Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
605/21.6JAPDL.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
PODERES DE COGNIÇÃO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 06/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I- Tendo sido o arguido condenado na 1ª instância e mantida a condenação em dupla conforme na Relação, por 8 crimes de abuso sexual de crianças previstos e punidos pelos art.ºs 171.º, nº 1 e também nº2 , 69.º-B, nº 2 e 69.º-C, nº 2, do Código Penal e por crime de atos sexuais com adolescente, previsto e punido pelos art.ºs 173.º, nº 2, do CP) em penas parcelares, todas elas inferiores a 5 anos de prisão, sendo delas uma de 4 anos, a mais elevada e, em cúmulo jurídico das penas de prisão parcelares e das penas parcelares na PENA ÚNICA de 10 (dez) anos de prisão (…), mostra-se pena unitária proporcional e fixada de acordo com os critérios legais.


II- Isso, na medida em que do contexto provado se pode retirar uma actividade sobre as menores nascidas em 2005, 2009 e 2010, localizada entre 2015 e 2020, mais acentuadamente neste último ano, com uma idade de grande vulnerabilidade à data dos acontecimentos, tendo sido o impacto psicológico danoso sobre aquelas muito intenso, uma delas tentado até pôr termo à vida, o que pressupõe um evidente sofrimento interior intenso. Além disso, o meio social em que as circunstâncias se desencadearam é pequeno e a repercussão dos factos eivada de forte censurabilidade, se bem que o arguido tenha um percurso de integração socio profissional aceitável e ele próprio considere ter uma situação estável e organizada, em termos pessoais, profissionais e económicos, para o que considera ter contribuído o seu esforço e dedicação.


III- Sendo o arguido pastor de uma igreja, daí decorrendo segundo as regras da experiência e da vida, uma maior exigência de comportamento exemplar perante os crentes da comunidade em que se inseria e a expectativa de um maior grau de confiança na relação com eles estabelecida, o impacto social deste tipo de comportamentos, ainda por cima em meios mais pequenos ou mais fechados ao mundo (por razões diversas, nomeadamente a distância ou o isolamento territorial) impõe por si um grau de prevenção geral muito elevado e uma acção preventiva persuasiva por forma a que não seja irremediavelmente quebrada a necessidade de estabelecimento de elos comunitários fortes e de segurança com os representantes mais carismáticos do ponto de vista social, pedagógico, político, cultural ou religioso ou das populações ou quem se assuma como exemplo ou referência de vida para as comunidades convivenciais.


IV- Na ponderação conjunta dos factos e da personalidade do agente e a evidenciar o nível de gravidade do ilícito global praticado e na ponderação da sua interconexão, no caso concreto, ainda que seja mais evidente a pluriocasionalidade, a revelação já de alguma uma certa tendência para a acção criminosa (perdurou desde 2015 até 2020), não tendo o arguido revelado arrependimento activo redentor nem expressa uma convicção segura na sua mudança para um comportamento mais consentâneo com o devido respeito pelos bens jurídicos violados, a sua idade não pode funcionar como atenuante, sendo os factores tempo e experiência de vida bastante significativos para o poderem determinar a um modo de agir mais refectido, que não curou.


V- Porém, como ministro de um culto pelo qual se propalam ideais de amor e respeito pelo semelhante, nele se depositavam comunitariamente expectativas de exemplo de vida muito acima do padrão médio. As menores ficaram muito afectadas psicologicamente, sendo pois intenso o grau de ilicitude e o dano projectado a partir da acção ilícita sobre elas. A pena fixada não desafina de outras em circunstâncias relativamente similares.As exigências de prevenção geral são consabidamente muito elevadas. Não obstante ser primário, situação esta que nem sequer é atenuante por ser um dever de qualquer cidadão, o facto de ter sido à data ministro de um culto religioso exige uma avaliação censurativa mais elevada acima da média numa prospecção preventiva especial mais exigente.


VI- A pena única fixada foi-o em mais 6 anos acima do mínimo moldural, num intervalo que poderia ter atingido 19 anos de prisão. Fixada a pena num máximo concreto de 10 anos, o acréscimo não foi sequer muito além de mais 1/3 do tempo moldural remanescente (de 15 anos). Por isso, em face de todos os factores assinalados, não se alcança qualquer excesso ou desproporcionalidade da pena unitária determinada.

Decisão Texto Integral:




Acordam em Conferência na 5ª Secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça


I-RELATÓRIO

1. No Juízo Central Cível e Criminal … (J... .) foi proferido acórdão em 26.05.2023 que contém a seguinte parte decisória (transcrição):


«1. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos art.ºs 171.º, nº 1, 69.º-B, nº 2 e 69.º-C, nº 2, do Código Penal, na pessoa de BB, na pena de 2 (dois) anos de prisão e nas penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 7 (sete) anos (cfr. factos provados nºs 15 e 31 a 38).


*


2. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos art.ºs 171.º, nºs 1 e 2, 69.º-B, nº 2 e 69.º-C, nº 2, do Código Penal, na pessoa de BB, na pena de 4 (quatro) anos de prisão e nas penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 7 (sete) anos (cfr. factos provados nºs 16 e e 31 a 38).


*


3. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos art.ºs 171.º, nº 1, 69.º-B, nº 2 e 69.º-C, nº 2, do Código Penal, na pessoa de CC, na pena de 3 (três) anos de prisão e nas penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 7 (sete) anos (cfr. factos provados nºs 18 e 19 e 31 a 38)


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4. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelos art.ºs 171.º, nº 1, 69.º-B, nº 2 e 69.º-C, nº 2, do Código Penal, na pessoa de DD, na pena, por cada um dos crimes, de 2 (dois) anos de prisão e nas penas acessórias, por cada um dos crimes, de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 7 (sete) anos (cfr. factos provados nºs 23, 24 e 25 e 31 a 38).

5. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelos art.ºs 171.º, nº 1, 69.º-B, nº 2 e 69.º-C, nº 2, do Código Penal, na pessoa de DD, na pena, por cada um dos crimes, de 2 (dois) anos de prisão e nas penas acessórias, por cada um dos crimes, de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 7 (sete) anos (cfr. factos provado nºs 26 e 31 a 38).

6. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de atos sexuais com adolescente, previsto e punido pelos art.ºs 173.º, nº 2, 69.º-B, nº 2 e 69.º-C, nº 2, do Código Penal, na pessoa de DD, na pena de 2 (dois) anos de prisão e nas penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 7 (sete) anos (cfr. factos provados nºs 27 e 28 e 31 a 38).


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7. Em cúmulo jurídico das penas de prisão parcelares e das penas acessórias parcelares indicadas em 1 a 6, condenar o arguido AAs na PENA ÚNICA de 10 (dez) anos de prisão e nas penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 15 (quinze) anos.

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8. Condenar o arguido EE pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelos art.ºs 171.º, nº 1, 69.º-B, nº 2 e 69.º-C, nº 2, do Código Penal, na pessoa de BB, na pena de 2 (dois) anos de prisão e nas penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 6 (seis) anos (cfr. factos provados nºs 17 e 31 a 38).


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9. Condenar o arguido EE pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos art.ºs 171.º, nº 1, 69.º-B, nº 2 e 69.º-C, nº 2, do Código Penal, na pessoa de CC, na pena de 3 (três) anos de prisão e nas penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 6 (seis) anos (cfr. factos provados nºs 20 e 21 e 31 a 38).


*


10. Condenar o arguido EE pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos art.ºs 171.º, nº 1, 69.º-B, nº 2 e 69.º-C, nº 2, do Código Penal, na pessoa de CC, na pena de 2 (dois) anos de prisão e nas penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 6 (seis) anos (cfr. factos provados nºs 22 e 31 a 38).


*


11. Condenar o arguido EE pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de atos sexuais com adolescentes, previstos e punidos pelos art.ºs 173.º, nº 1, 69.º-B, nº 2 e 69.º-C, nº 2, do Código Penal, na pessoa de DD, na pena, por cada um dos crimes, de 1 (um) ano de prisão e nas penas acessórias, por cada um dos crimes, de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de seis (seis) anos (cfr. factos provados nºs 29 e 30 e 31 a 38).


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12. Em cúmulo jurídico das penas de prisão parcelares e das penas acessórias parcelares indicadas em 8 a 11, condenar o arguido EE na PENA ÚNICA de 6 (seis) anos de prisão e nas penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 11 (onze) anos.


13. Julgar os pedidos de indemnização civil deduzidos por FF parcialmente procedentes, por parcialmente provados, e, em consequência:


i. condenar o arguido/demandado AA a pagar à demandante FF, representante legal das menores BB e CC, as quantias de € 15.000,00 (quinze mil euros) e de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos, respetivamente, pelas menores BB e CC, acrescidas de juros de mora à taxa legal anual a contar do trânsito em julgado do presente acórdão até efetivo e integral pagamento, absolvendo-o na parte restante;


ii. condenar o arguido/demandado EE a pagar à demandante FF, representante legal das menores BB e CC, as quantias de € 10.000,00 (dez mil euros) e de € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos, respetivamente, pelas menores BB e CC, acrescidas de juros de mora à taxa legal anual a contar do trânsito em julgado do presente acórdão até efetivo e integral pagamento, absolvendo-o na parte restante.


*


14. Julgar o pedido de indemnização civil deduzido por GG parcialmente procedente, por parcialmente provado, e, em consequência:


i. condenar o arguido/demandado AA a pagar à demandante GG, representante legal da menor DD, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos pela menor DD, acrescida de juros de mora à taxa legal anual a contar do trânsito em julgado do presente acórdão até efetivo e integral pagamento, absolvendo-o na parte restante;


ii. condenar o arguido/demandado EE a pagar à demandante GG, representante legal da menor DD, a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos pela menor DD, acrescida de juros de mora à taxa legal anual a contar do trânsito em julgado do presente acórdão até efetivo e integral pagamento, absolvendo-o na parte restante.


(…).»


2. Cada um dos arguidos interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal da Relação de Lisboa o qual, por acórdão de 09 de novembro de 2023, julgou os mesmos totalmente improcedentes, mantendo pois integralmente a decisão recorrida nos termos que adiante indicaremos com maior detalhe.


3. Por sua vez, o arguido AA recorreu de novo, desta vez para este Supremo Tribunal de Justiça, convocando as seguintes conclusões da respectiva motivação ( cuja formatação aqui segue por nós reorganizada, em transcrição, para uma melhor compreensão do seu sentido, em face da sua original compactação e extensão):

“III CONCLUSÕES DO RECURSO

Em suma e em conclusão:

1. Da insuficiência para a decisão de direito da matéria de facto provada (artigo 410° n°2 alínea a) do CPP)

2. Consabidamente, o sistema de revista alargada previsto no artigo 410.° n.° 2 do CPP "preserva o núcleo essencial do direito ao recurso, em matéria de facto, contra sentenças penais condenatórias" (Ac.TC n.° 573/98, Plenário).

3. Destarte, começa a defesa neste ponto, por reiterar e tentar demonstrar, um dos vícios de que enferma este douto acórdão, que pese embora ser de conhecimento oficioso, ainda assim vem a defesa invocar.

4. Porquanto resulta claro do texto da decisão recorrida, sem sequer ser necessário o recurso a qualquer elemento externo à mesma, que a alegada prática de actos sexuais do arguido, com as jovens, não era decorrente de um efetivo ascendente e elo de proximidade que sobre as mesmas tinha o arguido pelo facto de ser pastor da igreja que frequentavam.

5. Outrossim, da leitura atenta do texto da decisão recorrida, sem recurso a qualquer outro elemento externo à mesma, não resulta demonstrado, como faz o texto da decisão quanto aos factos relativos à menor DD, sobremaneira quando nos atendemos nos factos 23 a 25, ou ainda no facto 26, não resultando por razoável a suficiência dos factos apurados para se decidir sobre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crime verificáveis e os demais requisitos necessários à decisão de direito.

6. Donde temos por verificado, com base nas razões acima aduzidas, que de leitura atenta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, resulta objetivamente que os factos tidos por provados são insuficientes para a decisão de direito, em ordem a dar por assente os pontos, 23 a 25, o ponto 26, e ainda os pontos 27 e 28, e a consequente condenação por dois crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelos artigos 171.°, n.° 1 e 2, 69.°-B, n.° 2 e 69.°-C, n.° 2, do Código Penal, na pessoa de DD, na pena, por cada um dos crimes, de 2 (dois) anos de prisão; dois crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelos artigos 171.°, n.° 1 e 2, 69.°-B, n.° 2 e 69.°-C, n.° 2, do Código Penal, na pessoa de DD, na pena, por cada um dos crimes, de 2 (dois) anos de prisão; um crime de atos sexuais com adolescente, previsto e punido pelos artigos 173.°, n.° 2, 69.°-B, n.° 2 e 69.°-C, no 2, do Código Penal, na pessoa de DD, na pena de 2 (dois) anos de prisão.

7. E que por conseguinte, se tem por verificado no acórdão recorrido o vício constante do artigo 410° nº2 alínea a) do Código de Processo Penal, o que vem a defesa prontamente invocar, não obstante ser de conhecimento oficioso, para os devidos e legais efeitos.

8. Da violação dos Princípios da Presunção da Inocência e In Dubio Pro Reo referente à condenação do Recorrente.

9. Resulta de fls. 64 e 65 do texto da decisão recorrida que: O princípio in dubio pro reo, a que ambos os Arguidos apelam, é convocável em matéria de prova quando o tribunal se encontre numa situação de dúvida quanto a algum ponto da matéria de facto, circunstância em que a deve resolver em benefício dos arguidos, na lógica concretização do direito à presunção de inocência previsto pelo art, 32.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, presunção essa da qual o in dubio pro reo é uma manifestação; e, inversamente, já não colhe pertinência este in dubio pro reo quando o tribunal não mostra ter qualquer dúvida quanto aos factos a deles extrair ou tendo-a tido em algum momento, a teve por esclarecida, convencendo-se positivamente do facto em causa (entre tantos outros, vide o Acs. do STJ de 7.11.2002, daRC de 12.09.2018 e da RP de 28.10.2015, relatados por Oliveira Guimarães, Orlando Gonçalves e Ernesto Nascimento, respetivamente).

