Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | HELENA MONIZ | ||
Descritores: | APROVEITAMENTO DO RECURSO AOS NÃO RECORRENTES CO-ARGUIDO CUMPRIMENTO DE PENA HABEAS CORPUS PRISÃO PREVENTIVA TRÂNSITO EM JULGADO CONDICIONAL CASO JULGADO MATERIAL | ||
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Data do Acordão: | 09/25/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | INDEFERIDO O PEDIDO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS - AFASTAMENTO DO TERRITÓRIO NACIONAL / EXPULSÃO JUDICIAL - CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO / CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE - CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA. DIREITO PROCESSUAL PENAL - IMPUGNAÇÃO DE PRISÃO ILEGAL - SENTENÇA - RECURSOS. | ||
Doutrina: | - Cláudia Santos, “Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Fevereiro de 1997”, RPCC, 2000, p. 309. - Cunha Rodrigues, Recursos, O novo Código de Processo Penal (Jornadas de Direito Processual Penal), Coimbra: Almedina, 1991, p. 388. - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, Verbo, 2000, p. 36. - Luís Osório, Comentário ao “Código de Processo Penal” Português, 2.º vol., Coimbra: Coimbra Editora, 1932, anotação XIV anterior ao art. 148.º, p. 453-4. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): -ARTIGOS 4.º, 215.º, N.ºS 2 E 3, 222.º, N.º2, 223.º, N.º 4, AL. A), 380.º, 402.º, N.º 1, AL. A), 403.º, N.º 2, AL. E), 409.º. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 61.º, 203.º, N.º 1, 204.º, N.º 1, AL. A) E H) E N.º 2, AL. E), 299.º, N.º2. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 31.º, N.ºS 1 E 2. LEI N.° 23/2007, DE 4 DE JULHO: - ARTIGO 151.º, N.ºS 4 E 5. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 13.02.2014, PROC. N.º 319/11.5JDSLB-D E JURISPRUDÊNCIA AÍ REFERIDA; ACÓRDÃO DE 12.12.2013, PROC. N.º 7/10.0TELSB. | ||
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Sumário : | I - A providência de habeas corpus, prevista no art. 31.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, exige cumulativamente dois requisitos: abuso de poder, lesivo do direito à liberdade, enquanto liberdade física e liberdade de movimentos; detenção ou prisão ilegal. II - Nos termos do art. 222.º, n.º 2, als. a) a c), do CPP, a ilegalidade da prisão deve ser proveniente da prisão ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. III - Ainda que exista uma contradição entre a fundamentação e a decisão, consideramos que uma vez transitada a decisão esta tem força de caso julgado. É a decisão, e não a sua fundamentação, que tem que ser considerada para efeitos de caso julgado material, de acordo com o disposto no art. 671.º do Código de Processo Civil, por força do art. 4.º, do CP; já assim foi entendido por Luís Osório, segundo o qual, “[a] parte da sentença que constitui caso julgado é unicamente a parte em que o tribunal ordena ou dispõe, e não a parte em que o tribunal raciocina para fundamentar a ordem ou a disposição. (...) Os fundamentos da decisão só podem ter, além da sua força própria, a de esclarecer o dispositivo quando este não seja claro”. IV -O requerente não está sujeito à medida de coação de prisão preventiva, mas sim a cumprir a pena de prisão em que foi condenado, se, ao contrário dos outros co-arguidos do processo, não interpôs recurso para o STJ do acórdão do Tribunal da Relação. V - Na verdade, a decisão transitou em julgado para o requerente, a não ser na parte em que a decisão em sede de recurso o possa vir a beneficiar, na medida em que, havendo a possibilidade de autonomização do processo relativamente a cada arguido, nos termos da al. e) do n.º 2 do art. 403.º do CPP, o recurso aproveita aos que o não interpuseram, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 402.º do CPP. VI - Deste modo, como a prisão foi ordenada com base em sentença transitada em julgado (sob condição resolutiva), como foi motivada por facto que a lei permite (a prática de um crime após julgamento) e está dentro do tempo em que foi determinada a privação da liberdade (o requerente não está em prisão ilegal até ao termo da prisão em que foi condenado ou até ao momento em que seja possível conceder-lhe a liberdade condicional), indefere-se a providência de habeas corpus requerida pelo condenado. VII - De acordo com o disposto no art. 61.º, do CP, após o cumprimento de meio da pena, e no mínimo de seis meses, deverá proceder-se à avaliação para verificar se estão ou não cumpridos os pressupostos de concessão da liberdade condicional. Pelo que, entendemos que o processo, na parte referente ao ora requerente, deverá, de imediato, ser remetido ao Tribunal de Execução de Penas competente, para que se proceda à liquidação da pena, e se averigue da possibilidade ou não de concessão de liberdade condicional. