Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ANABELA LUNA DE CARVALHO | ||
| Descritores: | PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO ADMISSIBILIDADE RECURSO DE REVISTA CONTRADIÇÃO DE JULGADOS ACORDÃO FUNDAMENTO QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO IDENTIDADE DE FACTOS CRÉDITO DO ESTADO OBRIGAÇÃO FISCAL PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES INTERESSE INDISPONÍVEL PLANO DE INSOLVÊNCIA VOTO HOMOLOGAÇÃO INEFICÁCIA | ||
| Data do Acordão: | 10/21/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
| Decisão: | REVISTA PROCEDENTE | ||
| Sumário : | I. O plano aprovado, com o voto desfavorável da autoridade tributária, prevendo um pagamento fracionado dos créditos tributários sem redução de capital ou de juros, ainda que respeitando as condições do artigo 196º do CPPT para o pagamento em prestações, viola o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais. II. Violando o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais ocorre violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano, logo, impõe-se a solução da ineficácia relativa do plano quanto a tais créditos. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. A sociedade BRING DIGITAL – Unipessoal, Lda – veio apresentar processo especial de revitalização (PER). Concluídas as negociações e depositada a versão final do acordo conducente à sua revitalização (Plano de Recuperação), correu o respetivo prazo para votação (nº 3 do art. 17-F CIRE). Apresentado o resultado da votação pela Sr.ª administradora judicial provisória (AJP), por decisão de 06/02/2025 foi considerado aprovado e em seguida homologado o plano de recuperação da devedora, nos seguintes termos: “Considerando que se mostram reunidas as maiorias previstas no art 17.º-F, n.º 5, als. a), b), e c), do CIRE, tal como refere a Exma. Senhora Administradora Judicial Provisória, nos termos do disposto no art. 17.º-F, n.º 7, do CIRE, considera-se aprovado e homologa-se o plano de recuperação apresentado nos autos. Custas pela devedora (art. 17.º-F, n.º 12, do CIRE). Notifique, publicite e registe nos termos previstos no art. 17.º-F, n.º 11, do CIRE. 2. Dessa decisão foi interposto recurso pelo Ministério Público em representação da Autoridade Tributária (AT), requerendo a sua revogação e substituição por outra “que não homologue o Plano ou que, pelo menos, excecione a sua aplicação à Fazenda Nacional." 3. Recurso que o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente e, consequentemente, manteve a decisão recorrida, de homologação do Plano de recuperação aprovado nos autos. 4. De novo inconformado veio o Ministério Público, em representação da Autoridade Tributária (AT), pedir revista nos termos dos artºs 14.º, n.º 1 e 17.ºA, n.º 3 e do CIRE, e 629.º e 672.º, n.º 1 c) do CPC, ex vi do artigo 17.º do CIRE, com fundamento em oposição de julgados. 5. Tendo culminado as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: A) O presente recurso é interposto nos termos dos artigos 14.º, n.º 1 e 17.ºA, n.º 3 e do CIRE, e 629.º e 672.º, n.º 1 c) do CPC, ex vi do artigo 17.º do CIRE com fundamento na oposição de julgados. B) É objeto do recurso o Acórdão proferido em 10.7.2025 que decidiu manter na íntegra o despacho de homologação do Plano de Recuperação de Bring Digital - Unipessoal Lda, sem qualquer restrição ou ineficácia do mesmo relativamente à AT, não obstante o voto contra desta entidade. C) O Acórdão em recurso está em oposição com o Acórdão do STJ de 27.5.2025 proferido no âmbito do processo n.º 22595/23.0T8LSB-A.L1.S1, de ora em diante designado de Acórdão-fundamento. D) Em ambos os Acórdãos (recorrido e fundamento) está em causa a questão de saber se, em face da especial natureza do crédito tributário, naquele caso da Segurança Social, e neste caso da AT, tendo ambas as instituições votado contra o plano, que foi aprovado por maioria, deve, ou não, ser recusada a sua homologação judicial, ou, pelo menos, declarada a sua ineficácia quanto ao credor Estado-AT ou Segurança Social. E) Em ambas as situações (Acórdão fundamento e recorrido), o plano prevê um pagamento faseado dos créditos tribuários, dentro dos limites de prestações e nos termos impostos pelas normas de direito tributários aplicáveis. F) Apresentam, porém, soluções opostas no que diz respeito ao valor do voto desfavorável ao plano proferido pelo Estado-AT ou pela Segurança Social. G) De acordo com o Acórdão fundamento, constituirá violação das normas imperativas a introdução no plano de um esquema de pagamento faseado dos créditos tributários, ainda que com observância dos limites previstos no regime tributário aplicável, sempre que o credor a tal se oponha, porque a vontade manifestada através do voto é um dos elementos intrínsecos do princípio da indisponibilidade e irredutibilidade dos créditos fiscais. H) Já o Acórdão recorrido, considera que o voto da AT não configura um voto de qualidade, não dispondo a mesma de um direito de veto no sentido de a validade/legalidade do Plano e a possibilidade da sua homologação por sentença depender do voto favorável do Estado. I) Esta divergência de posições tem-se perpetuado na Jurisprudência, o que tem sido fonte de insegurança, quer no que respeita à AT e à Segurança Social, quer no que diz respeito às empresas, que não sabem com o que contar. J) Sendo o sistema fiscal o garante das necessidades financeiras do Estado e da justa repartição dos rendimentos e da riqueza, como consagrado na Constituição da República Portuguesa (CRP)-artigo 103.º, n.º 1, e na Lei Geral Tributária (LGT) - artigo 5.º, compreende-se que o crédito tributário tenha forçosamente um tratamento diferente da generalidade dos outros créditos. K) Moldam o regime jurídico da obrigação tributária os princípios da generalidade, da igualdade e da justiça material (artigo 5.º, n.º 2, da LGT) e os princípios da imperatividade, da indisponibilidade e da irredutibilidade (artigos 30.º, n.ºs 2 e 3, 36.º, n.ºs 1, 2 e 3 da LGT, e 85.º, 196.º e 199.º do Código de Procedimento e Processo Tributário – CPPT). L) Na alteração introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31.12 ao artigo 30.º da LGT, com o aditamento do número 3 (“O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.”), o legislador veio inclusivamente clarificar que a indisponibilidade e a irredutibilidade dos créditos fiscais prevalecem sobre qualquer legislação especial, o que significa que prevalecem sobre o CIRE. M) Ambos os Acórdãos (fundamento e recorrido) reconhecem a especialidade do crédito tributário face a um qualquer crédito comum, sendo pacífico o entendimento de que o crédito tributário é indisponível e irredutível, e que apenas pode ser fracionado nos termos previstos na legislação tributária, designadamente nos termos previstos no artigo 196.º do CPPT. N) A divergência entre ambos os Acórdãos está no valor a atribuir ao voto do Plano por parte da AT ou da Segurança Social. O) É sobre o valor desse voto que requeremos que o STJ se debruce e pronuncie, sopesando todos os argumentos de um e de outro dos Acórdãos. P) Com efeito, no caso destes autos, compulsado o plano e os seus termos, concordamos que ele prevê um pagamento fracionado dos créditos tributários, sem redução de capital ou de juros, em termos admissíveis, porque respeitam as condições do artigo 196.