10. Ora, lendo a decisão recorrida, percebe-se que o Tribunal a quo não deu como provado qualquer facto sobre o qual tivesse permanecido numa situação de dúvida não esclarecida por apelo à prova, e nessa medida não se vislumbra que haja ocorrido em algum momento violação do princípio in dubio pro reo.

11. Salvo o devido respeito, e que é muito, ousamos discordar de tal interpretação acolhida na decisão recorrida. E dizemo-lo porquanto, conforme vem escrito no AC Relação de Lisboa de 22.09.2020: O princípio in dubio pro reo deve ser entendido objectivamente, não se exigindo a dúvida subjectiva ou histórica, para que possa ocorrer a sua violação.

12. Nesta perspectiva, salvo melhor opinião, no caso de o tribunal dar como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, mesmo que não tenha manifestado ou sentido a essa dúvida, e mesmo que não a reconheça, há violação do princípio se, do confronto com a prova produzida, se conclui que se impunha um estado de dúvida. Veja-se a titulo exemplificativo fls. 69 a 71 do acórdão ora recorrido, relativamente aos factos 23 a 28, relativos à menor DD, e mais especificamente, os factos 23, 24, 25 e ainda, o facto 26… (...) em que em nosso entender, se verifica de modo cristalino, do confronto com a prova produzida a violação do principio in dúbio pro reo... porquanto se impunha um estado de dúvida.

13. E por conseguinte, a interpretação normativa do princípio in dubio pro reo, acolhida no acórdão recorrido e que conduziu a uma dupla conforme condenatória, contende com o Princípio da Presunção da Inocência - acolhido no nº. 2 do artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa, n.° 2 do Artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e n.° 1 do Artigo 48.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e com o Principio do In Dúbio Pro Reo, inconstitucionalidade que vem o ora recorrente para os devidos e legais efeitosinvcar e motivo pelo qual devem V/Ex.as declarar Nulo o Acórdão Recorrido e reenviarem o Processo para novo Julgamento.

14. Da Inconstitucionalidade do artigo 127.° do Código de Processo Penal, na interpretação normativa com que foi aplicada no Acórdão Recorrido.

15. Resulta de fls. 65 do texto da decisão recorrida que: Face à especificidade da natureza dos factos em causa e ao ambiente de reserva e discrição com que os mesmos têm as mais das vezes lugar, não é de esperar uma sua prova direta que vá abundantemente além do depoimento das próprias vítimas.

16. O que em qualquer caso se impõe, para podermos ter os factos correspondentes como provados, é que haja razões para considerar os depoimentos das alegadas vítimas como sólidos e convincentes, à luz de critérios de verosimilhança, coerência, credibilidade e suficiente concreção, tudo lendo segundo a ótica das regras da experiência comum, ganhando aqui um peso particular a imediação própria do momento em que são ouvidas.

17. E no que particularmente concerne à suficiente concreção dos depoimentos, sendo desejável que uma tal concreção seja a maior possível, não podemos porém exigir necessariamente um retrato exato, minucioso, da ordem do detalhe, nomeadamente em termos de localização temporal precisa e de descrição de todas as circunstâncias envolventes, para que se reconheça credibilidade aos relatos, sobretudo quando, como aqui sucede, (i) não se trata de um único episódio, mas de vários, e (ii) os factos ocorreram bastante tempo antes do momento em que os depoimentos são colhidos, o que em concreto é particularmente expressivo no caso das menores BB e CC, com o que isso implica de risco de perdas de memória, sobretudo quando estamos diante crianças ou jovens, para quem o impacto do decorrer do tempo tem um alcance que amiúdes vezes dificulta a retenção de detalhes, para mais quando deles bem poderão querer esquecer-se.

18. Em ordem a alcançar-se uma convicção para além de toda a dúvida razoável, será ainda desejável que os depoimentos das alegadas vítimas, quanto ao seu sentido global, tenham em seu apoio elementos adicionais ou suplementares que, pelo menos num registo circunstancial, corroborem os seus relatos, o que sucede no caso concreto.

19. Salvo o devido respeito, e que é muito, ousamos discordar de tal interpretação acolhida na decisão recorrida. E dizemo-lo porquanto, em nosso modesto entender é inconstitucional a norma do artigo 127.° do Código de Processo Penal, quando interpretada na dimensão normativa com que foi aplicada na motivação do acórdão recorrido, segundo a qual a livre convicção do julgador é suficiente para, sem prova directa, sem concretização das circuntâncias em que ocorreram os factos, por reporte a referências indeterminadas, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência em concreto, adquirir por dedução, ou prova circunstancial sem base de concretização, i.e. presunção natural, a prova de factos em julgamento.

20. Veja-se a título singular e meramente exemplificativo... o facto 26, relativamente à menor DD, onde apenas se refere que a partir do ano de 2015 e ate ao ano 2020, aos Domingos, quando se encontravam sozinhos na casa de HH, o arguido AA tocava na vagina de DD, por dentro ou por fora da roupa, o que ocorreu pelo menos duas vezes.

21. Pelo que no quadro da dupla conforme condenatória, o Acórdão Recorrido, confirmou por fixados, por presunção natural, factos que nem estão indiciados por quaisquer factos base, nem decorrem, por raciocínio lógico, da aplicação aos factos base de quaisquer regras de experiência, importando uma dimensão materialmente inconstitucional do artigo 127.° do Código de Processo Penal, sobremaneira quando interpretado no sentido de que a Livre Convicção do Julgador é suficiente para - sem prova directa, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência - adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento, sem fazer apelo ao peso específico das presunções, que devem ser «graves, precisas e concordantes".

22. Por conseguinte, somos a sustentar que é inconstitucional a interpretação da norma inserta no artigo 127.° do Código de Processo Penal, na dimensão normativa com que foi aplicada no Acórdão Recorrido, porquanto a mesma afronta directamente ao que se encontra consagrado no Texto e Princípios da Constituição da República Portuguesa, o que vem a defesa prontamente invocar para os devidos e legais efeitos.

23. Da Dosimetria das Penas Parcelares e Da Pena Única Aplicada em Cúmulo Jurídico.

24. Sem prejuízo dos argumentos acima debitados, ainda assim, entendemos que no caso concreto, outras penas parcelares, e mormente, outra pena única em cúmulo jurídico, deveria ter sido aplicada, até porque de acordo com os critérios do artigo 77° n°s 1 e 2 do Código Penal, em caso de concurso de crimes, será fixada uma pena única de acordo com os critérios do artigo 77° n°s 1 e 2 do Código Penal.

25. Nos termos do artigo 77° n° 1, do Código Penal, o agente do concurso de crimes («quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles») é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

26. A pena única do concurso, formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação), deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo estabelecido pelo artigo 78° do Código Penal, tendo em conta os factos e a personalidade do agente. Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está, pois, ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.

27. Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) deve ser ponderado o modo como a personalidade se projeta nos factos ou é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.

28. O modelo de fixação da pena no concurso de crimes rejeita, pois, uma visão atomística dos vários crimes e obriga a olhar para o conjunto - para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse pedaço de vida criminosa com a personalidade do seu agente.

29. Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares crimes, cabe ao tribunal, na moldura do concurso definida em função das penas parcelares, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos que determinam as penas parcelares por cada crime.

30. Até porque atendendo ao alegado modus operandi do arguido e as condições das vitimas (em tudo muito similares) impunha-se uma maior homogeneidade nas penas parcelares aplicadas, mais próximas da pena de 1 ano, ao invés do que foi determinado. Pelo que neste ponto, a defesa pugna por penas parcelares mais homogéneas entre si, considerando o quadro fáctico.

31. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é: a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento.

32. Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais, o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível, mas deve reflectir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência.

33. Concretizando estes critérios, considerada a homogeneidade e a (relativa) proximidade temporal dos crimes, a personalidade do arguido, avaliada na perspetiva global que se projeta e que é também revelada pela natureza e pelas circunstâncias dos diversos acontecimentos, aponta para a aplicação de uma pena única, em cúmulo jurídico, substancialmente inferior aos dez anos de pena de prisão que foi aplicada.

34. Por conseguinte somos a acreditar que, à luz dos critérios legais acima indicados, quer as penas parcelares, quer a pena globalmente considerada, em sede de cúmulo jurídico, são desproporcionais e excessivas face as circunstância do caso, razão pela qual também neste campo discordamos da dosimetria das penas aplicadas, e pugnamos no essencial, por outras mais adequadas aos critérios de justiça que o caso em concreto reclama.

35. Termos em que, procedendo os vícios assacados seja a decisão anulada e, no limite, reenviado o processo para novo julgamento;

36. - Ou, sendo o acórdão recorrido substituído por outro que altere a matéria de facto anteriormente indicada, e/ou consequentemente seja revista a decisão de direito;

37. Ou ainda que assim não seja, somente se considere por alterada a medida da pena, parcelar e unitária, diminuindo-se a mesma;”


4. O MPº respondeu ao recurso defendendo a improcedência deste.


5. Os factos em causa e decididos como provados desde a 1ª instância foram os seguintes (transcrição):

«II – FUNDAMENTAÇÃO.

A - FACTOS PROVADOS (com exclusão dos factos com teor conclusivo).

Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os factos seguintes:

Da Acusação do Ministério Público.

1. BB nasceu em ... de ... de 2010 e é filha de II e de FF.

2. Os avós paternos de BB são JJ e HH e os avós maternos são KK e LL.

3. CC nasceu em ... de ... de 2009 e é filha MM e de FF.

4. Os avós paternos de CC são NN e OO e os avós maternos são KK e LL.

5. DD nasceu em ... de ... de 2005 e é filha de PP e de GG.

6. Os avós paternos de DD são QQ e RR e os avós maternos são JJ e HH.

7. BB e CC residiram com HH, na ..., pelo menos, desde o ano de 2018, e DD ia muitas vezes para aquela casa depois das aulas e aos fins-de-semana.

8. O arguido AA é trabalhador da construção civil e, pelo menos desde 2016, exercia funções de facto de ministro de credo religioso como pastor da "Igreja ...", posteriormente designada por "Igreja ...".

9. O arguido EE é trabalhador da construção civil e, pelo menos desde 2016, exercia funções de facto de ministro de credo religioso como pastor da "Igreja ...", posteriormente designada por "Igreja ...".

10. Pelo menos desde 2017, o arguido EE residia na casa de HH, avó de BB e de DD, sita na ....

11. As cerimónias de culto da "Igreja ..." decorriam numa garagem anexa à residência de HH, e propriedade desta, na ....

12. O arguido AA frequentava diariamente a casa de HH.

13. BB e CC frequentavam, na companhia da mãe destas e da avó de BB, a Igreja mencionada em 11.

BB – ARGUIDO AA

14. Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2019, na sala existente na casa da avó paterna HH, o arguido AA chegou junto de BB, que se encontrava sentada no sofá, e colocou a mão na coxa daquela.

BB – ARGUIDO AA

15. Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2019, na sala existente na casa da avó paterna HH, o arguido AA chegou junto de BB, que se encontrava sentada no sofá, e colocou a mão entre as suas pernas e esfregou, por cima das cuecas.

BB – ARGUIDO AA

16. Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2019, na sala da casa da avó paterna HH, o arguido AA estava sentado junto de BB no sofá e, aproveitando o facto de aquela estar coberta com um lençol, colocou a mão entre as pernas e sob a roupa de BB e introduziu um dedo na vagina daquela, causando-lhe desconforto.

BB – ARGUIDO EE

17. Em data não concretamente apurada, mas durante o ano de 2019, na residência de HH, o arguido EE, pelo menos, uma vez, beijou BB no rosto e lóbulo da orelha, introduzindo em seguida a língua no ouvido, embora aquela lhe dissesse para parar.

CC – ARGUIDO AA

18. Em data não concretamente apurada, mas no Verão do ano de 2019, ao anoitecer, na casa de HH, o arguido AA entrou na sala onde CC se encontrava sentada no sofá, sita no primeiro piso.

19. De seguida, o arguido AA desceu-lhe as calças e as cuecas, e encostou o seu pénis na vagina daquela, pressionando para que o mesmo penetrasse a vagina de CC, o que não logrou fazer devido aos movimentos de CC.

CC – ARGUIDO EE

20. Em data não concretamente apurada, mas no Verão do ano de 2019, cerca de dois dias depois dos factos ocorridos em 19., também ao anoitecer, o arguido EE entrou na sala onde CC se encontrava sentada no sofá, sita no primeiro piso.

21. De seguida, sentou-se no sofá junto a CC e colocou a mão dentro das suas calças e por baixo das cuecas, tocou a vagina de CC, tentou introduzir os dedos na vagina de CC, ato que não continuou porque CC deu mostras de começar a gritar.

CC – ARGUIDO EE

22. Em data não concretamente apurada, mas no Verão do ano de 2019, ao anoitecer, o arguido EE, quando estava no seu quarto, tendo CC ido chamá-lo para jantar, agarrou-a e lançou-a sobre a sua cama, colocou o seu corpo sobre CC, por forma a pressionar o seu corpo sobre o corpo daquela para o sentir, o que terminou quando BB abriu a porta do quarto e entrou.

DD – ARGUIDO AA

23. Em datas não concretamente apuradas, mas situadas em 2018 e em 2019, o arguido AA transportava DD da escola para a casa de HH, sita na ..., o que fazia num automóvel ligeiro de passageiros, de marca Hyundai, modelo Galloper, de matrícula ..-..-MO, de cor verde.

24. Naquelas circunstâncias de tempo, ainda no interior do automóvel ou já na residência em causa, o arguido AA colocava a sua mão entre as pernas de DD, pressionando e tocando na vagina, por fora e por dentro da sua roupa, o que fazia forçando DD, que tentava repelir tais comportamentos.

25. Os factos mencionados em 23 e 24 ocorreram, pelo menos, duas vezes.

DD – ARGUIDO AA

26. A partir do ano de 2015 e até ao ano de 2020, aos Domingos, quando se encontravam sozinhos na casa de HH, o arguido AA tocava na vagina de DD, por dentro ou por fora da roupa, o que ocorreu, pelo menos, duas vezes.

DD – ARGUIDO AA

27. No Verão de 2020, na cozinha da casa da madrinha de GG, mãe de DD, o arguido AA colocou a mão dentro das cuecas de DD e pressionou dois dedos para o interior da vagina daquela, causando-lhe sangramento e dor.