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I Relatório 1. AA, preso à ordem do processo n.º 98/12.9P6PRT-B, vem, por intermédio da sua advogada, requerer a providência de habeas corpus, nos termos do art. 31.º da Constituição da República Portuguesa, e arts. 222.º, n.º 2, al. c) e 223.º, do Código de Processo Penal (doravante, CPP), considerando estar preso ilegalmente, porquanto: «Em19 de Outubro de 2012 foi ordenada a prisão preventiva do aqui Requerente à ordem do processo de inquérito n° 98/12.9P6PRT do Ministério Público junto do Tribunal de Instrução Criminal do .... Concluído o processo de Inquérito, o M.P. entendeu verificar-se a existência de indícios suficientes da prática de crime. Pelo que, acusou publicamente o Requerente como co autor de um crime de associação criminosa e de um crime de furto qualificado. A ... Vara Criminal do ... (extinta) deu como provados os dois crimes e condenou o Requerente, por acórdão de 27 de Novembro de 2013, na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão efetiva e ainda na pena acessória de expulsão do território nacional. Contrariamente aos outros co arguidos, o Requerente não recorreu da decisão condenatória. O Ministério Público recorreu do Acórdão relativamente a um outro co arguido. O Tribunal da Relação do ..., concedeu provimento ao recurso de um co arguido e confirmou o acórdão da 1a Instancia em relação aos outros co arguidos recorrentes, tendo estes ainda recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça. Ora, daqui se constata que em relação ao Requerente operou o trânsito em julgado parcial. Assim sendo, o Requerente atingiu o cumprimento de metade da pena em 3 de setembro do ano corrente. De acordo com o preceituado no art. 151° n° 1 da Lei 23/2007 de 4 de Julho " a pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no Pais, condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão efetiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a seis meses." Diz ainda o no 4 que "Sendo decretada a pena acessória de expulsão, o juiz de execução de penas ordena a sua execução logo que cumpridos: a) Metade da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a cinco anos de prisão. Posto isto, concluímos que o arguido ora Requerente, atingiu metade da pena no passado dia 03 de Setembro estando em condições de ser executada a pena acessória de expulsão. Na verdade, está aqui em causa uma afronta clara, e indubitável, ao direito à liberdade. Deve demonstrar-se, sem qualquer margem para dúvida, que aquele que está preso não deve estar e que a sua prisão afronta o seu direito fundamental a estar livre. Como refere Cláudia Santos "Confrontamo-nos, pois, com situações clamorosas de ilegalidade em que, até por estar em causa um bem jurídico tão precioso como a liberdade, ambulatória (.,.) a reposição da legalidade tem um carácter urgente". O Requerente não pode ser prejudicado e aguardar que o Tribunal de 1' Instância remeta o processo para o Tribunal de Execução de Penas para que seja executada a pena acessória de expulsão, até que sejam decididos os recursos interpostos pelos outros co arguidos, uma vez que quanto a si o processo já transitou em julgado em Janeiro do corrente ano, data em que renunciou ao direito de recurso da decisão condenatória. Conquanto, estaríamos a permitir o protelamento da expulsão, quando o expulsando esteja privado da liberdade, por tempo indefinido ou indeterminado, o que significa que o arrastamento da expulsão, por razões de ordem administrativa, não pode implicar uma privação da liberdade do expulsando sem termo definido ou determinado. Vejamos a este propósito o propugnado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 2009 "Nos casos em que ao arguido é concedida a liberdade condicional e esta é de imediato substituída pela execução da pena de expulsão, nos termos do n.° 5 do art. 151.° da Lei 23/2007, a lei não fixa qualquer prazo para a expulsão, pelo que terá de concluir-se que ela deverá ser efetuada imediatamente, ou seja, logo que possível, já que diversas diligências, umas de ordem legal, outras de ordem prática, têm de ser efetuadas para a viabilizar," O Requerente deve estar privado da liberdade, em função do tempo estritamente necessário, para executar a expulsão, considerando o tempo estritamente necessário aquele que é indicado pela lei, isto é, metade da pena. Tudo o que exceda esse prazo constituirá uma violação do princípio da proporcionalidade, estabelecido no n.° 2 do art. 18.