Instâncias Locais de … e … para intervir, como 2.º adjunto, em regime de substituição do Dr. BB, nos colectivos que devam ser presididos por qualquer um dos mencionados Colegas Drs. II e GG, às 2.ªs e 3.ªs feiras. A substituição será determinada casuisticamente, tendo em conta a disponibilidade dos demais magistrados judiciais das secções sediadas no município de …”.

25. O despacho referido no número anterior foi transmitido, por protocolo de 02.09.2015, aos senhores juízes das instâncias sediadas em …, tendo a Dra. AA dele tomado conhecimento entre 9 e 11 de Setembro de 2015, e dele ficou bem ciente.

26. A arguida interpretou o despacho referido nos n.os 21 e 22 como sendo a reafirmação do despacho de 09.06.2015 e que ele não se sobrepunha ou, de alguma forma, invalidava o acordado entre os membros do Colectivo quanto ao agendamento das sessões da audiência de Setembro e Outubro de 2015.

27. O mesmo entendimento tinha o Sr. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca …, segundo o qual “(…) se porventura tivesse havido um acordo entre os juízes do colectivo, no sentido de agendar determinadas datas para as diversas sessões da audiência, esse acordo poder-se-ia manter não obstante a deliberação do CSM, se não houvesse audiências designadas para essas datas”.

28. Entendimento diverso teve o Dr. BB que, no dia 07.09.2015, sob conclusão aberta por ordem verbal, exarou no processo comum n.º 1944/14.8 JAPRT despacho do seguinte teor:

Uma vez que na 1.ª data designada para o julgamento nestes autos (…) me encontrarei impedido na continuação do julgamento do processo (mega) n.º 453/035 (…) (o qual conforme foi superiormente ordenado, decorre às 2.ªs, 3.ªs e 5.ªs feiras), transfere-se (antecipa-se) a data da 1.ª marcação da audiência de julgamento para 30/09/2015, pelas 14.30 horas…”.

E no dia 09.09.2015, no termo das sessões da audiência de julgamento dos processos n.ºs 426/14.2 JAPRT e 1058/12.5 PHMTS, a cujo Colectivo presidia, o Dr. BB designou o subsequente dia 16 de Setembro, pelas 14 horas para continuação de tais actos. 

29. A arguida manteve a data de 16.09.2015 para a realização de sessão da audiência de julgamento do processo comum n.º 453/03.5 JACBR e, nesse dia, após a chamada, constatou-se que o Dr. BB não estava presente nas instalações, em …, onde decorria a audiência de julgamento.

30. Pelas 9:54 horas desse dia, a Dra. AA contactou, por telefone, com o Dr. BB e questionou-o sobre as razões da sua não comparência para a sessão da audiência de julgamento do referido processo, obtendo deste a resposta/explicação de que estava impedido com a realização de diligências em processos de que era titular.

31. Nesse mesmo contacto, também a Sra. Juiz …, Dra. CC, falou com o Dr. BB, que lhe referiu que não iria deslocar-se para … para a sessão da audiência de julgamento do processo comum n.º 453/03.5 JACBR e aludiu como razão dessa sua atitude o despacho do Sr. Vice-presidente do CSM de 20/07/2015.

32. A arguida contactou, então, o Sr. Juiz Presidente da Comarca, o qual lhe referiu que não adiasse a sessão da audiência de julgamento enquanto não soubesse do resultado das diligências que iria efectuar.

33. Pelas 10:30 horas, o Sr. Juiz Presidente, após averiguações, informou a Sra. Juiz, aqui arguida, que o Dr. BB não iria comparecer em ….

34. Pelas 11:29 horas, a Sra. Juiz presidente, Dra. AA, depois de declarar reaberta a audiência, perante todos os sujeitos e intervenientes processuais presentes, ditou e mandou exarar em acta o seguinte despacho:

O Tribunal colectivo deliberou por acordo de todos os magistrados que compõem o mesmo, que, em razão da disponibilidade existente e para maior agilização da presente audiência de discussão e julgamento e sua continuidade, que sempre que houvesse disponibilidade de todos, o que era o caso na data de hoje, manter as datas ou agrupar dias de modo as sessões de julgamento ocorressem às segundas-feiras, terças-feiras, e quartas-feiras, atento que há um significativo número de senhores advogados que se deslocam de fora do Distrito …, para as instalações de … e que, portanto, tal permitiria uma melhor agilização da audiência de julgamento e igualmente conciliadas as agendas dos senhores advogados.

Isto foi acordado e foi deliberado em ata, por acordo entre todos, os Magistrados e Advogados.

Não obstante tal deliberação, o senhor Juiz …, BB, não se encontra presente nas instalações deste tribunal, e contactado invocou estar impedido em processos por si agendados, cuja comunicação o resto dos elementos que compõem o Tribunal Colectivo desconheciam.

Uma vez que se torna inviável a composição do Tribunal Coletivo durante o dia de hoje, adia-se para o dia de amanhã o início dos trabalhos, convocando-se todas as testemunhas que estavam presentes para ser ouvidas no dia de hoje, mantendo-se as convocadas para amanhã, levando-se a cabo os trabalhos na medida em que for possível.

O Tribunal lamenta profundamente a situação e envidou todos os esforços no sentido da mesma ser ultrapassada, o que não foi viável.

Notifique e comunique o presente despacho com urgência ao senhor Juiz Presidente da comarca, ao senhor Inspector da Zona e ao CSM.

Oportunamente o Tribunal tomará posição em relação às próximas quartas-feiras, em razão da disponibilidade que vier a constatar.”

35. De forma deliberada e agindo livre e conscientemente, a senhora magistrada aqui arguida, no referido despacho exarado em acta, omitiu as razões da não comparência do Sr. Juiz, Dr. BB, aqui queixoso, assim fazendo crer que a não realização da sessão se ficou a dever, exclusivamente, ao não cumprimento, por aquele Juiz, do acordo previamente estabelecido entre todos, designadamente em 06/07/2015.

Quis a Sra. Juiz AA ocultar as suas próprias responsabilidades na situação, face ao teor do despacho do Ex.mo Sr. Vice-Presidente do CSM de 20.07.2016, de que tinha conhecimento, que apontava para a continuação das sessões da audiência do processo comum n.º 453/03.5 JACBR às 2.ªs, 3.ªs e 5.ªs feiras e que, num dos dias livres da semana - 4.ª e 6.ª feiras –, o Sr. Juiz … BB deveria presidir as audiências de julgamento dos processos que lhe estavam distribuídos.

36.  Na sessão da audiência de julgamento que se realizou no dia seguinte (17.09.2015), estando presentes os três juízes que integravam o Colectivo, a Sra. Juiz …, Dra. AA, ditou e mandou exarar em acta o seguinte despacho:

“Oportunamente abra conclusão ao Juiz …, Dr. BB, com vista a elucidar sobre a disponibilidade para se manterem os dias de quarta-feira que haviam sido trocados com as quintas-feiras seguintes, para a realização da audiência de discussão e julgamento destes autos, uma vez que estão cerca de 300 videoconferências pedidas para fora e há que tomar decisões quanto àquelas diligências”.

37. A terminar a sessão da audiência desse mesmo dia, a Sra. Juiz … foi interpelada pelos defensores presentes para esclarecer se as quartas-feiras designadas por acordo para realização das audiências de discussão e julgamento se mantinham, ao que a senhora magistrada aqui arguida, de imediato, omitindo qualquer alusão ao despacho referido em 21 e 22, respondeu que a razão pela qual tinha determinado a abertura de conclusão ao M. Juiz …, Dr. BB, foi que este indicasse o que tinha sobrevindo, em termos de agenda, isto é, as razões que o poderiam impedir às quartas-feiras, com vista a eventual desmarcação das audiências de discussão e julgamento agendadas para aquele dia da semana.