28. De seguida, o arguido AA retirou o pénis de dentro das calças, baixou as calças e cuecas de DD e encostou o pénis à vagina desta.

DD – ARGUIDO EE

29. Em datas não concretamente apuradas, mas entre os anos de 2019 e de 2020, na residência de HH, o arguido EE, pelo menos, uma vez, tocou na vagina de DD, por fora das calças desta, o que fez forçando DD, que tentava repelir tal comportamento.

DD – ARGUIDO EE

30. No ano de 2021, entre 25 de março e o mês de julho do mesmo ano, na residência de DD, sita na ..., o arguido EE tocou nos seios e na vagina de DD, o que fez por dentro da roupa desta, e beijou-a na boca, obrigando DD a tais atos, enquanto esta tentava repeli-lo.

ELEMENTO SUBJETIVO

31. Ambos os arguidos sabiam atuar sobre jovens, cujas idades bem conheciam por privarem com aquelas e as respetivas famílias, bem sabendo que aquelas os respeitavam e temiam por serem pastores da Igreja que frequentavam.

32. Cada um dos arguidos sabia que o outro também levava a cabo atos de índole sexual com BB, CC e DD, sendo que estas conheciam que ambos os arguidos sabiam das práticas levadas a cabo pelo outro, o que aumentava o receio de não serem acreditadas se contassem a alguém.

33. Ambos os arguidos se dirigiam a BB, CC e a DD dizendo-lhes que não deveriam contar a ninguém o sucedido, caso contrário cada uma delas que «depois ia ver», bem sabendo que dessa forma lhes causavam medo, o que lhes permitia continuar as suas condutas sem que aquelas contassem a terceiros.

34. Em sequência dos factos elencados e perpetrados pelos arguidos, BB, CC e DD sentiram sofrimento, tristeza, angústia, medo, desconfiança e dores físicas, que deixaram marcas e consequências psicológicas até à data presente, influindo no seu normal desenvolvimento, sentimento de felicidade e aproveitamento escolar.

35. No seguimento dos comportamentos reiterados dos arguidos, DD desferiu em si mesma diversos golpes nos pulsos e braços utilizando um objeto cortante, o que fez pelo menos duas vezes, tentando terminar com a sua própria vida.

36. Os arguidos, ao acariciar diversas partes do corpo de BB, CC e de DD, fizeram-no com propósitos lascivos e contra a vontade destas, atuando com o propósito de obter prazer sexual e lesar a liberdade sexual daquelas, o que quiseram fazer e efetivamente fizeram.

37. Os arguidos atuaram com o propósito de penetrar com o pénis e com os dedos a vagina de BB, CC e DD, bem sabendo a respetiva idade e que atuavam contra a vontade destas, o que quiseram fazer e efetivamente fizeram.

38. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, e tinham a liberdade necessária para se determinarem de acordo com essa mesma avaliação.

Do Pedido de Indemnização Civil deduzido por GG, em representação da filha menor DD (com exclusão dos factos de teor conclusivo).

39. O tio de DD, pai de BB, II, à data dos factos, trabalhava sob a autoridade e a direção dos arguidos e residia na mesma casa dos avós da menor.

40. As condutas dos arguidos provocaram alterações comportamentais em DD, que ficou amargurada, com dificuldades em se relacionar com as pessoas, em geral os homens, e, em particular, os da sua idade.

41. DD não consente ser tocada e um cumprimento deixa-a tensa e nervosa.

42. A DD põe em causa a sua existência, tendo por diversas vezes tentado o suicídio, cortando os pulsos.

43. DD sente a mágoa de os familiares próximos, a avó HH e o tio II, pai de BB, num primeiro momento, não terem acreditado no que disse e, em momento posterior, terem desvalorizado as condutas dos arguidos.

44. Em consequência das condutas dos arguidos, DD tornou-se uma criança ríspida, rebelde, que não aceita que falem com ela, que lhe digam o que fazer, sem objetivos e interesse pela vida.

45. DD está a ser seguida por psicólogo e toma medicação psiquiátrica diária.

46. Apesar de medicada, DD dorme mal, pois está sempre alerta.

47. Na escola, DD é uma criança fechada, pouco faladora, que se isola e colabora pouco, não demonstra qualquer interesse pela escola, está ali por estar, com total indiferença, com pouco aproveitamento.

48. DD tem medo e nojo dos arguidos/demandados.

Do Pedido de Indemnização Civil deduzido por FF, em representação da filha menor BB (com exclusão dos factos de teor conclusivo).

49. Na data dos factos, BB residia na casa da avó, HH.

50. O pai de BB, II, trabalhava sob a autoridade e direção dos arguidos, e residia na mesma casa referida no facto anterior.

51. As condutas dos arguidos provocaram alterações comportamentais em BB, que ficou amargurada, com dificuldades em se relacionar com as pessoas, em geral os homens.

52. A menor BB não consente ser tocada e um cumprimento deixa-a tensa e nervosa.

53. BB sente a mágoa de os familiares mais próximos, a avó HH e o pai II, num primeiro momento, não terem acreditado no que disse e, em momento posterior, terem desvalorizado as condutas dos arguidos.

54. BB não quer regressar ao ..., nem estar com o pai e com a avó.

55. Em consequência das condutas dos arguidos, BB tornou-se uma criança ríspida, rebelde, que não aceita que falem com ela, que lhe digam o que fazer, sem objetivos e interesse pela vida.

56. BB está a ser seguida por psicólogo.

57. BB dorme mal, pois está sempre alerta e tem muitos pesadelos.

58. Na escola, BB é uma criança fechada, pouco faladora, que se isola e colabora pouco.

59. BB tem medo e nojo dos arguidos/demandados.

Do Pedido de Indemnização Civil deduzido por FF, em representação da filha menor CC (com exclusão dos factos de teor conclusivo).

60. As condutas dos arguidos provocaram alterações comportamentais em CC, que ficou amargurada, com dificuldades em se relacionar com as pessoas, em geral os homens.

61. A menor CC não consente ser tocada e um cumprimento deixa-a tensa e nervosa.

62. CC ficou muito ansiosa e revoltada, com comportamento agressivo.

63. CC sente a mágoa de os familiares mais próximos, a quem chamava avó HH e tio II, num primeiro momento, não terem acreditado no que disse e, em momento posterior, terem desvalorizado as condutas.

64. Em julho de 2019, CC foi residir para a ... e não se quis despedir de quem chamava de avó (GG), nem de quem chamava de tio (II).

65. Sempre que se fala em vir para o ..., CC tem medo de cruzar-se com os arguidos.

66. Em consequência das condutas dos arguidos, CC tornou-se uma criança ríspida, rebelde, que não aceita que falem com ela, que lhe digam o que fazer, sem objetivos e interesse pela vida.

67. CC está a ser seguida por psicólogo e toma diariamente calmantes e antidepressivos.

68. Apesar de medicada, CC dorme mal, pois está sempre alerta.

69. Na escola, CC é uma criança fechada, pouco faladora, que se isola e colabora pouco.

70. CC tem medo e nojo dos arguidos/demandados.

Da Contestação do arguido AA.

71. GG, mãe de DD, em data não concretamente apurada, foi fazer limpeza a casa da sua madrinha, e o arguido AA (que aí se encontrava a realizar uma obra) e GG envolveram-se amorosamente, beijando-se e acariciando-se.

72. Em datas não concretamente apuradas, o arguido AA trabalhou ....

73. Os transportes realizados pelo arguido AA de DD da escola para casa da avó GG mencionados nos factos provados nºs 23, 24 e 25 ocorreram a pedido da mãe de DD pelo facto de esta não o poder fazer por razões de trabalho.

74. O arguido AA recebeu o título de pastor.

75. Em data não concretamente apurada, mas situada no ano de 2020, GG, mãe de DD, foi conversar com os seus pais, GG e JJ, dizendo que a sua filha DD lhe tinha dito, que o arguido AA tinha “tocado” na DD.

76. GG, avó da DD, contactou os Pastores Presidentes da igreja para fazer uma reunião para averiguar o que se tinha passado.

77. Os Pastores Presidentes afastaram o arguido AA das suas responsabilidades na Igreja e das reuniões na casa de HH e JJ até que toda a situação fosse esclarecida.

78. O arguido AA, consternado com toda essa situação, pediu a GG que marcasse uma reunião com todos, nomeadamente com ela, com avó de DD, HH, com o Sr. JJ e com a DD.

79. Nesta reunião, ocorrida em data e mês não concretamente apurados do ano de 2020, todos compareceram, com exceção da criança DD, sendo que nesta reunião foi falado sobre o romance de GG com o aqui arguido AA, e sobre o que a criança DD disse.

80. O arguido AA pediu à mãe de DD para falar com esta na presença dos seus pais.

81. O arguido AA foi interpelado pelos pastores da igreja, que lhe disseram haver novas acusações da mesma natureza em relação a BB e a CC.

82. O arguido AA ligou para FF, mãe das crianças BB e CC.

83. Depois de BB ter ido passar férias com a mãe em ..., surgiu a queixa de que o arguido também tinha feito mal a BB.

84. O arguido AA está bem inserido na comunidade da ....

Condições pessoais, sociais e económicas do arguido AA.

85. Natural do ..., em 2001 AA imigrou para Portugal, após uma tentativa falhada de imigrar para Inglaterra.

86. Considera que, apesar de pontuais dificuldades de integração e adaptação, estas não impediram que concretizasse uma adequada inserção.

87. Relativamente ao seu processo de desenvolvimento, o arguido refere ser filho único, tendo nascido num contexto familiar descrito como adequado, o qual integrava ainda uma prima, que os progenitores acolheram.

88. Referencia alguma precariedade das condições de vida do agregado, dependente do trabalho do progenitor como jardineiro e trabalhando também pontualmente na agricultura, sendo a mãe doméstica.

89. Ambos os progenitores já faleceram.

90. Com o falecimento do pai, quando o arguido tinha cerca de 13/14 anos, AA teve necessidade de iniciar um percurso laboral, trabalhando como ajudante de jardineiro e noutras tarefas indiferenciadas. Posteriormente, trabalharia num snack-bar, atividade que manteve durante cerca de 4 anos e pese embora tal facto, o arguido manteve frequência escolar, tendo concluído um curso profissional de contabilidade, equivalente ao nível secundário.

91. Com a maioridade, AA ingressou nas Forças Armadas, contexto em que se manteve durante cerca de 8 anos, até à dispensa, por redução de efetivos militares.

92. Nessa sequência, o arguido revelou intenção de emigrar, tendo pretendido estabelecer-se em Inglaterra, o que não lhe foi permitido, estabelecendo-se, entretanto, em Portugal, nos ..., onde tinha conhecidos.

93. Desde a sua permanência nos ...) que o arguido trabalhou no sector da construção civil, nomeadamente na área da pintura, em várias empresas do ramo.

94. Nesse contexto refere ter permanecido cerca de 4 anos na ... e posteriormente deslocou-se para o ..., regressando em 2006 aos ..., inicialmente à ... e posteriormente para ...

95. Sobre o seu percurso laboral, refere ter vivenciado uma situação integrada até 2015, altura em que ficou desempregado.

96. Nesse contexto e com suporte da Agência para a Qualificação e Emprego, constituiu uma empresa, na área da construção civil e que manteve desde então, com funções de sócio-gerente.

97. AA manteve trajetória laboral na ..., tendo também trabalhado na ..., em datas não concretamente apuradas.

98. O arguido considera ter uma situação estável e organizada, em termos pessoais, profissionais e económicos, para o que considera ter contribuído o seu esforço e dedicação.

99. Refere auferir o salário mínimo, tendo como despesas mensais cerca de 250€, referentes aos pagamentos de renda de casa e fornecimentos de água, luz e gás, dividindo a habitação e as despesas referentes a esta, com o co-arguido EE.

100. Em termos de relacionamentos afetivos, o arguido referencia apenas relações de curta duração, com exceção duma relação marital que manteve durante cerca de 4 anos e que terminou em 2006.

101. Duma relação efémera, constituída ainda no ..., tem um filho com 31 anos de idade, com quem refere manter um contacto telefónico regular.

102. Socialmente não são atribuídas ao arguido quaisquer problemáticas, nomeadamente na inserção no meio comunitário.

Da Contestação do arguido EE.

103. O arguido EE foi amigo de longa data da mãe e do padrasto da DD, é padrinho de DD (pela igreja ...), frequentava a casa deles, indo às vezes ajudá-los, quando solicitavam a sua ajuda, e atendia aos seus convites, para celebrações de aniversários e eventos de família.

104. Quando teve conhecimento dos factos que lhe eram imputados pelas menores, devido à grande amizade que tinha por GG (mãe de DD) e SS (padrasto de DD), foi de imediato à casa destes, ou seja, à casa da DD.

105. Assim que percebeu do que o estavam a acusar, o arguido EE saiu da casa de HH, e afastou-se de vez desta família (Sra. GG, Sr. SS e sua Família).

106. Conhece HH e o seu marido, JJ, desde o ano de 2006.

107. A partir de 2006 visitou algumas vezes HH e o marido JJ.

108. Em datas não concretamente apuradas, o arguido EE trabalhou nas....

109. Em 2017, o arguido EE foi trabalhar com o Sr. AA, na sua empresa, T....... ...........

110. Em 2017, o arguido EE foi morar num quarto na casa de HH.

111. Em data e mês não concretamente apurados do ano de 2020, HH, avó da DD e de BB, contactou os Pastores Presidentes da igreja para fazer uma reunião para averiguar o que se tinha passado entre DD e o Sr. AA, também aqui arguido.

112. Nessa sequência, os Pastores Presidentes afastaram o arguido AA das suas responsabilidades na Igreja e das reuniões na casa de GG, até que toda essa situação fosse esclarecida, tendo este assunto ficado em investigação.

113. Em 2021, o arguido EE também recebeu uma notificação dos pastores Presidentes da igreja a respeito de uma acusação referente à sua pessoa e, nessa sequência, também foi afastado das suas responsabilidades na Igreja, e das reuniões que havia na garagem de GG, até que toda essa situação fosse esclarecida.

114. Nessa altura, saiu da casa de GG e do seu marido, JJ, e foi morar com o arguido AA.

Condições pessoais, sociais e económicas do arguido EE.

115. EE, natural do ..., emigrou para Portugal em 2001, pela pretensão em obter melhorias em termos de rendimento económico, tendo-se posteriormente deslocado para os ....

