Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ISABEL SÃO MARCOS | ||
| Descritores: | RELATÓRIO SOCIAL QUESTÃO NOVA CONFISSÃO VÍCIOS DO ARTº 410 CPP MEDIDA CONCRETA DA PENA | ||
| Data do Acordão: | 03/02/2017 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / REVISTA EXCEPCIONAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / AUDIÊNCIA / PRODUÇÃO DA PROVA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. | ||
| Doutrina: | -Manuel Simas Santos e Manuel Leal Henriques, Recursos Penais, 8.ª Edição, 2011, p. 17. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 672.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B); CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 4.º, 344.º, N.1, 399.º, 400.º, 410.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B), 2 E 3, 414.º, N.ºS 2 E 3, 432.º, N.º 1, ALÍNEA B) E 434.º. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 11-07-2013, PROCESSO N.º 631/06.5TAEPS.G1.S1; -DE 11-07-2013, PROCESSO N.º 1690/10.1JAPRT.L1.S1; -DE 02-12-2013, PROCESSO N.º 237/12.0GDSTB.E1.S1; -DE 14-05-2014, PROCESSO Nº 42/11.0JALRA.C1.S1; -DE 17-12-2014, PROCESSO Nº 937/12.4JAPRT.P1.S1; -DE 09-02-2017, PROCESSO N.º 21/14.6GBVCT.G1.S1. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: -DE 18-05-2016 | ||
| Sumário : | I - O arguido fundamenta o recurso que interpõe para o STJ na norma do art. 672.º, n.º 1, als. a) e b), do CPC, por aplicação do disposto no art. 4.º, do CPP. O que faz sem qualquer razão, uma vez que para efeitos de apurar da admissibilidade (ou não) em matéria penal de um determinado recurso, maxime para o STJ, há que atender ao que preceitua, não o CPC, mas o CPP, designadamente nos seus arts. 399.º, 400.º e 432.º. II - A alegação do recorrente de que, em sede de determinação da medida da pena não foi considerado pelo tribunal o relatório social relativo à sua pessoa, é questão nova, uma vez que não foi suscitada pelo recorrente aquando do recurso que interpôs para o tribunal da relação. De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 410.º do CPP, os recursos dirigidos a um tribunal superior, maxime ao STJ, não se destinando a apreciar questões novas, não visam resolver, em primeira linha, questões que não hajam sido suscitadas e apreciadas nas instâncias. Sob pena de violação dos princípios constitucionais relativos ao recurso, designadamente do princípio do duplo grau de jurisdição, não incumbe ao STJ, enquanto tribunal de revista, conhecer das questões que não tenham sido já apreciadas pelo tribunal de jurisdição inferior. III - O mesmo se diga quanto à alegada violação da norma do n.º 1 do art. 344.º do CPP, invocada pelo recorrente: trata-se, também, de questão nova, posto que o recorrente não a suscitou no recurso que, a seu tempo, interpôs para o tribunal da relação. Não sendo recorrível a decisão sob impugnação relativamente às arguidas nulidades, por alegada inconsideração do teor do relatório social e por invocada violação da norma do n.º 1 do art. 344.º do CPP do CPP, impõe-se rejeitar, nesta parte, o recurso (arts. 432.º, n.º 1, al. b), 410.º, n.º 1, als. a) e b), 414.º, n.ºs 2 e 3, todos do CPP). IV - Como de forma sistemática vem afirmando a jurisprudência do STJ, pese embora no art. 434.º, do CPP se faça menção ao disposto no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, certo é que o conhecimento dos referidos vícios acha-se subtraído à alegação do recorrente e, como tal, não pode constituir fundamento de recurso. O que não impede o STJ de pronunciar-se oficiosamente, o que vale dizer por sua iniciativa sobre os mencionados vícios, contanto que resultem do próprio texto da decisão recorrida e como forma de obstar a que seja compelido a aplicar o direito aos factos que, porventura, se revelem manifestamente insuficientes, fundados em errónea apreciação ou assentes em pressupostos contraditórios. Condicionalismo que, porém, no caso sub juditio entende-se não ocorrer já que, para aplicar o direito, este STJ dispõe da necessária base factual, que deverá ter-se como definitivamente assente. V - Não impugnando o recorrente a medida da pena única, e muito menos das referidas penas parcelares, não há aqui lugar à apreciação de tal problemática. É que, não tendo o recorrente obtido êxito quanto aqueloutras pretensões que, por si também formuladas, constituiriam o pressuposto e a condição do almejado merecimento da questão atinente à invocada desigualdade e desadequação das penas impostas ao seu co-arguido e à sua pessoa, comprometida fica a apreciação da mesma questão. | ||
| Decisão Texto Integral: |
*** I. Relatório 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra − Coimbra – Instância Central – Secção Criminal – J3, foi, entre outros, o arguido AA julgado e, a final, condenado, por acórdão de 06.11.2015, no que releva para o caso aqui em apreciação, pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, de: - Um crime de homicídio qualificado (na pessoa de BB), previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, números 1, e 2, alíneas g), h), e j), do Código Penal, na pena de 20 (vinte) anos de prisão; - Um crime de homicídio qualificado (na pessoa de CC), previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, números 1, e 2, alíneas g), h), e j), do Código Penal, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão; - Um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210.º, números 1, e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, número 2, alíneas a) e f), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; - Um crime de branqueamento de capitais, previsto e punido pelo artigo 368.º-A, números 1, e 2 do Código Penal, na pena de 3 (três anos) e 10 (dez) meses de prisão; - Um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, número 1, e 204.º, número 2, alínea e), do Código Penal, na pena 3 (três) anos de prisão; - Um crime de branqueamento de capitais, previsto e punido pelo artigo 368.º-A, números 1, e 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; - Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, número 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, 23 Fevereiro, na pena de 10 (dez) meses de prisão; - Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, número 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, 23 Fevereiro, na pena de 8 (oito) meses de prisão. Em cúmulo jurídico, foi o arguido AA condenado na pena conjunta de 25 (vinte e cinco) anos de prisão. Mais foi o arguido AA condenado, solidariamente com o arguido DD, a pagar: - Às demandantes EE e FF, a quantia de total de € 85.000 (oitenta e cinco mil euros), a título danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a decisão e até integral pagamento; - Ao demandante GG, a quantia de € 77.500 (setenta e sete mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a decisão e até integral pagamento; - Às demandantes EE e FF, a quantia de total de € 83.248,96 [oitenta e três mil, duzentos e quarenta e oito euros e noventa e seis cêntimos (€ 10.000 + € 248,96 + € 7.000 + € 62.000 + € 4.000)], a título danos patrimoniais, acrescida juros de mora à taxa legal, desde a notificação do pedido e até integral pagamento; - Ao demandante GG, a quantia de € 7.202,34 [sete mil, duzentos e dois euros, e trinta e quatro cêntimos (€ 102,34 + € 100 + € 7.000)], a título danos patrimoniais, acrescida juros de mora à taxa legal, desde a notificação do pedido e até integral pagamento. 2. Inconformado com esta decisão, o arguido AA interpôs recurso, de facto e de direito, para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 18.05.2016, decidiu, no que interessa para o caso em análise: A – “Alterar a qualificação jurídica dos dois crimes de homicídio qualificado, por cuja prática, foram, em co-autoria, condenados os arguidos DD e AA, que passou a ser feita, apenas, nos termos dos artigos 131.º e 132.º, números 1, e 2, alíneas g), e j) do Código Penal”; B - Modificar o ponto LXI dos factos provados, de sorte que passou a ter a seguinte redacção: “Em ... estes arguidos[1] deslocaram-se ao Estabelecimento comercial “...”, sito nas ..., em ..., onde venderam ao arguido HH cerca de 2,5 kg do ouro roubado (peças pequenas de diversas características e parte delas ainda com as etiquetas de origem), pelo preço de € 20,00 o grama, no total de cinquenta mil euros (€ 50.000,00), pago em notas do BCE; C – Negar, no mais, provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida”. “1. Ao abrigo do disposto no art.º 672.º nº 1 al a) e b) do CPC, ex vi art.º 4.º do CPP a questão com relevo jurídico e social, cuja apreciação se requer a este Venerando Tribunal Superior, para uma melhor aplicação do direito, prende-se com a imperiosa necessidade de não deixar fixar-se no ordenamento jurídico português, decisão judicial que colide com os unanimemente reconhecidos direitos de defesa e garantias dos arguidos. 2. Fixando-se o decidido no Acórdão recorrido ficará definitivamente abalada a justa aplicação do direito que tem de decorrer das decisões judiciais em ordem à reafirmação dos valores e direitos inerentes a um Estado democrático. 3. Aduziu-se no douto acórdão ora recorrido, a propósito das garantias de defesa do arguido, que as mesmas foram desvalorizadas, num critério injusto que não tem justificação. 4. Paradoxalmente, não foi considerado na medida da pena o relatório social relativo a este arguido. 5. Como uniformemente tem sido entendido neste Supremo Tribunal, a omissão de pronúncia verifica-se quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir. 7. O tribunal avançou para a determinação da medida da pena sem que sequer avaliar o relatório, sem justificar o motivo, pelo que o mesmo deve tal omissão constituir nulidade da decisão. Por outro lado, 8. O Tribunal a quo efectivamente fez uma errada apreciação das declarações dos arguidos DD e AA. 9. Como ficou claramente demonstrado em julgamento ambos os arguidos falaram sobre todos os factos, cada um na sua versão, ou seja, o arguido AA fez também uma confissão integral e sem reservas dos factos dos quais vinha acusado e não uma confissão parcial. 