38. Então, o Sr. Juiz BB ditou para a acta o seguinte:

“De acordo com o oficio do CSM datado de 23 de Julho de 2015, e posteriormente complementado por despacho da senhora Juiz … de …, por delegação de competência, do senhor Presidente da comarca …, de que há notícia ter circulado por todos os juízes intervenientes neste processo e pelos juízes de …, foi deliberado, decidido e confirmado pelo senhor Vice-Presidente do CSM que a minha intervenção neste processo se realizaria às segundas, terças e quintas-feiras, reservando as quartas e as sextas-feiras para realizar o serviço que me está destinado na Instância Criminal — Juiz …. Por tal razão não poderei intervir neste processo às quartas e sextas-feiras.”

39. Face a esta declaração, a Sra. Juiz … deu sem efeito a sua ordem de abrir, no processo, conclusão ao Dr. BB e declarou prejudicadas as sessões das quartas-feiras de Setembro e de Outubro, passando-as para as quintas-feiras.

40. No dia 18 de Setembro de 2015, a senhora magistrada, aqui arguida, recebeu uma mensagem de correio electrónico proveniente do senhor juiz secretário do Conselho Superior da Magistratura, transmitindo-lhe um despacho do senhor Conselheiro Vice-Presidente do CSM, daquela data, homologando a proposta do senhor juiz vogal da área, cujo teor também lhe foi transmitido.

41. Essa proposta era do seguinte teor:

Por despacho de V. Ex.ª, foi atribuído exclusividade à Ex.ma Juíza … que está a presidir à audiência de julgamento do processo comum n.º 453/03.5 JACBR, Dra. Juíza … AA.

Foi ainda estabelecido que o Ex.mo Senhor juiz de Direito BB, que intervém como … adjunto, deve presidir a audiências de julgamento noutros processos no dia da semana que lhe está destinada para esse efeito (a quarta-feira).

Entretanto, não se justifica manter a referida situação de exclusividade enquanto decorrer o cumprimento da pena disciplinar aplicada ao Ex.mo Senhor Juiz de Direito BB. Aliás a suspensão de tal medida permitirá que a Ex.ma Senhora Juíza … AA intervenha noutros processos da Secção, designadamente assegurando a substituição do seu colega enquanto este estiver a cumprir a pena disciplinar (posto que o serviço a seu cargo está já a ser assegurada por um juiz do Quadro Complementar).

Nestes termos, propomos a que, por urgente conveniência de serviço, seja proferido despacho, subordinado a ulterior ratificação do Permanente, a:

1. Suspender a medida de exclusividade atribuída à Ex.ma Senhora Juíza … AA, para presidir à audiência de julgamento do processo comum n.º 453/03.5 JACBR, no período em que durar o cumprimento da pena disciplinar de suspensão do exercício aplicada ao Ex.mo Senhor Juiz … BB no processo disciplinar n.º 151/2015;

2. Estabelecer que, nesse período, a substituição do Ex.mo Senhor Juiz … BB, no serviço da Secção que por ele devia ser realizado, fique a cargo da Ex.ma Senhora Juíza … AA”.

42. O despacho referido nos números anteriores não vinha acompanhado de qualquer indicação de reserva ou de confidencialidade e foi comunicado à senhora magistrada arguida porque implicava a suspensão da sua situação de exclusividade no processo comum n.º 453/03.5 JACBR durante o período de impedimento do Dr. BB. 

43. Tendo tomado conhecimento dessa comunicação, a senhora magistrada, aqui arguida, teria de interromper a audiência de julgamento no processo comum n.º 453/03.5 JACBR, nos termos do n.º 3, do artigo 328.-A, do CPP.

44. Para o efeito, no dia 19 de Setembro de 2015, em conclusão aberta, por ordem verbal, nos autos do processo comum n.º 453/03.5 JACBR, a senhora magistrada, aqui arguida, exarou o seguinte despacho:

“Ao fim da tarde do dia 18 de Setembro de 2015, tomou a signatária conhecimento do teor do email remetido pelo CSM a informar que:

- por deliberação tomada na sessão plenária do passado dia 15 de Setembro de 2015, no âmbito do processo disciplinar n.º 151/2015, foi aplicada ao Ex.mo Senhor Juiz de … BB, que no âmbito dos presentes autos intervém no Tribunal Colectivo como .. adjunto, a pena disciplinar de suspensão do exercício de funções por trinta dias, e de que o mesmo foi notificado no dia 17/09/2015, após o encerramento da sessão de julgamento realizada;

- aquela pena obsta a que o Ex.mo Senhor Juiz …, BB exerça, durante o período da sua duração, a sua função e assim integre o Tribunal Colectivo constituído nos presentes autos para realizar a audiência de discussão e julgamento.

Assim, e em razão do teor de tal comunicado ficam sem efeito as datas designadas para a realização das sessões de audiência de discussão e julgamento durante o período da duração da pena de suspensão de funções aplicada, vindo as sessões de julgamento a serem retomadas no dia 19.10.2015, pelas 9:15 horas com continuação para a tarde pelas 14:15 horas, cumprindo-se a partir de então a calendarização já anteriormente designada de realização das sessões de audiência de discussão e julgamento, às 2.ªs, 3.ªs e 5.ªs feiras no horário já determinado.

Notifique todos os sujeitos processuais pela via mais expedita, desconvoque as testemunhas para as datas dadas sem efeito e convoque as testemunhas a partir da data da retoma das sessões de julgamento, pela ordem que se tem seguido, fazendo-o com o menor prejuízo para as pessoas e com o maior aproveitamento possível dos meios.

45. Porque nunca se tinha confrontado com uma tal causa de interrupção da audiência, a arguida procurou aconselhar-se com colegas sobre a melhor de proceder, tendo falado com a Dra. JJ que a aconselhou a reproduzir o teor da informação transmitida pelo CSM.

46. A senhora magistrada, aqui arguida, tinha conhecimento de que o processo disciplinar em causa, embora com decisão final, estava sujeito ao seu dever de reserva porque se encontrava, ainda, pendente.

47. Por outro lado, sabia que, para fundamentar a interrupção da audiência de julgamento, bastava dizer que o Dr. BB não poderia integrar o colectivo durante os trinta dias seguintes.

48. Não obstante, não se absteve de exarar o despacho supra transcrito, nos termos aí consignados, bem sabendo que o seu conteúdo iria ser divulgado pelas centenas de interveniente processuais no referido processo.

49. Em todas as circunstâncias de facto descritas, a senhora magistrada actuou ou deixou de actuar, sempre, livre e voluntariamente.


E considerar não suficientemente indiciado que:

a) Ao omitir, deliberadamente, na acta da sessão de julgamento realizada em 16/9/15 a verdadeira razão por que o Dr. BB não tinha comparecido nesse dia, assim fazendo crer aos participantes processuais que a não realização da audiência se ficou a dever ao não cumprimento de um acordo entre todos estabelecido por parte daquele senhor magistrado, a senhora magistrada aqui arguida admitiu como possível que tal viesse a ofender a honra e consideração devidas àquele seu colega e, não obstante, conformou-se com tal resultado.

b) Ao exarar o despacho transcrito no n.º 44 supra, a arguida admitiu como possível que, através da divulgação da sanção disciplinar imposta pelo CSM, iria ser atingida a honra e consideração devidas ao seu colega juiz, Dr. BB, e, não obstante, conformou-se com tal resultado.

c) Decorria do despacho do Ex.mo Vice-Presidente do CSM referido no ponto 3 dos factos considerados indiciados que as sessões da audiência de julgamento deveriam ser agendadas de segunda a quinta-feira e que, por conseguinte, os senhores juízes adjuntos deveriam, igualmente, afectar esses dias da semana para intervirem no julgamento do Processo n.º 453/03.5 JACBR.

d) O agendamento das sessões da audiência referido no ponto 3 supra foi feito com o conhecimento prévio e a concordância do Dr. BB;

e) No dia 23.07.2015, a arguida falou com o Dr. BB no sentido de conhecer o seu entendimento sobre o despacho referido no ponto 21 supra e, concretamente, se este constituiria algum impedimento ao acordado quanto às sessões da audiência de Setembro e Outubro;

f) O Dr. BB ficou de ler o despacho e comunicar à arguida a sua posição, mas nada lhe disse até 17 de Setembro.»