° da CRP, que impõe que as restrições aos direitos (antes de mais a liberdade, evidentemente) se limitem ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionais. Na verdade, uma prisão sem prazo, uma prisão cujo limite é indeterminado, "pela capacidade para concluir os procedimentos burocráticos necessários à expulsão, constituiria uma violação grosseira do art. 27° da Constituição, que garante a todos o direito à liberdade (n° 1), com os estritos limites permitidos no seu n° 2. São conhecidas as preocupações do legislador constitucional português quanto à liberdade individual, manifestadas não só na enfatização do princípio da liberdade (citado art. 27°), como também no estabelecimento do carácter excecional da prisão preventiva e da imposição de prazos para a detenção e para a medida de coação de prisão preventiva, e ainda no controlo jurisdicional da privação da liberdade (arts. 27° e 28° da Constituição)." (neste sentido Ac. STJ de 01/10/2009). O habeas corpus neste caso tem lugar porque estamos perante um arguido ilegalmente preso em razão da prisão resultante da pena constante em sentença condenatória, visando pôr termo a essa situação o mais depressa possível, uma vez que, a prisão se mantem para além dos prazos fixados pela lei. De facto, o Requerente encontra-se numa situação que peca por idoneidade processual e, que por atual, legitima inclusive um pedido de habeas corpus, Vejamos a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 1997: " Um pedido de habeas corpus respeitante a uma prisão determinada por decisão judicial só poderá ter provimento em casos extremos de abuso de poder ou erro grosseiro de aplicação de direito (manutenção da prisão para além dos prazos legais ou fixados por decisão judicial), prisão por facto pelo qual a lei não admita ou, eventualmente, prisão ordenada por autoridade judicial incompetente para a ordenar nos termos do art.° 222° do C.P.P." O Requerente está há 1 ano e quase 11 meses consecutivos a cumprir pena de prisão, pelo que, a execução da pena acessória de expulsão do é imperativa e urgente, nos termos da al) c) do n°2 do ad° 222 do C.P.P. Termos em que deve ser declarada ilegal a prisão do Requerente, e consequentemente ordenada a execução do cumprimento da pena acessória de expulsão imediata. » 2. Foi prestada a informação nos termos do art. 223.º, n.º 1, do CPP, segundo a qual: «Nos termos e para efeitos do preceituado no artigo 223.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, consigna-se o seguinte: a) O requerente nos presentes autos foi condenado, no âmbito do processo principal, e por acórdão proferido em 27/11/2013, (1) pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 299.°, n.° 2, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, (2) pela prática, entre 17 e 18/10/2012, de um crime de furto qualificado contra um estabelecimento de ourivesaria, p. e p. pelos artigos 203.°, n.° 1, e 204.°, n." 1, alíneas a) e h), e 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão. Em cúmulo jurídico das penas acabadas de mencionar, o requerente foi condenado na pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão; b) O requerente nos presentes autos não interpôs recurso da decisão condenatória aludida; c) O aqui requerente, juntamente com os demais arguidos nos autos principais, foi detido no dia 18/10/2012, pelas 05 horas e 45 minutos, tendo sido submetido a interrogatório judicial no subsequente dia 19/10/2012, a partir das 15 horas e 40 minutos, no Tribunal de Instrução Criminal da Comarca do Porto, findo o qual foi decidido aguardasse ele (como os restantes comparsas) os ulteriores termos do processo sujeito, designadamente, à medida de coação de prisão preventiva, decisão que foi reiterada sucessivamente por despachos subsequentes, o último dos quais proferido em 21/08/2014, no período de férias judiciais (cfr. certidão anexa de fls. 346 do traslado existente neste Tribunal e formado nos termos e para efeitos do disposta na artigo 414.', n.' 7, do Código de Processo Penal); d) Por requerimento entrado neste Tribunal no dia 14/07/2014, o aqui requerente veio impetrar se ordenasse, quanto a si, a separação de processos, invocando o trânsito em julgado da decisão proferida na parte que lhe tocava e, bem assim, a circunstância (à data desconhecida no âmbito destes autos) de se ter verificado a interposição de recurso contra a decisão entretanto tomada pelo Venerando Tribunal da Relação do ... conhecendo dos recursos interpostos do acórdão proferido nos autos principais (requerimento de que igualmente se junta certidão, extraída da cópia constante do traslado existente neste Tribunal); e) Tal