116. Residiu temporariamente em várias … do grupo Central, de acordo com as oportunidades de trabalho, contudo é na ... que permaneceu por mais tempo e que fixou residência.

117. À data da emigração para Portugal, EE, tinha uma relação conjugal constituída e 2 filhas desse relacionamento, ligação que constituiu com 29 anos de idade.

118. O arguido refere manter a relação conjugal, tendo a cônjuge residido em Portugal durante um ano, tendo, no entanto acabado por regressar ao ... para prestar apoio às filhas, que entretanto se autonomizaram.

119. Cm exceção do período de pandemia, o arguido tem regressado ao ... a cada dois anos, para passar algum tempo com a família.

120. O arguido cresceu num contexto familiar de origem com condições de vida precárias, dependentes do rendimento do progenitor, que detinha um salão de ... masculino, sendo o 3º de 9 irmãos.

121. Quando o arguido tinha 10 anos de idade, a mãe faleceu, tendo sido um tio que acolheu e cuidou do arguido e dos irmãos, ainda que com contacto regular com o progenitor, caracterizando esta situação como afetiva e economicamente equilibrada.

122. O arguido realizou um percurso escolar que culminou com o 1º ano dum curso de ..., abandonando o processo formativo para iniciar um percurso laboral.

123. Trabalhou na área em que usufrui de formação profissional, para um escritório de advogados e posteriormente, para empresas de engenharia civil, mantendo um trajeto profissional integrado.

124. Com a vinda para Portugal, EE tem trabalhado sobretudo como pintor de construção civil, referenciando ter laborado para várias empresas do ramo e também para diversos empreiteiros.

125. Desde 2017, o arguido EE mantém um vínculo profissional com AA, co-arguido neste processo, mantendo a atividade de pintor de construção civil.

126. EE refere auferir um vencimento equivalente ao salário mínimo, ainda que com extras relativos aos trabalhos efetuados ao fim de semana. Desse montante, envia cerca de 250€ para a esposa e despende, com os encargos da habitação, cerca de 250 a 270€ mensais.

127. Aos fins de semana, ocupava-se com funções na Igreja ... e pontualmente em outros trabalhos de construção civil, conforme as solicitações de particulares, trabalhando nesse contexto por conta própria.

128. Após a ocorrência do processo, manteve a frequência da Igreja, ainda que sem exercer funções como ...

129. Localmente, não existem referências negativas ao percurso do arguido, nomeadamente em termos sociais e profissionais, sendo-lhe atribuídas características de integração na comunidade.

130. Assim que se apercebeu do que o estavam a acusar, saiu da casa de HH e afastou-se da família constituída por GG, SS e sua família.

131. Os Pastores Presidentes da igreja, inicialmente chamada D... . ...., e posteriormente chamada Igreja ..., afastaram-no das suas responsabilidades na Igreja e das reuniões na casa destes e na garagem da casa de HH, até que toda a situação fosse esclarecida.

Dos Registos Criminais.

132. O arguido AA não tem antecedentes criminais, nem qualquer registo criminal no seu certificado de registo criminal português.

133. O arguido EE não tem antecedentes criminais, nem qualquer registo criminal no seu certificado de registo criminal português.

*

B - FACTOS NÃO PROVADOS.


(…)


6. O Tribunal da Relação de Lisboa, conhecendo dos recursos, explicitou como se segue os fundamentos daquela que veio a ser a decisão confirmativa (dupla conforme) ora em recurso para o STJ e que reportamos apenas ao arguido AA, único que dela recorreu para este Supremo Tribunal tendo ainda previamente elencado as questões a conhecer resultantes das conclusões dos recursos interpostos:

“(…)

2.1 Questões a tratar

Tendo presente o objeto do recurso, delimitado pelas conclusões dos arguidos/Recorrentes, o que se encontra neste momento sob discussão são as seguintes questões:

i. Se se verifica o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada invocada pelo AA;

ii. Se se verifica o erro notório na apreciação da prova invocado pelo EE;

iii. Se a prova produzida impõe conclusões, quanto aos factos, diversas das afirmadas pelo acórdão recorrido, nos termos invocados pelos Arguidos;

iv. Se as penas parcelares e únicas são desproporcionais face à gravidade dos ilícitos em apreço.

(…)”

2.3.1 Sobre a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, invocada pelo AA.

Defende o AA que o acórdão recorrido padece do vício previsto pelo art. 410.º, n.º 2 a) do Código de Processo Penal (CPP).

Alega para o efeito que resulta claro do texto da decisão que é insuficiente a prova em que o tribunal a quo se apoiou para dar como provados os factos n.ºs 31, 32 e 33, isto é, que a prática de atos sexuais do arguido com as jovens fosse decorrente do ascendente e da proximidade que sobre as mesmas tinha pelo facto de ser pastor da igreja que frequentavam; e que cada um dos Arguidos sabia que o outro levava a cabo atos de índole sexual com as jovens.

Terá razão o AA?

Diz-nos o art. 410.º, n.º 1 a) do CPP, para o que aqui releva, que «(…) o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada».

Este vício consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito sobre a mesma (cfr. Ac. da RL de 18-07-2013, relatado por Rui Gonçalves in www.dgsi.pttodos os acórdãos doravante citados sem indicação da fonte de pesquisa devem ser reportados a este sítio); numa formulação diversa, mas de idêntico sentido, estaremos perante insuficiência da matéria de facto provada quando há factos importantes para a decisão que ficaram por apurar e que eventualmente poderiam implicar alteração da decisão ou os factos dados como assentes, por insuficientes, não permitem a decisão de condenação (cfr. Ac. da RC de 08-02-2017, relatado por Inácio Monteiro).

Ora, nada disto tem que ver com o que se mostra alegado pelo AA neste segmento do seu recurso, visto que aquilo com que o mesmo verdadeiramente se mostra inconformado é com o ter-se julgado suficiente a prova produzida para dar como assentes os factos em causa, e não já com a ausência de factos para a decisão de direito, hipótese, esta última, que poderia caber, sim, na previsão do art. 410º, n.º 1 a) do CPP. Caber-lhe-ia a faculdade de alegar a insuficiência da prova, é certo, mas no contexto da impugnação ampla da matéria de facto, nos termos previstos pelo art. 412.º, n.ºs 3 a), b) e 4 do CPP, o que neste domínio não fez.

Não tem destarte provimento o recurso, nesta parte.

(…)

2.3.3 Sobre a impugnação da matéria de facto

Pondo os Arguidos em causa a suficiência da prova disponível para dar como provados alguns dos factos como tal descritos no acórdão recorrido, compete ao Tribunal da Relação olhar aqueles factos, as provas indicadas pela 1ª Instância e o juízo crítico que sobre elas teceu, e apreciar se são procedentes as razões invocadas nos recursos, à luz das suas conclusões, para exercer censura sobre o decidido.

A uma primeira aproximação, a decisão recorrida encontra-se notoriamente bem fundamentada quanto à matéria de facto: não só enuncia os meios de prova em que se apoia, como faz deles um exame crítico à luz das regras da experiência comum, recorrendo a um discurso que põe a descoberto os raciocínios subjacentes, com o que aponta para conclusões de facto bem estruturadas, consistentes e plausíveis e que, como veremos, não se mostram decisivamente postas em crise pelos argumentos contrapostos nos recursos interpostos.

Defendem os Arguidos que vários são os factos dados como provados na decisão recorrida que deviam ter sido, ao invés, considerados não provados, a partir de uma leitura correta dos meios de prova à luz das regras da experiência comum e que, tendo decidido como decidiu, o Tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo. (sublinhado nosso)

Terão razão?

Vejamos.

Há vários aspetos que se impõe começar por mencionar, por nos parecer terem pertinência tendencialmente transversal para apreciação dos recursos interpostos em matéria de facto por parte dos Arguidos.

§ 1

O princípio in dubio pro reo, a que ambos os Arguidos apelam, é convocável em matéria de prova quando o tribunal se encontre numa situação de dúvida quanto a algum ponto da matéria de facto, circunstância em que a deve resolver em benefício dos arguidos, na lógica concretização do direito à presunção de inocência previsto pelo art. 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, presunção essa da qual o in dubio pro reo é uma manifestação; e, inversamente, já não colhe pertinência este in dubio pro reo quando o tribunal não mostra ter qualquer dúvida quanto aos factos a deles extrair ou, tendo-a tido em algum momento, a teve por esclarecida, convencendo-se positivamente do facto em causa (entre tantos outros, vide o Acs. do STJ de 7.11.2002, da RC de 12.09.2018 e da RP de 28.10.2015, relatados por Oliveira Guimarães, Orlando Gonçalves e Ernesto Nascimento, respetivamente).

Ora, lendo a decisão recorrida, percebe-se que o Tribunal a quo não deu como provado qualquer facto sobre o qual tivesse permanecido numa situação de dúvida não esclarecida por apelo à prova, e nessa medida não se vislumbra que haja ocorrido em algum momento violação do princípio in dubio pro reo.

§ 2

Face à especificidade da natureza dos factos em causa e ao ambiente de reserva e discrição com que os mesmos têm as mais das vezes lugar, não é de esperar uma sua prova direta que vá abundantemente além do depoimento das próprias vítimas. O que em qualquer caso se impõe, para podermos ter os factos correspondentes como provados, é que haja razões para considerar os depoimentos das alegadas vítimas como sólidos e convincentes, à luz de critérios de verosimilhança, coerência, credibilidade e suficiente concreção, tudo lendo segundo a ótica das regras da experiência comum, ganhando aqui um peso particular a imediação própria do momento em que são ouvidas. E no que particularmente concerne à suficiente concreção dos depoimentos, sendo desejável que uma tal concreção seja a maior possível, não podemos porém exigir necessariamente um retrato exato, minucioso, da ordem do detalhe, nomeadamente em termos de localização temporal precisa e de descrição de todas as circunstâncias envolventes, para que se reconheça credibilidade aos relatos, sobretudo quando, como aqui sucede, (i) não se trata de um único episódio, mas de vários, e (ii) os factos ocorreram bastante tempo antes do momento em que os depoimentos são colhidos, o que em concreto é particularmente expressivo no caso das menores BB e CC, com o que isso implica de risco de perdas de memória, sobretudo quando estamos diante crianças ou jovens, para quem o impacto do decorrer do tempo tem um alcance que amiúdes vezes dificulta a retenção de detalhes, para mais quando deles bem poderão querer esquecer-se.

§ 3

Em ordem a alcançar-se uma convicção para além de toda a dúvida razoável, será ainda desejável que os depoimentos das alegadas vítimas, quanto ao seu sentido global, tenham em seu apoio elementos adicionais ou suplementares que, pelo menos num registo circunstancial, corroborem os seus relatos, o que sucede no caso concreto.

§ 4

Resulta do conjunto de toda a prova disponível que havia uma relação de grande proximidade existencial entre os Arguidos e as jovens BB, CC e DD, o que aqueles em boa verdade não questionam, e que torna em geral propício o surgimento, com maior ou menor frequência ou facilidade, de oportunidades para contactos inapropriados, se não numa base quotidiana ou diária, pelo menos ocasionalmente.

§ 5

Não se veem recortados na prova disponível quaisquer motivos ou contextos – nem os Arguidos no-los indicam ou sugerem - que de forma minimamente compreensível e convincente pudessem tornar explicável uma falta de verdade no sentido dos depoimentos das jovens: não se lhes conhece nenhuma motivação ou tendência malévolas ou manipuladoras, que as levassem a suportar o esforço e o sacrifício inerentes à exposição nos autos de experiências da natureza das aqui relatadas, o que bem concorre, a uma primeira abordagem, para que tenhamos os seus relatos como genuínos.

§ 6

Por razões que se prendem em particular com a ausência de imediação e de oralidade, o poder de apreciação do Tribunal de recurso não é equivalente a um segundo julgamento, não podendo pois esperar-se que aí seja encetada uma alteração da matéria de facto provada apenas por ser possível uma outra análise da prova; essa alteração deverá ocorrer apenas se a análise da prova o impuser, como decorre do art. 412.º, n.º 3 b) e c) do CPP, o que significa que não basta contrapor-se à convicção do julgador uma outra convicção diferente para provocar uma modificação na decisão de facto, sendo necessário demonstrar-se que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados é, pelo menos, desprovida de razoabilidade (cfr. sobre esta matéria, entre tantos outros, os Acs. da RL de 10.10.2007 e da RE de 1.04.2008, relatados por Carlos de Almeida e Ribeiro Cardoso; sobre a não imperatividade constitucional de um sistema de «segundo julgamento», vide o Ac. do TC n.º 59/2006, in www.tribunalconstitucional.pt).

Dito isto, olhemos com maior detalhe para cada um dos conjuntos de factos a que se referem os Arguidos.

2.3.3.1 Impugnação da matéria de facto por parte do Arguido AA Factos 14, 15 e 16 (relativos à menor BB):

A motivação constante do acórdão recorrido é convincente.

Não só toca em detalhe o relato da BB em audiência, que vai ao encontro da factualidade dada como provada, e menciona as razões pelas quais o tem como credível, como ainda, e entre o mais, menciona especificadamente o relatório de avaliação psicológica realizado pelo Gabinete Médico-Legal e Forense, que concluíra pela credibilidade do discurso da menor, face à sua consistência e à ausência de indicadores sugestivos de contaminação do discurso, conclusão essa, aliás, idêntica à verbalizada pela testemunha TT, a qual, no exercício da sua profissão de psicóloga, fez-lhe acompanhamento durante algum tempo.

Para além disso, sabe-se (o que também foi evidenciado pelo tribunal a quo), por decorrer daquele mesmo relatório, bem assim como do relatório de avaliação realizado pelo Centro de Desenvolvimento Infanto-Juvenil ..., que a BB apresenta sintomatologia compatível com eventos traumáticos que bem podem ser os aqui em causa; como se sabe ainda que a mãe da BB alude a um comportamento desta que é congruente com tais eventos (não dorme sem luz, sofre de enurese, não quer ir «ao ...», leia-se, onde fica a casa de GG onde os eventos terão ocorrido), referindo ainda que a filha lhe dizia que era ameaçada pela avó paterna e pelo pai para não contar nada.

Acresce ainda o depoimento da testemunha UU, prima da BB e da CC, que frequentava a casa da tia e que disse que os Arguidos estavam sempre lá e que quando se lhe falava em ir à ... ela começava a chorar e não queria ouvir falar do ....