10. Decorre da conclusão anterior que deve ser modificada a decisão nesse sentido, bem como a decisão sobre o valor da confissão conferido pelo Tribunal, deverá ficar documentada em acta de audiência de julgamento, segundo as regras gerais (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/10/91, in Boletim do Ministério de Justiça, n.º 410, página 591). 11. Ambos os arguidos confessam os factos, dando a sua justificação para a ocorrência dos mesmos e o Meritíssimo Juiz. 12. Nessa medida violou o Tribunal “a quo” o art.º 344.º, n.º 1 do C.P.P., o que constitui uma nulidade, que se invoca, pois ao considerar que o arguido AA não produziu uma confissão integral de todos factos que integram a acusação, o tribunal violou o art.º 344.º do Código de Processo Penal. 13. Ponderando todos os parâmetros justifica-se uma intervenção correctiva deste Supremo Tribunal, já que as penas aplicadas são desiguais e por isso mesmo desadequadas, pois não afrontam os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da CRP –, nem as regras da experiência comum, antes são equilibradas e proporcionais à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassam a medida da culpa dos recorrentes. 14. Houve, por isso erro notório na apreciação da prova (art.º 410.º, n.º 2 – c) ), numa clara violação às leis da lógica, ou seja, a valoração da não confissão do arguido para fundamentar os factos provados. Violou ou mal interpretou o Tribunal “a quo” os artigos 344.º, 412.º - 3 e 4, 431.º, 399.º e 407.º - 3 do C.P.P. e 40.º, 70.º e 71.º do C.P, e art.º 18.º e 32.º da CRP tendo-se por igualmente violados os princípios da legalidade, igualdade de armas e do processo justo, da verdade material, do contraditório e da livre apreciação da prova. Termos que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, decretando-se as invocadas nulidades e determinando-se a reformulação da decisão em Crise, fazendo assim a acostumada Justiça” (sic). 4. Notificados do motivado e bem assim concluído pelo recorrente, responderam: 4.1 - O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora, que se pronunciou, em suma, no sentido de que o recurso deverá ser julgado improcedente; 4.2 - As Assistentes EE e FF, que concluíram nos seguintes termos: “1 - O presente recurso não merece provimento. 6 - A omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas, ou que o juiz oficiosamente deve apreciar. 7 - É inquestionável que na sua douta decisão o Venerando Tribunal da Relação se pronunciou pormenorizadamente acerca de todas as questões que lhe foram submetidas em sede de Recurso pelo recorrente. 8 - O recorrente não levou ao conhecimento daquele Tribunal as duas questões que ora suscita, pelo que não pode alegar a omissão de pronúncia acerca de matéria que não foi levada ao conhecimento do Tribunal da Relação. 10 - Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso apresentado”. 5. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral-Adjunto, na oportunidade conferida pelo número 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal, emitiu proficiente parecer, em que, em resumo: - Sustentou que “… o recurso será de rejeitar liminarmente desde logo por ser manifesta a sua improcedência, nos termos do n.º 1/a) do art.º 420.º do C.P.P. E é manifestamente improcedente porque, com o decidido no Acórdão do STJ de 01-03-2000, Processo n.º 12/2000, 3.ª, SASTJ n.º 39-54, através de uma avaliação sumária dos seus fundamentos, não pode deixar de concluir-se, sem margem para dúvidas, que está totalmente votado ao insucesso. Insucesso esse que deriva precisamente, por um lado da inverificação dos fundamentos normativos convocados pelo recorrente em abono da sua pretensão recursória (art.º 672.º do CPC), e por outro do facto de, no quadro do disposto nos artºs 399.º e 400.º do CPP, as questões colocadas pelo recorrente, para além de constituírem matéria nova, serodiamente invocada, extravasam, nesta sede, o âmbito dos efectivos poderes de cognição deste Supremo Tribunal, do mesmo passo que, em relação às matérias cabíveis nesses poderes, é total a ausência de motivação, o que também constitui motivo de rejeição (art. 420.º, n.º 1/b) e 414.º, n.º 2 do C.P.P) ”, e - Emitiu parecer no sentido da “rejeição liminar do recurso, isto quer por inadmissibilidade legal, nos termos dos artºs 432.º, n.º 1/b), 400.º, n.º 1/f) e 420.º, n.º 1/b), com referência ao art.º 414.º, n.ºs 2 e 3, todos do CPP; quer por manifesta improcedência e/ou falta de motivação [artºs 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º1, alíneas a) e b), do CPP]; ou de todo o modo, caso assim se não entenda, de o julgar improcedente”. 6.Tendo sido observado o disposto no artigo 417.º, número 2, do Código de Processo Penal, apenas o assistente GG retorquiu que aderia ao parecer do Ministério Público. 7. Não tendo sido requerida a realização de audiência (número 5 do artigo 411.º do Código de Processo Penal), e conquanto o recurso não resulte admissível, entendeu a relatora remeter para a conferência a apreciação do mesmo [artigo 419.º, número 3, alínea c), do Código de Processo Penal]. Colhidos os “vistos”, realizou-se, então, a conferência, de onde foi tirado o presente acórdão. *** II. Dos Fundamentos II.1 – De Facto A matéria de facto dada como provada, relativamente ao arguido AA, é a seguinte: “ Factos Provados da Acusação Pública: I - Em data não concretamente apurada do mês de Janeiro de 2014 os arguidos AA e DD, sabendo, por informações transmitidas pela arguida II, companheira do arguido AA, que CC, ourives (o “...”) vendia ouro em feiras da região e transportava esse ouro numa carrinha, começaram a congeminar um plano para assaltarem a referida viatura e se apoderarem de todo o ouro que nela fosse transportado. II - Assim decidiram pois ambos estavam em difícil situação económica, com dívidas que tinham que saldar e sem rendimentos que permitissem satisfazer os seus encargos e adquirir bens de consumo que lhes interessavam. III - Como entretanto souberam que na localidade de ..., mais precisamente na Rua ..., estava uma casa não habitada que tinha sido pertença dos pais do referido ourives, e que este, nesse momento, não se encontrava a exercer a actividade devido a problemas de saúde, admitiram como possível que o mesmo lá guardasse a referida carrinha. IV - Assim, em data não concretamente apurada, mas entre meados de Janeiro e 4 de Fevereiro de 2014, cerca das 23:00-24:00, deslocaram-se ao referido local com o propósito comum de se apoderarem de ouro e outros objectos de valor que aí encontrassem e designadamente dos que estivessem na carrinha utilizada para transporte de ouro. V - Estacionaram o veículo em que se faziam transportar num beco próximo do local e deslocaram-se a pé, munidos de gorros tipo “passa montanhas”, um pé de cabra e luvas. VI - Aí chegados, com recurso ao pé de cabra, partiram uma janela situada nas traseiras da habitação, por onde entraram. VII - No seu interior, os arguidos percorreram todas as divisões da casa e encontraram, num compartimento que funcionava como oficina de ourivesaria, diversos objectos em ouro e prata, alguns relógios, uma pistola de calibre 6,35 mm e uma caixa de munições completa, objectos que trouxeram consigo, deles se apoderando. VIII - A arma e as munições ficaram na posse do arguido AA, enquanto os demais objectos foram repartidos pelos dois, tendo parte do ouro sido vendido no Estabelecimento “...”, sito nas ..., ao arguido HH, por valor não concretamente apurado mas superior a € 1.000,00, não se tendo logrado apurar onde foram vendidos os restantes objectos e por que montantes. IX - Contudo, na sua globalidade, os arguidos DD e AA, com os bens de que se apropriaram, obtiveram um proveito económico total de cerca de € 10.000,00. X - Também com parte do montante daí obtido o arguido DD comprou a JJ um veículo Nissan Patrol com a matrícula ... pagando € 3.800,00 em notas do BCE. XI - Para dissimular a origem do dinheiro e evitar que as autoridades o viessem a apreender, o arguido registou o mencionado veículo em nome do seu pai, LL, a 5 de Fevereiro de 2014. XII - O veículo foi entretanto vendido a MM, que o voltou a alienar, pelo que não foi possível apreender. XIII - O arguido AA, por seu turno, utilizando também o dinheiro obtido com a venda do ouro e prata furtados, comprou a NN (id. fls. 2434) um Nissan Patrol com a matrícula ..., pagando para o efeito pelo menos a quantia de € 500,00 em notas do BCE e entregando um veículo Seat Ibiza que estava registado em nome da arguida II. XIV - Para dissimular a origem do dinheiro e evitar que as autoridades o viessem a apreender, o arguido registou o mencionado veículo em nome desta arguida a 28 de Janeiro de 2014, tendo o mesmo sido apreendido à ordem destes autos, sendo que a arguida anuiu em tal registo, não obstante saber que o veículo não lhe era destinado e que o seu companheiro tinha obtido o valor entregue para pagamento na sequência do furto acima descrito. XV - Logo após estes factos, porque “o assalto correu bem” e porque não tinham encontrado a carrinha dentro da referida casa, existindo uma elevada expectativa de aí se encontrar uma quantidade muito significativa de ouro, os arguidos DD e AA renovaram o propósito inicial de se apoderarem de todo o ouro que a mesma contivesse, propósito este que se intensificou com o retomar da actividade de CC em Abril de 2014. XVI - Assim, os arguidos DD e AA, juntamente com a arguida II, começaram a planear a acção que deveriam desenvolver para alcançar esse objectivo, que passou a ser propósito comum dos três. XVII - A arguida II conhecia bem o ourives CC por frequentar as mesmas feiras que a sua mãe, a quem por vezes acompanhava, pelo que sabia (e disso deu conhecimento aos demais), quais os locais e dias em que este vendia ouro nas feiras (às segundas