º do CPPT, ou seja, em abstrato, este plano podia ser autorizado pelo órgão de execução fiscal. Q) Porém, a AT, votou contra, e ao votar contra ficou na expetativa de que o plano não fosse homologado, ou, pelo menos, que fosse declarado ineficaz quanto aos créditos tributários, na senda da jurisprudência do STJ. R) Conforme se pode ler no Acórdão fundamento: “A solução … da ineficácia relativa do plano, mostra-se justa e equilibrada, compatibilizando-se todos os interesses em causa, sejam sociais, sejam económicos, ou seja, o plano de revitalização produzirá os seus efeitos, relativamente aos demais credores, à exceção daqueles créditos que se reportam ao Instituto da Segurança Social e votados contra a sua vontade, satisfazendo-se também os imperativos legais. S) Fora dos casos do artigo 198.º do CPPT (plano oficioso de pagamento em prestações), o pagamento em prestações é excecional e depende da verificação dos requisitos do artigo 196.º do CPPT, sujeitos a verificação do órgão fiscal competente nos termos dos artigos 196.º, n.º 1 e artigos 197.º do CPPT. T) Da conjugação das normas constantes dos artigos 196.º, 197.º e 198.º parece resultar salvo melhor opinião, que a análise e decisão do órgão fiscal competente é um dos elementos imprescindíveis para a admissão do pagamento em prestações, a qual não é automática, e depende da verificação pelo OEF dos requisitos do artigo 196.º n.º 3 do CPPT. Assim e, na senda do Acórdão fundamento, requer a revogação do Acórdão recorrido e a sua substituição por outro que revogue o despacho de homologação ou que, mantendo-o, declare o mesmo ineficaz quanto aos créditos da Fazenda Nacional. 6. A Devedora em contra-alegações, sistematizou as seguintes conclusões: I - Das Excepções: A. O Requerente, o MP, não junta aos autos um Acórdão em oposição com a questão fundamental aqui em apreço; B. Com efeito, a questão fundamental no Acórdão recorrido é a necessidade de a AT, e/ou a SS, obedecerem à Lei, nomeadamente quanto a ambos os Artigos 196º e 198º nº3 do CPPT, aqui inteiramente aplicáveis ao PER, por via e por força do Artigo 30º nº2 e nº 3 da LGT; C. E o MP também não apresenta Acórdão Fundamento que discuta a questão constitucional de saber se uma Decisão público-administrativa pode ser eximida da sindicância judicial, impedindo que o tribunal possa rever e corrigir as decisões publico-administrativas de qualquer funcionário do Estado que se mostrem contrárias à Lei nomeadamente ao já referido Artigo 198º nº3 do CPPT, ex-vi do Artigo 30º nº3 da LGT; II - DO QUE está ASSENTE e não é APELADO i – Da Factualidade Assente no Acórdão – D. Nesta Revista, nem o Ilustre MP, aqui Recorrente, nem a Devedora aqui recorrida, recorrem da seguinte factualidade aferida e apurada no Acórdão, ora em crise: E. O Douto Acórdão em crise (pág.39) aferiu e apurou e deu como provado que o Plano PER proposto pela Devedora na parte aplicável à AT não prevê nenhum corte de dívida, nem prazos ilegais ou taxas não autorizadas, ao contrário do que o MP estranhamente alegou; F. O Acórdão em crise (pág.40) aferiu e apurou -e deu como provado -que o Plano PER proposto pela Devedora na parte aplicável à AT respeita na íntegra todas as condições impostas pelo Artigo 196º do CPPT (e toda a restante Legislação Tributária) e pelo CIRE; G. Concluindo, nenhuma das Partes apresenta dissidência ou divergência quanto aos factos assentes no Douto Acórdão em crise, nem na forma como estes factos foram apurados e dados como provados, nem nenhuma das Partes alega seja o que for quanto ao cumprimento das formalidades legais aplicáveis à prova e sua inserção e admissibilidade nos autos. ii – Da legislação aplicável dada como assente nos Acórdãos – H. Está actualmente consolidado na Jurisprudência que, por força do Princípio da Indisponibilidade dos Créditos do Estado, previsto nos Artigos 30º nº 2 e nº3 da LGT e Artigo 3º al. a) do CRCSPSS, os montantes, as taxas de juros e os prazos de pagamento dos créditos do Estado só podem ser objeto de modificação nos termos excepcionalmente previstos pela Lei e não por vontade da maioria de credores, e muito menos pelo VETO de algum credor minoritário; I. Um Plano de Revitalização, aprovado e homologado judicialmente, que configure uma restrição ao conteúdo do crédito da [AT e]Segurança Social, contra a sua vontade, materializa uma violação [meramente] negligenciável das normas aplicáveis, nos termos constantes do Artigo 215º do CIRE, aplicável ao PER, por força do nº 7 do Artigo 17º-F, do mesmo Código; J. Sendo que ambos - o Recorrente e o Recorrido - concordam com estas afirmações que se extraem dos respectivos Sumários dos Doutos Acórdãos aqui em crise e do Acórdão Fundamento; iii – Da Obediência à Lei – K. Por um lado, a Devedora deve pagar tempestivamente os Tributos, e só em casos comprovados de excepcionais - como uma grave dificuldade financeira comprovada no contexto de um PER -, pode pedir para pagar o devido Tributo, noutras condições e prazos e com os juros previstos na Lei, nomeadamente no Artigo 196º do CPPT; L. O reverso da moeda, está estatuído no Artigo 198º nº3 do CPPT e consiste na obrigação e DEVER da AT (e/ou SS, ex-vi Artigo 190º nº1 CRCSPSS) aceitarem e implementarem um Plano proposto dentro dos limites apertados pela Lei; M. Cabendo aos Tribunais aferir se a Devedora e a AT (e a SS) cumpriram – ambas - as mútuas obrigações legais e planearam regularizar os Tributos em falta nos termos da Lei aplicável a ambas as Partes - o Artigo 196º e o Artigo 198º, ambos do CPPT, ex-vi do Artigo 30º nº 2 e 3 da LGT; N. Não podendo ser exigido a uma Parte o cumprimento do CPPT e simultaneamente conceder à outra Parte uma suposta e injustificada isenção à mesma Lei com o ‘bónus’ de se eximir ao escrutínio e controlo judicial, numa patente inconstitucionalidade; O. Sendo obrigação dos Tribunais zelar pelo respectivo cumprimento de ambas - as inseparáveis faces desta mesma “moeda”, desta relação tributária indissociável: Iv – Da Inconstitucionalidade – P. Todo indica, face ao que por ele é dito e defendido nos autos, que o ilustre MP entende que os funcionários da AT (e/ou a SS) têm um poder de VETO discricionário e insusceptível de ser escrutinado pelos Tribunais…; Q. Mas a Lei aplicável – o Artigo 198º nº3 do CPPT, ex-vi do Artigo 30º nº3 da LGT, determina o DEVER de implementar o Plano que cumpra a Lei sem mais delongas nem considerações pessoais; R. Atribuir aos funcionários da AT ( e/ou SS) um poder discricionário de aprovar ou reprovar um Plano, sem que possam ser sindicados judicialmente aferindo-se a legalidade da sua Decisão, seria verdadeiramente uma interpretação abusiva e inconstitucional do Artigo 30º nº 2 e nº 3 da LGT, por violação do Artigo 202º nº 1 e nº2 da CRP. A final requer: • A rejeição do presente Recurso por falta de Acórdão Fundamento que, verdadeiramente, aborde a questão em causa; a obediência ao Artigo 198º nº3 do CPPT, preenchendo o requisito necessário para o efeito; • Que seja considerada como inconstitucional a consideração feita de qualquer interpretação da Lei que isente a AT (e SS) de cumprir os normativos e preceitos legais nomeadamente o Artigo 198º do CPPT, como se estivessem isentos do seu cumprimento; • A confirmação da Homologação deste Plano PER de forma oponível a todos os Credores incluindo a AT, nos termos legais, pois o Plano respeita in totum