Bem se vê então que a decisão recorrida contém na sua motivação, particularmente nas partes a que sumariamente aqui aludimos, menção especificada e desenvolvida a um acervo probatório a que o AA contrapõe a referência a outros meios de prova, dos quais, porém, não resulta abalado o sentido da decisão recorrida, a saber:

- as suas próprias declarações (negando a prática dos factos): não vemos quaisquer razões para nos distanciarmos da forma como o tribunal a quo justificou a falta de credibilidade com que olha para a posição deste Arguido, sendo particularmente expressiva a circunstância, que menciona, de não ser por ele apresentada qualquer razão que possa explicar os depoimentos de sentido incriminatório para si, provindos da BB e de outras duas jovens; para além disso, importa não esquecer o relatório da avaliação psicológica feita ao Arguido, também referido na decisão recorrida, cujas conclusões apontam para traços de personalidade que justificam sobremaneira que se encare com prudência o seu relato nos autos;

- o depoimento da testemunha VV: trata-se de uma testemunha a cujo depoimento o tribunal a quo não reconheceu espontaneidade e que reside com GG, pessoa que não esconde a relação de amizade que tem com os Arguidos e a quem o tribunal a quo não reconheceu também espontaneidade e credibilidade, em termos que explicou, não vendo nós razões para contrariar essas asserções;

- o depoimento da testemunha GG: testemunha que, como dissemos no parágrafo anterior, não vemos razões para ter por credível; e em qualquer caso, o facto de esta testemunha (ou qualquer outra) dizer que nunca viu nenhum ato da natureza dos aqui em causa ou que nunca acontecia a criança ficar sozinha com o algum dos Arguidos, não significa que tal não possa ter pontualmente acontecido;

- o relatório de perícia de natureza sexual realizado pelo Gabinete Médico-Legal e Forense ... datado de 30/08/2021: é verdade que da avaliação efetuada resultou a ausência de vestígios físicos de contacto sexual, mas não o é menos que o tipo e a natureza dos factos em causa não implicará por regra a persistência de qualquer vestígio, o que o próprio relatório não exclui.

Não merece destarte provimento o recurso do AA quanto aos factos 14, 15 e 16.

*

Factos 18 e 19 (relativos à menor CC):

A motivação constante do acórdão recorrido também é aqui convincente.

Não só aborda desenvolvidamente o relato da CC em audiência, que vai ao encontro da factualidade dada como provada, como menciona as razões pelas quais tem um tal relato como credível, como ainda, e entre o mais, menciona especificadamente o relatório de avaliação psicológica realizado pelo Gabinete Médico-Legal e Forense, que concluíra pela credibilidade do discurso da menor, face à sua consistência e à ausência de indicadores sugestivos de contaminação do discurso.

Por outro lado, faz-se também referência:

- ao depoimento da testemunha WW, ex-namorado e colega de escola da menor, que deu conta de que esta tinha muitos ataques de choro, que a própria justificava com o ter sido «abusada no ... por pastores da igreja», o que o levou a informar a mãe dela, e que a situação era encarada pela CC com medo e vergonha, tudo relevando em suma de um quadro que bem se sabe estar amiúde presente neste tipo de situações;

- ao depoimento da testemunha Oriana Lacerda, madrinha da CC, que não só confirmou também tê-la visto chorar muitas vezes, como fez saber os frequentes ataques de pânico da afilhada, o que também é um sinal expressivamente congruente com o quadro desenhado, como o é também a falta de vontade que lhe via em ir a casa da avó paterna.

Dito isto, contrapõe o Arguido o AA a referência a outros meios de prova, dos quais, porém, não resulta também aqui abalado o sentido da decisão recorrida, a saber:

- as suas próprias declarações, negando a prática dos factos, declarações que não são merecedoras de credibilidade pelas razões que deixámos atrás expostas, que aqui se dão por reproduzidas;

- o depoimento de FF: não vemos em que medida concorra para a credibilização da ideia de que «nada aconteceu» ou de que a prova positiva de sentido contrário não tem consistência bastante – quando muito, poderia pensar-se que teria alguma valia no sentido defendido pelo Arguido a passagem deste depoimento em que a testemunha afirma que a CC não ficava em casa da avó paterna «de noite», mas nem isso, porém, já que os factos em apreço não são situados «de noite», mas «ao anoitecer», o que não é mesmo;

- o depoimento de GG: valem aqui as considerações que deixámos ditas atrás, a propósito das situações relativas à menor BB;

- o relatório de perícia de natureza sexual realizado pelo Gabinete Médico-Legal e Forense ... datado de 26/08/2021: é verdade que da avaliação efetuada resultou a ausência de vestígios físicos de contacto sexual, mas não o é menos, à semelhança do exposto atrás, que o tipo e a natureza dos factos em causa não implicará por regra a persistência de qualquer vestígio, o que o próprio relatório não exclui.

Factos 23 a 28 (relativos à menor DD):

A motivação constante do acórdão recorrido também não merece censura neste domínio.

Aprecia o relato da DD colhido em declarações para memória futura, que vai ao encontro da factualidade dada como provada, explicando por que razões o tem por credível, e alicerça ainda a sua consistência no relatório de avaliação psicológica realizado pelo Hospital 1, que desenvolvidamente esclarece e fundamenta a coerência, verosimilhança e genuinidade do discurso daquela, nesse mesmo sentido concorrendo ainda o depoimento de TT, psicóloga que desde fevereiro de 2020 vem-lhe fazendo acompanhamento psicológico.

Por outro lado, e na mesma senda, faz também o acórdão recorrido referência explicativa ao depoimento de várias outras testemunhas, de cuja análise decorre não só a enunciação de um quadro geral de vida compatível com a ocorrência das situações dadas por provadas, como reforça a credibilidade da DD, merecendo aqui destaque:

- o depoimento da mãe, GG, a qual, no contexto do seu relato, disse que só não apresentara queixa mais cedo porque a filha verbalizava que nesse caso se mataria (o que a Sra. Psicóloga TT também atesta), por medo e vergonha, o que aliás, segundo referiu, terá tentado fazer por duas vezes e converge para um dos segmentos do relatório de avaliação psicológica a que aludíramos, a saber, aquele que reportava comportamentos da DD de evitamento de espaços e pessoas e de automutilação;

- o depoimento do padrasto da DD, SS, que deu conta, entre o mais, de que a presença do AA aterrorizava a DD e de ser comum vê-la a chorar no quarto, escrever frases nas paredes segundo as quais quereria morrer e que fazia referências como «vocês falam isso porque não foi com vocês»;

- o depoimento de XX, tia da DD, que para além de também fazer o relato de comportamentos da sobrinha que evidenciam uma problemática psicológica que tudo indica ser consequência das situações em apreço, relata uma conversa em que a própria lhe confidenciou as situações de abuso por parte dos Arguidos e que só não lhe contara antes por vergonha e medo, por ser por eles ameaçada;

- o depoimento de YY, amiga e colega de escola de DD, que relatou que esta lhe confidenciara ter sido alvo de abusos por parte dos Arguidos, que se sentia culpada (o que é, como se sabe, acrescente-se, uma reação comum entre as crianças e jovens vítimas de abusos sexuais) e deu ainda conta de ter chegado a presenciar ataques de pânico da DD durante as aulas, que a percebia com medo de sair da escola sozinha e do AA, e não gosta de ficar perto dos rapazes da turma (fenómeno de evitamento este que é também consabidamente congruente com as consequências psicológicas previsíveis de atos de abuso);

- o depoimento de ZZ, ex-namorado de DD, que deu conta do medo que aquela manifestava sentir às suas aproximações e que, do mesmo passo, lhe contou que os Arguidos lhe haviam feito mal, neste domínio insistindo mais no AA.

Bem se vê em suma que o acórdão recorrido funda a sua convicção quanto aos factos que dá como assentes num acervo probatório do qual resulta a afirmação positiva de tais factos.

Dito isto, contrapõe o Arguido o AA a referência a outros meios de prova, dos quais, porém, não resulta também aqui abalado o sentido da decisão recorrida, a saber:

- as suas próprias declarações, negando a prática dos factos, declarações que não são merecedoras de credibilidade pelas razões que deixámos atrás expostas, que aqui se dão por reproduzidas;

- o depoimento de GG: valem aqui as considerações que deixámos ditas atrás.

Em suma, não merece censura o acórdão recorrido quanto a este factos n.ºs 23 a 28.

(…)

3 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao (s) recurso (s), confirmando-se o acórdão recorrido.

(…)”

*


7. Admitido o recurso e remetido a este Supremo Tribunal de Justiça, o MºPº emitiu parecer, alegando que:

“O recorrente não cumpriu o ónus de formular conclusões;

O recurso deve ser parcialmente rejeitado (salvo no que respeita à medida da pena única), perante a dupla conforme formada;

O Tribunal “a quo”, ao sancionar a pena única aplicada pelo Colectivo, apreendeu e valorou devidamente a natureza e gravidade dos factos-crime em causa e a personalidade do arguido, na sua relação dialéctica e expressão ético-social, aplicando uma sanção juta e criteriosa.

Motivo por que:

-Deverá o recorrente ser notificado para formular conclusões, sob pena de rejeição do recurso (I, A).

Se assim não se entender:

-Deverá o recurso ser rejeitado, salvo no que respeita à impugnação da medida da pena única (I, B);

-Deverá, no restante, o recurso ser julgado não provido e improcedente, sendo de manter os termos da decisão recorrida (II).”

8. Por sua vez o arguido AA respondeu ao parecer, concluindo:


“(…)

1.No seu douto parecer, em conclusão, o Exm.° Sr.° Procurador-Geral Adjunto, suscita a titulo de questão prévia, que deverá o recorrente ser notificado para formular conclusões, sob pena de rejeição do recurso, na medida em que em seu entender, as mesmas, pecando por excesso... assumem demasiada extensão e densidade discursiva...;

2.Salvaguardado o devido e elevado respeito por tal parecer, ousamos ainda assim discordar porquanto, a mencionada extensão e densidade discursiva, mais não é do que a forma humildemente "imperfeita" de salientar o que deve ser salientado em ordem a definir no cotejo da narrativa recursória (emergente das motivações)... o seu objeto essencial;

3. Consentido, destarte, identificar as questões submetidas a escrutínio, o que claramente foi alcançado posto que o Exm.° Sr." Procurador-Geral Adjunto, dificuldades não teve em identificar (e muito bem) o objecto do recurso do arguido.

4. No que concerne, ao mérito do recurso uma vez mais, com o devido e elevado respeito, não pode a defesa de todo concordar com o sentido do parecer do Exm.° Sr.° Procurador-Geral Adjunto, pelo que, reiterando as motivações e conclusões do recurso apresentado, somos a pugnar pela procedência do mesmo, assim se fazendo a tão acostumada justiça.”

9. Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora explicitar a deliberação tomada.


II- Delimitação das questões a conhecer no âmbito do presente recurso


2.1. Visando permitir e habilitar este Supremo Tribunal a conhecer, nos limites da sua competência, as razões de discordância da decisão recorrida e tal como tem sido, aliás, posição pacífica da jurisprudência, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, devidamente congruentes, que o(s) recorrente(s) extrai(em) da respectiva motivação, sem prejuízo da ponderação das questões que sejam de conhecimento oficioso. (1)


A crítica do MPº dirigida à formulação de inexistência de conclusões, que preferimos antes, ao invés, ler como alegação de conclusões imperfeitas, tem alguma razão de ser. Na verdade, no texto original do recurso, foram elas condensadas em parágrafos extensos, sem esforço de concisão, e cada conclusão tem quase duas páginas de texto denso, sem qualquer parágrafo, exacerbado apesar da natureza algo lacónica e difusa do pedido formulado. Mas ainda assim, no rearranjo de texto e formatação que, em ganho de tempo, se optou oficiosamente poder fazer-se, sem com tal vir mal algum ao mundo, transparece a nossa perspectiva de que, embora mal desenhadas as conclusões, se retira delas com suficiência o sentido argumentativo dirigido ao tribunal ad quem. Não cremos, porém, ter-se atingido um limite tal de imperfeição que justificasse agora mais delonga com eventual convite a aperfeiçoamento.


2.2. Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir no presente recurso, sem prejuízo das que possam existir de conhecimento oficioso, por ordem de precedência lógica, são:

A. O recurso e o limite de competência do STJ perante as 4 questões enunciadas e em face da dupla conformidade resultante da decisão pelo Tribunal da Relação.


A saber:

i. Da insuficiência para a decisão de direito da matéria de facto provada (artigo 410° n°2 alínea a) do CPP)

ii. Da violação dos Princípios da Presunção da Inocência e In Dubio Pro Reo referente à condenação do Recorrente.

iii. Da Inconstitucionalidade do artigo 127.° do Código de Processo Penal, na interpretação normativa com que foi aplicada no Acórdão Recorrido.

iv. Da Dosimetria das Penas Parcelares e Da Pena Única Aplicada em Cúmulo Jurídico.

B. As questões enunciadas cognoscíveis pelo STJ


III- O Direito


1º Questão- A Competência do STJ


A decisão de admissão do recurso não vincula o tribunal superior (cfr, o art.º. 414º/3 do Código de Processo Penal).


O presente recurso foi interposto de uma decisão do Tribunal da Relação que confirmou integralmente e sem voto de vencido a decisão da 1ª instância, a qual condenara o arguido AA por 8 crimes, em penas parcelares, todas elas inferiores a 5 anos de prisão, sendo delas uma de 4 anos, a mais elevada e, em cúmulo jurídico das penas de prisão parcelares e das penas acessórias parcelares indicadas em 1 a 6 do Acórdão condenatório, na PENA ÚNICA de 10 (dez) anos de prisão e, ainda, nas penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 15 (quinze) anos.


Trata-se, pois, de um recurso interposto de uma decisão proferida pelo Tribunal da Relação, também em recurso, e com dupla conforme.


Caso a pena unitária aplicada o tivesse sido até ao limite de 8 anos de prisão, com a constatação da dupla conforme face ao decidido no TRL, nem sequer o arguido poderia recorrer para o STJ e, portanto, todas as questões atinentes às condenações nas penas parcelares pelos respectivos crimes, nelas incluída a da invocação de vícios como o da insuficiência para a decisão de direito da matéria de facto provada, seriam desde logo insindicáveis. A única que poderá sê-lo ainda atém-se somente à avaliação da proporcionalidade da pena unitária aplicada ao cúmulo jurídico, como de seguida explicaremos.