2. O crime de difamação. Elementos constitutivos

O artigo 180.º do Código Penal estabelece, no seu nº 1, que:

«1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra e consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com a pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.»


O bem jurídico protegido por esta norma incriminadora é a honra e consideração de outra pessoa que a Constituição da República concebe como direito fundamental. Efectivamente, o artigo 26.º, n.º 1, consagra, de entre os vários direitos de personalidade, o direito ao bom nome e reputação que, nas palavras de J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação»[1].

Como explicitação directa do princípio da dignidade humana, lembra AUGUSTO SILVA DIAS que o direito ao bom nome e reputação integra «um núcleo essencial representativo da dimensão existencial do homem, pelo que, sem a sua protecção perante certas agressões, não é concebível o desenvolvimento social da pessoa. O seu conteúdo é constituído, basicamente, por uma pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros. Sem a observância social desta condição não é possível à pessoa realizar os seus planos de vida e os seus ideais de excelência na multiplicidade de contextos e relações sociais em que intervêm»[2].

O bem jurídico-constitucional assim delineado apresenta, para este autor, «um lado individual (o bom nome) e um lado social (a reputação ou consideração) fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa dos outros; é, ao fim e ao cabo, uma pretensão a não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade»[3].

Segundo BELEZA DOS SANTOS, entende-se por honra, «aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale; refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral», e por consideração «aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público; refere-se ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social, ou ao menos de não o julgar um valor negativo»[4].

Portanto, se a honra respeita mais a um juízo de si sobre si, a consideração reporta-se prevalentemente ao juízo dos outros sobre alguém.

Tem-se considerado que o artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal acolhe uma concepção dual, fáctico-normativa da honra. Nesta perspectiva, como dá conta JOSÉ DE FARIA COSTA, «a honra é vista assim como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior». Citando a formulação do Supremo Tribunal Federal alemão, «o que se protege “é a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora (Träger) de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência (Geltung) deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade. Fundamento essencial da honra interior e, desta forma, núcleo da capacidade de honra do indivíduo, é a irrenunciável dignidade pessoal (Personenwürde) que lhe pertence desde o nascimento e cuja inviolabilidade a lei Fundamental reconhece no art. 1 (…). Da honra interior decorre a pretensão jurídica, criminalmente protegida, de cada um a que nem a sua honra interior nem a sua boa reputação exterior sejam minimizadas ou mesmo totalmente desrespeitadas”»[5].

Conforme se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 30-04-2008 (Proc. n.º 4817/08), convocado no acórdão de 21-10-2009, proferido no processo n.º 1/08.0TRLSB.S1 – 5.ª Secção):

«De um modo geral, os autores distinguem entre uma concepção subjectiva ou interna da honra (o sentimento de estima por si próprio ou, ao menos, de não desestima, o sentimento de dignidade própria, o conceito que cada um faz das suas próprias qualidades morais) e uma concepção objectiva ou externa, traduzida no apreço e respeito ou, ao menos, na não desconsideração de que somos objecto; a reputação e boa fama, isto é, a consideração que merecemos, graças ao património moral que, com esforço próprio, fomos construindo, impondo-se à consideração dos outros. Tanto no caso da honra em sentido subjectivo, como objectivo, a lei não protege, de uma banda, os sentimentos exagerados de amor próprio e da outra, o exclusivo valor que a opinião pública consagra a uma determinada pessoa e que pode não corresponder à sua real valia. Como, por outro lado, tutela a honra mesmo em relação a pessoas que não têm capacidade para sentir a ofensa ou das pessoas que não têm sentido de auto-estima e, em sentido inverso, de pessoas que não gozam dos favores da admiração pública. Assim, NELSON HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro 1956, Vol. 6.º, 3ª edição, p. 36 e segs., BELEZA DOS SANTOS, ob. cit., p. 152 e segs.; ALBERTO BORCIANI, As Ofensas À Honra, Coimbra, Arménio Amado Editor, 1950, p. 13 e segs., VINCENZO MANZINI, Trattato di Dirito Penale, Turim, 4ª edição, T. 8º, p. 475 e segs.

Numa concepção simultaneamente mais moderna e mais elaborada, não devem prevalecer neste domínio concepções puramente fácticas da honra (sejam elas subjectivas ou objectivas), mas uma concepção predominantemente normativa, temperada por uma concepção fáctica, em que se atenda ao valor da personalidade moral radicado na dignidade inerente a toda a pessoa humana, mas também à reputação de que goza determinada pessoa (Cf. FARIA E COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, p. 602 e segs.)».

Também no acórdão deste Supremo Tribunal de 09-04-2015 (Proc. n.º 5/13.1TRGMR.S1 – 5.ª Secção), citando AUGUSTO SILVA DIAS, sublinha o bem jurídico que se visa proteger – o bem jurídico honra, traduzido numa pretensão de respeito por parte dos outros, que decorre da dignidade humana, bem que apresenta um lado individual (o bom nome) e um lado social (a reputação ou consideração) fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa dos outros. Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma pretensão a não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade.

Verifica-se a lesão da honra e consideração quando alguém imputa a outrem um facto, ou formula um juízo de valor que é objectivamente adequado a diminuir, depreciar ou desacreditar socialmente a vítima.


No que respeita ao elemento objectivo do crime de difamação, à sua ilicitude material, a difamação consiste, pois, na imputação feita, não directamente ao visado e na presença deste, mas levada a terceiros e na sua ausência, de facto ou juízo que encerre em si uma reprovação ético-social, sendo ofensivos da honra e consideração do visado. Como salienta JOSÉ DE FARIA COSTA, «o ponto nevrálgico da difamação [centra-se] (…) na imputação a outrem de factos ou juízos desonrosos efectuada, não perante o próprio, mas dirigida, veiculada através de terceiros»[6].

No entanto, como já afirmava BELEZA DOS SANTOS:

«Nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível (...). Não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o queixoso entenda que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais.

Neste juízo individual ou do público, acerca do que pode ser considerado ofensivo da honra e da consideração é comum a todos os meios e países a exigência do respeito de um mínimo de dignidade e de bom nome. Para além deste mínimo, porém, existe certa variedade de concepções, da qual resulta que palavras ou actos considerados ofensivos da honra, decoro ou bom nome em certo país em certo ambiente e em certo momento, não são assim avaliados em lugares e condições diferentes. O que pode ser uma ofensa ilícita em certo lugar, meio, época ou para certas pessoas, pode não o ser em outro lugar ou tempo»[7].

As afirmações de factos devem ser adequadas para desconsiderar o visado ou para o rebaixar perante os outros. A afirmação há-de ter um conteúdo desonroso e na sua apreciação, referem M. MIGUEZ GARCIA e J. M. CASTELA RIO, «deverá o intérprete atender às circunstâncias acompanhantes e ao conteúdo global do sentido objectivo da afirmação, as concepções de vida do círculo dos intervenientes, as relações de tempo e lugar bem como a linguagem normalmente usada e, de um modo geral, o circunstancialismo social». A declaração, frisam estes autores, «deve ser compreendida na sua integralidade, os termos empregados pelo autor não podem ser simplesmente isolados do todo[8].