a indisponibilidade fiscal. II. Admissibilidade e objeto do recurso 1. Da admissibilidade do recurso: Nos presentes autos veio a recorrente interpor recurso de revista, ao abrigo dos artigos 14º, nº 1 do CIRE, e 629º nº 5 e 672º nº 1 alª c) do CPC, ex vi do artigo 17º do CIRE, alegando contradição existente entre o Acórdão recorrido e Acórdão fundamento do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 27/05/2025 prolatado no P. 22595/23.0T8LSB-A.L1.S1 já transitado em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, inexistindo acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme. Estamos no âmbito de um processo especial de revitalização, com regulamentação nos artigos 17º- A a 17º- J do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE). Nos termos do nº. 3 do art. 17º-A do CIRE, ao processo especial de revitalização aplicam-se todas as regras do CIRE que não sejam incompatíveis com a sua natureza, sendo-lhe, desse modo, aplicável o regime de recursos previsto no art. 14º do CIRE. Dispondo o nº 1 do art. 14º um regime especial de Recursos, segundo o qual “no processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme” A admissibilidade do recurso resulta assim, da demonstração de oposição entre acórdãos proferidos por alguma das Relações ou pelo STJ e o acórdão de que se pretende recorrer. A que acrescem os demais requisitos gerais exigíveis, máxime o do valor da causa em face da alçada da Relação, nos termos do art. 629º, nº. 1 do CPC., aplicável ex vi do art. 17º nº. 1 do CIRE. Requisitos (gerais) que, no caso, estão presentes, importando assim verificar da oposição de julgados apta à admissibilidade da presente revista. “A oposição relevante em termos de admissibilidade de recurso pressupõe que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, que determine a aplicação em cada um do mesmo regime legal, de modo direto conflituantes, com soluções de direito opostas e como tal inconciliáveis, e em conformidade contraditórias.” - Ac. do STJ, de 19-12-2023, P. 2297/22.6T8STR.E1.S1.1 A contradição de julgados exige, assim, a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais, sendo as soluções em confronto, divergentes e no domínio da mesma legislação. Deve ainda, a contradição de acórdãos, verificar-se num quadro normativo substancialmente idêntico e, não ter ocorrido uniformização de jurisprudência (AUJ) que cubra a situação em litígio. No caso, verifica-se que, em ambos os Acórdãos (recorrido e fundamento) colocou-se como questão central a de saber se, em face da especial natureza do crédito tributário, naquele caso da Segurança Social, e neste caso da Autoridade Tributária, tendo ambas as instituições do Estado votado contra o plano, que foi aprovado por maioria, deve, ou não, ser recusada a sua homologação judicial, ou, no mínimo, declarada a sua ineficácia quanto ao credor Estado-AT ou Segurança Social. Em ambas as situações contempladas no Acórdão fundamento e Acórdão recorrido, o plano prevê um pagamento faseado de créditos tributários, dentro dos limites do número de prestações e nos termos impostos pelas normas de direito tributário, aplicáveis. Apresentam, porém, soluções opostas no que diz respeito ao valor do voto desfavorável ao plano proferido pelo Estado-AT ou pela Segurança Social. De acordo com o Acórdão fundamento, constituirá violação das normas imperativas a introdução no plano de um esquema de pagamento faseado dos créditos tributários, ainda que com observância dos limites previstos no regime tributário aplicável, sempre que o credor a tal se oponha, porque a vontade manifestada através do voto é um dos elementos intrínsecos do princípio da indisponibilidade e irredutibilidade dos créditos fiscais. E, perante a falta de autorização do Estado quanto ao seu crédito, a homologação do plano homologado constituirá uma violação não negligenciável da lei. Cuja consequência será a ineficácia do mesmo perante o Estado. Já o Acórdão recorrido, considera que o voto da Autoridade Tributária não configura um voto de qualidade, não dispondo esta de um direito de veto no sentido de a validade/legalidade do Plano depender do voto favorável do Estado, pelo que a possibilidade da sua homologação por sentença depende apenas do cumprimento das normas legais tributárias que preveem os requisitos e/ou os limites para a extinção ou redução dos créditos do Estado ou para a reestruturação do seu pagamento no tempo. Ocorrendo “violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo” apta à não homologação do plano, apenas se se demonstrar o desrespeito deste por tais normas. Em ambos os acórdãos em confronto, está em causa o mesmo normativo e, sobre a questão em litígio não se mostra fixada jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça. A divergência de posições quanto à questão central sustenta a admissibilidade do recurso, que por isso, vai admitido. 2. Objeto do recurso A questão a dirimir consiste em saber se o plano aprovado, com o voto desfavorável da autoridade tributária, ainda que prevendo um pagamento fracionado dos créditos tributários sem redução de capital ou de juros e respeitando as condições do artigo 196º do CPPT para o pagamento da dívida tributária em prestações, viola o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais. Não devendo, por isso, ter sido homologado nos termos em que o foi, ou seja, sem qualquer restrição ou ineficácia do mesmo relativamente aos créditos da Autoridade Tributária. III – Fundamentação de Facto Importa atender à seguinte factualidade / incidências processuais: 1. Em 09.08.2024 a devedora-recorrida requereu o presente procedimento especial de revitalização com apresentação da lista de credores por categorias de créditos, nos termos do art. 17º-C, nº 3, al. d) do CIRE. 2. Em 13.08.2024 foi proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório (AJP), que recaiu sobre a administradora judicial indicada pela devedora, despacho que foi objeto de publicação por anúncio no portal Citius e afixação de edital. 3. Em 11.09.2024 a AJP juntou lista de créditos provisória no montante total de €6.974.757,59, do qual €5.318.648 qualificado como créditos subordinados (titulados por quatro sociedades do grupo societário em que se integra a devedora, sendo €4.929.129,68 de Bring Global Services, SA), €1.373.317,00 como créditos privilegiados (sendo €185.229,53 da Autoridade Tributária, representada pelo Ministério Público, €903.606,47 do Instituto da Segurança Social, e os demais a título de créditos laborais, parte dos quais sob condição), e o remanescente como créditos comuns. 4. Em 18.09.2024 foi apresentada impugnação à lista pela devedora, aduzindo que o credor AT não reclamou a totalidade dos créditos emergentes de factos tributários constitutivos anteriores à data da nomeação da AJP mas que só se vencerão e ficarão em mora ao longo do PER (processamento de julho 2024 submetido à AT em 01.08, e 3 declarações modelo 22 submetidas em 06.07.2024), perfazendo o montante total de €496.416,28, acrescido de custas e juros que se irão vencer até à aprovação do Plano, e requereu a correção da lista em conformidade. 