O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito (artigos 46.º da LOSJ e artigo 434.º do Código de Processo Penal), sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º, alíneas estas que se reportam:


a) decisões das relações proferidas em 1.ª instância e


c) acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos”,


e que não é o caso dos autos pois, como se viu, houve uma decisão do tribunal colectivo da 1ª instância que foi confirmada totalmente em recurso pelo Tribunal da Relação e aplicou uma pena unitária superior a 8 anos.


O recurso, como acontece no caso agora em concreto, será admissível para o STJ apenas nos termos da alínea b) do CPP, segundo a qual essa admissibilidade decorre da incidência sobre decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;


Por seu lado, o artº 400º, nº1 do CPP, na sua alínea f), dispõe que não se admite recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.


Consequentemente, o recurso para o STJ, quando haja dupla conforme, só abrange, como acontece no caso concreto, a discussão sobre a pena unitária aplicada, por ser superior a 8 anos de prisão, tendo vindo a ser entendimento acolhido, pensamos que já largamente maioritário, o de que a interposição de recurso com base na invocação da existência dos vícios do artº 410º, onde se inclui aquele alegado ( insuficiência para a decisão de direito da matéria de facto provada), não é admissível, sem prejuízo de, apenas sendo de tal modo evidentes ou manifestos, poderem ainda ser conhecidos oficiosamente.


Na verdade, com a alteração do art.º 400º do Cod. Proc. Penal (introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21/02), o legislador pretendera já reduzir a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente aos acórdãos proferidos, em recurso pela Relação, constituindo jurisprudência sedimentada que, ocorrendo “dupla conforme” e tendo sido aplicadas várias penas, por crimes em concurso, que foram objecto da aplicação de uma pena única em cúmulo jurídico (nos termos do art. 77º do Cod. Penal), só será admissível recurso para este Supremo Tribunal quanto à pena única que for superior a 8 anos de prisão e quanto aos crimes punidos também com penas desta dimensão.


O Tribunal Constitucional também já se pronunciara sobre esta questão e decidiu, no seu Ac. nº 186/2013, “não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, “na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão” (itálico nosso).


No regime de recursos em vigor, na sequência das alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei n.º 94/2021, de 21 de Dezembro ( e que ampliou o regime de admissão de recursos ordinários para o Supremo Tribunal de Justiça (1) , apenas nos casos previstos no artigo 432.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal, o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer da invocada existência dos vícios da decisão previstos no n.º 2 do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, em conformidade com o artigo 434.º do Código de Processo Penal :“O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do artigo 432.°.”


Com fundamento nos vícios previstos no artigo 410.º do Código de Processo Penal ou com fundamento em nulidade não sanada (artigo 379.º, .º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), apenas cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões das relações proferidas em 1.ª instância ou nos casos de recurso directo de acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos.


Assim, para além dos casos previstos no artigo 432.º, n.º 1, alínea a) e c), do Código de Processo Penal, não é admissível recurso de acórdão da Relação proferido em recurso com um dos fundamentos previstos no artigo 410.º, do Código de Processo Penal, pois com esses fundamentos apenas é admissível recurso de decisões proferidas em 1.ª instância, incluindo a Relação, se os demais pressupostos legais também estiveram verificados.


A jurisprudência deste Supremo Tribunal assim tem entendido, como se pode ler, entre outros, no Ac. de 14 de março de 2018, processo 22/08.3JAL RA.E1.S1:“(…)estando o STJ impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, estará também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que digam respeito a essa decisão, tais como os vícios da decisão indicados no artigo 410º do CPP, respetivas nulidades (artigo 379º e 425º, n.º 4) e aspetos relacionadas com o julgamento dos crimes que constituem (…)”


No mesmo sentido, mais recentemente, vd. o Ac. de 06/04/2022, Proc. 85/15.5GEBRG.G1.S1, publicado no mesmo site da DGSI.


Trata-se de jurisprudência reiterada neste Supremo Tribunal, da qual não se vê razão para divergir. Sobre esta matéria, em síntese jurisprudencial, aliás também mencionada no parecer do MP (Acórdãos do STJ de 11.11.2020, P-74/17.5JACBR.C1.S1;de 17.06.2020, P- 91/18.8JALRA.E1.S1 e o Ac. do STJ de 27.01.2022, P-960/19.8JAAVR.P2.S1). podem ver-se ainda o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-2-2024, no processo n.º 424/21.0PLSNT.S1.L1.S1, o acórdão de 01.03.2023, Proc. 685/10.0GDTVD.L2.S1, retomando o acórdão de 30.11.2022, Proc. 1052/15.4PWPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele citada, de 15.02.2023, já citº, e o acórdão de 02.12.2021, Proc.º 923/09.1T3SNT.L1.S1, em www.dgsi.pt); (cfr ainda o comentário de Pereira Madeira ao artigo 400º - Henriques Gaspar et alii, Código de Processo Penal Comentado, 4ª ed. 2022).


Sabemos que ocorre uma situação de “dupla conforme”, assente na identidade de concordância entre duas instâncias na apreciação, vg. quanto ao mérito da causa, pelo que, no caso, o recurso apenas será admissível quanto à impugnação da pena única aplicada (cfr, arts. 400º/1-e ) e f) e 432º/1-b) do Código de Processo Penal) .


O conceito de “dupla conforme” está ínsito ao artº. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP.


Aliás, como esclarece Eduardo Maia Costa, no acórdão de 26.02.2014 (proc. n.º 851/08.8TAVCT. G1. S1), “a confirmação não significa nem exige a coincidência entre as duas decisões. Pressupõe apenas a identidade essencial entre as mesmas, como tal devendo entender-se a manutenção da condenação do arguido, no quadro da mesma qualificação jurídica, e tomando como suporte a mesma matéria de facto).E esta confirmação admite mesmo, no seu significado, se for o caso, “a própria atenuação da pena (…)”.[Entre a variada jurisprudência citada no parecer do MP no Acórdão referido, ver ainda recentemente, os acórdãos do STJ de 24.11.2022, relatado por Helena Moniz e de 30.11.2022, relatado por Lopes da Mota. Como se assinala neste último citado acórdão “Em jurisprudência firme, tem o Tribunal Constitucional sublinhado que o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição «não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição», isto é, de «um duplo grau de recurso», «em relação a quaisquer decisões condenatórias» (cfr. por exemplo, os acórdãos 64/2006, 659/2011 e 290/2014 do TC; assim, nomeadamente, os acórdãos de 9.10.2019 cit., de 14.03.2018, ECLI:PT:STJ:2018:22.08. 3JALRA.E1.S1.48 e de 12.12.2018, Proc. 211/13.9GBASL.E1.S1, www.stj.pt/wp-content/uploads/2019/06/criminal_ sumarios _ 2018.pdf, bem como o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 14/2013, n.ºs 11 e 12).]


O recurso do arguido impugna a suficiência para a decisão de direito da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal.


Para tanto, condensou nas conclusões deste segmento recursivo que:

“(…) resulta claro do texto da decisão recorrida, sem sequer ser necessário o recurso a qualquer elemento externo à mesma, que a alegada prática de actos sexuais do arguido, com as jovens, não era decorrente de um efetivo ascendente e elo de proximidade que sobre as mesmas tinha o arguido pelo facto de ser pastor da igreja que frequentavam.

Outrossim, da leitura atenta do texto da decisão recorrida, sem recurso a qualquer outro elemento externo à mesma, não resulta demonstrado, como faz o texto da decisão quanto aos factos relativos à menor DD, sobremaneira quando nos atendemos nos factos 23 a 25, ou ainda no facto 26, não resultando por razoável a suficiência dos factos apurados para se decidir sobre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crime verificáveis e os demais requisitos necessários à decisão de direito.

Donde temos por verificado, com base nas razões acima aduzidas, que de leitura atenta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, resulta objetivamente que os factos tidos por provados são insuficientes para a decisão de direito, em ordem a dar por assente os pontos, 23 a 25, o ponto 26, e ainda os pontos 27 e 28, e a consequente condenação…”

O que pretende o recorrente com esta alegação?


Em primeiro lugar, tendo em conta desde logo a narrativa de discordância que vem prosseguindo desde o recurso do acórdão da 1º instância, parece confundir prova de factos com insuficiência de factos e insuficiência de factos com alusão a elementos (a ascendência do arguido como pastor da Igerja e sua proximidade) que não fazem parte do tipo penal previsto no artº 171º do CP.


Convoca, na verdade, um raciocínio inconsequente, dizendo que:- “ a alegada prática de actos sexuais do arguido, com as jovens, não era decorrente de um efetivo ascendente e elo de proximidade que sobre as mesmas tinha o arguido pelo facto de ser pastor da igreja que frequentavam….)”


E remata, dizendo que “a decisão de direito não assenta em factos suficientes, “(…) “não resulta demonstrado (…) não resultando por razoável a suficiência dos factos apurados para se decidir sobre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crime (…)”.


Assim, logo surge confusa a afirmação na alegação que a suporta, salvo o devido respeito, e terá de ser melhor compreendida.


No recurso para o Tribunal da Relação esta questão foi colocada, ainda que mais especificamente com alusão aos factos atinentes aos elementos subjectivos (pontos 31 /32) e às ameaças se as menores contassem a alguém (33).


No recurso para o STJ a questão, no essencial, é a mesma, e que acaba por salientar com reforço alusivo embora aos factos (objectivos) relativos à acção sobre a menor DD ( de 26 a 29) acabando pois por ser repristinada apesar de ter sido decidida pela Relação, em dupla conforme, desde logo apenas com respeito aos crimes cujas penas parcelares ficaram abaixo dos 8 anos de prisão. Ademais, a questão da decorrência de ascendência e proximidade como pastor da igreja pentecostal que as menores frequentavam não é matéria em si fundamental para subsunção na configuração típica prevista no art.º 171º nº1 e 2 do CP. Seria, antes, um meio para facilitar a acção realizada ou para a manter oculta perante terceiros. Por isso, não pode invocar o arguido, de novo, o mesmo vício já conhecido e decidido pela Relação, ainda para mais atinente a crimes cujas penas parcelares são inferiores a 8 anos de prisão.


Do mesmo modo, como antes explicámos acerca dos limites de competência do STJ em caso de dupla conforme, prejudicadas estarão já (por ininvocabilidade neste novo recurso) as questões reenunciadas pelo recorrente (violação dos princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo, referentes à sua condenação pelos crimes em concurso e à inconstitucionalidade do artigo 127.° do Código de Processo Penal na interpretação normativa com que foi aplicada no Acórdão Recorrido), cujo alcance, ainda que tendo a natureza de questões de direito, visaria apenas reflexos na desconstrução, se procedentes fossem, da matéria de facto consolidada quanto aos elementos objectivos e subjectivos dos crimes imputados), bem como relativamente à modificabilidade das penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão:


São, pois, segmentos de análise e conhecimento precludidos por força da dupla conforme surgente da decisão do Tribunal da Relação.


Posto isto, sobra meramente a avaliação da proporcionalidade e medida da pena unitária alcançada.


2ª Questão, remanescente: A desproporcionalidade da medida da pena unitária.


O arguido AA foi, além do mais, condenado em cúmulo jurídico das penas de prisão parcelares e das penas acessórias parcelares indicadas em 1 a 6, na PENA ÚNICA de 10 (dez) anos de prisão e nas penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 15 (quinze) anos.


As penas parcelares (de prisão) aplicadas, são de 4 anos (a mais grave) no mínimo e somam materialmente 19 anos de prisão (2+4+3+2+2+2+2+2 anos de prisão.) As penas acessórias são, todas elas, de 7 anos cada uma.


O arguido apenas impugna o quantum da pena única de prisão.


Para o efeito, além de uma plêiade de considerandos de natureza, sobretudo dogmática, sobre os fins das penas, remata com o seguinte argumentário, quase todo ele até mais em consequência da proposta diminuição das penas parcelares (estas, porém, como se viu já, inalteráveis):


(…) a defesa pugna por penas parcelares mais homogéneas entre si, considerando o quadro fáctico.


(…) Assim somos em crer que face ao conjunto dos factos praticados pelo arguido seria uma solução mais ressocializadora, que não deixa de ser punitiva e de acautelar as exigências de prevenção geral, a aplicação de uma pena mais reduzida.


Até porque o arguido já tem 52 anos e esta é a primeira condenação pela prática de um crime. Vivendo num meio pequeno, foi certamente já ostracizado pela comunidade e censurado socialmente.


Donde não se alcança a necessidade no cumprimento de uma pena de prisão efectiva tão longa, em ordem a afastar o arguido deste tipo de condutas e o faça interiorizar o desvalor destes comportamentos.


Concretizando estes critérios, considerada a homogeneidade e a (relativa) proximidade temporal dos crimes, a personalidade do arguido, avaliada na perspetiva global que se projeta e que é também revelada pela natureza e pelas circunstâncias dos diversos acontecimentos, aponta para a aplicação de uma pena única, em cúmulo jurídico, substancialmente inferior aos dez anos que foi aplicada.”


Ou seja, em concreto, limita-se apenas a fazer apelo à sua idade (52 anos), à primariedade criminal e ao facto de viver num meio pequeno, tendo sido já ostracizado pela comunidade e censurado socialmente.


Vejamos se tem ou não razão e se alguma modificação poderá ou não ser efectuada na pena unitária fixada em concurso.


Neste conspecto o tribunal da Relação entendeu o seguinte (negritos nossos:


“(…)


Mostram-se os Arguidos inconformados com as penas parcelares e únicas aplicadas, considerando que umas e outras são desproporcionais, por excessivas, tendo em conta os factos em referência e as regras gerais de determinação da medida das penas:


- o AA propugna uma maior homogeneidade nas penas parcelares, mais próximas da pena de um ano de prisão, e uma pena única substancialmente inferior aos dez anos de prisão fixados;


- o EE não faz nenhuma concretização do quantum de redução das penas parcelares e unitária que tem por ajustada.


Assistir-lhes-á razão?