em ..., às terças em ..., às quartas em ... e ao Sábado na ...), qual o veículo em que se fazia transportar e em que transportava o ouro (uma carrinha Renault Kangoo de cor cinzenta), onde residia (em ..., numa casa perto dos semáforos) e que saía cedo de casa quando ia para as feiras. XVIII - Neste contexto, ficou então acordado entre os três que a arguida II iria previamente fazer algumas vigilâncias em... no sentido de confirmar as rotinas do ourives e verificar onde o mesmo guardava a carrinha com o ouro. XIX - Em cumprimento do que foi delineado, durante cerca de uma semana, a arguida II deslocou-se a ... no seu veículo Opel Astra de matrícula ..., umas vezes simplesmente fazendo o trajecto junto da residência de CC, outras chegando a parar o veículo em pontos estratégicos com vista para a residência. XX - Nessas vigilâncias e passagens que fez por ... com o referido objectivo, foi sempre acompanhada da arguida OO, a quem relatou o propósito de tais percursos, de que esta passou a ter pleno conhecimento e que aceitou acompanhar e colaborar, integrando assim o projecto criminoso em curso. Aliás, pelo menos numa das ocasiões a arguida OO deslocou-se a pé até junto da casa do referido ourives para melhor apurar o local exacto em que a referida carrinha era guardada, após o que transmitiu a informação à arguida II. XXI - Numa última ocasião e já depois de ter sido confirmado que CC guardava a carrinha com o ouro na garagem (informação exacta prestada pela arguida OO) e saía de casa, nos dias de feira, cerca das 6:00, a arguida II deslocou-se ao local com os arguidos DD e AA a fim de lhes indicar exactamente qual era a residência e para estes poderem efectuar o “reconhecimento” do espaço. XXII - Na posse destas informações e das confirmações efectuadas, os arguidos DD, AA e II, decidiram que o assalto iria ser efectuado na madrugada do dia 25 de Junho, dia em que o ourives iria para a feira de .... XXIII - Acordaram então que as arguidas II e OO levariam os arguidos DD e AA até próximo do local, onde estes se apeariam e se colocariam nas traseiras da residência, aguardando que CC se deslocasse à garagem para ir buscar a carrinha com o ouro, momento em que seria por eles surpreendido, os quais, exercendo a violência que para o efeito fosse necessária, se apoderariam do veículo com o ouro, executando assim o assalto. XXIV - Cumprindo o plano assim delineado, no dia 24 de Junho de 2014, cerca das 22:00, a arguida II e o arguido AA saíram da casa onde residiam, sita na localidade de ..., fazendo-se transportar no referido Opel Astra para se encontrarem com o arguido DD, no “Barman Club” em ..., após o que seguiriam todos para ... XXV - Antes, porém, pararam em ..., onde foram buscar a arguida OO. XXVI - O arguido AA levou roupa escura, designadamente umas calças de ganga, uma t-shirt preta e um casaco preto com capuz, levando também calçadas uma sapatilhas da marca “le coq sportif”. Levou ainda uma lanterna, luvas pretas, um “passa montanhas” e a pistola 6,35 mm acima referida, que tinha guardado consigo desde o furto, estando a mesma municiada com 4 ou 5 munições do mesmo calibre. XXVII - O arguido DD, por seu turno levou igualmente roupa escura, designadamente calças de fato de treino pretas e casaco cinzento com capuz e calçava umas botas Timberland (ou imitação). Levou igualmente consigo uma lanterna, uma “moca” em madeira, cujas exactas características não se logrou apurar, mas que teria aproximadamente entre 40 e 50 cm de comprimento, um pé de cabra, umas luvas e um “passa-montanhas”. XXVIII - Estiveram os quatro juntos em ... no referido Bar, a “fazer tempo”, até que já no dia 25, de madrugada, saíram desse local, seguindo o arguido DD no veículo Seat Ibiza ... e os demais arguidos no Opel Astra ... da arguida II, pela EN n.º 17, percorrendo escassos metros até ao parque de estacionamento do Restaurante “...”, onde o arguido DD estacionou a sua viatura, deixando no seu interior os dois telemóveis que possuía, dirigindo-se de seguida para a viatura da arguida II, onde esta e os outros arguidos AA e OO o aguardavam. XXIX - Continuaram os quatro o percurso pela EN n.º 17 em direcção à ... (passando pela localidade de ...) onde pararam por escassos minutos, após o que, a hora não concretamente apurada, mas próxima das 4:00 se dirigiram para ..., passando junto à residência das vítimas e depois pararam num parque de merendas que se situa junto à EN n.º 17, imediatamente a seguir à cortada para .... XXX - Nesse local, enquanto estavam ainda a “fazer tempo”, os arguidos DD e AA vestiram as roupas que tinham levado consigo para executar o assalto. Passado alguns minutos (não mais de meia hora), seguiram novamente os quatro na viatura Opel Astra da arguida II, com esta ao volante e pararam no cruzamento de ... com a ..., próximo da casa onde residiam o ourives e a sua companheira PP, sita na Rua..., ..., .... XXXI - Nesse momento os arguidos DD e AA apearam-se, seguindo um curto trajecto até à referida residência, tendo as arguidas II e OO seguido viagem para as respectivas residências. XXXII - Quando os arguidos DD e AA estavam a chegar próximo da residência, colocaram os “passa montanhas” e deslocaram-se para o quintal, através de um terreno que fica junto à casa e daí para um alpendre onde permaneceram escondidos atrás de uma viatura aí estacionada, aguardando que CC saísse de casa como esperado. XXXIII - Durante esse período, os arguidos foram conversando sobre o modo como os acontecimentos se iriam desenrolar. XXXIV - Nesse momento, decidiram também que o arguido AA iria munido com a moca e o arguido DD com a pistola 6,35 mm, objectos que cada um passou a empunhar, tendo o arguido AA informado o arguido DD que a arma tinha quatro ou cinco munições no carregador, explicando-lhe também como a deveria manusear. XXXV - Cerca das 6:00, a vítima CC saiu de casa, foi abrir o portão que dá acesso à estrada para poder sair com a carrinha e desceu a rampa de acesso à garagem, que fica no piso inferior (e para a qual não existe acesso interno), onde se encontrava estacionado o veículo Renault Kangoo, de matrícula..., de sua propriedade e com uma quantidade não concretamente apurada, mas na ordem dos vários quilos, de objectos em ouro, designadamente fios, anéis, pulseiras, etc., prata e relógios ainda etiquetados. XXXVI - CC entrou na garagem abrindo uma porta incorporada no portão, deixando-a aberta. XXXVII - Os arguidos dirigiram-se então, cautelosamente, para o interior da garagem, seguindo o arguido DD à frente. XXXVIII - Ao entrarem na garagem, deparam-se com o ourives junto ao veículo, estacionado de frente para o portão, com a porta do pendura aberta e debruçado sobre esse banco. XXXIX - De imediato o arguido DD, sem qualquer hesitação, aproximou-se do mesmo, e através do espaço deixado livre pela abertura da porta, e de forma não concretamente determinada encostou-lhe a dado momento a arma à nuca e disparou, tendo a bala ficado alojada no osso. A vítima começou a gritar e envolveram-se os dois em luta corpo a corpo, tendo o arguido tentado um novo disparo, mas a arma encravou. XL - Tentou então municiar novamente a câmara mas a munição caiu, constatando assim que a arma estava inoperacional. XLI - O arguido DD entregou então a arma de fogo ao arguido AA e pediu-lhe a moca, que lhe foi entregue por este, após o que a usou para atingir CC na cabeça. XLII - Por força da pancada sofrida, CC caiu ao solo, ficando prostrado junto da porta da casa de banho que existe no interior da garagem, continuando o arguido DD, com a vítima deitada, a desferir sucessivas pancadas com a moca no rosto e na cabeça da mesma. XLIII - Alertada pelos gritos do companheiro, BB saiu de casa ainda em camisa de dormir e desceu a rampa até à garagem, tendo sido surpreendida pela situação, já com o companheiro caído e com sangue. XLIV - Assustada, começou a fugir e a gritar, subindo a rampa, ao que o arguido AA seguiu no seu encalço mas tropeçou, tendo então o arguido DD deixado a vítima CC e a moca e alcançado BB a meio da rampa, tapando-lhe a boca e puxando-a para a garagem, local onde tinha ficado o arguido AA, que entretanto desferia na outra vítima (CC) mais pancadas na cabeça e no rosto com a mencionada moca, que entretanto empunhou. XLV - Já com as duas vítimas na garagem e com a porta fechada, os arguidos DD e AA, em comunhão de esforços, tudo fizeram para tirar a vida de BB, que estava deitada no chão da garagem, próximo da entrada. XLVI - Enquanto o arguido AA a segurava e lhe tapava a boca, o arguido DD, com recurso a um fio eléctrico que arrancou de uma fritadeira que se encontrava no local tentou estrangula-la. Como não estavam a ter sucesso imediato, o arguido AA foi buscar um fio em nylon, ligado a uma coleira de animal, que se encontrava no alpendre e enrolou-o à volta do pescoço de BB, apertando com força, assim procurando asfixia-la. XLVII - Entretanto, como CC ainda dava sinais de vida, o arguido DD dirigiu-se a este e, por meio e modo não apurado, exerceu pressão sobre o seu pescoço com o objectivo de o asfixiar, e desferiu-lhe várias pancadas na cabeça e no rosto, com toda a força, até o mesmo ficar imóvel. XLVIII - Porque BB continuava a debater-se e a lutar, o arguido DD decidiu bater-lhe com a moca, com toda a força que tinha, desferindo-lhe múltiplas pancadas na cabeça e no rosto. XLIX - Como ficou “cansado”, entregou a moca ao arguido AA que continuou a desferir pancadas na cabeça da vítima BB, até esta se imobilizar completamente. L - Nesse momento, o alarme da casa tocou, tendo o arguido DD tentado destruir a central a fim de fazer parar o sistema o que não conseguiu, pelo que saíram do local, fechando a porta da garagem, mas deixando a chave de fora e esconderam-se na vegetação próxima durante alguns minutos, até que o alarme se silenciou (foi desactivado pela irmã da vítima CC, com o código que possuía). LI - Verificando que não surgia ninguém, e depois de lançarem a moca para