requerimento foi indeferido, por se ter entendido, no essencial, que não poderia, no âmbito de um traslado destinado ao acompanhamento da execução de medidas de coação, determinar-se a separação de processos relativamente a um processo que se encontrava em fase de recurso e, portanto, sob o qual o Tribunal não tinha jurisdição (cfr. certidão de fls. 330 do traslado já aludido, anexa); f) Desconhece-se se o requerente nestes autos solicitou ao Venerando Tribunal da Relação do ... a separação de processos pretendida, sendo certo que, até ao momento, e descontando a apresentação do presente requerimento, nenhuma reação teve relativamente ao despacha aludido na alínea antecedente; g) Posteriormente à prolação do despacho em referência, foi este Tribunal informado que, efetivamente, dois dos arguidos no processo principal haviam interposto recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do .... Tanto quanto sabemos, pois, os autos principais encontrar-se-ão, atualmente, pendentes naquele Alto Tribunal; h) A pretensão formulada pelo requerente nestes autos pressupõe, antes de mais, que se encontra ele efetivamente condenado a uma pena acessória de expulsão do território nacional; i) Acontece que, embora, em sede de fundamentação do acórdão proferido no âmbito do processo principal, se tenha colocado a possibilidade de aplicação, aos arguidas, da pena acessória de expulsão do território nacional (e consequente interdição de entrada no território nacional pelo período de 5 anos: cfr. parágrafo 174 e segs.), e se tenha concluído pela sua respetiva imposição, certo é que, apercebemo-nos agora, no dispositivo do mesmo acórdão, por lapso, nenhuma referência à aplicação de tal pena foi feita; j) Verifica-se, destarte, no tocante a esse segmento do acórdão proferido nos autos principais, uma invalidade que cumpriria sanar, mas que, não tendo sido suscitada por nenhum dos sujeitos processuais antes da subida destes autos ao Tribunal Superior para apreciação dos recursos interpostos no processo, nem tendo sido por nós detetada anteriormente, só pelo Tribunal onde pendam esses mesmos autos poderá ser conhecida e ultrapassada; k) Desconhece-se se, entretanto, o requerente, ou qualquer outro sujeito processual, suscitou a aludida invalidade, ou se dela tomou já conhecimento um Tribunal Superior; l) Sendo assim, suscita-se a dúvida de saber se, em rigor, se poderá considerar o requerente nestes autos - como qualquer dos demais arguidos nos autos principais - validamente condenado em qualquer pena acessória de expulsão do território nacional; m) Para além disso, pretende ainda o recorrente que o acórdão contra si proferido nos autos se mostraria já transitado desde Janeiro do corrente ano, por não ter exercido o seu direito ao recurso contra a decisão proferida, não obstante a sua responsabilidade criminal ter sido afirmada pela prática em coautoria dos crimes por que foi condenado e, portanto, qualquer decisão que viesse a ser tomada quanto aos seus coarguidos poder aproveitar-lhe, nos termos legais. Presumindo-se que pretende ele acolher-se à - chamemos-lhe assim - doutrina do caso julgado rebus sic stantibus que parte da jurisprudência vem perfilhando, o certo é que o requerente nos presentes autos não impetrou se declarasse tal trânsito antes da remessa dos autos principais ao Tribunal Superior, nem consta que este tivesse declarado esse trânsito, a seu pedido ou oficiosamente (sendo que o ofício remetido a este Tribunal pelo Venerando Tribunal da Relação do ... apenas informa do estado do processo, o que, mesmo assim, não impediu a prolação de decisão mantendo a situação de prisão preventiva em que se encontrava o aqui requerente); n) A pretensão formulada pelo requerente nestes autos
3. O arguido requereu a separação de processos (requerimento a fls. 322), tendo, no entanto, sido indeferido, conforme decisão da ... Vara Criminal do ..., de 16.07.2014 (“Requerimento a fls. 322 e segs: (...) Assim sendo, e porque atualmente não temos competência para tomar decisões que afetem o objeto do processo principal na sua fase de recurso, vai o requerimento em apreço indeferido”). 4. Além disto, a situação processual de todos os arguidos do processo principal (incluindo o ora requerente) foi revista 21.08.2014, e foi deliberado: «Assim, decide-se que os arguidos BB, CC, DD, EE e AA continuem a aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva.» 5. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, teve lugar a audiência pública, nos termos dos art.ºs 223.º, n.º 3, e 435.º do CPP. Há agora que tornar pública a respetiva deliberação e, sumariamente, a discussão que a precedeu.