5. Em 03.10.2024 a AT, através do Diretor de Serviços da DSGCT, manifestou à AJP, com conhecimento aos autos, a sua intenção de participar nas negociações em curso, mais aduzindo que, por imperativo legal, a regularização dos créditos fiscais em prestações deve obedecer ao disposto no art. 196º do CPPT, nos termos que expressamente enunciou - prestações mensais, iguais e sucessivas, até ao máximo de 36 ou 150 prestações, não podendo cada uma delas ser inferior a ¼ ou a 10 UC’s, respetivamente, a redução só se dará por juros de mora vencidos e vincendos nos termos do DL nº73/99 de 16.03, aceitando as taxas que vierem ser a ser acordadas pela Segurança Social face à renúncia dos demais credores e às garantias constituídas e/ou a constituir; não haver lugar à redução de coimas e custas; não haver lugar a qualquer moratória; e manutenção das garantias existentes, nos termos do n.º 13 do artigo 199º do CPPT. 6. Em 14.11.2024 a devedora juntou acordo de prorrogação do período de negociações em mais 30 dias subscrito pela AJP. 7. Por despacho de 18.11.2024 foi ordenada a notificação da impugnação da devedora à AJP e à recorrente para se pronunciarem. Continuados os autos com vista em 20.11.2024, o Ministério Público nada ofereceu ou requereu. 8. A recorrente respondeu à impugnação da devedora em 21.11.2024, alegando que reclamou toda a dívida da recuperanda que se mostrava certa, líquida e exigível, que não pode reclamar créditos não vencidos, que carece de sentido invocar o art. 196º, nº7 do CPPT por este pressupor a existência de um plano homologado e não ter aplicação automática, e que a pretensão da devedora “indicia que antecipadamente sabe que irá cumprir futuras liquidações que lhe serão imputadas e exigíveis e, por força do incumprimento, estará insolvente.” Concluiu pela improcedência da impugnação e pelo reconhecimento apenas do valor efetivamente reclamado. 9. Na mesma data a AJP respondeu à impugnação da devedora, alegando que aos créditos fiscais não se aplica a regra geral da ‘data de corte’ dos créditos reconhecidos no PER com a nomeação do AJP posto que o art. 196º, nº 7 do CPPT, norma especial que se sobrepõe ao CIRE, determina que os créditos que devem ser reconhecidos à AT serão todos os referentes aos «factos tributários constitutivos» à data da aprovação do Plano, pelo que é a data da sentença que o homologa que determina o momento de reconhecimento dos créditos da AT, sendo esse o entendimento desta entidade e da jurisprudência, concluindo que por hábito os serviços da AT reclamam apenas os créditos em incumprimento e em cobrança coerciva vencidos à data da nomeação do AJP mas, por força dos arts. 30º, nº 3 e 196º, nº 7 do CPPT, o valor dos seus créditos reconhecidos é o existente na data da sentença de homologação do PER. 10. Em 18.12.2024 a devedora juntou proposta de Plano de Revitalização acompanhada de Estudo económico e Financeiro - Artigo 17º-F, nº 1, al. e) PER;//As declarações dos Gerentes de Aceitação do Mandato - Artigo 202º, nº1 CIRE;//Declaração de Viabilidade do Plano – Artigo 17º-A, nº2 do PER-CIRE;// Lista de direitos de voto distribuídas por categorias: Artigo 17º-F, nº 1, al. d) PER;//Lista de credores não abrangidos pelo PER - Artigo 17º-F, nº 1, al. e) PER; e requereu a publicação com edital do depósito do Plano e consignou estar “à disposição para apresentar versão finalíssima com as eventuais correções e melhorias sugeridas pelos credores.”, publicação que foi cumprida em 27.12.2024. 11. Em 30.12.2024, através de email imputado à chefe de divisão, AA, e remetido pelo endereço eletrónico dsgct-insolve@at.gov.pt da ‘DSGCT – Insolvências’, foi comunicado à AJP e ao Ministério Publico do Tribunal da Praia da Vitória que pela consulta ao portal citius no dia 27.12.2024 a AT foi informada que o devedor depositou nos autos a versão final do plano de revitalização, mas que não recebeu essa versão do plano, e mais solicitou a sua remessa para endereço eletrónico, correspondente ao do envio da comunicação, pedido que o Ministério Público ordenou fosse remetido aos autos “a fim de ser dado conhecimento ao Administrador de Insolvência” mas ao qual a secção deu prévia satisfação através da remessa da proposta de Plano à DSGT pela via solicitada, em 30.01.2024. 12. Em 02.01.2025 a devedora declarou ter procedido a algumas correções sugeridas pelos seus credores nas impugnações apresentadas ao abrigo do art. 17º-F, nº 2 do CIRE e juntou ‘a versão finalíssima’ da proposta de Plano de Revitalização, no qual descreveu passivo no montante total de €7.989.000,00, do qual €582.000,00 a título de tributos AT e €1.082.000 a título de Contribuições SS, acompanhada de documentos epigrafados nos termos descritos em 10, e requereu a sua publicação, o início da votação e o cômputo da mesma por (4) categorias – designadas por ‘tributos e contribuições’, ‘prestação de trabalho’, ‘comuns’, e ‘subordinados' - nos termos do art. 17º-F, nº 5, al. a) do CIRE. 13. Sob as alínea e epígrafe “c) Tributos, Autoridade Tributária e Segurança Social” o Plano aprovado prevê o seguinte: • As responsabilidades por factos tributários anteriores à aprovação deste Plano serão regularizadas nas condições habitualmente estabelecidas pela AT e pela SS. ➢ As dívidas para com a AT por factos tributários liquidados e devidos até ao edital com a aprovação do PER, serão todas pagas nas condições do CPPT, nomeadamente com os prazos previstos no art. 196º nº7, CPPT para empresas em dificuldades, ➢ As dívidas para com o IGFSS já estão na fase executiva, pelo que a empresa opta nos termos do art.190º, nº1 do CSPRCSS in-fine, regularizar a dívida nos termos do CPPT, em igualdade com a AT, nos prazos máximos do art. 196º e nas restantes condições do CPPT. * • As responsabilidades para com a AT serão regularizadas da seguinte forma. Propõe-se pagar as dívidas para com a AT nos termos do art. 196º do CPPT e com respeito pelo art. 30º, nº3 da LGT, num prazo de até ao máximo de 150 prestações. As prestações de capital são mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao terminus do prazo previsto no n.º 5 do art. 17-D do CIRE, não existindo quaisquer moratórias no início dos pagamentos. A prestação será de capital constante acrescidos de juros variáveis à taxa legalmente aplicável, para os juros de mora aplicáveis às dívidas do estado, ou nos termos do Decreto-Lei n.º 73/99 de 16 de Março. A parte do capital de cada uma das prestações será no mínimo de 10UC, até se perfazer o pagamento, valor a acertar pelo Chefe de Finanças à data da implementação do Plano.= Não há nenhuma redução de créditos para com a AT, prescrevendo-se o pagamento da totalidade do crédito da AT, incluindo juros, coimas e custas. Para os efeitos previstos do n.º 1 do artigo 17º-E do CIRE, determina-se, nos termos da sua parte final, que a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT, pelo que as ações executivas pendentes para cobrança de dívida à AT não são extintas, mantendo-se suspensas após aprovação e homologação do Plano de Revitalização até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado. Dispensa de constituição de novas garantias, mantendo-se as atuais garantias, nos termos do n.º 13 do artigo 199.