Cumpre começar por recordar que o tribunal de recurso não decide como se inexistisse uma decisão de primeira instância, isto é, não é de um re-julgamento aquilo de que aqui se trata, ora na parte da determinação das penas, donde resulta que pode e deve intervir-se na pena, alterando-a, apenas quando são detetadas incorreções ou distorções no percurso de fundamentação desenvolvido em primeira instância ou na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide o tribunal de recurso, destarte, como se o fizesse ex novo, não podendo assim deixar de reconhecer-se alguma margem de atuação ao tribunal de primeira instância. No fundo, a medida concreta das penas apuradas em primeira instância é passível de alteração quando se mostre que foram desrespeitados os princípios gerais e as operações de determinação impostas por lei, a indicação e a consideração dos fatores de medida da pena, mas não abrangerá a fixação, dentro desses parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada (cfr. Acs. do STJ de 14.10.2015, 12.07.2018 e 19.05.2021, relatados por Pires da Graça, Raul Borges e Ana Barata Brito, in www.dgsi.pt).


Dentro desta margem de atuação, e olhando o acórdão recorrido, percebe-se que o mesmo cumpre todas as exigências de fundamentação em matéria de determinação da medida das penas parcelares e única.


Com efeito, o acórdão recorrido:


(i) enuncia acertadamente as regras legais aplicáveis e convoca abundantes referências de jurisprudência em matéria de penas aplicadas dentro desta área da criminalidade;


(ii) expõe especificada e desenvolvidamente os concretos fatores a considerar em cada segmento relevante, a saber, e nomeadamente, no que toca à aferição do grau de ilicitude dos factos, do tipo e intensidade do dolo, do nível de culpa e das exigências de prevenção geral e especial, não se mostrando que em alguma dessas passagens tenha a primeira instância incorrido em algum erro, lapso ou omissão;


(iii) e conclui quantificando o seu juízo em medidas parcelares e única de penas que não surgem como merecedoras de alguma censura, nomeadamente na dimensão da sua proporcionalidade.


A este último nível, e no que toca às penas parcelares, repare-se que, com ressalva das aplicadas aos ilícitos reportados aos factos n.ºs 27 a 30, todas as penas encontradas se situam abaixo do terço inferior da moldura legal; e quanto aos ilícitos reportados àqueles factos n.ºs 27 a 30, a valoração da primeira instância é mais severa, com efeito, situando-se em torno do meio da moldura, mas essa maior severidade de avaliação não se nos mostra desajustada face às circunstâncias concretas de cometimento dos factos e à consequente maior censurabilidade relativa de que os Arguidos são merecedores e à maior intensidade das correspondentes exigências preventivas – note-se que em relação aos factos n.ºs 27 e 28, a DD, em resultado da atuação do AA, sangrou e teve dor; em relação ao facto n.º 29 o EE forçou o contacto, ante alguma resistência da DD; e o que se descreve sob o ponto n.º 30 é um conjunto mais alargado e temerário de gestos, também acompanhados de alguma resistência da DD.


E quanto às penas únicas, os resultados a que a primeira instância chegou também não merecem censura: (negrito nosso)


- quanto ao AA, face a uma moldura entre 4 e 19 anos, fixou a pena única em 10 anos, um pouco acima do terço daquela moldura (fixável em 9 anos);


- e quanto ao EE, face a uma moldura entre 3 e 9 anos, fixou a pena única em 6 anos, também um pouco acima do terço da moldura (fixável em 5 anos).


Não cremos que esta valoração feita pelo Tribunal a quo seja desproporcional face ao número, ao contexto e à gravidade e consequências previsíveis do conjunto das condutas de cada um dos Arguidos; na verdade, um abaixamento da medida das penas únicas que lhes fixou teria um efeito de injustificada desvalorização do grau de ilicitude global dos seus comportamentos e das intensas exigências preventivas que a dinâmica conjunta da situação convoca.


Cumpre começar por recordar que o tribunal de recurso não decide como se inexistisse uma decisão de primeira instância, isto é, não é de um re-julgamento aquilo de que aqui se trata, ora na parte da determinação das penas, donde resulta que pode e deve intervir-se na pena, alterando-a, apenas quando são detetadas incorreções ou distorções no percurso de fundamentação desenvolvido em primeira instância ou na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide o tribunal de recurso, destarte, como se o fizesse ex novo, não podendo assim deixar de reconhecer-se alguma margem de atuação ao tribunal de primeira instância. No fundo, a medida concreta das penas apuradas em primeira instância é passível de alteração quando se mostre que foram desrespeitados os princípios gerais e as operações de determinação impostas por lei, a indicação e a consideração dos fatores de medida da pena, mas não abrangerá a fixação, dentro desses parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada (cfr. Acs. do STJ de 14.10.2015, 12.07.2018 e 19.05.2021, relatados por Pires da Graça, Raul Borges e Ana Barata Brito, in www.dgsi.pt).


Dentro desta margem de atuação, e olhando o acórdão recorrido, percebe-se que o mesmo cumpre todas as exigências de fundamentação em matéria de determinação da medida das penas parcelares e única.


Com efeito, o acórdão recorrido:


(i) enuncia acertadamente as regras legais aplicáveis e convoca abundantes referências de jurisprudência em matéria de penas aplicadas dentro desta área da criminalidade;


(ii) expõe especificada e desenvolvidamente os concretos fatores a considerar em cada segmento relevante, a saber, e nomeadamente, no que toca à aferição do grau de ilicitude dos factos, do tipo e intensidade do dolo, do nível de culpa e das exigências de prevenção geral e especial, não se mostrando que em alguma dessas passagens tenha a primeira instância incorrido em algum erro, lapso ou omissão;


(iii) e conclui quantificando o seu juízo em medidas parcelares e única de penas que não surgem como merecedoras de alguma censura, nomeadamente na dimensão da sua proporcionalidade.


A este último nível, e no que toca às penas parcelares, repare-se que, com ressalva das aplicadas aos ilícitos reportados aos factos n.ºs 27 a 30, todas as penas encontradas se situam abaixo do terço inferior da moldura legal; e quanto aos ilícitos reportados àqueles factos n.ºs 27 a 30, a valoração da primeira instância é mais severa, com efeito, situando-se em torno do meio da moldura, mas essa maior severidade de avaliação não se nos mostra desajustada face às circunstâncias concretas de cometimento dos factos e à consequente maior censurabilidade relativa de que os Arguidos são merecedores e à maior intensidade das correspondentes exigências preventivas – note-se que em relação aos factos n.ºs 27 e 28, a DD, em resultado da atuação do AA, sangrou e teve dor; em relação ao facto n.º 29 o EE forçou o contacto, ante alguma resistência da DD; e o que se descreve sob o ponto n.º 30 é um conjunto mais alargado e temerário de gestos, também acompanhados de alguma resistência da DD.


E quanto às penas únicas, os resultados a que a primeira instância chegou também não merecem censura:


- quanto ao AA face a uma moldura entre 4 e 19 anos, fixou a pena única em 10 anos, um pouco acima do terço daquela moldura (fixável em 9 anos);


- e quanto ao EE, face a uma moldura entre 3 e 9 anos, fixou a pena única em 6 anos, também um pouco acima do terço da moldura (fixável em 5 anos).


Não cremos que esta valoração feita pelo Tribunal a quo seja desproporcional face ao número, ao contexto e à gravidade e consequências previsíveis do conjunto das condutas de cada um dos Arguidos; na verdade, um abaixamento da medida das penas únicas que lhes fixou teria um efeito de injustificada desvalorização do grau de ilicitude global dos seus comportamentos e das intensas exigências preventivas que a dinâmica conjunta da situação convoca.


(…)”


Vejamos ainda o que, em conjunto, referiu a 1ª instância, quer no tocante às penas parcelares quer à pena unitária, desde já se sublinhando que aí se teve a preocupação de, ao menos, se estabelecer um termo aproximado de comparação com o decidido em situações similares quer no STJ quer na Relação ( a tabela apresentada resulta da conversão digital possível do texto original):

“ (…)Tenhamos em conta os seguintes acórdãos elencados em tabela no Acórdão da Relação de Lisboa de 11/03/2021, relatado por Abrunhosa de Carvalho, proferido no Processo nº 179/19.8JDLSB.LI-9, disponível em www.dgsi.pt, relativos a crimes de abuso sexual de crianças, no que respeita, designadamente, aos atos em concreto praticados, número de crimes e penas aplicadas:
STJ de 22/04/2017 Rel. Gabriel CatarinoProc. 53/10.3PAVFX In www.dgsi.ptConversas “on line”de teor sexual8 crimes; penas parcelares de 1 ano de prisão; pena única (em cúmulo com outros crimes) de 5 anos de prisão, suspensaArg. primário; confissão parcial
Proc. 351/16.2JAPRT in www.dgsi.ptArg. roçava o pénis na vítima e ejaculava; coito vaginal7crimes; penas parcelares entre 2 e 4 anos de prisão; pena única de 5 anos e 3 meses de prisãoArg. primário; confessou
STJ de 22/02/2018 Rel. Francisco Caetano
STJ de 13/03/2019 Rel. Lopes da MotaProc. 610/16.4JAAVR in www.dgsi.ptMenor de 11 anos; filho do Arg.;

Exibição de nudez completa e coito anal

16 crimes; penas parcelares de a anos de prisão; pena única de 12 anos de prisãoArg. primário, Sem arrependimento
STJ de 27/11/2019 Rel. Manuel Augusto de MatosProc. 784/18.0JAPRT in www.dgsi.ptApalpões, masturbação e coito anal38 crimes; penas parcelares entre 2 e 5 anos de prisão; pena única de 14 anos de prisão
STJ deProc.Beijos; coito6 crimes;Arg. primário;
27/11/2019 Rel.Nuno Gonçalves1257/18.6SFLSB in www.dgsi.ptvaginal e coito analpenas parcelares de 3anos deprisão; pena única de 6 anos e 10 meses de prisãoconfissão parcial
STJ de 19/02/2020 Rel. Manuel Augusto de MatosProc. 155/16.2JALRA in JusNet 1944/2020Menor de 6 anos; toques no pénis, beijos na

boca, exibição de pornografia, toques na vagina e apalpões nas mamas da vítima,

8crimes; Penas parcelares de 2anos de prisão; pena única de 5anos de prisão, suspensaArg. tem antecedentes

confessou os factos

STJ de 02/07/2020 Rel. Clemente LimaProc. 989/17.0PZLSB in www.dgsi.ptMenor neta do Arg.; coito vaginalMais de 300 crimes; penas parcelares entre 6 meses de prisão e 4 anos e 6 meses de prisão; pena única de 14 anos de prisão
RL de 10/09/2020 Rel. Cristina SantanaProc. 948/18.6T9LSB in www.dgsi.ptMenor de 12 anos;carícias nas mamas e lamber a vaginada menor3 crimes; penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão; pena única de 3 anos e 10 meses de prisãoArg. com antecedentes
*

Quanto ao arguido AA:

O grau de ilicitude dos factos é elevado, tendo em conta a idade das menores CC, BB e DD à data dos factos, o facto de o arguido aproveitar-se da ingenuidade de três menores no campo sexual, o facto de o arguido aproveitar-se de ter um relacionamento de amizade e de proximidade com as pessoas de referência das menores (designadamente, FF, mãe das menores CC e BB, HH, avó de BB e de DD, e de GG, mãe de DD), de ser patrão do pai de BB (AAA) e do tio de BB (BBB), de frequentar com regularidade a casa onde as menores habitavam ou estavam com frequência (casa de HH), de aproveitar-se do facto de participar ativamente nas celebrações religiosas/missas realizadas na garagem de HH, enquanto pastor da igreja ..., assistidas pelas menores e familiares e o facto de as menores terem ficado perturbadas com os atos de que foram vítimas, carecendo de acompanhamento psicológico em consequência de tais atos e revestindo os atos, em si, cometidos pelo arguido de elevada gravidade pela elevada carga de intromissão na esfera íntima das menores.

O dolo foi direto e intenso.

A culpa do arguido no contexto dos crimes cometidos é elevada, aproveitando-se o arguido da ingenuidade e confiança de três menores - BB, CC e DD, para satisfazer os seus instintos sexuais.

O arguido não apresenta antecedentes criminais e está familiar, profissional e socialmente inserido, contudo revelou total ausência de sentido crítico em relação à gravidade dos seus atos e à repugnância que os mesmos provocam, não reconheceu a prática de nenhum facto, não denotou arrependimento ou reflexão sobre a gravidade e a elevada reprovabilidade dos seus comportamentos, negando a prática dos factos, afigurando-se elevadas as necessidades de prevenção especial.

As necessidades de prevenção geral são muito elevadas. Os crimes em causa, pela sua natureza, são dos crimes que maior alarme social provoca, tendo em conta o bem jurídico ameaçado e a sua relevância - o livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual.


Tudo ponderado, o tribunal coletivo considera adequado condenar o arguido

AA Santos nas penas parcelares de(…)

*

Em cúmulo jurídico das parcelares supra aplicadas, em que como limite máximo temos o somatório das penas parcelares - 19 anos de prisão – e como limite mínimo temos a pena parcelar mais elevada - 4 anos de prisão (cfr. art.º 77.º, nº 2, do Código Penal), e considerando, em conjunto os factos e a personalidade do arguido AA, julgamos adequado fixar a pena única de 10 (dez) anos de prisão e as penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 15 (quinze) anos.

*

(…) “


Do contexto provado podemos retirar, em traços mais sintéticos, uma actividade sobre as menores localizada entre 2015 e 2020, mais acentuadamente neste último ano. As menores nasceram em 2005 (DD) 2009 (CC) e 2010, (BB) tendo uma idade de grande vulnerabilidade à data dos acontecimentos. O impacto psicológico danoso sobre as menores foi muito intenso, tendo a menor DD tentado suicídio, o que pressupõe um evidente sofrimento interior intenso. O meio social em que as circunstâncias se desencadearam é pequeno e a repercussão dos factos eivada de forte censurabilidade, se bem que o arguido tenha um percurso de integração socio profissional aceitável e ele próprio considere ter uma situação estável e organizada, em termos pessoais, profissionais e económicos, para o que considera ter contribuído o seu esforço e dedicação.


Tem um nível de vida compatível com os ganhos de um salário mínimo, tendo como despesas mensais cerca de 250€, referentes aos pagamentos de renda de casa e fornecimentos de água, luz e gás, dividindo a habitação e as despesas referentes a esta, com o co-arguido EE.