II Fundamentação 1. Nos termos do art. 31.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, o interessado pode requerer, perante o tribunal competente, a providência de habeas corpus em virtude de detenção ou prisão ilegal. “Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade” constituindo uma “garantia privilegiada” daquele direito (cf. Gomes Canotilho, /Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa — Anotada, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 20074, anotação ao art. 31.º/ I, p. 508). Exigem-se cumulativamente dois requisitos: 1) abuso de poder, lesivo do direito à liberdade, enquanto liberdade física e liberdade de movimentos e, 2) detenção ou prisão ilegal (cf. neste sentido, ibidem, anotação ao art. 31.º/ II, p. 508). Nos termos do art. 222.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), a ilegalidade da prisão deve ser proveniente de aquela prisão “a) ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”. Isto é, a providência de habeas corpus terá que ser interposta cumprindo estas exigências muito estritas e só verificados um (ou mais) destes pressupostos pode a prisão ser declarada ilegal. Cabe a este tribunal averiguar se existe uma ilegalidade clara na manutenção da prisão, dado que esta providência deve ser utilizada para “reagir a situações de excepcional gravidade” (Cláudia Santos, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de fevereiro de 2997, na RPCC, 2000, p. 309, itálico da autora). 2. Tendo em conta o deliberado de 21.08.2014, tudo indicaria que o preso AA estaria a cumprir ainda a medida de coação de prisão preventiva. Se assim fosse, nos termos do art. 215.º, n.º 2, do CPP, e porque está em causa uma condenação em crime de associação criminosa e furto qualificado, integrando, pois, a previsão da al. a) do dispositivo referido, o prazo máximo de prisão preventiva seria de 2 anos, ou seja, até 18.10.2014; assim, poder-se-ia entender que não estava preso ilegalmente, uma vez que o prazo máximo de prisão preventiva não tinha expirado. Mas, ainda poderíamos entender que este prazo é maior, dado que o processo foi declarado de especial complexidade («Por despacho de 19/12/2013 foi declarada a excepcional complexidade do processo»), tendo esta decisão sido objeto de análise pelo Tribunal da Relação do Porto, embora no dispositivo daquele acórdão não se tenha procedido à revogação daquela determinação, conforme parece decorrer da fundamentação. Enquanto na fundamentação daquele acórdão se considerou que «visto que o julgamento já decorreu e os crimes em apreço não revestem especial complexidade na sua apreciação ou investigação fáctica em audiência, nem o número de arguidos se mostra elevado, pelo que a justificação apresentada, conceder a um dos arguidos mais prazo para recorrer não justifica por si só a declaração de especial complexidade.» (fls. 207), concluindo que « não existe razão, por carência de dados processuais objectivos para tal declaração, que assim não se deve manter.» (idem). Porém, no dispositivo nada aparece quanto a esta revogação. Pelo que, ainda estamos perante um processo de especial complexidade, o que implica um alargamento dos prazos de prisão preventiva, para três anos e quatro meses, nos termos do art. 215.º, n.º 3, do CPP. Ou seja, também assim não poderíamos considerar estar o requerente em prisão ilegal, pois o prazo máximo ainda não teria decorrido. Porém, entendemos que o requerente não está mais a cumprir a medida de coação de prisão preventiva, mas sim a cumprir a pena em que foi condenado. E qual pena em que foi condenado? 3. Apesar de na decisão de 1.ª instância se ter colocado o problema da aplicação da pena acessória de expulsão do território nacional, ainda assim tal pena não lhe foi aplicada aquando desta decisão, dado que não consta do dispositivo. Na verdade, na fundamentação entendeu-se que: «174. Segundo o preceituado no artigo 134.º. n.