º do CPPT., e dispensa de substituição da Administração. Os créditos Tributários que não tenham sido reclamados pela AT nos termos do art 17º-D, nº2 PER, mas sejam “respeitante a facto tributário anterior à data de aprovação do plano” serão regularizados nos termos do CPPT, em especial o nº7 do art .196º do CPPT, conforme exigido pelo art 30º, nº3 da LGT, e de onde se extrai o seguinte trecho ao qual este plano obedece escrupulosamente: Art. 196º, nº7 CPPT Quando o executado esteja a cumprir plano de recuperação aprovado no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas, e demonstre a indispensabilidade de acordar um plano prestacional relativo a dívida exigível em processo executivo não incluída no plano ou acordo em execução, mas respeitante a facto tributário anterior à data de aprovação do plano ou de celebração do acordo, e ainda quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado, até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do n.º 5. (Redação da Lei n.º 100/2017, de 28 de agosto) * * • As responsabilidades para com a “SEGURANÇA SOCIAL” serão regularizadas da seguinte forma: a) A totalidade da dívida reconhecida à Segurança Social no PER será regularizada através de Plano Prestacional, no âmbito da Execução Fiscal, em 150 (cento e cinquenta) prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação até ao final do mês seguinte ao da votação do plano de revitalização; b) Pagamento de juros vencidos e vincendos calculados de acordo com a taxa de juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas; c) Garantias: Dispensa de constituição de garantias, nos termos do artigo 199º, nº 13, do CPPT; d) As ações executivas pendentes para cobrança de dívida à segurança social, no âmbito das quais será implementado o plano prestacional, não são extintas, sendo suspensas, nos termos do artigo 194.º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, na sequência da presente autorização e até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado”. e) Se vier a existir nova dívida durante o PER, a mesma será regularizada nos termos do art 196º, nº7 CPPT ex vi art. 190, nº1 do CRCSPSS, na redação em vigor dada pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio. 14. Em 06.01.2025, através de email imputado à chefe de divisão da Autoridade Tributária e Aduaneira, AA, e remetido pelo endereço eletrónico dsgct-insolve@at.gov.pt da ‘DSGCT – Insolvências’ aquela comunicou aos autos que a posição da administração fiscal relativamente ao plano objeto de publicação no portal Citius em 27.12.2024 é de ‘apreciação desfavorável’, pelas razões que ali expôs, nestes termos: “1. No início do PER a AT reclamou créditos no valor de € 185.229,53. A Devedora, na presente data apresenta em dívida o valor global de € 553.618,77, o que significa que continua a constituir dívida nova.//Portanto, um aumento da dívida, desde agosto de 2024, de € 368.389,24. 2. Ou seja, não para de constituir dívida nova. 3. Acresce que a parte da dívida, refere-se à falta de pagamento de impostos retidos e/ou repercutidos a terceiros, no caso, de retenções de IRS não entregues (desde 2023) e IVA liquidado e não entregue, podendo assim, parte dessa dívida indiciar crime de Abuso de Confiança, face à previsão do artº 105º do RGIT. Neste caso, ocorre duplo prejuízo para o Estado na medida em que os trabalhadores/fornecedores nas suas declarações de IRS/IVA declaram o imposto retido/deduzido e pagaram menos imposto ou receberam reembolso de verbas que não entraram nos cofres do Estado. 4. De acordo com a declaração IES apresentada para 2023 a requerente é detida a 100% pela sociedade “.......57 - BRING GLOBAL SERVICES, S.A.” com NIF .......57 a qual também se encontra em processo PER. 5. Nos elementos contabilísticos constantes da IES de 2023 verificam-se saldos nas contas Clientes no valor de € 1.514.887,87 e Outras Contas a Receber no valor € 1.426.016,90, sendo que o Plano (não forneceu qualquer demonstração financeira) é omisso quanto a prazos e diligências de recebimento. 6. A empresa já teve cerca de 50 Planos Prestacionais deferidos, no entanto desses apenas metade foram concluídos por pagamento, os restantes foram interrompidos. Assim, constata-se que a empresa não soube aproveitar as oportunidades e facilidades legalmente concedidas pela AT para regularização das suas obrigações de pagamento. 7. Não se afigura credível que uma empresa que não retomou o pagamento das suas obrigações correntes para com a AT o irá fazer após este processo, em simultâneo com o pagamento do passivo que acumulou, em que a taxa de esforço mensal será substancialmente mais exigente. Refira-se que, nos termos do nº 11, do artº 17º-F do CIRE, a decisão homologatória do plano apenas vincula relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 5 do artigo 17.º-C, ou seja à data do inicio do PER. 8. O plano prevê a aplicação do Art. 196º, nº7 CPPT, ora não faz qualquer sentido invocar, nesta fase do processo PER, o n.º 7 do artigo 196º do CPPT. Como resulta evidenciado da sua simples leitura, a previsão e enquadramento nele plasmado, acontece após a homologação do PER e não no decorrer deste. Ou seja, o normativo em causa, habilita o recuperando, que esteja a cumprir plano de recuperação – que não será o caso dos autos dado a ausência de plano aprovado quanto mais homologado – a apresentar pedido, à posteriori, cumprindo os requisitos previstos, de poder beneficiar, para a nova dívida, por fato tributário anterior, de um novo plano prestacional autónomo. E, esta norma não tem uma aplicação automática ou um benefício concedido por antecipação. Está sempre sujeito a requerimento fundamentado e a despacho subsequente. 9. No Plano não logrou apresentar uma estratégia consistente e incrementadora de rendimentos nem a forma de libertar meios que regularizem a dívida já constituída, para cumprimento dos pagamentos prestacionais propostos pela requerente, bem como, os pagamentos correntes.” 15. Em 09.01.2025 a devedora apresentou e requereu a junção aos autos documento epigrafado de ‘Estudo de mercado’ alegando que o mesmo “contém as bases e os fundamentos sólidos e credíveis das perspectivas, apresentadas no EEF do Plano, quanto à evolução e ao futuro da actividade da empresa, depois do PER.//Ele ajuda a compreender e a fundamentar as previsões económicas apresentadas no referido EEF de viabilidade da empresa (…).” 16. A junção de nova versão foi publicada no portal citius em 16.01.2025 nos termos e para os efeitos do art. 17º-F, nº 3 do CIRE e em 17.01.2025 a chefe de divisão da DSGCT – Insolvências faz novo pedido nos termos descritos em 11, mas agora dirigido ao tribunal e também à AJP, pedido que reiterou em 21.01.2025 e foi objeto de satisfação pela secção em 22.01.2025. 17. Em 27.01.2025, através de email imputado à chefe de divisão, AA, remetido pelo endereço eletrónico dsgct-insolve@at.gov.pt para os endereços eletrónicos do tribunal judicial da Praia da Vitória e da AJP nomeada e identificado nos autos, sob o assunto ‘Votação de Plano PER - nº...........PV’ aquela comunicou que a posição da administração fiscal relativamente ao plano de revitalização apresentado nestes autos e objeto de publicação por anúncio de 16.01.2025 é de “votação desfavorável”, reiterando o exposto na comunicação de 06.01 e mais acrescentando: Assim, a Fazenda Nacional está subordinada à observância das normas legais aplicáveis à regularização dos créditos tributários.//Tais normas consubstanciam-se nos artºs. 30º./2 e 3 e 36º/3, da LGT., e artºs. 85º./3, 196º, e 199º, do CPPT e artº 125º, da Lei 55-A/2010, de 31/12.