Em termos de relacionamentos afetivos o arguido Avelino não apresenta estabilidade, já que apenas teve relações de curta duração, com exceção de uma relação marital que manteve durante cerca de 4 anos e que terminou em 2006. Tem um filho com 31 anos nascido de uma relação efémera.


O arguido AA não tem antecedentes criminais, nem qualquer registo criminal no seu certificado de registo criminal português.


Era pastor de uma igreja, daí decorrendo, de forma que cremos ser incontroverso, segundo as regras da experiência e da vida, uma maior exigência de comportamento e de exemplo perante os crentes da comunidade em que se inseria e a expectativa de um maior grau de confiança na relação com eles estabelecida.


O impacto social deste tipo de comportamentos, ainda por cima em meios mais pequenos ou mais fechados ao mundo (por razões diversas, nomeadamente a distância ou o isolamento territorial) impõe por si um grau de prevenção geral muito elevado e uma acção preventiva persuasiva por forma a que não seja irremediavelmente quebrada a necessidade de estabelecimento de elos comunitários fortes e de segurança com os representantes mais carismáticos do ponto de vista social, pedagógico, político, cultural ou religioso ou das populações ou quem se assuma como exemplo ou referência de vida para as comunidades convivenciais.


É hoje consensual a ideia de que a determinação concreta da pena não está dependente de qualquer exercício discricionário ou “arte de julgar” do juiz, não se compadece com o recurso a critérios de índole aritmética, nem almeja uma “precisão matemática”, antes reclama a ponderação e valoração das finalidades de prevenção das penas e dos critérios da sua escolha e dosimetria, sempre por referência à culpa do agente, como seu necessário pressuposto e limite inultrapassável, em conformidade com o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º do CP, no que às penas singulares concerne, ao que acresce, quanto à pena única, conjunta, resultante do cúmulo jurídico das penas fixadas para os crimes em concurso, um critério peculiar estabelecido no seu artigo 77º, n.º 1, in fine, qual seja, o da consideração, “em conjunto, (d)os factos e (d)a personalidade do agente2.


Conforme, aliás, constitui jurisprudência constante do STJ (vide entre outros, o acórdão de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/)


À luz de tais considerações, na avaliação da pena unitária importa verificar a fundamentação do acórdão recorrido a este propósito e se dela emerge ou não alguma dúvida sobre a sua observância, devendo, em caso negativo e em princípio, o tribunal de recurso abster-se de qualquer modificação, pois como tem sido jurisprudência constante do STJ:- “Sendo os recursos remédios jurídicos, mantendo o arquétipo de recurso-remédio também em matéria de pena, a sindicabilidade da medida da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada3.


Doutrina e jurisprudência coincidem também em especificar que no cúmulo jurídico, a pena conjunta é definida dentro de uma moldura cujo limite mínimo é a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e o limite máximo resulta da soma das penas efetivamente aplicadas, emergindo a medida da pena conjunta, não apenas dos factos individualmente considerados, numa visão atomística, mas da imagem global do facto imputado e da personalidade do agente.


A pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art.71º.º, n.º1, um critério especial estabelecido no art.77.º, nº 1, 2ª parte, ambos do Código Penal.4


Os parâmetros indicados no art.71.º do Código Penal, servem apenas de guia para a operação de fixação da pena conjunta, não podendo ser valorados novamente, sob pena de se infringir o princípio da proibição da dupla valoração, a menos que tais fatores tenham um alcance diferente enquanto referidos à totalidade de crimes.5


Na busca da pena do concurso, explicita Figueiredo Dias, na obra que vimos seguindo, que “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.


E acrescenta que:- “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).”


Como refere ainda, na doutrina, Cristina Líbano Monteiro, com o sistema da pena conjunta, perfilhado neste preceito penal, deve olhar-se para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente.6


As conexões ou ligações fundamentais na avaliação da gravidade da ilicitude global, são as que emergem do tipo e número de crimes, dos bens jurídicos individualmente afetados, da motivação, do modo de execução, das suas consequências e da distância temporal entre os factos, sem esquecer as concretas penas aplicadas aos crimes.


Na avaliação da personalidade unitária do agente, referenciada aos factos, deve verificar-se se estes correspondem a uma atuação episódica, acidental ou, pelo contrário, se esta é uma atuação estruturada num comportamento persistente de vida de crime.


Pondera-se, na jurisprudência, que a escolha e determinação da medida, ou para medição, da pena “reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. (“A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07).


O art.77.º do Código Penal perfilha o «sistema da pena conjunta», na medida em que a punição do concurso de crimes supõe a discriminação das penas concretas que o integram. Na lição de Figueiredo Dias “Pena conjunta existirá sempre que as molduras penais previstas, ou as penas concretamente determinadas, para cada um dos crimes em concurso sejam depois transformadas ou convertidas, segundo um «princípio de combinação» legal, na moldura penal ou na pena do concurso.”.


Dentro deste sistema, é habitual configurar-se um princípio de absorção puro, em que a punição do concurso será constituída simplesmente pela pena mais grave dentre as penas parcelares, e um princípio da exasperação ou agravação, em que “a punição do concurso ocorrerá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade dos crimes (sem que, todavia, possa ultrapassar a soma das penas que concretamente seriam aplicadas aos crimes singulares).”.


A doutrina vem entendendo que o modelo de punição do concurso de crimes consagrado no art.77.º do Código Penal, sendo um sistema de pena conjunta, não é construído, porém, de acordo com o princípio de absorção puro, nem com o princípio da exasperação ou agravação, nos termos definidos, mas sim de acordo com um sistema misto, que vem sendo chamado de sistema do cúmulo jurídico.7


Também a jurisprudência segue este caminho, consignando-se, entre outros, no acórdão do S.T.J. de 3 de outubro de 2012, que o modelo de punição do nosso Código Penal é um sistema misto de pena conjunta “erigido não de conformidade com o sistema de absorção pura por aplicação da pena concreta mais grave, nem de acordo com o princípio da exasperação ou agravação, que agrega a si a punição do concurso com a moldura do crime mais grave, agravada pelo concurso de crimes.”8.


Assim e em resumo:


Para efeitos de punição do concurso de crimes e determinação de uma pena unitária, encontramos no art. 77º do C. Penal as regras adequadas e aplicáveis, tornando-se necessário que o agente tenha praticado uma pluralidade de crimes em concurso efectivo – real ou ideal, homogéneo ou heterogéneo –, antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles.


Seguiu o legislador penal uma opção clara pelo sistema de cúmulo jurídico (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas/Editorial Notícias, pág. 283 e seguintes e Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 2013, Coimbra Editora, pág. 56 e seguintes))


Visto assim que o nº 2 do art. 77º do C. Penal dispõe que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limites mínimos a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, temos que, no caso dos autos, o limite de 4 anos de prisão é o mínimo (pena mais grave) e o de 19 anos o máximo ( soma das penas concretas aplicadas aos vários crimes que integram o concurso)– limite que não ultrapassa o limite máximo expressamente fixado na lei.


Dentro dos limites da aludida moldura penal assim calculada, serão tidos em atenção os critérios gerais da medida da pena – culpa e prevenção – fixados no art. 71º do C. Penal, e do critério especial previsto no art. 77º, nº 1, parte final do mesmo código, nos termos do qual, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.


Na ponderação conjunta dos factos e da personalidade do agente teremos o conjunto dos factos a evidenciar o nível de gravidade do ilícito global praticado e a ponderação da sua interconexão.


Por sua vez a avaliação da personalidade do agente irá determinar se os factos, globalmente considerados, integram ou não uma tendência anómica ou apenas uma pluriocasionalidade sem origem naquela.


Sendo uma tendência, o concurso de crimes terá um sentido de agravação face ao significado inerente a um maior perigo de repetição acentuando uma maior exigência de prevenção especial. Também importará ponderar qual o impacto previsível da pena sobre a conduta futura do agente (como o salientou já Figueiredo Dias, op. cit., pág. 290 e seguintes e entre outros, no STJ, o Ac. de 27-2-13 processo nº 455/08.5GDPTM, in www.dgsi.pt, sendo fundamental na formação da pena do concurso a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse espaço de vida com a personalidade.».


Expostas estas linhas e critérios, temos no caso concreto, ainda que seja mais evidente a pluriocasionalidade, a revelação já de alguma uma certa tendência para a acção criminosa pois perdurou o ensejo desde 2015 até 2020.


O arguido não revelou arrependimento activo redentor nem que exprimisse uma convicção segura na sua mudança para um comportamento mais consentâneo com o devido respeito pelos bens jurídicos violados.


A sua idade não pode funcionar como atenuante, sendo os factores tempo e experiência de vida bastante significativos para o poderem determinar a um modo de agir mais refectido, que não curou. Porém, como ministro de um culto pelo qual se propalam ideais de amor e respeito pelo semelhante, nele se depositavam comunitariamente expectativas de exemplo de vida acima do padrão médio.


As menores ficaram muito afectadas psicologicamente, sendo pois intenso o grau de ilicitude e o dano projectado a partir da acção ilícita sobre as menores. A pena fixada não desafina de outras em circunstâncias relativamente similares.


As exigências de prevenção geral são consabidamente muito elevadas.


Não obstante ser primário, situação esta que nem sequer é atenuante por ser um dever de qualquer cidadão, o facto de ter sido à data ministro de um culto religioso exige uma avaliação censurativa mais elevada acima da média numa prospecção preventiva especial mais exigente.


A pena única fixada foi-o em mais 6 anos acima do mínimo moldural, num intervalo que poderia ter atingido 19 anos de prisão. Fixada a pena num máximo concreto de 10 anos, o acréscimo não foi sequer muito além de mais 1/3 do tempo moldural remanescente (de 15 anos).


Por isso, não se alcança qualquer excesso ou desproporcionalidade da pena unitária alcançada.


Como bem se salientou, concorda-se com a avaliação feita no acórdão recorrido:

“O grau de ilicitude dos factos é elevado, tendo em conta a idade das menores CC, BB e DD à data dos factos, o facto de o arguido aproveitar-se da ingenuidade de três menores no campo sexual, o facto de o arguido aproveitar-se de ter um relacionamento de amizade e de proximidade com as pessoas de referência das menores (designadamente, FF, mãe das menores CC e BB, HH, avó de BB e de DD, e de GG, mãe de DD), de ser patrão do pai de BB (AAA) e do tio de BB (BBB), de frequentar com regularidade a casa onde as menores habitavam ou estavam com frequência (casa de HH), de aproveitar-se do facto de participar ativamente nas celebrações religiosas/missas realizadas na garagem de HH, enquanto pastor da igreja ..., assistidas pelas menores e familiares e o facto de as menores terem ficado perturbadas com os atos de que foram vítimas, carecendo de acompanhamento psicológico em consequência de tais atos e revestindo os atos, em si, cometidos pelo arguido de elevada gravidade pela elevada carga de intromissão na esfera íntima das menores.

O dolo foi direto e intenso.

A culpa do arguido no contexto dos crimes cometidos é elevada, aproveitando-se o arguido da ingenuidade e confiança de três menores - BB, CC e DD, para satisfazer os seus instintos sexuais.

O arguido não apresenta antecedentes criminais e está familiar, profissional e socialmente inserido, contudo revelou total ausência de sentido crítico em relação à gravidade dos seus atos e à repugnância que os mesmos provocam, não reconheceu a prática de nenhum facto, não denotou arrependimento ou reflexão sobre a gravidade e a elevada reprovabilidade dos seus comportamentos, negando a prática dos factos, afigurando-se elevadas as necessidades de prevenção especial.

As necessidades de prevenção geral são muito elevadas. Os crimes em causa, pela sua natureza, são dos crimes que maior alarme social provoca, tendo em conta o bem jurídico ameaçado e a sua relevância - o livre desenvolvimento da personalidade dos menores na esfera sexual.”

Ressalta, em particular, que o arguido”:

(…) revelou total ausência de sentido crítico em relação à gravidade dos seus atos e à repugnância que os mesmos provocam, não reconheceu a prática de nenhum facto, não denotou arrependimento ou reflexão sobre a gravidade e a elevada reprovabilidade dos seus comportamentos, negando a prática dos factos, afigurando-se elevadas as necessidades de prevenção especial (…)”

Assim, ponderando desde logo a fundamentada avaliação feita pelas instâncias, v.g. a decorrente do acórdão recorrido do TRL, é pois de manter a pena única determinada bem como a fixada como pena acessória, aliás não contestada, mas em todo o caso bem fundamentada e compatível com os critérios legais que a enformam e delimitam.


IV- DECISÃO


3.1 - Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.


3.2 - Taxa de justiça em 7 Ucs a cargo do recorrente ( artº 513º do CPP e Tabela III do RCP)

STJ, 20 de Junho de 2024

(texto elaborado em suporte informático , revisto e rubricado pelo relator – (artº 94º do CPP)




Agostinho Torres (Relator)

Jorge Gonçalves (1º adjunto)

Heitor Vasques Osório (2º adjunto)







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1. Neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.↩︎

2. Para maiores desenvolvimentos, pode ver-se Adelino Robalo Cordeiro, in “A Determinação da Pena”, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal – Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Volume II, Centro de Estudos Judiciários , Lisboa 1998, a pp. 30 a 54, na esteira de Figueiredo Dias, em Direito Penal 2, Parte Geral – As consequências Jurídicas do Crime.↩︎

3. Conforme ponto IV do sumário publicado do acórdão de 8.11.2023, proferido no processo n.º 808/21.3PCOER.L1.S1, relatado Pela Conselheira Ana Barata Brito, sem prejuízo, naturalmente, da amplitude sindicante dos tribunais de recurso, quando, ainda assim, concluam pela injustiça da pena, por desproporcional ou desnecessidade, como se afirmou, v. g., no acórdão do STJ, de 14.06.2007, proferido no processo n.º 07P1895, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

4. Cf. “Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág.290/2.↩︎

5. Cf. Figueiredo Dias, obra cit., pág. 292.↩︎

6. Cf. “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 16, n.º1, , pág. 155 a 166 e acórdão do STJ, de 09-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1.↩︎

7. Cf. Figueiredo Dias, obra cit. págs. 282 a 284 e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 283↩︎

8. Cf. proc. n.º 900/05.1PRLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.↩︎