o rio, regressaram ao alpendre onde pegaram nas mochilas que tinham levado consigo e que ali tinham ficado e voltaram a entrar na garagem, fechando a porta e comprovando que as vítimas já estavam mortas. LII - Então, os arguidos, em comunhão de esforços, arrastaram a vítima CC integralmente para dentro da casa de banho (tinha ficado com as pernas de fora), assim como a vítima BB, que ainda estava próxima do portão da garagem, também para essa divisão e taparam-nas com uns tapetes que previamente tinham utilizado para ensopar óleo da fritadeira e sangue que estavam derramados no chão da garagem. LIII - Após, enquanto o arguido DD foi despejar detergente líquido por cima dos cadáveres, pois o cheiro a sangue e fezes nauseavam-no, o arguido AA deslocou-se a uma divisão que servia de escritório, remexendo os móveis e gavetas, no que foi seguido pelo arguido DD. LIV - Do interior dessa divisão os arguidos retiraram algumas peças em ouro e cerca de € 14.000,00 em notas do BCE. LV - Já na posse desse dinheiro e das peças em ouro, os arguidos ausentaram-se do local na carrinha Renault Kangoo, com o ouro, prata e relógios no seu interior e deixaram o portão novamente fechado. LVI - Continuaram então viagem até ... onde o arguido DD tinha deixado o seu veículo Seat Ibiza de matrícula ..., seguindo depois o arguido AA no referido Seat e o arguido DD na carrinha Kangoo até um campo de futebol da Associação Desportiva de ..., onde tinham combinado encontrar-se. Daí, seguiram, cada um no respectivo veículo, com o arguido AA à frente a indicar o caminho, até à Povoação de ..., a um campo de tiro abandonado onde esconderam a Renault Kangoo dentro de um túnel aí existente. LVII - No local retiraram da carrinha as peças em ouro e prata, que juntaram ao ouro e ao dinheiro que tinham trazido do escritório e ausentaram-se do local indo ao encontro da arguida II, no Café ..., sito na .... LVIII - Combinaram então novo encontro na Barragem do ... em ..., onde os arguidos DD e AA procederam à divisão do dinheiro em partes iguais entre si e onde queimaram a roupa e o calçado que tinham envergado aquando do cometimento dos factos supra descritos e estava sujo com sangue das vítimas, assim como os expositores do ouro e prata que estavam na carrinha. Para tanto utilizaram um isqueiro e, como meio de aceleração do fogo, um spray de limpeza de travões. LIX - Os arguidos DD e AA ficaram a acabar a queima, tendo a arguida II seguido no seu veículo em direcção ao Minipreço da ..., local onde acordaram encontra-se mais tarde para seguirem depois em direcção a ... a fim de procederem à venda de parte do ouro roubado. LX - Assim, nesse mesmo dia 25 de Junho, a hora não concretamente apurada mas ainda durante a manhã, os arguidos DD e AA foram ter com a arguida II ao Minipreço, como tinham combinado e aí deixaram a viatura do arguido DD estacionada, seguindo os três no Opel Astra da arguida II para .... LXI - “Em ... estes arguidos[2] deslocaram-se ao Estabelecimento comercial “...”, sito nas ..., em ..., onde venderam ao arguido HH cerca de 2,5 kg do ouro roubado (peças pequenas de diversas características e parte delas ainda com as etiquetas de origem), pelo preço de € 20,00 o grama, no total de cinquenta mil euros (€ 50.000,00), pago em notas do BCE”;[3] LXII - O arguido HH entregou este dinheiro aos arguidos DD e AA, em notas do BCE, depois de previamente ter transaccionado o ouro em causa já limpo (sem etiquetas) a outra pessoa. LXIII - Os € 50.000,00 foram divididos em partes iguais entre os arguidos DD e AA, tendo assim cada um ficado com € 25.000,00. LXIV - Os três arguidos (DD, CC e II) regressaram então à ..., onde estava o veículo do arguido DD, seguindo os arguidos DD e AA no carro daquele em direcção ao ..., entrando num pinhal através de uma estrada de terra batida, situada depois da localidade das .... Aí pararam o veículo e procederam à divisão do restante ouro e prata, em parte iguais entre os dois e queimaram, com recurso ao mesmo mecanismo, os expositores que ainda tinham ficado no veículo do arguido DD. LXV - No mesmo dia à noite os arguidos DD, AA e II, acompanhados da testemunha QQ, foram a ..., no veículo Opel Astra da arguida II, a fim de deixarem os arguidos DD e AA junto ao campo de tiro, o que fizeram, tendo estes se dirigido ao túnel onde tinham escondido a carrinha a vítima, retirando-a do local e conduzindo-a até à barragem das ..., local onde tinham combinado encontrar-se com a arguida II e a testemunha QQ. LXVI - Aí, os arguidos DD e AA empurraram a Renault Kangoo para a água, onde veio a submergir, e de onde foi retirada vários meses depois pela Polícia Judiciária, com vários objectos no seu interior, designadamente diversos materiais utilizados na actividade de ourivesaria, relógios de bolso e de pulso, caixas adequadas ao acondicionamento de artigos em ouro, mostradores do mesmo tipo de artigos e ainda a algumas peças em ouro e prata que se encontravam fixados a estes mostradores. LXVII - Com o dinheiro que retiraram da casa das vítimas e o resultado da venda do ouro, os arguidos DD e AA, assim como a arguida II, companheira deste (beneficiando directamente do produto do roubo que coube ao companheiro na repartição efectuada entre aqueles dois) passaram a viver acima das suas possibilidades [Usando a acusação um adjectivo, entende o tribunal que o mesmo deve ser traduzido em factos nos termos agora expressos, uma vez que a expressão “faustosamente” tem uma tal amplitude de sentido que não pode ser sequer objecto de prova] nos meses que se seguiram. LXVIII - Aliás, poucos dias depois estes três arguidos foram de férias para o Algarve, levando dois amigos como convidados, aí procedendo a gastos desmesurados, de montante não concretamente apurado, mas sempre recorrendo ao dinheiro obtido com o roubo. LXIX - Nos meses que se seguiram, compraram viaturas, telemóveis, outros equipamentos electrónicos e diversos bens para uso pessoal, gastando os proveitos obtidos com o roubo. LXX - Entre outros bens, o arguido DD comprou, um ipad Apple com o n.º de série DMRH772ADKPH, um computador portátil Asus, com o n.º de série E5NOCX954557226, um telemóvel Samsung modelo GTi9082, o arguido AA comprou um telemóvel Samsung Galaxy Note 3, tudo bens adquiridos com notas do BCE, por valores não concretamente apurados. LXXI - O arguido DD, já sem dinheiro, em data não apurada de Outubro de 2014, regressou novamente à mesma loja em... e vendeu mais cerca de 600 gr. do ouro roubado ao arguido HH, que pelo mesmo pagou a quantia de doze mil euros (€ 12.000,00) em notas do BCE, desconhecendo-se qual a margem de lucro obtido na subsequente venda do mesmo. LXXII - Com o dinheiro assim obtido com o roubo o arguido DD comprou vários veículos, tendo decidido que todos seriam registados em nome do seu pai, de modo a assim dissimular a sua verdadeira origem e excluir qualquer relação directa com os proventos económico que retirou da prática do crime de roubo (tal como, aliás, já tinha feito com o furto). [Assim:] LXXIII - Em data não apurada mas entre o dia 25 de Junho e o dia 1 de Julho de 2014 este arguido comprou a RR (id. fls. 2607) a Moto 4 Yamaha YFZ 350, com a matrícula ... pagando € 3.000,00 em notas do BCE, veículo que foi possível apreender. LXXIV - Para dissimular a origem do dinheiro e evitar que as autoridades o viessem a apreender, o arguido registou o mencionado veículo em nome do seu pai, LL, 1/7/2014. LXXV - No início de Julho de 2014 comprou a SS (id. fls. 2414) um Audi A3 de matrícula ..., pelo qual pagou € 4.000,00 em notas do BCE. LXXVI - Para dissimular a origem do dinheiro e evitar que as autoridades o viessem a apreender, o arguido registou o mencionado veículo em nome do seu pai, LL, a 21/7/2014. LXXVII - Este veículo foi posteriormente permutado pela viatura Seat Ibiza ..., que pertencia a TT e que foi possível. LXXVIII - Para dissimular a origem do dinheiro e evitar que as autoridades o viessem a apreender, o arguido registou o mencionado veículo em nome do seu pai, TT, a 10/11/2014. LXXIX - No início de Outubro de 2014 comprou a viatura Subaru Impreza, com a matrícula ... a UU pagando para o efeito a quantia de seis mil e oitocentos euros (€ 6.800,00) em notas do BCE. LXXX - Para dissimular a origem do dinheiro e evitar que as autoridades o viessem a apreender, o arguido registou o mencionado veículo em nome do seu pai, LL, a 17/10/2014. Esta viatura acabou por ser vendida pelo pai do arguido DD já depois da detenção do filho, a VV por € 1.500,00, que a vendeu a XX, pelo que não foi possível apreender. LXXXI - Em Agosto de 2014, este arguido comprou a MM o Peugeot ..., entregando o Nissan Patrol de matrícula ... LXXXII - Para dissimular a origem do dinheiro e evitar que as autoridades o viessem a apreender, o arguido registou o mencionado veículo em nome do seu pai, LL, a 18/08/2014. LXXXIII - Em data não concretamente apurada de Setembro de 2014 foi adquirido um Fiat Bravo, com a matrícula ..., a ZZ, pagando € 1.800,00 em notas do BCE, tendo o mesmo sido apreendido. LXXXIV - O mencionado veículo foi registado em nome da sua irmã AAA, a 24/9/2014. LXXXV - O mesmo arguido, recorrendo ainda ao dinheiro assim obtido, fez sociedade com BBB numa oficina na ..., em Coimbra, comprando um elevador auto, uma banca de ferramenta, chaves de rodas pneumática e outras ferramentas, que foi possível apreender e que pelas quais o arguido pagou, com as vantagens obtidas com o crime de roubo que tinha cometido, em notas do BCE, quantia não concretamente apurada mas não inferior a € 2.250,00. LXXXVI - Do mesmo modo, com o dinheiro assim obtido com o roubo os arguidos AA e II compraram, além do mais, dois veículos, tendo decidido que um deles seria registado em nome da mãe da arguida de modo a assim dissimular a sua verdadeira origem e excluir qualquer relação directa com os proventos económico que retiraram da prática deste crime (tal como, aliás, já tinha sido feito com o furto). [Assim:] LXXXVII - Em data não apurada mas entre 25 de Junho e 7 de Julho de 2014 os arguidos compraram a CCC a viatura Yamaha YFZ 350, com a matrícula ..., que foi possível apreender por € 4.000,00 em notas do BCE, tendo a mesma sido registada em nome da arguida II a 07/07/2014. LXXXVIII - No início de Agosto de 2014 os arguidos compararam o veículo Seat Ibiza, com a matrícula ... a DDD (id. fls. 2685) pagando para o efeito seis mil euros (€ 6.000,00), em notas do BCE, veículo que foi possível apreender e que tem o valor comercial de € 4.900,00. LXXXIX - Para dissimularem a origem do dinheiro e evitar que as autoridades o viessem o apreender, os arguidos registaram o mencionado veículo em nome da mãe da arguida II, EEE, a 28/8/2014. XC - Depois destas transacções os arguidos ficaram ainda com dinheiro em montante não concretamente apurado e algum ouro e prata, que esconderam e que foi possível apreender. XCI - Assim, na sequência das buscas efectuadas no dia 19 de Novembro de 2014, à residência do arguido DD, sita na ... (cfr. fls. 1495 a 1498), foi possível localizar e apreender parte do dinheiro, ouro e prata provenientes do roubo, designadamente nove mil quatrocentos e setenta euros (€ 9.470,00), em notas do BCE, que o mesmo tinha na sua posse, a grande parte dos quais escondidos no sótão, diversos artigos em ouro e prata, a maior parte dos quais estavam enterrados ao fundo do quintal da propriedade, sendo o ouro com um peso total de 1.805,70 gr avaliado em trinta e nove mil quinhentos e sessenta e seis euros e trinta cêntimos (€ 39.566,30) e a prata com o peso total de 11,60 gr, avaliado em três euros e cinquenta cêntimos (€ 3,50). XCII - Foi também apreendido ouro na revista pessoal efectuada nesta data a este arguido, com um peso total de 27,55 gr, avaliado em seiscentos e trinta e três euros e sessenta e cinco cêntimos (€ 633,65). XCIII - Também na sequência de buscas efectuadas no dia 19 de Novembro de 2014, à residência dos arguidos AA e II, sita na Rua ..., foi possível localizar e apreender parte do dinheiro, ouro e prata provenientes do roubo, designadamente quatrocentos euros (€ 400,00) em dinheiro, alguns artigos em ouro e prata, com o peso total 17,95 gr., avaliados em cento e noventa e oito euros e sessenta cêntimos (€ 198,60) e alguns artigos em prata (257,70gr), avaliada em cento e dois euros e setenta e oito cêntimos (€ 102,78). XCIV - Numa outra casa da família existente na mesma rua, mas devoluta e utilizada como arrumos foram também apreendidos 3.018,45gr de prata, avaliada em novecentos e um euros e trinta e cinco cêntimos (€ 901,35). XCV - Mais tarde, no dia 24 de Novembro de 2014, em buscas efectuadas a uma casa devoluta, sita na Rua ..., pertença de familiares do arguido AA, vieram a ser encontrados e apreendidos diversos artigos em ouro com o peso total de 2.953,75gr, avaliados em sessenta e quatro mil seiscentos e setenta e nove euros e sessenta e cinco cêntimos (€ 64.679,65), algumas peças em prata no valor de três euros (€ 3,00) e ainda setecentos e noventa euros (€ 790,00), em notas do BCE, tudo bens que os arguidos AA e II tinham acondicionado em caixas que por sua vez estavam escondidas por detrás de uma estante em madeira, no interior da adega da casa. XCVI - Como consequência directa e necessária das condutas acima descritas sofreu CC, ao nível do hábito externo: deformação da face, com diversos hematomas, infiltrações sanguíneas e feridas, ao nível bipalpebral e globos oculares, mobilidade anormal da pirâmide nasal, com equimoses e escoriação, ao nível dos lábios e da região parietal e occipital, nesta uma contusão semilunar com vestígios de negro de fumo e com projéctil deformado no interior (orifício de entrada de projéctil), equimose no tórax, escoriações no abdómen, equimoses várias nos braços e na perda direita; e ao nível do hábito interno: fractura da abóbada no sentido transversal atingindo parte do parietal direito e escama do temporal homolateral, fractura esquirolosa com afundamento à esquerda, fractura esquirolosa do andar anterior da base com maior destruição à esquerda com fractura da órbita do mesmo lado e equimose óssea dos rochedos, dura-máter lacerada ao nível dos lobos frontal e temporal esquerdos, com descolamento ósseo no andar anterior esquerdo, com sangue e hemorragia subdural na fossa posterior e hemorragia subaracnoídea generalizada, ligeiro edema cerebral no encéfalo, fractura dos ossos nasais, dos ossos zigomáticos e dos ossos maxilares, com infiltração sanguínea, fractura da órbita esquerda e infiltrações sanguíneas ao nível da cavidade bucal e língua, fractura das pontas póstero-superiores da cartilagem tiróide, com infiltração sanguínea, fractura do grande corno esquerdo do osso hióide, rodeado de infiltração sanguínea, diástase occipitoatlantoideia à esquerda entre a C1 e a C2, rodeada de infiltração sanguínea. XCVII - Tais lesões traumáticas crânio-meníngeo-encefálicas, faciais e raqui-medulares cervicais, descritas nesse relatório, associadas a asfixia por compressão extrínseca do pescoço (esganadura), foram causa directa e necessária da morte de CC. XCVIII - Também como consequência directa e necessária das condutas acima descritas, sofreu BB, ao nível do hábito externo: deformação da face com afundamento da metade direita, equimoses, escoriações e feridas várias, ao nível bipalpebral, das orelhas, lábios, região retro auricular esquerda, na região submentoniada, dois sulcos transversais na face anterior do pescoço e equimoses várias nesse local, equimose na região clavicular esquerda, escoriações no abdómen, equimoses e escoriações várias nos braços e nas pernas; e ao nível do hábito interno: ao nível da cabeça, na abóbada, fractura esquirolosa à direita, com afundamento, abrangendo a porção mais posterior e lateral do frontal, superfície temporal e metade anterior da escama do temporal, fractura longitudinal da zona da glabela do osso frontal para trás até próximo da metade esquerda da sutura lambloide, fractura multiesquirolosa do andar anterior direito da base, estendendo-se um dos traços de fractura para o andar anterior esquerdo, com intrusão do globo ocular direito para o interior da base do crânio, traço de fractura transversal, atingindo todo o andar médio e condicionando báscula dos segmentos ósseos, laceração da dura-máter nas fossas anterior e média direitas, hemorragias várias ao nível do lobo parietal direito, subaracnoídea ao nível da convexidade dos lobos frontal, parietal e temporal direitos e esquerdos, dos polos dos lobos frontal esquerdo e occipital direito, da face basal dos lobos temporais, face superior e vérmis superior do cerebelo, edemas e contusão no encéfalo, desarticulação dos ossos da face, entre o osso frontal e o maxilar à direita, fractura dos ossos nasais, do osso maxilar bilateralmente e do osso zigomático direito, fractura do teto orbitário direito, condicionando intrusão do globo ocular na fossa anterior homolateral, infiltrações sanguíneas na cavidade bucal, língua e glândulas salivares, diversas infiltrações sanguíneas ao nível do pescoço, fractura das pontas póstero-superiores da cartilagem tiróide e do grande corno direito do osso hióide. XCIX - Tais lesões traumáticas crânio-meníngeo-encefálicas e faciais descritas nesse relatório, associadas a asfixia por compressão extrínseca do pescoço (estrangulamento), foram causa directa e necessária da morte de BB. C - Na situação acima mencionada, ocorrida na residência que foi dos pais da vítima CC, os arguidos DD e AA actuaram em comunhão de esforços e intenções, com o propósito de se apoderarem dos objectos aí identificados, fazendo-os seus, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade dos seus legítimos donos. CI - Actuaram também estes arguidos, quanto à detenção e transporte da arma de fogo e munições 6,35 mm na sequência do furto praticado entre meados de Janeiro e 4 de Fevereiro de 2014 e quanto à detenção e transporte da referida arma de fogo e munições e da moca nos dias 24 e 25 de Junho de 2014, em cada uma das situações, conhecendo as suas características e bem sabendo que essa detenção e transporte era ilegal porque nenhum deles tinha licença ou qualquer autorização legal para o efeito, sendo que a moca não tem aplicação definida, os arguidos não justificaram a sua posse e a mesma era exclusivamente utilizada como instrumento de agressão, constituindo assim arma proibida. CII - Acresce que os arguidos DD, AA, II e OO actuaram, como descrito, em comunhão de esforços, de forma concertada e previamente planeada, repartindo tarefas como assinalado, com o firme propósito de se apoderarem (a arguida OO com o propósito de que aqueles se apoderassem) da carrinha com o ouro que se encontrava na garagem das vítimas, assim como de dinheiro e outros objectos de valor que lá estivessem, fazendo-os seus, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade dos seus legítimos donos e detentores. CIII - Para tanto, não se abstiveram os arguidos DD e CC de sobre a vítima exercer violência, ofendendo-a no seu corpo e na sua saúde, conduta que todos os arguidos, incluindo as arguidas II e OO, sabiam ser necessariamente decorrente do projecto criminoso previamente elaborado. CIV - Mais actuaram os arguidos DD e AA, em comunhão de esforços e intenções, com o propósito de pôr termo à vida das vítimas, tanto mais que os meios utilizados (fios/cordas e moca), cujas características bem conheciam, a forma como actuaram (múltiplas pancadas e estrangulando) e as partes do corpo atingidas (cabeça e pescoço), eram aptos a provocar a morte, como provocaram. CV - Quiseram os mesmos com tais condutas facilitar a execução do roubo que tinha sido previamente planeado e não se abstiveram de assim actuar levando para o efeito as indicadas armas, meios especialmente perigosos, agindo, durante todo o período em que se mantiveram dentro da garagem, saíram e aí regressaram, com total frieza de ânimo e insensibilidade, com total desvalor pela vida