//Consagram as referidas normas os princípios da indisponibilidade dos créditos tributários e da proibição da moratória, bem como o seu regime de regularização prestacional. Refira-se que o disposto no nº 2, do artº 30º da LGT, nos termos do nº 3, do mesmo dispositivo legal, na redação que lhe foi dada pela Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, “prevalece sobre qualquer legislação especial”, impondo-se, o principio da indisponibilidade dos créditos tributários, sobre as disposições estabelecidas no C.I.R.E ou em qualquer outra legislação especial. Pelo que, neste caso, aplica-se em absoluto e de forma inelutável a regra de que o principio da indisponibilidade dos créditos tributários se sobrepõe a qualquer outra legislação especial, nomeadamente ao CIRE, e à ideia de que os créditos tributários cedem face à posição maioritariamente assumida em Assembleia de Credores; b) face à publicitação do plano, nos termos do nº 1 e 2 do artº 17º-F do CIRE e à sua, eventual, aprovação, que seja requerida a não homologação do mesmo ou que da, eventual, sentença homologatória do plano venha a constar a previsão de que o acordo não produzirá efeitos relativamente os créditos da Fazenda Nacional; c) face ao, eventual, despacho judicial de homologação do acordo de pagamento que não venha a excluir da aplicação do plano os créditos da Fazenda Nacional, de que seja apresentado recurso e seja comunicado a este serviço qual o montante de taxa de justiça, devida pela interposição do mesmo, para que, tal importância, seja paga e remetido, a esses Serviços do Ministério Público, o, respetivo, comprovativo de pagamento. 18. Em 01.02.2025 a AJP juntou ata da votação, na qual consignou “procedeu-se à contagem dos votos emitidos, em referência ao Plano de Revitalização em epigrafe, votos estes remetidos ao escritório da Sra. AJP no prazo legalmente previsto contado do edital publicado a 16 de Janeiro de 2025, e terminado a 27 de Janeiro inclusive à meia noite”, e exarou o resultado da votação, no sentido da aprovação do Plano por maioria legal, quer pela regra das categorias nos termos do art. 17º-F, nº 1, al. e) do CIRE (com os votos favoráveis das categorias de créditos ‘tributos e contribuições’ – esta com o voto favorável do ISS, IP e o voto contra da AT -, trabalhadores e subordinados, e o voto desfavorável da categoria créditos comuns (em resultado do voto de um só fornecedor), quer pela regra dos 50% do total da lista nos termos do art. 17º-F, nº 5, al. b) do CIRE (os únicos votos desfavoráveis, emitidos por um fornecedor e pela DSGC da AT, representam 11% dos votos inscritos na lista de créditos e 7% dos votos expressos e validamente recebidos), resultado que exprimiu em quadro gráfico com indicação de todos os credores inscritos na lista, destes os que emitiram voto e o respetivo sentido, e que concluiu nestes termos com a quantificação do Total de Votos reclamados : 6.974.652 € 89,11%//Total de Votos Expressos : 6.653.260 € 93,42%//Total de Votos Favoráveis : 6.215.364 € 19. Na mesma data mais juntou parecer sobre a viabilidade e exequibilidade do plano aprovado, que concluiu pela positiva, no essencial, por considerar que o único valor para os credores advém da continuidade da atividade da devedora que, por isso, é mais vantajosa do que a liquidação, e “o plano apresenta um valor económico para os credores muito largamente superior à mera liquidação.” e é um Plano equitativo. IV- Fundamentação de Direito O recurso mostra-se fundamentado na violação dos artigos 30º, nºs 2, e 3, e 36º, n.ºs 2 e 3 da Lei Geral Tributária (LGT), artigos 196º e 199º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e, bem assim dos artigos 192º, 196º, als. a), e c), e 215º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), mais concretamente, na violação do princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais, o que na afirmação da Recorrente, conduz a uma violação não negligenciável de normas imperativas aplicáveis ao conteúdo do Plano. Concorda a Recorrente com o entendimento do acórdão da Relação de que, compulsado o plano de recuperação da devedora e os seus termos, o mesmo prevê um pagamento fracionado dos créditos tributários sem redução de capital ou de juros, respeitando, desse modo, as condições do artigo 196º do CPPT, o que em abstrato, poderia/deveria conduzir à autorização do plano pelo órgão de execução fiscal. A inconformidade recursiva advém do facto de, apesar dessa conformidade legal “abstrata”, a Autoridade Tributária ter votado contra o plano, e ao fazê-lo, não poderia o mesmo ter sido homologado por ocorrer violação não negligenciável da lei Cumpre, assim, decidir se o plano de recuperação aprovado, com o voto desfavorável da autoridade tributária, ao contrário do decidido nas instâncias, viola o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais em termos de configurar uma violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, não devendo, por isso, ser homologado nos termos em que o foi, ou seja, sem salvaguardar a sua ineficácia relativamente à Autoridade Tributária. Invoca a Recorrente, a seu favor, o entendimento jurisprudencial em curso no Supremo Tribunal de Justiça. Importa referir que, estamos no âmbito dum processo especial de revitalização (PER), mas a discussão da indisponibilidade dos créditos tributários (designadamente, do Estado e das Instituições de Segurança Social) não é nova e antecede a entrada em vigor do PER, tendo as suas origens no âmbito das medidas de recuperação do processo de insolvência. Como reporta o Acórdão do STJ de 17/04/2018, P. 5781/16.7T8VIS-D.C1.S1 (Pinto de Almeida): “Constituiu já entendimento predominante na jurisprudência que os créditos tributários poderiam ser alterados, como qualquer outro crédito, de acordo com o regime próprio da insolvência, mesmo contra a vontade do credor Estado, que intervinha aqui em posição de igualdade com os demais credores da insolvente. Esta situação alterou-se com a publicação da Lei 55-A/2010, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2011) que, no art. 123º, aditou ao art. 30º da LGT o nº 3 – “o disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”. No nº 2 desse artigo prescreve-se que o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária. Acresce que o art. 125º da referida Lei estendeu a aplicabilidade da aludida norma aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação (…). Esta alteração legal provocou uma inversão na orientação jurisprudencial, entendendo-se que a mesma afastava a interpretação até aí seguida no sentido de que a lei especial (da insolvência) derrogava a aplicação da lei geral (tributária), valendo as normas tributárias apenas no contexto da relação tributária (e não no processo de insolvência); passou, por isso, a recusar-se a homologação dos planos de insolvência que desrespeitassem o disposto na LGT.” O aditamento do nº 3 ao art. 30º da LGT alterou esse entendimento. Aceitando que, com o aditamento do nº 3 ao art. 30º da LGT (por via da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12) a lei geral tributária passou a prevalecer sobre a lei da insolvência (lei especial) e, desse modo, o n. 2 do artigo 30.