Também RENATO LOPES MILITÃO sublinha que «[a]s mais das vezes, afirma-se que a tipicidade da formulação de juízos valorativos desonrosos para os visados está fortemente dependente do lugar, do modo, do meio, da pessoa que pratica o acto ou daquela a quem é dirigido, do grau de educação e instrução, dos hábitos de linguagem, do relacionamento antecedente entre as pessoas, da disposição, das finalidades prosseguidas, enfim do contexto em que ocorre a prática dos factos” (acórdão do Tribunal da relação de Coimbra, de 28-10-2008 – proc. n.º 1376/06.1TACVL.C1), fazendo notar, entretanto, que «a chamada adequação social do facto não só constitui uma “causa de justificação da tipicidade” (…) do crime de difamação, como deve ser particularmente aprofundada neste domínio»[9].

No mesmo sentido, o entendimento de JOSÉ DE FARIA COSTA segundo o qual, o carácter ofensivo de certas palavras tem de ser visto num «contexto situacional» e se o significante das palavras permanece intocado, o seu significado varia consoante os contextos. Segundo este autor, «o cerne da determinação dos elementos objectivos se tem sempre de fazer pelo recurso a um horizonte de contextualização» (destacado no original)[10]

Como justamente se considera na declaração de voto firmada pelo Conselheiro Santos Cabral no acórdão deste Supremo Tribunal de 26-01-2011 (Proc. n.º 417/09.5YRPTR.S2 – 3.ª Secção), entre os elementos objectivos do tipo a que alude o artigo 180.º do Código Penal, avulta a distinção entre facto e consideração, exigindo um horizonte de contextualização para que se afirme a sua integração, tendo, porém, tal contextualização de ser sempre efectivada em função da sua relevância interpretativa do concreto acto que corporiza o acto ilícito de difamação.


O elemento subjectivo do crime de difamação traduz-se na vontade livre de praticar o acto com a consciência de que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias, ou pelo menos são aptas a causar aquela ofensa, e que tal acto é proibido por lei.

O crime é doloso, sendo pacífico na doutrina e na jurisprudência que o «animus difamandi» não integra o tipo subjectivo do crime de difamação, «sendo suficiente para a sua realização - observa AUGUSTO SILVA DIAS – que o autor saiba que está a atribuir um facto (ou a formular um juízo de valor) cujo significado, ofensivo do bom nome ou consideração alheia ele conhece, e o queira fazer (-). E isto em qual das modalidades previstas no art. 14.º do CP»[11]. Ou seja, relativamente ao conteúdo desonroso da afirmação de um facto ou da formulação de um juízo de valor, é exigido, pelo menos, o dolo eventual.

Neste sentido se pronuncia também a decisão recorrida quando sublinha que «sendo a difamação um crime necessariamente doloso, basta o dolo genérico (em qualquer das três modalidades legalmente previstas: directo, necessário ou eventual) (-), ou seja, é necessário, mas suficiente, que o agente tenha consciência da idoneidade ofensiva das suas palavras, gestos, sinais, etc. e, mesmo assim, queira levar a cabo a sua actuação, ou, pelo menos, que admita como possível que essa mesma conduta ofenda a honra e reputação do visado e, não obstante, não se abstenha de agir, conformando-se com essa eventualidade», citando, em nota, o acórdão n.º 113/97 do Tribunal Constitucional onde se concluiu que não ofende normas ou princípios constitucionais a punição criminal da imputação a outrem de factos ou a formulação de juízos ofensivos da sua honra e consideração quando o agente actue com dolo eventual.

 

3. Indícios suficientes

3.1. Posto isto, há que apurar se existem indícios suficientes da prática pela arguida dos crimes de difamação agravada que lhe foram imputados.

Como ponto prévio, há que expressar a nossa inteira concordância quanto às considerações tecidas no despacho recorrido relativamente à densificação do conceito de «indícios suficientes», aí constando, a tal propósito, o seguinte:

«Tal como acontece com o encerramento do inquérito [[12]], normalmente, a questão central do despacho que encerra a fase de instrução é a de saber se foram recolhidos indícios suficientes (pressuposto fundamental, quer da dedução de acusação, quer da prolação de despacho de pronúncia, pois, de contrário, terá de ser arquivado o inquérito e proferido despacho de não pronúncia) da existência de crime e, na afirmativa, quem foi o seu agente e se este é punível.

Saber quando é que os indícios são suficientes para imputar a alguém a prática de um crime é questão que tem dividido a doutrina e a jurisprudência e por isso justifica-se que nos detenhamos um pouco sobre este ponto.

    O n.º 2 do art.º 283.º do Cód. Proc. Penal (aplicável à decisão instrutória por força do disposto no art.º 308.º, n.º 2) diz-nos quando devem considerar-se suficientes os indícios recolhidos: têm essa virtualidade sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.

Ao Ministério Público e ao juiz de instrução exige-se, então, que formule um prognóstico, uma previsão sobre o que acontecerá em julgamento.

Mas a definição legal da suficiência de indícios não nos elucida sobre o significado da expressão “possibilidade razoável” de condenação e é neste ponto que divergem aqueles que têm estudado [[13]] o tema e também a jurisprudência.

Uma primeira posição (minoritária e que podemos considerar já ultrapassada) defende que a suficiência de indícios basta-se com a mera possibilidade de futura condenação em julgamento [[14]].

Uma posição intermédia (denominada teoria da probabilidade dominante, que, reconhecidamente, é a que tem apoio na letra da lei) considera que para acusar ou pronunciar alguém é necessário que, num juízo de prognose, se conclua que é mais provável a sua futura condenação do que a sua absolvição.

Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STJ de 08.10.2008 (Cons. Soreto de Barros), acessível em www.dgsi.pt, em que se afirma que «possibilidade razoável» é a que se baseia num juízo de probabilidade, “uma probabilidade mais positiva do que negativa, de que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha”.

Por último, a posição que recolhe os favores da maioria da doutrina advoga ser necessário que dos indícios resulte uma forte ou séria possibilidade de condenação em julgamento.

Fala-se, a este propósito, em “possibilidade particularmente qualificada” ou de “probabilidade elevada” de condenação [[15]].

Importa, no entanto, realçar que autores há que não autonomizam esta posição da anterior e tanto falam em “alta probabilidade” como em “probabilidade mais forte” de futura condenação do que de absolvição do acusado.  

Assim acontece com o Professor Figueiredo Dias (“Direito Processual Penal”, I, 1984, 133) que se pronuncia nos seguintes termos: “os indícios só serão suficientes e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando seja mais provável do que a absolvição”.

Assim também o acórdão do STJ de 16.06.2005 (Cons. Pereira Madeira), disponível em www.dgsi.pt, onde pode ler-se que “aquela «possibilidade razoável» de condenação é uma possibilidade mais razoável, mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é (mais) provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido ou os indícios são os suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição”.

O Professor Castanheira Neves (“Sumários de Processo Criminal”, lições policopiadas, 1968, 38-39) vai, ainda, mais longe, defendendo que “na suficiência de indícios está contida a mesma exigência de “verdade” requerida pelo julgamento final” ou “um tão alto grau de probabilidade que faça desaparecer a dúvida (ou logre impor uma convicção)” [[16]]».