humana, tanto mais que se tratava de pessoas que os mesmos conheciam. CVI - No mais, actuaram os arguidos DD, AA e II, também de forma livre, deliberada e consciente, ao registarem os veículos assim adquiridos em nome de terceiros, com o propósito de dissimular a sua origem e os proveitos económicos que daí advieram dando a falsa aparência de que os bens assim adquiridos pertenciam a outras pessoas, o que não correspondia à verdade, procurando desse modo afastar qualquer relação com a sua origem ilícita e evitar que fossem objecto de apreensão. CVII - Com igual intenção actuou a arguida II relativamente à aquisição da viatura Nissan Patrol de matrícula ..., registada em seu nome, pois não obstante não ter comparticipado no crime de furto, sabia do mesmo e da proveniência do dinheiro com que foi efectuada a compra e quis assim, de igual modo, contribuir para a dissimulação da origem do bem, evitando que o autor dos factos, seu companheiro, fosse perseguido criminalmente e o bem em causa objecto de apreensão. CVIII - Actuou ainda o arguido HH, quando no início do ano de 2014 adquiriu parte do ouro que os arguidos DD e AA furtaram da residência dos pais da vítima CC, pelo valor acima referido, sem que previamente se tivesse certificado da sua legítima proveniência, apesar de saber que a condição dos vendedores e qualidade dos objectos faziam razoavelmente suspeitar que provinham de facto ilícito típico contra o património, como efectivamente provieram. CIX - Embora tivesse suspeitado que os objectos em causa tinham sido obtidos através de facto ilícito típico contra o património, admitindo, portanto, a possibilidade de terem proveniência ilícita, o arguido, conformando-se com essa possibilidade, adquiriu-os pelo indicado preço, com o objectivo conseguido de obter vantagem patrimonial a que sabia não ter direito. CX - Por outro lado, este mesmo arguido, quando comprou o ouro aos arguidos DD, AA e II a 25 de Junho de 2014 e depois, em Outubro desse ano, ao arguido DD, fê-lo livre, voluntária e conscientemente, sabendo que tais objectos, pela quantidade, características e condição dos vendedores eram necessariamente decorrente de factos ilícito típico contra o património. CXI - Não obstante disso estar convicto, não se eximiu de os adquirir nessas duas ocasiões bem sabendo da proveniência ilícita dos mesmos, o que fez com o objectivo obter vantagem patrimonial que sabia ser ilegítima. CXII - Todos os arguidos actuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei como ilícitos criminais. Outros Factos Provados: - EE E FF são irmãs e únicas herdeiras do falecido CC. - CC tinha, à data da sua morte, 56 anos de idade. -Tinha conseguido ultrapassar recentemente uma doença oncológica com alguma gravidade, encontrando-se a retomar a sua actividade profissional de ourives - EE e FF sempre mantiveram com aquele (e com a sua companheira BB) uma relação de bastante proximidade e de grande afecto, com convivências quase diárias. - Todos os irmãos nutriam uns pelos outros um grande amor. - As demandantes ficaram em completo estado de choque quando souberam do falecimento, e em condições tão trágicas, do seu ente querido. - As demandantes sentiram, sentem e continuarão a sentir durante largo tempo uma dor pela perda do irmão, uma tristeza profunda, com sintomatologia depressiva, só atenuada com medicação, passando a necessitar de medicação para dormir e apresentando momentos de nervosismo, falta de concentração, angústia e revolta; - E votaram-se, ambas, ao isolamento, passando praticamente todos os seus dias fechadas em casa, sem vontade de ver ou estar com quem quer que seja. - Todo o ouro, prata, relógios e demais bens relacionados com a actividade de ourivesaria eram propriedade exclusiva de CC. - CC sempre exerceu a actividade de ourives de profissão, prosseguindo a actividade que era já do seu pai. - CC e BB não eram casados entre si, vivendo apenas em união de facto há cerca de oito anos, não tendo descendentes comuns (ou sem ser comuns). - Pelo funeral pagaram a quantia total de 1.506,35 Euros, tendo recebido de subsídio de funeral a quantia de 1.257,66 Euros. - À data dos factos, a carrinha Kangoo tinha o valor de € 4.000,00. - GG é irmão e único herdeiro da falecida BB - A Vitima BB era uma senhora saudável, muito activa e trabalhadora, tendo um feitio sociável e expansivo. - Ajudando o seu companheiro CC no negócio do ouro ou ficando em casa cuidando das refeições e lides domésticas. - O demandante passou a sofrer de insónias, vivendo, à semelhança dos seus familiares mais próximos, todos em constante sobressalto e altamente perturbados, o que se repercute negativamente no seu quotidiano. - O demandante dedicava à irmã grande afeição, sendo unidos por fortes laços de amizade e estima, numa relação franca e leal, de verdadeiro companheirismo. - O demandante teve de deslocar-se várias vezes ao posto da GNR da ..., Polícia Judiciária de ..., escritório da mandatária, suportando as despesas de deslocação inerentes. - O demandante suportou as despesas do funeral no valor de 1.360,00 Euros, tendo recebido de subsídio de funeral a quantia de 1.257,66 Euros. … À data dos factos subjacentes ao presente processo, AA residia em casa dos pais, numa vivenda de 3 pisos. O imóvel dispõe das condições básicas consideradas satisfatórias. O agregado é constituído pelo pai (com 54 anos, emigrante sazonal há cerca de 26 anos, em ...), pela mãe (com 53 anos, doméstica), pela avó materna (com 76 anos, reformada) e pelo sobrinho (com 8 anos, estudante). A casa é propriedade da avó materna, a qual vem sendo alvo regular de obras de restauro, efectuadas pelos pais do arguido. O arguido cresceu integrado num agregado familiar normativo e inserido socialmente, onde lhe foram proporcionadas as condições para um desenvolvimento saudável. Tendo abandonado a escolaridade aos 15 anos e com o 9.º ano concluído, passou a trabalhar com a mãe na agricultura e, posteriormente, em França, na mesma área, junto com a companheira e na companhia do progenitor. Regressado a Portugal, toma-se proprietário do ramo de lavandarias, em Coimbra, situação que culmina em insucesso, contraindo endividamentos, após o que deixa de ter ocupação laboral regular, passando algum do seu tempo em cafés e bares locais. Em termos económicos, a família sobrevive das economias do trabalho do pai (enquanto emigrante), da produção de bens agrícolas que cultivam e da reforma da avó (no valor de cerca de € 400,00 mensais), Laboralmente mantinha o contexto supra descrito, trabalhando apenas pontualmente. O impacto emocional na família foi significativo, determinando à progenitora necessidade de acompanhamento psiquiátrico. Ainda assim, AA tem contado, no Estabelecimento Prisional (EP) de Aveiro, com o apoio da família que o visita regularmente. Enquanto recluso, o arguido mantém a frequência de escolaridade no EFA de Nível Secundário, com assiduidade e comportamento demonstrativo de interesse. Por questões de segurança do próprio, encontra-se confinado a uma ala de separação, evitando-se assim o contacto directo com o co-arguido, também aqui recluído preventivamente. … … … … ... … Arguido AA: Por sentença datada de 5.3.2014 transitada em julgado em 4.4.2014, foi o arguido condenado na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros pela prática em 30.7.2013 de um crime p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 2 do C. Penal (Processo Abreviado n.º 1678/13.0TACBR) ”. … ** II.2 – De Direito 2.1 Face à motivação e às conclusões formuladas pelo recorrente [que, salvo as questões de conhecimento oficioso, são, como se sabe, as que definem e delimitam o objecto do recurso (número 1 do artigo 412.º do Código de Processo Penal)], constata-se que as questões que nas mesmas se colocam são as seguintes: A – Nulidade da decisão por alegada omissão de pronúncia, decorrente de “falta de consideração de relatório social relativo a este arguido” em sede de determinação da medida da pena (conclusões 4.ª a 7.ª); B – Nulidade da decisão por alegada violação da norma do número 1 do artigo 344.º do Código de Processo Penal (conclusões 9.ª a 12.ª); C – Erro notório na apreciação da prova, decorrente de valoração da não confissão do arguido para fundamentar os factos provados, com clara violação das normas dos artigos 40.º, 70.º, 71.º, do Código Penal, 18.º, e 32.º, da Constituição da República Portuguesa, e bem assim dos princípios da legalidade, da igualdade de armas, do processo justo, da verdade material, do contraditório e da livre apreciação da prova (conclusões 10.ª a 16.ª, e 17.ª); D – Desigualdade e inadequação das penas que, presume-se, tendo sido aplicadas à sua pessoa e ao arguido DD, afrontam os princípios da necessidade, da proibição do excesso, e da proporcionalidade - artigo 18.º, número 2, da Constituição da República, e bem assim da legalidade, igualdade de armas e do processo justo, da verdade material, do contraditório e da livre apreciação da prova (conclusões 13.ª, 14.ª, 18.ª, e 19.ª). * 2.2 2.2.1 – Questão Prévia – Do regime jurídico em matéria penal Como decorre da conclusão 1.ª que entendeu extrair da sua motivação, o arguido AA fundamenta o recurso que interpõe para este Supremo Tribunal na norma do artigo 672.º, número 1, alíneas a), e b), do Código de Processo Civil, por aplicação do disposto no artigo 4.º, do Código de Processo Penal. Fá-lo, porém, sem qualquer razão. Efectivamente, se é verdade que até à entrada em vigor do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17.02, o regime de recursos em processo penal era tributário do regime de recursos em processo civil, a partir daquela ocasião a situação mudou de forma radical já que o legislador do Código de Processo Penal de 1987, rompendo com a tradição, previu um regime próprio e tendencialmente autónomo de recursos no âmbito penal e que, tendo em devida conta as suas especificidades, lhe conferisse um tratamento adequado[4]. Regime de recursos que, previsto no artigo 399.