º da LGT, ao prescrever que“2 - O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”, deixou de permitir a alteração dos créditos tributários como qualquer outro crédito, a discussão jurisprudencial a partir desse aditamento passou a centrar-se nas consequências da homologação do plano (no âmbito da insolvência e mais tarde do PER), que configure uma restrição ao conteúdo do crédito tributário, contra a vontade do credor tributário. Ou seja, passou a incluir-se a vontade do credor tributário expressa na votação do plano como integrante do princípio da indisponibilidade e a considerar a sua expressão como intangível. Nesse contexto, os tribunais inicialmente consideraram a nulidade total do plano a consequência legal inevitável à ofensa a essa intangibilidade, vindo depois a rejeitar essa tese, admitindo que, à luz dos interesses particulares envolvidos e da salvaguardada da organização económica e empresarial, não se justificava tornar o plano totalmente inaproveitável. Vindo então a lançar mão das teses da nulidade parcial e da ineficácia relativa para, assim, admitirem a homologação dum plano (acordo) de recuperação, nomeadamente quando negociado no contexto do PER e que, de acordo com a interpretação em curso, violasse a regra da indisponibilidade dos créditos tributários ou, mutatis mutandis, outros direitos de crédito que, por imperativo legal, se considerassem indisponíveis ou irrenunciáveis. Neste sentido, por exemplo, o acórdão do STJ de 09/06/2021, P.1412/20.9T8VNF.G1.S1: I - A imposição legal de proibição da modificação restritiva do conteúdo do crédito tributário não implica necessariamente a solução drástica de recusa de homologação judicial do plano de recuperação em PER, nos termos do arts. 215.º e 17.º-F, n.º 7, do CIRE, que o tornaria totalmente inaproveitável, com frustração dos interesses particulares envolvidos e acentuado prejuízo para a organização económica e empresarial que o sistema jurídico tende a salvaguardar até onde lhe for juridicamente possível. II - A solução mais equilibrada e curial, que permitirá harmonizar os interesses sociais e económicos que o legislador se propôs salvaguardar através da instituição do processo de revitalização, respeitando ainda os compromissos internacionalmente assumidos pelo Estado Português, com a intransigente defesa dos créditos tributários em geral, consiste em fixar a ineficácia relativa à homologação do plano de revitalização no que concerne aos créditos reclamados e aprovados de que é titular o Instituto da Segurança Social. III - O plano de revitalização produzirá assim os seus efeitos, aproveitando à recuperanda e seus credores na medida do acordado, com excepção daqueles que teriam reflexo na esfera jurídica do Instituto da Segurança Social, enquanto entidade titular de créditos de natureza tributária, ao qual não serão oponíveis, permanecendo estes intangíveis e imodificáveis no seu conteúdo.» A jurisprudência do STJ passou assim a assumir que o aproveitamento (ainda que parcial) do plano de recuperação favorece a recuperação e que a opção inversa (recusa de homologação) levará a empresa devedora à insolvência. A tese da recusa por nulidade total do plano de recuperação parece ter sido abandonada por conflituar com o propósito do PER e com a vontade de uma maioria favorável à recuperação. Mas a tese por nulidade parcial veio, também, a perder adeptos, com o argumento de que, ao contrário da nulidade (total) “tem de ser peticionada, para além de ser difícil concatenar esta circunstância com o preceituado naquele artigo 292.º do Código Civil, na parte em que preceitua que a anulação parcial não implica a invalidade de todo o negócio, salvo quando se demonstre que este não teria sido concluído sem a parte viciada. Quer dizer, a lei impõe que sejam sempre alegados factos no sentido de se poder inferir se o negócio teria sido ou não concluído sem a parte viciada em obediência ao princípio do pedido.”2 No propósito de conciliar interesses, na tentativa de salvar os planos de recuperação aprovados pelas maiorias necessárias e, simultaneamente, respeitar a vontade dos credores públicos quando estes votam contra o plano, a jurisprudência predominante do Supremo Tribunal de Justiça tem-se mostrado favorável à homologação de acordos de recuperação sem, contudo, afetar os créditos tributários, ou seja, pela via da ineficácia relativa do plano. Vejamos o normativo convocável à discussão. Dispõe o art. 17º-F do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), alusivo à “Conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa” que, concluída a votação: «5 - Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados, se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que: a) No caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, seja votado favoravelmente em cada uma das categorias por mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, não se considerando como tal as abstenções, obtendo desta forma: (…) b) Nos demais casos, sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 a 6 do artigo 17.º-D, não se considerando as abstenções, recolha cumulativamente: (…) 7 - Nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º, e aferindo: a) Se o plano foi aprovado nos termos do n.º 5; (…) e) Se a situação dos credores ao abrigo do plano é mais favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa, caso existam pedidos de não homologação de credores com este fundamento; (…) g) Se o plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma.» De entre as normas para as quais expressamente remete o citado art. 17º-F, nº 7, importa considerar as previstas nos arts. 195º, 196º, 215º e 216º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE). Prevê o art.195º, alusivo ao “Conteúdo do Plano” «1 - O plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência. 2 - O plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descreve as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente: (…); e) A indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação.» Estabelece o artigo 196º respeitante a “Providências com incidência no passivo” «1 - O plano de insolvência pode, nomeadamente, conter as seguintes providências com incidência no passivo do devedor: a) O perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, com ou sem cláusula ‘salvo regresso de melhor fortuna’; b) O condicionamento do reembolso de todos os créditos ou de parte deles às disponibilidades do devedor; c) A modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos; (…)» Dispõe o artigo 215 º, respeitante à “Não homologação oficiosa” do plano: «O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.» Importa ainda considerar o seguinte normativo tributário: I. Da Lei Geral Tributária (LGT) o seu artigo 30º: «1 - Integram a relação jurídica tributária: a) O crédito e a dívida tributários; (…). 2 - O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária. 3 - O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.» E o artigo 36º (Regras gerais): «1 - A relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário. 2 - Os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes. 3 - A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei. (…)» II. Do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT): O artigo 85º nº 3: «3 - A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária.» O artigo 196º : «Pagamento em prestações e outras medidas 1 - As dívidas exigíveis em processo executivo podem ser pagas em prestações mensais e iguais, mediante requerimento a dirigir, até à marcação da venda, ao órgão da execução fiscal. 