° 1, da Lei 11.0 23/2007, de 4 de Julho, que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência. saída e afastamento de estrangeiros do território nacional (por último modificada pela Lei n.° 29/2012. de 9 de Agosto). «[slem prejuízo das disposições constantes de convenções internacionais de que Portugal seja Parte ou a que se vincule, é afastado coercivamente ou expulso judicialmente do território português, o cidadão estrangeiro: (...) b) Que atente contra a segurança nacional ou a ordem pública; c) Cuja presença ou atividades no País constituam ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado Português ou dos seus nacionais; (...)». 175. Por seu turno, o artigo 151.° do mesmo diploma legal estabelece que «[a] pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão efetiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a seis meses» (n.° 1). 176. De acordo com o disposto no artigo 144.° do diploma legal citado, «[a]o cidadão estrangeiro sujeito a decisão de afastamento é vedada a entrada em território nacional por período até cinco anos, podendo tal período ser superior quando se verifique existir ameaça grave para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional». 177. Face às penas que, como dissemos, devem aplicar-se aos arguidos, está verificado o pressuposto formal de que depende a aplicação da pena acessória ora em apreço. 178. Considerando que os arguidos se deslocaram ao nosso país exclusivamente para a prática de ilícitos típicos contra o património, não têm aqui qualquer ocupação profissional, nem estabeleceram, com a comunidade nacional, qualquer tipo de laço, afetivo ou outro, afigura-se-nos evidente que a sua presença continuada em território nacional apresenta um perigo efetivo de, no futuro, poderem eles prosseguir a sua actividade criminosa, com perigo para os valores que o nosso ordenamento jurídico protege. 179. Sendo assim, pois, entende o Tribunal que se justifica aplicar, a todos os arguidos, a pena acessória de expulsão do território nacional, com a consequente interdição de entrada nu mesmo pelo período de cinco anos, que se espera seja suficiente para que eles, refletindo no carácter ilícito do seu comportamento, e regressados ao convívio dos seus concidadãos, não voltem a sentir-se tentados pela prática de crimes.» Porém, no dispositivo, e em particular quanto ao requerente deste pedido de habeas corpus, decidiu-se apenas: « Condenar o arguido AA: 1) Pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 299.°, n.° 2, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão; 2) Pela prática, entre 17 e 18/10/2012, sobre o estabelecimento de ourivesaria «Pratil», de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.°, n.° 1, e 204.°, n.°' 1, alíneas a) e ). e 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão: 3) Em cúmulo jurídico das penas acabadas de mencionar na pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão. » Verifica-se, pois, uma contradição entre a fundamentação e a decisão. Porém, ainda assim consideramos que uma vez transitada tem força de caso julgado. É a decisão, e não a sua fundamentação, que tem que ser considerada para efeitos de caso julgado material, de acordo com o disposto no art. 671.º do Código de Processo Civil, por força do art. 4.º, do CP (também no sentido de aplicar as regras do processo civil relativas ao caso julgado, cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, Verbo, 20002, p. 36). Já assim foi entendido por Luís Osório, segundo o qual, “[a] parte da sentença que constitui caso julgado é unicamente a parte em que o tribunal ordena ou dispõe, e não a parte em que o tribunal raciocina para fundamentar a ordem ou a disposição. (...) Os fundamentos da decisão só podem ter, além da sua força própria, a de esclarecer o dispositivo quando este não seja claro” (Comentário ao Código de Processo Penal Português, 2.º vol., Coimbra: Coimbra Editora, 1932, anotação XIV anterior ao art. 148.º, p. 453-4). Ora a decisão formou, quanto ao requerente, caso julgado, pois o arguido nunca suscitou sequer a sua correção ao abrigo do disposto no art. 380.