3.2. Vejamos, pois, se se encontra suficientemente indiciada a prática dos crimes de difamação atribuídos à arguida.

Como bem se assinala na decisão recorrida, a factualidade com eventual relevância criminal é a que decorre do conteúdo de despachos proferidos pela Senhora Juíza, aqui arguida, no Processo Comum n.º 453/03.5 JACBR, podendo dizer-se que, no essencial, os factos objectivos descritos na acusação estão ancorados em prova documental (os documentos apresentados pela arguida, alguns já incorporados nos autos na fase de inquérito) e sobre eles não existe controvérsia.

A questão – afirma-se na decisão recorrida –, está em saber se, por um lado, esses factos (e eventualmente os juízos de valor que deles decorram) têm idoneidade ofensiva, é dizer, se são adequados a atingir a honra e consideração de que é credor o queixoso, e, por outro, a serem factos e/ou juízos desonrosos, a arguida quis praticá-los ou emiti-los tendo clara consciência dessa capacidade ofensiva, ou, pelo menos, admitindo como possível que iria rebaixar e denegrir o queixoso, conformou-se com essa eventualidade».

Tais factos são aqueles que se encontram que se encontram condensados nos despachos proferidos pela arguida em 16 de Setembro de 2015 (facto indiciário n.º 34) e em 19 de Setembro subsequente (facto indiciário n.º 44).


No primeiro despacho, a arguida, que se encontrava a presidir à audiência de julgamento no Processo Comum n.º 453/03.5 JACBR, ao ditar e fazer constar em acta o que consta do facto n.º 34, terá, segundo a acusação, omitido «deliberada e conscientemente (…) as razões, ou melhor, uma das razões da não comparência do Sr. Juiz, Dr. BB, no dia 16.09.2015, nas instalações onde decorria a audiência de julgamento do processo comum n.º 453/03.5JACBR: o cumprimento do determinado no despacho do Ex.mo Sr. Vice-Presidente do CSM de 20/07/2015», referenciado nos n.ºs 21 e 22 dos factos indiciários.

Nos termos deste despacho, no que releva para o caso, dispôs-se que:

Até indicação em contrário – que tendencialmente será dada quando a Ex.ma Sra. Juíza … CC concluir a audiência de discussão e julgamento do processo n.º 2909/10.4 TBVCD da 2.ª Secção Cível da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca … – a audiência de julgamento do processo comum colectivo n.º 453/03.5 JACBR deve continuar a decorrer ao ritmo de três sessões diárias por semana.

Tais sessões [,,,] devem decorrer às 2.ªs, 3.ªs e 5.ªs feiras, ficando as 4.ªs e 6.ªs feiras reservadas para que a Ex.ma Sra. Juíza … CC realize as sessões da audiência de discussão e julgamento do processo n.º 2909/10.4 TBVCD da … Secção Cível da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca …, com o objectivo de a concluir no mais curto espaço de tempo possível.

O Ex.mo Sr. Juiz … BB continue a presidir, um dia por semana, pelo menos, as audiências de julgamento dos processos que lhe couberem por via das regras de distribuição, sendo esse dia um daqueles em que não há sessão da audiência de julgamento do processo comum colectivo n.º 453/03.5 JACBR.

Tempos antes, por despacho de 27-04-2015, a arguida procedeu ao agendamento das datas para realização de sessões da audiência de julgamento do mencionado processo. Tais datas constam indicadas no n.º 4 dos factos indiciados, delas constando o dia 16 de Setembro.

Nas sessões realizadas nos dias 15 e 16 de Junho de 2015, a Sra Juiz Presidente, a arguida, proferiu despacho, consignando que, até final de Julho, não se realizariam sessões de julgamento pelas razões aí expressas (factos 8 e 11).

No decurso da sessão da audiência do processo n.º 453/03.5 JACBR realizada no dia 6 de Julho de 2015, foi sugerido pela Dra. AA, ora arguida, a todos os sujeitos e intervenientes processuais “o reagendamento das datas (das sessões) da audiência julgamento para o mês de Outubro, nomeadamente dar sem efeito o dia 7 de Outubro, que é uma quarta-feira, bem como as seguintes quintas-feiras: 1, 15, 22 e 29. Tal alteração prende-se com a necessidade de concentração da audiência de discussão e julgamento nestes dias com a conciliação de agendas com os demais adjuntos que fazem parte deste Tribunal Colectivo e ainda com o facto de haverem muitos advogados que fazem as suas deslocações de …, concentrando preferencialmente as sessões de audiência (…) às segundas, terças e quartas-feiras em detrimento de quintas e sextas-feiras para que possam organizar melhor o seu serviço.” (facto 13)

Não tendo havido qualquer oposição a essa sugestão, a Sra. Juiz AA proferiu despacho do seguinte teor:

“Para o mês de Outubro, o Tribunal passa a reagendar para continuação das audiências de discussão e julgamento nos seguintes termos:

O dia 7, que é uma quarta-feira, fica sem efeito;

Ficam ainda sem efeito as seguintes quintas-feiras do mês de Outubro: 1, 15, 22 e 29, sendo que as testemunhas que estavam previstas para estes dias serão distribuídas pelos três dias dessa mesma semana” (facto 14).

Na sessão da audiência do processo comum n.º 453/03.5 JACBR realizada em 14 de Julho de 2015, a Sra. Juiz Presidente proferiu despacho do seguinte teor (reproduzido na parte que para aqui interessa):

“Sendo que se encontra concluída a inquirição de todas as testemunhas para hoje convocadas, interrompo a presente audiência e para a sua continuação designo o próximo dia 16 de Setembro de 2015, às 9,15 horas, tal como anteriormente agendado.

(...)

Este despacho mereceu a prévia concordância de todos os sujeitos processuais. Oportunamente nos pronunciaremos sobre os restantes meses, atendendo a que está dependente da organização do serviço que a senhora Juíza …, Dra. CC tem já designado” (facto 18).

De acordo com o que se considera indiciado nos n.ºs 26 e 27:

A arguida interpretou o despacho referido nos n.ºs 21 e 22 como sendo a reafirmação do despacho de 09.06.2015 e que ele não se sobrepunha ou, de alguma forma, invalidava o acordado entre os membros do Colectivo quanto ao agendamento das sessões da audiência de Setembro e Outubro de 2015.

O mesmo entendimento tinha o Sr. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca …, segundo o qual “(…) se porventura tivesse havido um acordo entre os juízes do colectivo, no sentido de agendar determinadas datas para as diversas sessões da audiência, esse acordo poder-se-ia manter não obstante a deliberação do CSM, se não houvesse audiências designadas para essas datas”.

A decisão recorrida entende que pode «considerar-se fortemente indiciado que a arguida agiu deliberada e conscientemente ao omitir, no despacho reproduzido no n.º 34, que o queixoso, Dr. BB, invocou, também, o acatamento do despacho do Ex.mo Sr. Vice-presidente do CSM de 20/07/2015 como motivo da sua ausência nas instalações, em …, onde decorria a audiência do processo comum n.º 453/03.5 JACBR no dia (16.09.2015) em que estava agendada uma sessão dessa audiência de julgamento.

Também não há margem para grandes dúvidas de que a Senhora Magistrada arguida quis fazer passar para os sujeitos e participantes processuais a ideia de que era o Senhor Magistrado queixoso o único responsável pela não realização da sessão da audiência agendada para aquele dia e assim fazer recair sobre ele o odioso de os terem feito deslocar-se, em vão, àquelas instalações».