2 - O disposto no número anterior não é aplicável às dívidas de recursos próprios comunitários e às dívidas resultantes da falta de entrega, dentro dos respectivos prazos legais, de imposto retido na fonte ou legalmente repercutido a terceiros, salvo em caso de falecimento do executado. 3 - É excepcionalmente admitida a possibilidade de pagamento em prestações das dívidas referidas no número anterior, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional ou criminal que ao caso couber, quando: a) O pagamento em prestações se inclua em plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação, e decorra do plano ou do acordo, consoante o caso, a imprescindibilidade da medida, podendo neste caso haver lugar a dispensa da obrigação de substituição dos administradores ou gerentes, se tal for tido como adequado pela entidade competente para autorizar o plano; ou (…) 4 - O pagamento em prestações pode ser autorizado desde que se verifique que o executado, pela sua situação económica, não pode solver a dívida de uma só vez, não devendo o número das prestações em caso algum exceder 36 e o valor de qualquer delas ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização. 5 - Nos casos em que se demonstre notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores, poderá ser alargado o número de prestações mensais até 5 anos, se a dívida exequenda exceder 500 unidades de conta no momento da autorização, não podendo então nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta. 6 - Quando, para efeitos de plano de recuperação a aprovar no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou de acordo a sujeitar ao regime extrajudicial de recuperação de empresas do qual a administração tributária seja parte, se demonstre a indispensabilidade da medida, e ainda quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do número anterior. (…).» Artigo 198º «Requisitos do pedido 1 - No requerimento para pagamento em prestações o executado indicará a forma como se propõe efectuar o pagamento e os fundamentos da proposta. (…) 3 - Caso o pedido de pagamento em prestações obedeça a todos os pressupostos legais, deve o mesmo ser objeto de imediata autorização pelo órgão considerado competente nos termos do artigo anterior, notificando-se o requerente desse facto e de que, caso pretenda a suspensão da execução e a regularização da sua situação tributária, deve ser constituída ou prestada garantia idónea nos termos do artigo 199.º ou, em alternativa, obter a autorização para a sua dispensa. (…).» Artigo 199º «Garantias (…) 13 - Os pagamentos em prestações ao abrigo de plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação que decorra do plano ou do acordo não dependem da prestação de quaisquer garantias adicionais. (…).» Exposto o normativo, regressemos às posições em confronto. A Recorrente defende a recusa da homologação do Plano com fundamento na ofensa ao princípio legal da indisponibilidade dos créditos fiscais previsto no art. 30º, nº 2 e 3 e 36º, nº 2 e 3 da Lei Geral Tributária (LGT). Defende ainda, confortada pelo acórdão-fundamento, que constitui violação das normas imperativas a introdução no plano de um esquema de pagamento faseado dos créditos tributários, ainda que com observância dos limites previstos no regime tributário aplicável, sempre que o credor a tal se oponha, porque a vontade manifestada através do voto é um dos elementos intrínsecos do princípio da indisponibilidade e irredutibilidade dos créditos fiscais. O acórdão recorrido, acompanhando a 1ª Instância, legitimou a homologação por esta do plano de revitalização que havia sido aprovado, sem restrições de eficácia considerando respeitadas as condições em que a lei ‘autoriza’/ ‘vincula’ a Autoridade Tributária (ou a Segurança Social) a autorizar o pagamento em prestações, não obstante o voto desfavorável da Autoridade Tributária. Considerando que a manifestação de vontade da autoridade tributária, não se integra em tal princípio de forma absoluta. Sucede que outro tem sido o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça. O nº 3 do art. 30º da Lei Geral Tributária ao estabelecer que o disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial sendo que, o número anterior dispõe que “o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”, veio reforçar o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários. E essa indisponibilidade pressupõe que o plano no respeitante ao seu crédito só possa ser modificado com o acordo do credor. Contudo, a imposição legal de proibição da modificação do conteúdo do crédito tributário não implica necessariamente a recusa da homologação judicial do plano de recuperação em processo especial de revitalização, nos termos do artigo 215º e 17º-F, nº 7, do CIRE, o que o tornaria inaproveitável, com frustração dos interesses particulares envolvidos e prejuízo para a organização económica e empresarial que o sistema jurídico tende a salvaguardar. Daí que venha o Supremo Tribunal de Justiça a optar pela solução que permita harmonizar os interesses sociais e económicos que o legislador se propôs salvaguardar através da instituição do processo de revitalização com a intransigente defesa dos créditos tributários em geral, solução que consiste em fixar a ineficácia relativa à homologação do plano de revitalização no que concerne aos créditos reclamados de que seja titular o Estado. O plano de revitalização produzirá assim os seus efeitos aproveitando à recuperanda e seus credores na medida do acordado, com exceção do acordado quanto ao crédito tributário, que permanecerá intangível. Concluímos pois que, o plano aprovado, com o voto desfavorável da autoridade tributária, prevendo um pagamento fracionado dos créditos tributários sem redução de capital ou de juros, ainda que respeitando as condições do artigo 196º do CPPT para o pagamento em prestações, viola o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais. Violando o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais ocorre violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano, logo, impõe-se a solução da ineficácia relativa do plano quanto a tais créditos. Sumário: - O plano aprovado, com o voto desfavorável da autoridade tributária, prevendo um pagamento fracionado dos créditos tributários sem redução de capital ou de juros, ainda que respeitando as condições do artigo 196º do CPPT para o pagamento em prestações, viola o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais. - Violando o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais ocorre violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano, logo, impõe-se a solução da ineficácia relativa do plano quanto a tais créditos. V- Decisão Em face do exposto, acorda-se em julgar a revista procedente e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida, no sentido de se manter a homologação do plano de revitalização, mas sendo o mesmo ineficaz em relação ao Estado, ao qual é inoponível. Sem custas. Lisboa, 21 de setembro de 2025 Anabela Luna de Carvalho (Relatora) Luís Correia Mendonça (1º Adjunto) Rosário Gonçalves (2º Adjunto) _______________________________________________ 1. Este, como os demais acórdãos citados, publicados em www.dgsi.pt.↩︎ 2. Ana Paula Boularot “APONTAMENTOS SOBRE OS EFEITOS DO PROCESSO ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO”, Revista JULGAR, 2017↩︎ |