º, do CPP. E ainda que o problema se coloque em sede de recurso (o que não aconteceu aquando da interposição do recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pois nada transparece naquela decisão), ainda que esteja a ser colocado em sede de recurso para o STJ, o certo é que, em sede de recurso, a pena atribuída aos arguidos apenas poderá ser alterada dentro dos limites impostos pelo art. 409.º, do CPP. Assim sendo, e porque ainda está a ser objeto de recurso a decisão em apreço, resta saber se a decisão já transitou ou não em julgado para o requerente. 4. E consideramos que, apesar de outros co-arguidos no processo terem interposto recurso da decisão do Tribunal da Relação do Porto, ainda assim se mantém o caso julgado no que respeita ao arguido AA. Na verdade, a decisão transitou em julgado para o requerente, a não ser na parte em que a decisão em sede de recurso o possa vir a beneficiar. Na verdade, havendo possibilidade de autonomização do processo relativamente a cada arguido, nos termos do art. 403.º, n.º 2, al. e), do CPP, ainda assim o recurso aproveita aos que o não tiverem interposto, nos termos do art. 402.º, n.º 1, al. a), do CPP. Estamos assim perante “uma verdadeira condição resolutiva do caso julgado parcial” que “não prejudica, a nosso ver, a sua formação desde o trânsito da decisão”, como, desde cedo, Cunha Rodrigues salientou (Recursos, O novo Código de Processo Penal (Jornadas de Direito Processual Penal), Coimbra: Almedina, 1991, p. 388) e como e tem sido jurisprudência unânime deste tribunal Cf., entre outros, acórdão de 13.02.2014, proc n.º 319/11.5jdslb-D (Relatora: Isabel Pais Martins) e jurisprudência aí referida; acórdão de 12.12.2013, proc. n.º 7/10.0TELSB (Relator: Arménio Sottomayor).. Pelo que o requerente encontra-se em cumprimento da pena de prisão em que foi condenado em 1.ª instância, na pena única de três anos e nove meses (resultante da penas parcelar de um ano e três meses, quanto à prática de um crime de associação criminosa, previsto e punido pelo art. 299.º, n.º 2, do CP, e da pena parcelar de três anos e seis meses, resultante da prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido nos termos dos arts. 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. a) e h) e n.º 2, al. e), do CP) Assim sendo, e de acordo com o disposto no art. 61.º, do CP, após o cumprimento de meio da pena, e no mínimo de seis meses, deverá proceder-se à avaliação para verificar se estão ou não cumpridos os pressupostos de concessão da liberdade condicional. Pelo que, entendemos que o processo, na parte referente ao ora requerente, deverá, de imediato, ser remetido ao Tribunal de Execução de Penas competente, para que se proceda à liquidação da pena, e se averigue da possibilidade ou não de concessão de liberdade condicional. Assim sendo, o condenado AA ainda se encontra em cumprimento de pena, pelo que não está preso ilegalmente. A prisão foi ordenada com base em sentença transitada em julgado (sob condição resolutiva) e por entidade competente, motivada por facto que a lei permite (a prática de um crime após julgamento), e dentro do tempo que lhe foi determinada a privação da liberdade, não estando, pois, em prisão ilegal, até ao termo da prisão em que foi condenado ou, caso se verifiquem os pressupostos de liberdade condicional no momento em que a lei impõe a necessidade da sua ponderação, até ao momento em que seja possível conceder-lhe a liberdade condicional,
III Decisão Termos em que acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, após audiência, em indeferir a providência de habeas corpus, requerida pelo preso AA, por falta de fundamento (art. 223.º, n.º 4, al. a) do CPP), devendo ser enviados elementos ao Tribunal de Execução de Penas para eventual concessão de liberdade condicional.
Custas pelo requerente, com 3 UC de taxa de justiça.
Supremo Tribunal de Justiça, 25 de setembro de 2014
Helena Moniz
Rodrigues da Costa
Santos Carvalho (Presidente) |