Como justificação, refere-se que «quase todos os factos têm suporte probatório indiciário em documentos e, da factualidade relevante, verdadeiramente controvertidos eram, apenas, os factos de natureza subjectiva, sobretudo os relativos ao dolo (eventual) que, segundo a acusação, terá presidido a toda a actuação da senhora magistrada arguida e o descrito sob os n.os 31 e 35 supra, ou seja, se foi deliberada e conscientemente que esta omitiu as razões, ou melhor, uma das razões da não comparência do Sr. Juiz, Dr. BB, no dia 16.09.2015, nas instalações onde decorria a audiência de julgamento do processo comum n.º 453/03.5 JACBR: o cumprimento do determinado no despacho do Ex.mo Sr. Vice-presidente do CSM de 20/07/2015.

As versões da arguida e do queixoso são, completamente, díspares entre si: aquela afirma (quer no RAI, quer no interrogatório judicial realizado nesta fase do processo) que o Dr. BB se limitou a informá-la que, naquele dia (16.09.2015), estava impedido na realização de audiências que tinha agendadas para essa data em processos de que era titular, ao passo que o queixoso refere (quer na queixa apresentada, quer depois quando foi ouvido no decurso do inquérito) que a Dra. AA, não só sabia que ele tinha essas diligências marcadas, mas também ficou a saber, porque lhe transmitiu, que considerava que aquele despacho do Ex.mo Sr. Vice-presidente do CSM se sobrepunha ao acordo a que os membros do Colectivo haviam chegado de agendar uma sessão da audiência de julgamento do processo comum n.º 453/03.5 JACBR para o dia 16.09.2015.

Não se vislumbra qualquer motivo atendível para o Dr. BB não ter revelado (ou não ter querido revelar) à sua colega (todas) as razões da sua não comparência.

Em todo o caso, para esclarecimento desse ponto, afigura-se-nos decisivo o depoimento da Dra. CC, a qual reafirmou o que já havia dito quando foi ouvida na fase de inquérito: que o Dr. BB, realmente, disse-lhe que a razão da sua não comparência no dia 16.09.2015 era a decisão do CSM, que, do seu ponto de vista, a todos vinculava e se sobrepunha a qualquer acordo de agendamento anterior.

Ora, não é crível que a Dra. CC não tivesse transmitido à Dra. AA o teor da conversação que, naquela ocasião, manteve com o Dr. BB e daí a nossa convicção de que a arguida sabia das razões que levaram o senhor juiz queixoso a não comparecer em … para a sessão da audiência que estava agendada para o dia 16.09.2015».


Não obstante, considera-se na decisão recorrida não se poder concluir que a arguida tivesse querido ofender o bom nome do magistrado queixoso e causar dano ao seu prestígio profissional, dando dele uma imagem negativa ou que tenha representado essa possibilidade, conformando-se com tal resultado.

Para tanto, convocam-se pertinentes contributos teóricos sobre a caracterização da prova indirecta, referindo-se, em conclusão, que:

«A arguida afirma que longe das suas cogitações estava qualquer propósito difamatório e, apenas, pretendia, naquele momento e com aquele despacho, evitar que novas faltas viessem a ocorrer e só manteve a sessão da audiência do dia 16.09.2015 porque assim tinha sido acordado entre todos e nada, nem mesmo o despacho do CSM, poderia sobrepor-se a essa decisão consensual.

Há que reconhecer que foi o despacho do Ex.mo Sr. Vice-presidente do CSM de 20/07/2015 que esteve na origem deste qui pro quo que degenerou em litígio criminal e qualquer das interpretações que dele foram feitas sobre o seu carácter vinculativo, ou não, no sentido de impor, ou não, ao tribunal colectivo um determinado agendamento das sessões da audiência de julgamento do processo comum n.º 453/03.5 JACBR era defensável. Tanto assim que o Sr. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca … e a Sra. Juiz Coordenadora das secções do Tribunal Judicial da Comarca … sediadas no município de …, tiveram, sobre esse ponto, entendimentos diametralmente opostos.

Por isso, era perfeitamente legítima a expectativa da Sra. Juiz …, Dra. AA, de que o Dr. BB iria cumprir o acordado no dia 14.07.2015 e que compareceria no dia 16.09.2015 para se realizar a sessão da audiência agendada.

Aliás, são fundadas e legítimas as dúvidas suscitadas pela arguida de que tenha sido aquele despacho do CSM de 20.07.2015 a determinar a decisão do Dr. BB de não comparecer, pois que, já em 01.07.2015, este havia agendado o dia 16.09.2015 para a realização de audiência de julgamento no processo comum n.º 2186/11.0 JAPRT.

Em todo o caso, a senhora magistrada arguida não devia ter omitido no despacho de adiamento da sessão da audiência agendada para o dia 16.09.2015 a razão (ou uma das razões) da não comparência do senhor magistrado queixoso, pois não ignorava o teor, quer do despacho do Ex.mo Sr. Vice-presidente do CSM de 20/07/2015, quer do despacho de 01.09.2015 da Sra. Juiz Coordenadora das secções do Tribunal Judicial da Comarca … sediadas no município de … e que podia ser outro, que não o seu, o entendimento que o Dr. BB tinha do carácter vinculativo, ou não, dessas decisões. Além de que não podia ignorar que esses despachos visavam a organização do serviço das Secções Criminais que, naturalmente, estava dependente da circunstância de o Dr. BB estar, ou não, impedido, na audiência do processo comum n.º 453/03.5 JACBR.

Isto para concluir que a senhora magistrada arguida disse, apenas, “meia verdade”, omitindo parte da realidade que mostrava a sua quota-parte de responsabilidade na situação criada, que obrigou ao adiamento da referida sessão da audiência, mas fez recair sobre o senhor magistrado queixoso toda a responsabilidade.

Cada um destes senhores magistrados quis marcar a sua posição e fazer valer o seu ponto de vista, ignorando-se um ao outro, e não cuidaram de preservar o essencial: a imagem dos tribunais e dos juízes seus titulares, cuja actuação deve pautar-se pelo rigor, pela discrição, pelo espírito de cooperação e pelo estrito cumprimento da lei.

Se esse comportamento merece censura disciplinar, é questão que não nos cabe apreciar e decidir.

O que importa pôr em relevo é que, como procurámos evidenciar, os elementos indiciários sobre o propósito da arguida ao proferir os despachos de 16.09.2015 e de 19.09.2015 são de sinal contrário: se há factos que apontam no sentido de que se pretendeu depreciar ou desacreditar profissionalmente o queixoso (fazendo-se passar a ideia de que este faltou ao cumprimento dos seus deveres funcionais, causando transtorno a dezenas de pessoas e dificultando a continuidade da audiência), eles não têm, contudo, a consistência e a força persuasiva necessária para servir de base indiciária em que repousa o juízo de inferência que há-de permitir (ou não) chegar ao factum probandum, pois outros há que indicam o caminho inverso, que afastam do horizonte da arguida a intenção de ofender o bom nome e o prestígio profissional do magistrado queixoso, ou sequer de ter representado essa possibilidade.

Por isso é séria e fundada a dúvida sobre a verificação de dolo (em qualquer das suas modalidades) na sua actuação.

Dúvida que, certamente, persistiria em julgamento se o processo prosseguisse para essa fase».

Concorda-se inteiramente com a decisão de não indiciação do elemento subjectivo do crime de difamação.

Efectivamente, da matéria de facto apurada não decorre, perante o concreto contexto em que ela teve lugar, que a arguida quisesse agir com propósito de rebaixamento do Senhor Juiz BB, ou com o intuito de lesar a sua dignidade pessoal e consideração social.


Aliás, temos para nós que nem sequer se mostram indiciados os elementos objectivos do crime em causa, parte em que divergimos da decisão recorrida.