º, e seguintes do Código de Processo Penal, dispensa, no essencial, o apelo às regras do processo civil que regulam tal matéria. De que decorre que, para efeitos de apurar da admissibilidade (ou não) em matéria penal de um determinado recurso, maxime para o Supremo Tribunal de Justiça, há que atender ao que preceitua, não o Código de Processo Civil mas, o Código de Processo Penal, designadamente nos seus artigos 399.º, 400.º, e 432.º. Posto isto… ** 2.2.2 – Das arguidas nulidades da decisão 2.2.1.1 – Quanto ao teor do relatório social A. Como visto, alega o recorrente que, em sede de determinação da medida da pena não foi considerado pelo tribunal o relatório social relativo à sua pessoa. Porém, como bem observam quer o Ministério Público quer os assistentes EE e FF, tal questão, que não foi suscitada pelo recorrente aquando do recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Coimbra, trata-se de “questão nova”. Efectivamente, como resulta das conclusões extraídas da motivação do recurso que o arguido AA interpôs para o Tribunal da Relação de Coimbra, nomeadamente da conclusão 28.ª (confira-se folhas 21 a 25 do acórdão sob impugnação), tal questão não foi de todo em todo colocada pelo recorrente que, então, se limitou a dizer: “Quanto ao cúmulo jurídico: 28. Tendo assim em consideração a concreta conduta do agente, o seu modo de actuar, de agir, o dolo com que praticou os factos, a sua postura perante os mesmos, de arrependimento ou indiferença, de confissão ou negação, motivação, resultados do crime, indemnização das vítimas, enfim, todo o circunstancialismo que, de algum modo contribua e permita a dita avaliação da gravidade global dos ilícitos, bem como os factos que, no momento do julgamento, possam ser recolhidos, nomeadamente pelos relatórios efectuados ou quaisquer perícias à personalidade do arguido, que habilitem o tribunal a melhor conhecer a personalidade deste, mais uma vez estabelecendo uma conexão entre os factos praticados e integradores dos diferentes ilícitos cometidos e a dita personalidade se considera adequada uma pena conjunta de 23 anos de prisão”. Quer isto dizer que a referida questão trata-se, na realidade e como já se referiu, de uma “questão nova”. Ora, de acordo com o disposto no número 1 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, os recursos dirigidos a um tribunal superior, maxime ao Supremo Tribunal de Justiça, não se destinando a apreciar questões novas, não visam resolver, em primeira linha, questões que não hajam sido suscitadas e apreciadas nas instâncias. Na verdade, esse meio de impugnação das decisões judiciais, que é o recurso, tem por escopo reexaminar, reapreciar, sindicar, as questões que já foram objecto de análise e de decisão por parte do tribunal recorrido ou que, podendo e devendo ter sido por ele conhecidas, não foram, com vista à detecção e correcção de vícios, omissões ou à escolha da solução jurídica mais adequada ao caso concreto. O que bem se compreende já que, a não ser assim, o recurso interposto, ao invés de representar um meio de impugnação e de sindicação das decisões judiciais, constituiria uma forma de vinculação do tribunal de recurso à decisão de questões novas que não foram objecto de apreciação por parte do tribunal recorrido. Daí que, como se considerou no acórdão de 02.12.2013, prolatado no Processo n.º 237/12.0GDSTB.E1.S1, da 5ª Secção, sob pena de violação dos princípios constitucionais relativos ao recurso, designadamente do princípio do duplo grau de jurisdição, não incumba, de facto, ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, conhecer de questões que não tenham sido já apreciadas pelo tribunal de jurisdição inferior. Tudo isto para dizer que, não tendo, como se referiu, o recorrente suscitado a mencionada questão perante o Tribunal da Relação de Coimbra aquando do recurso que para ele interpôs, ao Supremo Tribunal de Justiça sempre se encontra vedado o seu conhecimento. B. Para além de que, como observa o Ministério Público, ao teor do relatório social em causa atendeu o Tribunal, designadamente no que concerne às condições pessoais e económicas do recorrente. É o que com meridiana nitidez decorre da fundamentação de facto vertida quer no acórdão proferido em 1.ª Instância quer no Tribunal da Relação de Coimbra. E, desde logo, do que, sob a epígrafe “Outros Factos Provados”, as instâncias fizeram constar (confira-se folhas 23 do presente acórdão, folhas 63 do acórdão recorrido, e folhas 3.951 verso, 3.916 e 3.935, da decisão prolatada em 1.ª Instância). Só que em moldes diversos ao pretendido pelo recorrente apreciaram as instâncias tal facticidade que, exógena aos tipos legais, deram como assente. Depois… * 2.2.2.2 – Quanto à alegada violação da norma do número 1 do artigo 344.º do Código de Processo Penal Como bem decorre das conclusões 9.ª a 12.ª da motivação, sustenta o recorrente que, tal qual sucede com o seu co-arguido DD, tendo também ele confessado integralmente e sem reservas, e não tão-só em parte, os factos por cuja prática vinha acusado, deve a decisão ser modificada e, em consequência disso, documentando-se em acta essa circunstância, há-de ser valorada a mesma confissão, sob pena de violação do disposto na citada norma do artigo 344.º, número 1, do Código de Processo Penal. Ora, com respeito a esta questão, importa, antes de tudo o mais, precisar que, ao invés do que sustenta o recorrente, o Tribunal de 1.ª Instância considerou que o arguido DD confessou, não integralmente mas, quase integralmente os factos imputados pela acusação. Depois, cabe referir que, à semelhança da anterior, esta trata-se também de “questão nova”, posto que o recorrente não a suscitou no recurso que, a seu tempo, interpôs para o Tribunal da Relação de Coimbra. É, efectivamente, o que com total clareza resulta das conclusões extraídas da motivação do recurso que o arguido AA interpôs para aquele Tribunal da decisão proferida em 1.ª Instância, maxime da já mencionada conclusão 28.ª (confira-se 2.2.2.1, folha 31 do presente acórdão). Acresce que, ao invés do considerado pelo recorrente, sob a epígrafe “Convicção do Tribunal”, no acórdão que proferiu em 06.11.2015, o Tribunal de 1.ª Instância consignou, relativamente a esta questão (confira-se folha 70 do acórdão ora sob impugnação): Numa primeira abordagem à prova produzida, dir-se-á que o tribunal deu mais credibilidade às declarações prestadas pelo arguido DD (em audiência de julgamento e em fase de inquérito na presença de Magistrado do Ministério Público) uma vez que as mesmas são as mais coerentes entre si – não havendo grande desfasamento entre as declarações prestadas nestes dois momentos, como ocorreu com as declarações do arguido AA – e as mais consentâneas com os elementos objectivos carreados para os autos, com ressalva do momento em que disparou o tiro sobre a vítima, pelas razões que infra se explicitarão. Assim, e salvo algumas situações específicas anotadas infra, o tribunal convenceu-se que os factos ocorreram essencialmente como declarado por este arguido. Já quanto às declarações dos arguidos AA, II e OO (uma vez que o arguido HH remeteu-se durante todo o processo ao silêncio) ficou o tribunal convencido que os mesmos apenas admitiram os factos menos censuráveis ou que estavam profusamente demonstrados por outros elementos constantes dos autos“. Sendo que, em sede de fundamentação de direito e no que concerne à escolha e determinação da medida concreta da pena, o tribunal de 1.ª Instância não deixando de realçar a circunstância de se verificar uma diminuição ligeira da culpa do arguido DD em relação ao arguido AA, o ora recorrente, fez constar: “Por último, tudo ponderado, entende o tribunal que as penas aplicadas aos arguidos DD e CC deverão coincidir uma vez que não existe uma culpa e ilicitude suficientemente díspar que justifique tal diferenciação, tanto mais que as exigências de prevenção geral não impõem um entendimento diferente. Se as exigências de prevenção especial, numa primeira análise, são ligeiramente maiores relativamente ao arguido DD, atento não só os seus antecedentes como a maior violência inicialmente praticada sobre a vítima CC, tal é compensado por uma diminuição ligeira da culpa deste em relação ao arguido AA em face da sua postura de quase integral confissão dos factos imputados na acusação (sendo que as divergências assumidas referem-se a factos secundários) ao contrário da postura do arguido Francisco que pautou a sua conduta por uma constante tentativa de atenuação da sua responsabilidade nos factos praticados”. Daí que, como bem se compreenderá, não houvesse o Tribunal de 1.ª Instância encontrado motivo para consignar em acta que o arguido DD (e, por maioria de razão, o aqui recorrente) confessara integralmente e sem reservas os factos da sua responsabilidade, e, em resultado disso, retirar as respectivas conclusões em sede de escolha e determinação da pena. * Termos em que, pelas razões que se aduziram em 2.2.2.1 e 2.2.2.2, não sendo recorrível a decisão sob impugnação relativamente às arguidas nulidades, por alegada inconsideração do teor do relatório social e por invocada violação da norma do número 1 do artigo 344.º do Código de Processo Penal, se imponha rejeitar, nesta parte, o recurso [artigos 432.º, número 1, alínea b), 410.º, número 1, alíneas a), e b), 414.º, números 2, e 3, todos do Código de Processo Penal]. ** 2.2.3 – Do invocado vício [o previsto na alínea c) do número 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal] da decisão sobre matéria de facto A. Trata-se de questão já suscitada, embora numa outra perspectiva, pelo arguido AA no recurso que, a seu tempo, interpôs para o Tribunal da Relação de Coimbra da decisão proferida em 1.ª Instância. Efectivamente, naquela ocasião, o recorrente (confira-se conclusões 15.ª a 19.ª da motivação, transcritas na folha 23 do acórdão sob impugnação e folhas 93 a 95 do mesmo) assacou o mencionado vício ao acórdão de 06.11.2015 prolatado pelo Tribunal de 1.