Como se decidiu no citado acórdão da Secção do Contencioso deste Supremo Tribunal, de 4 de Maio de 2017, proferido no recurso interposto pela arguida da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura que lhe aplicou a pena de advertência registada pela prática de uma infracção disciplinar consubstanciada na violação do dever de correcção, integrada pelos mesmos factos aqui presentes:

«Confrontando o teor do despacho exarado na acta da audiência de julgamento do dia 16 de Setembro de 2015 (…) facilmente se constata que, ali, não se teceu qualquer consideração desprimorosa ou desrespeitosa para com a pessoa do Ex.mo Sr Juiz BB.

Na verdade, interpretando a fundamentação e o dispositivo desse despacho à luz do preceituado nos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, dali apenas se extrai que a falta de comparência desse Ex.mo Sr Juiz se acha em contradição com a concordância antes manifestada ao agendamento de uma sessão para aquela data e que essa falta constitui a única causa de adiamento da sessão da audiência de julgamento que então se deveria realizar.

E, ao invés do que se proclama na deliberação recorrida, o despacho em causa não enuncia, expressa ou implicitamente, qualquer juízo censório sobre a ausência do Ex.mo Sr Juiz BB ou sobre as razões por ele invocadas, narrando-se apenas e num tom anódino o objectivado, os factos que, cronologicamente, a antecederam. Anote-se ainda que essa narração é feita para fundamentar a decisão de adiar a sessão agendada para esse dia.

As razões aduzidas naquele despacho revelam-se plenamente pertinentes para fundamentar a decisão de adiamento, não se vislumbrando, de igual modo, que tenham sido usadas “expressões e referências que nada têm a ver com a finalidade visada nos despachos, nem com a respectiva fundamentação” e que se “limitam a atingir a dignidade e prestígio profissional de outro interveniente no processo” [cita-se o (…) acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2007].

A interpretação do mencionado despacho nos seus exactos termos permite, pois, considerar que, por seu intermédio, não se revelaram quaisquer divergências quanto ao agendamento (…) nem se atirou “publicamente a responsabilidade pelo adiamento da sessão de julgamento para cima do colega”.

(…)

Por outro lado ainda e atentando na factualidade concitada, parece ser evidente que a impossibilidade de constituição do tribunal colectivo (e o inerente desaproveitamento da logística montada para acolher os intervenientes naquele julgamento) se deve, única e exclusivamente, àquela ausência e não a quaisquer outros factos ou vicissitudes, nomeadamente a qualquer equívoco ou deficiência de entendimento.

Ora, se assim sucedeu, não se enxergam quaisquer razões pelas quais, ao arrepio do dever de boa-fé […] que deve nortear as relações intraprocessuais, caberia à recorrente [arguida] cumprir a exigência de fundamentação do adiamento da sessão de audiência de julgamento (artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa e n.º 5 do artigo 328.º do Código de processo Penal) socorrendo-se de argumentação inverídica ou vazia de conteúdo (como seja, vg. a vaga invocação de impedimento daqueloutro Mmo Juiz).

É que, como se sabe, “a fundamentação das decisões deve apresentar uma densidade suficiente para que se possam dar por satisfeitos os objectivos constitucionais (…) e legais (…), permitindo aos destinatários exercitar com eficácia os meios legais de reacção ao seu dispor e assegurara transparência e a reflexão decisória, convencendo, e não apenas impondo as decisões “ (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2008, proferido no processo n.º 4296/07).

Aliás, observa-se que a obrigação de justificar inviamente a decisão de adiamento não encontra arrimo no dever de correcção (ou, sequer, em qualquer normativo ou princípio que deva ser cumprido). (…)

Deve-se também notar que, num “mega-processo” (como indubitavelmente é o caso do processo n.º 453/03.5JACBR), a actividade jurisdicional é, como nos revela o senso e conhecimento comuns, milimetricamente escrutinada pelos advogados dos sujeitos processuais, pelo que se requer que as decisões tomadas pelo tribunal colectivo sejam sempre consistente e clarividentemente fundadas».

Concluiu-se aí ser ostensivo que, na fundamentação e no segmento decisório do despacho proferido no dia 16 de Setembro de 2015, não se descortina qualquer infracção ao dever de correcção.

As razões aduzidas valem com igual premência, afirma-se no mesmo acórdão, para o despacho proferido pela arguida em 17 de Setembro de 2015 (facto n.º 36).


Ora, se se considerou não se verificar qualquer violação do dever de correcção com a prolação dos despachos referidos, por maioria de razão se considera não indiciada a prática do crime de difamação.

Perante o contexto situacional em que ocorreu a sua prolação, não vislumbramos idoneidade bastante dos despachos de 16 e 17 de Setembro de 2015 para desacreditar, desprestigiar, diminuir, enfim, ofender a honra e consideração do Senhor Juiz queixoso, justificando-se, também por esta via, a não pronúncia da arguida pelo crime de difamação.


Relativamente ao despacho proferido pela arguida no dia 19 de Setembro de 2015:

Trata-se do facto registado sob o n.º 44, onde se revela a aplicação ao Senhor Juiz BB da pena disciplinar de suspensão de funções por trinta dias, sanção que, impedindo a sua integração, durante tal período, no Tribunal Colectivo constituído no processo n.º 453/03.JACBR, determinou que tivessem sido dadas sem efeito as datas designadas para a realização das sessões de audiência de discussão e julgamento

Na decisão recorrida considerou-se que não se mostra aqui preenchido o tipo objectivo do crime de difamação, aduzindo-se os seguintes fundamentos:

«Retomando a análise jurídico-penal do comportamento imputado à arguida, importa lembrar que o preenchimento do tipo objectivo do crime de difamação basta-se com a reprodução da imputação de facto ou de juízo desonrosos.

Segundo a acusação, seria esse o caso do despacho de 19.09.2015 (reproduzido no n.º 44 supra), no qual se verteu a informação de que ao Sr. Juiz de Direito havia sido aplicada, por deliberação do CSM de 15.09.2015, a sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções por trinta dias, de que este foi notificado no dia 17.09.2015 (iniciando-se imediatamente o seu cumprimento).

Com efeito, a senhora magistrada arguida não imputa ao senhor juiz queixoso, mesmo que sob a forma de suspeita, qualquer facto ou formula sobre ele qualquer juízo de valor desonrosos.

Simplesmente reproduz um facto: a aplicação ao senhor juiz queixoso, pelo órgão competente, da referida sanção disciplinar.

O facto reproduzido é verdadeiro, mas o tipo legal de difamação não exige que a afirmação seja falsa [[17]].

Fundamental mesmo é que as afirmações de factos sejam objectivamente ofensivas, sejam adequadas para desconsiderar ou desacreditar o visado ou para o rebaixar, enxovalhar, apoucar ou humilhar, seja perante a comunidade em geral, seja perante uma comunidade de âmbito restrito.

A arguida sustenta que, ao mencionar no despacho a que aludimos a sanção disciplinar aplicada ao senhor juiz queixoso, se limitou a exercer o dever de fundamentação da decisão de interromper a audiência, como exige a norma do n.º 5 do artigo 328.º do Código de Processo Penal.

A verdade é que, como refere o Ministério Público, para fundamentar a sua decisão, a senhora juiz arguida não tinha necessidade de dizer que o Dr. BB fora alvo de sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções, bastando-lhe referir que aquele magistrado estava, temporariamente, impedido de integrar o tribunal colectivo que procedia ao julgamento do processo comum n.º 453/03.5 JACBR.

Ao fazer essa referência, deu a conhecer, desnecessariamente, a punição sofrida por um dos membros do tribunal, assim o fragilizando perante os sujeitos processuais, sobretudo perante os arguidos, e os operadores judiciários (especialmente os advogados).

Mas se essa conduta pode, porventura, relevar no âmbito disciplinar, afigura-se-nos que não é suficiente para a considerar criminalmente típica.