ª Instância, e na parte atinente à matéria de facto que, dada como provada no ponto XLIV, considerou claramente infundada já que, para tanto, não basta, como então dizia, «que o tribunal recorrido afirme e justifique a sua “crença” numa determinada versão e os termos como os arguidos prestaram declarações, sem justificar a desconsideração da versão apresentada pelo recorrente …». Sendo que, no recurso ora interposto para este Supremo Tribunal, o arguido AA imputa o aludido vício ao tribunal recorrido por, alegadamente, o mesmo ter feito uma errada apreciação das declarações que ele próprio e o seu co-arguido DD prestaram em julgamento. E isto na medida em que, na linha do sustentado a respeito da questão antes apreciada, considera o recorrente que, tal qual aquele seu co-‑arguido confessou integralmente os factos por cuja prática foi acusado, e não tão-só de forma parcial. Questão que, como é bom de ver, em face da solução dada àqueloutra que foi apreciada em 2.2.2.2, sempre fica prejudicada (artigo 608.º, número 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 4.º, do Código de Processo Penal). B. Não obstante isto, não se deixará de fazer três breves apontamentos a tal respeito. O primeiro reporta-se à apreciação que ao Tribunal da Relação de Coimbra mereceu aqueloutra questão suscitada pelo arguido AA no recurso que, como anotado, se prende, ao menos parcialmente, com a questão ora colocada. Na verdade, a respeito de tal questão, e no que ora releva para o caso, deixou-se referido no acórdão recorrido: “…[H]á que dizer que, mais uma vez, sob a invocação de um vício da decisão, o recorrente questiona a valoração probatória feita pelo tribunal colectivo quanto a um determinado facto provado, mas sem especificar uma regra da experiência que fosse que considere violada pelo julgador naquela valoração e sem indicar que concreto critério legal de prova desrespeitado. Deste modo, se erro existe na valoração probatória feita, ele não é notório, pois que não se torna patente aos olhos de qualquer destinatário que lei a decisão, sendo certo que só tal característica portanto, só a notoriedade, convoca a aplicação do regime legal dos vícios da decisão. Aliás, o próprio recorrente assim parece entender, ao afirmar que os meios probatórios submetidos à apreciação imediata do tribunal impunham assunção fáctica inelutavelmente diversa [sem, contudo, especificar tais meios], apontando, aparentemente, para a impugnação ampla da matéria de facto. Em suma, o acórdão recorrido não padece do vício do erro notório na apreciação da prova, nos termos em que foi invocado pelo recorrente”. O segundo apontamento prende-se com o facto de que, ainda que não houvesse outra razão (e, há, como já se irá ver) que obviasse ao conhecimento da dita questão por parte deste Supremo Tribunal, a circunstância de se tratar de “questão nova” em tudo quanto excede o âmbito definido pelo recorrente no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Coimbra (como referido o reportado à matéria de facto dada como provada no citado ponto XLIV) que, como visto, o apreciou e decidiu de forma tanto quanto baste fundamentada, sempre inviabilizaria o seu conhecimento nesta sede, pelos motivos alinhados em 2.2.2.1. O derradeiro, mas não despiciendo, apontamento que se impõe fazer prende-se com os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de facto quando, como no caso vertente, intervém como tribunal de revista. Na verdade, como de forma sistemática vem afirmando a jurisprudência deste Tribunal[5], pese embora no artigo 434.º do Código de Processo Penal se faça menção ao disposto no artigo 410.º, números 2, e 3 do citado diploma, certo é que o conhecimento dos referidos vícios acha-se subtraído à alegação do recorrente e, como tal, não pode constituir fundamento de recurso. O que, obviamente, não impede o Supremo Tribunal de Justiça de pronunciar-se oficiosamente, o que vale por dizer por sua iniciativa sobre os mencionados vícios, contanto que resultem do próprio texto da decisão recorrida e como forma de obstar a que seja compelido a aplicar o direito aos factos que, porventura, se revelem manifestamente insuficientes, fundados em errónea apreciação ou assentes em pressupostos contraditórios[6]. Condicionalismo que, porém, no caso sub juditio entende-se não ocorrer já que, para aplicar o direito, este Supremo Tribunal dispõe da necessária base factual, que deverá ter-se como definitivamente assente. E isto porque, não se detectando a verificação de um qualquer vício de que, porventura afectando a matéria de facto dada como provada, incumbisse oficiosamente conhecer, a mesma revela-se suficiente e adequada para aplicar o direito. * Daí que, em conclusão, não sendo a decisão susceptível de recurso neste segmento, sempre caberá rejeitá-lo [artigos 434.º, 420.º, número 1, alínea b), e 414.º, números 2, e 3, do Código de Processo Penal]. ** 2.2.4 – Das consequências jurídicas dos crimes 2.2.4.1 Determinado a fazer valer aquele entendimento de que, tal como seu co-arguido DD, e ao invés do considerado pelas instâncias, também ele próprio confessou integralmente e sem reservas os factos da sua responsabilidade, não cuidou o recorrente de impugnar, podendo fazê-lo, quer a qualificação jurídica dos factos ilícitos quer a medida das penas singulares susceptíveis de serem apreciadas para este Supremo Tribunal [artigo 432.º, número 1, alíneas b), e c), e 400.º, número 1, alínea f), todos do Código de Processo Penal], o que vale por dizer a qualificação jurídica dos factos configurativos de dois crimes de homicídio qualificado, e as respectivas penas singulares (uma de vinte anos e outra de dezanove anos de prisão) impostas e mantidas pelas instâncias, e bem assim a pena conjunta (fixada em vinte e cinco anos de prisão). Com efeito, focado em defender aquele seu ponto de vista, o arguido e aqui recorrente AA – que, neste conspecto, limitou-se a referir (confira-se conclusão 13.ª da motivação) que, “[p]onderando todos os parâmetros, justifica-se uma interpretação correctiva deste Supremo Tribunal, já que as penas aplicadas são desiguais e por isso mesmos desadequadas…”, não cuidou, para a hipótese de não obter merecimento o referido entendimento e as consequências dele decorrentes, de impugnar, em sede de motivação e bem assim de conclusões, a medida das referidas penas singulares … ou, pelo menos, a medida da pena conjunta, ao invés aliás do sucedido aquando da interposição do recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra. Na verdade, nessa oportunidade, o recorrente sustentou, ao contrário do que ora acontece, que a pena conjunta a impor-lhe deveria situar-se em 23 (vinte e três) anos de prisão. Destarte, não impugnando, na realidade, o recorrente a medida da pena conjunta, e muito menos das referidas penas parcelares (a não ser, como se viu, na perspectiva de que, havendo ele, alegadamente, confessado os factos ilícitos, tal como o seu co-arguido, que beneficiou dessa atenuante, as penas aplicadas a ambos se representam “desiguais e por isso mesmo desadequadas”), não há, de facto, aqui lugar à apreciação de tal problemática. É que, não tendo o recorrente obtido êxito quanto aqueloutras pretensões que, por si também formuladas, constituiriam o pressuposto e a condição do almejado merecimento da questão atinente à invocada desigualdade e desadequação das penas impostas ao seu co-arguido DD e à sua pessoa, comprometida fica a apreciação da mesma questão. * 2.2.4.2 – Da invocada violação de normas de direito constitucional, penal, e processo penal Como visto, remata o recorrente a sua alegação (confira-se conclusões 13.ª, e 14.ª da motivação), dizendo que o tribunal recorrido “violou ou mal interpretou”, para além da norma do já citado artigo 344.º, do Código de Processo Penal, as normas dos artigos 412.º, números 3, e 4, 431.º, 399.º, 407.º, número 3, do mesmo diploma legal, e ainda dos artigos 40.º, 70.º, e 71.º, do Código Penal, e dos artigos 18.º, e 32.º, da Constituição da República, e bem assim os princípios da legalidade, igualdade de armas, e do processo justo, da verdade material, do contraditório, e da livre apreciação da prova. Porém, limitando-se a produzir tais afirmações, não aduz o recorrente qualquer fundamento que as sustente, o que determina o não conhecimento do recurso nessa parte, nos termos do disposto na alínea b) do número 2 do artigo 641.º do Código de Processo Civil de 2013, aqui aplicável por força do estatuído no artigo 4.º, do Código de Processo Penal. Acresce que algumas dos mencionados preceitos e princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico representam-se patentemente estranhos ao objecto do recurso aqui em apreciação, como sejam os dos artigos 407.º, número 3, 412.º, números 3, e 4, do Código de Processo Penal, ou do artigo 18.º, número 2, da Constituição, e os princípios da igualdade de armas, do contraditório, e da livre apreciação da prova. De onde que, em conclusão, se julgue não haver lugar ao conhecimento de tais questões que, não expressamente impugnadas e/ ou motivadas pelo recorrente [artigo 641.º, número 2, alínea b), do Código de Processo Civil de 2013, aplicável por força do artigo 4.º, do Código de Processo Penal], dizem respeito à medida concreta da pena aplicada e mantida pelas instâncias, e à alegada violação dos referenciados princípios e preceitos de direito constitucional, penal, e processo penal. *** III. Decisão Termos em que, na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, acordam em rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA, nos termos do artigo 420.º, número 1, alínea b), do Código de Processo Penal e, em consequência, confirmar integralmente o acórdão recorrido. Pelo decaimento total, vai o arguido AA condenado em custas, com 5 UC de taxa de justiça. Lisboa, 2 de Março de 2017 Os Juízes Conselheiros Isabel São Marcos (Relator) Helena Moniz ------------- |