É óbvio que sofrer uma punição disciplinar não é um facto abonatório para um magistrado, constitui uma mancha no seu curriculum e pode afectar negativamente o seu prestígio profissional.

No entanto, dar a conhecer esse facto não pode considerar-se um facto desonroso e, por conseguinte, a sua reprodução não tem idoneidade ofensiva, objectivamente não é adequado a denegrir, a degradar, a vexar quem foi sancionado [[18]].

Por isso, salvo o devido respeito pelo entendimento contrário manifestado pelo Ex.mo PGA na acusação que deduziu, entendemos que não se mostra preenchido o tipo objectivo do crime de difamação».

Estas considerações não podem deixar de merecer igualmente a nossa concordância.

Convocando, de novo, o acórdão da Secção do Contencioso de 4 de Maio de 2017, se é certo que a arguida no questionado despacho comunicou aos sujeitos processuais a sanção disciplinar imposta ao Senhor Juiz BB, impunha-se à mesma «a exigência de fundamentar, com argumentos transparentes, fortes e indiscutíveis, as razões pelas quais não se realizariam sessões da audiência de julgamento durante cerca de 30 dias».

Tal exigência, lê-se no mesmo acórdão, «encontrava sustento bastante no disposto no n.º 5 do artigo 328.º do Código de Processo Penal, não tendo aqui cabimento discutir se seria aplicável no caso o disposto na segunda parte do n.º 6 do mesmo preceito».

Essa exigência de fundamentação decorria do próprio contexto em que os factos se produziram, de que se destacam o elevadíssimo número de advogados intervenientes na audiência e o acordo obtido quanto ao agendamento das sessões e, afirma-se no mesmo acórdão, «em última análise, a própria salvaguarda da lisura profissional da conduta da recorrente [arguida] impunham-lhe, também, que respaldasse a decisão que tomou em motivos claros, firmes e impassíveis de contestação».

Concluiu-se, pois, no acórdão que se vem acompanhando, pela pertinência da divulgação da situação disciplinar do Senhor Juiz queixoso, «não se vislumbrando, concomitantemente, em que medida se pode ter como desnecessária ou transgressora de quaisquer limites (mormente, o prestígio profissional daquele) a referência a esse facto na fundamentação do mencionado despacho», acrescentando-se aí que, «perscrutando o referido despacho, evidencia-se que nele não se contém qualquer referência descortês ou indelicada ao Ex.mo Sr Juiz Dr BB. A divulgação dos factos atinentes à situação disciplinar daquele Ex.mo Sr Juiz é feita num tom absolutamente neutro e desprovido de qualquer juízo».


Perante o circunstancialismo do caso concreto, entendeu-se «claramente errónea a conclusão de que a conduta protagonizada pela recorrente [aqui arguida] corresponde à violação do dever funcional de correcção», entendimento que, por maioria de razão, é válido para se concluir pela não verificação dos elementos objectivos do crime de difamação.

Improcede, pois, o recurso interposto, sendo de manter a decisão de não pronúncia da arguida.


III – DECISÃO


Perante o exposto, acordam os Juízes da 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão instrutória de não pronúncia da arguida AA.

Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público (artigo 522.º do CPP).


Supremo Tribunal de Justiça, 8 de Novembro de 2017

(Texto processado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)


Manuel Augusto Matos (Relator)

Lopes da Mota

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[1]       Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, p. 466.
[2]    Alguns aspectos do regime jurídico dos crimes de difamação e injúria, AAFDL 1989, pp. 17-18.
[3]       Idem, ibidem.
[4]  “Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúria”, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 92, n.º 3152, p. 167/168).
[5]   Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, dirigido por JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Tomo I, Coimbra Editora, p. 607.
[6]       Ob. cit., p. 608.
[7]       Ob. cit.
[8]    Código Penal – Parte geral e especial, 2015 – 2.ª edição, Almedina, p. 792.
[9]   “A formulação de juízos de valor desonrosos com suporte factual, perante a incriminação da difamação”, Revista da Ordem dos Advogados, vol. I/II, Jan. – Jun. 2015, p. 171.
[10]      Comentário…, cit., pp. 612.
[11]      Ob. cit., p. 36.
[12]   Nos termos do art.º 283.º do Cód. Proc. Penal, o Ministério Público deduz acusação quando tiverem sido recolhidos “indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente” e no art.º 308.º substituiu-se o termo “crime” por “pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança”, expressão que corresponde à definição de crime que, “para efeitos do disposto no presente Código”, se contém no artigo 1.º do Cód. Proc. Penal.
[13]    Cfr. Jorge Noronha e Silveira, “O conceito de indícios suficientes no Processo Penal Português”, in “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, organizadas pela FDL e pelo C.D. de Lisboa da Ordem dos Advogados, em 2004, págs. 155 e segs., estudo de que, neste ponto, vamos servir-nos.
[14]     Parece ser esta a posição de Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, 183) quando afirma: “para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois, a prova, no sentido da certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais da ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade de que foi cometido o crime pelo arguido”.
[15]  Assim, Jorge Gaspar (“Titularidade da Investigação Criminal e Posição Jurídica do Arguido”, Revista do Ministério Público, n.º 88, 101 e segs.), Carlos Adérito Teixeira (“Indícios Suficientes”: Parâmetros de racionalidade e “instância de legitimação”, Revista do CEJ, n.º 1, 160) e Paulo Dá Mesquita “(“Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária”, 2003, 90 e segs.).
[16]     Posição perfilhada por Jorge Noronha e Silveira, estudo citado, 171, pois considera que entre juízo de probabilidade (próprio da fase de instrução) e juízo de certeza (da fase de julgamento) não existe uma diferença essencial.
Na mesma linha, parece estar António Cluny que afirma: “A decisão de acusar deve basear-se já num juízo muito próximo do que preside à decisão do juiz: por um lado, porque ela se constitui como um pré-juízo fundado na mesma teleologia; por outro, porque a metodologia que preside à investigação incorpora valores e alguns métodos em tudo semelhantes aos usados pelo juiz com vista à decisão” (Pensar o Ministério Público Hoje, 1997, 49).
[17]    Como é bem sabido, a prova da exceptio veritatis nem sempre é admissível (não o é quanto a factos da esfera da intimidade da vida privada e familiar) e a ilicitude da imputação de facto desonroso só é excluída quando, além de verdadeira, a imputação prossegue interesses legítimos.
Quanto aos juízos de valor desonrosos, não é aplicável a causa de justificação especial contemplada no n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal, mas estão subordinados à causa de justificação do exercício de um direito (artigo 31.º, n.º 2, al. b), do mesmo compêndio normativo). Ponto é que o juízo de valor emitido tenha suficiente base factual e não consubstancie um ataque pessoal gratuito (assim, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 2.ª edição actualizada, p. 570). 
[18]    A doutrina e a jurisprudência têm salientado que a norma (do artigo 180.º do Código Penal) não tutela a susceptibilidade pessoal de quem quer que seja, mas tão só a dignidade individual do cidadão, sendo uma das suas características a da sua relatividade, o que é dizer que o carácter injurioso ou difamatório de determinada palavra ou de um acto é fortemente tributário de um conjunto de circunstâncias (de tempo, de lugar e de ambiente) em que ocorrem, das pessoas entre quem ocorrem e do modo como ocorrem (cfr., por todos, o acórdão desta Relação de 20.04.2005).
Também na interpretação dos juízos de valor desonrosos se tem de atender ao seu sentido objectivo (na perspectiva de um observador sensato) e ao correspondente contexto, sem levar em conta as intenções do agente ou o sentir do próprio ofendido (cfr. M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código Penal. Parte Geral e Especial, Almedina, 2.ª edição, p. 793).